A teologia define o Espírito Santo como a Terceira Pessoa da Trindade;
no Credo, nós o confessamos como procedente do Pai; o Evangelho nos ensina que
ele é enviado por Cristo para ser o Consolador, para nos fazer “alcançar a
verdade por inteiro[1]” e
para nos unir a Cristo e ao Pai. Nós começamos cada serviço litúrgico por uma
prece ao Espírito Santo, invocando-o como “Rei Celestial, Consolador, Espírito
de verdade, presente em toda parte e ocupando todo lugar, tesouro dos bens e
dispensador da vida”. São Serafim de Sarov descreve toda a vida cristã como a “aquisição
do Espírito Santo”. São Paulo define o Reino de Deus como “justiça, paz e
alegria no Espírito Santo[2]”.
Nós dizemos que os santos são portadores do Espírito Santo e queremos que nossa
vida seja espiritual, ou seja, inspirada pelo Espírito.
Na verdade, o Espírito Santo está no próprio coração da Divina
Revelação e da vida cristã. E, no entanto, quando queremos falar Dele, nos é
extremamente difícil encontrar as palavras justas – tão difícil que para muitos
cristãos o ensinamento da Igreja sobre o Espírito Santo enquanto Pessoa perdeu
todo significado concreto e existencial, de maneira a que eles o concebem como
uma potência divina: não como Ele ou Tu, mas como um divino Isso. Mesmo a
teologia, ainda que mantendo evidentemente a doutrina clássica das Três Pessoas
divinas ao falar de Deus, prefere, quando trata da Igreja e da vida cristã, falar
da graça, e não do conhecimento e da experiência pessoal do Espírito Santo.
Ora, no sacramento da unção, nós recebemos o próprio Espírito Santo, e
não apenas a graça: é isso que a Igreja sempre ensinou. Foi exatamente o
Espírito Santo, e não alguma potência divina, que desceu sobre os apóstolos no
dia do Pentecostes. É ele, e não a graça, que invocamos na prece pela qual
adquirimos um reforço espiritual. Assim, é evidente que o mistério último da
Igreja consiste em conhecer o Espírito Santo, em recebê-Lo, em estar em
comunhão com Ele. E o cumprimento do batismo na unção consiste na vinda do próprio
Espírito Santo que se revela ao homem e nele habita. Mas então, a questão é a
seguinte: o que significa conhecer o Espírito Santo, possuí-lo, estar Nele?
O melhor modo de responder a essa questão é comparar o conhecimento do
Espírito santo ao de Cristo. É claro que para conhecer a Cristo, para amá-Lo,
para aceitá-Lo enquanto sentido último, mantenedor e alegria de minha vida, eu
devo em primeiro lugar saber algumas coisas referentes a Cristo. Ninguém pode
crer em Cristo sem que tenha ouvido falar Dele e de Seu ensinamento, e é esse
conhecimento referente e Cristo que recebemos pela predicação apostólica, pelo Evangelho
e pela Igreja. Mas não seria exagerado dizer que no que diz respeito ao
Espírito Santo, essa sequência – conhecimento referente, de pois conhecimento de,
e por comunhão com – é invertida. Nós não podemos conhecer coisa alguma
referente ao Espírito Santo. Mesmo o testemunho daqueles que O conheceram
verdadeiramente e que estiveram em comunhão com Ele nada significa para nós se
não tivermos tido a mesma experiência. De fato, o que podem significar as
palavras que, na prece eucarística de São Basílio, designam o Espírito Santo: “...o
Dom da adoção, a Promessa da herança por vir, as primícias dos bens eternos, a
Força vivificante, a Fonte da santificação...”? Quando um amigo pediu a São
Serafim de Sarov que lhe explicasse o Espírito Santo, o santo não lhe deu uma
explicação, mas o fez partilhar de uma experiência que seu discípulo descreveu
como “de extraordinária doçura”, “uma extraordinária alegria em todo o meu
coração”, “um extraordinário calor” e “uma extraordinária suavidade”, e que são
a experiência do Espírito Santo; pois, como disse São Serafim, “quando o
Espírito de Deus desce sobre o homem e o recobre com Sua plenitude, a alma
humana transborda de uma alegria inexprimível, porque o Espírito de Deus
transforma em alegria tudo o que Ele toca”.
Tudo isso significa que conhecemos o Espírito Santo por Sua presença
em nós, presença que se manifesta principalmente por uma alegria, uma paz e uma
plenitude inexprimíveis. Mesmo na linguagem comum, essas palavras – alegria,
paz, plenitude – implicam algo que é justamente inefável, que por sua própria
natureza está além das palavras, das definições e das descrições. Elas se
referem a esses momentos da vida em que a vida está plena de vida, quando nada
falta, nem se deseja seja o que for, quando não existe angústia, temor ou
frustração. O homem fala sempre de felicidade e, na verdade, a vida é a busca
da felicidade, a aspiração à plenitude. Podemos assim dizer que a presença do
Espírito Santo é a realização da verdadeira felicidade. E como essa felicidade
não resulta de uma “causa” identificável e exterior, como é o caso de nossa
pobre e frágil felicidade terrestre que desaparece quando desaparece a causa
que a produziu, como ela não resulta de nada que seja desse mundo, e no entanto
se traduz numa alegria a respeito de todas as coisas, essa felicidade deve ser
o fruto em nós da vinda, da presença e da estada de Alguém que seja Ele próprio
Vida, Alegria, Paz, Beleza, Plenitude e Felicidade.
Esse Alguém é o Espírito Santo. Não existe ícone Dele, nenhuma
representação, porque Ele não se fez carne, não se fez homem. E, no entanto,
quando Ele vem e está presente em nós, tudo se torna Seu ícone e Sua revelação,
comunhão com Ele, conhecimento Dele. Pois é Ele que faz com que a vida seja
vida, que a alegria seja alegria, que o amor seja amor e a beleza, beleza, é
Ele que por conseguinte é a Vida da vida, a Alegria da alegria, o Amor do amor
e a Beleza da beleza, é Ele que, estando acima e além de todas as coisas, faz
do conjunto da criação um símbolo, o sacramento, a experiência de Sua presença:
encontro do homem com Deus e sua comunhão com Ele. Ele não está “à parte”, ou “em
algum lugar”, porque é Ele que santifica todas as coisas, mas Ele revela a Si
mesmo nessa santificação como se estivesse para além do mundo, além de tudo o
que existe. Graças à santificação, nós O conhecemos verdadeiramente, a Ele e
não a algum divino e impessoal “Isso”, embora as palavras humanas não possam
definir e isolar soba forma de uma objeto Aquele cuja revelação mesma enquanto
Pessoa consiste em que Ele revela cada um e cada coisa como coisa única e
pessoal, como sujeito e não objeto, e transforma todas as coisas em um encontro
pessoal com o divino e inefável Tu.
Cristo prometeu que o coroamento de Sua obra seria a descida, a vinda
do Espírito Santo. Cristo veio para restabelecer em nós a vida que havíamos
perdido devido ao pecado, para nos dar novamente a vida “em abundância[3]”.
E o conteúdo dessa vida é assim o Reino de Deus e o Espírito Santo. Quando vier
o grande e último dia do Pentecostes, serão a vida em abundância e o Reino de
Deus que serão verdadeiramente inaugurados, ou seja, que nos serão manifestados
e comunicados. O Espírito Santo, que Cristo possui por toda eternidade como Sua
Vida, nos é dado como nossa vida. Nós permanecemos nesse mundo, continuamos a
partilhar de sua existência mortal; entretanto, como recebemos o Espírito
Santo, nossa verdadeira vida está “oculta com Cristo em Deus[4]”,
e desde já somos participantes do Reino eterno de Deus, que, para esse mundo,
ainda está por vir.
Agora compreendemos porque, quando vier o Espírito Santo, Ele nos
unirá a Cristo, nos fará entrar no Corpo de Cristo, fará de nós participantes
da Realeza, do Sacerdócio e da Profecia de Cristo. Pois o Espírito Santo, sendo
Vida de Deus, é verdadeiramente a Vida de Cristo; Ele é, de maneira única, Seu
Espírito. Cristo, ao nos dar Sua Vida, nos deu o Espírito Santo; e o Espírito
Santo, ao descer sobre nós e habitar em nós, nos dá Aquele de Quem é Ele a
Vida.
Esse é o dom do Espírito Santo, o significado de nosso Pentecostes
pessoal no sacramento da santa unção. Ele nos sela – vale dizer, nos faz,
revela, confirma – como membros da Igreja, Corpo de Cristo, cidadãos do Reino
de Deus, participantes do Espírito Santo. E, por meio desse selo, Ele nos dá
verdadeiramente nossa própria identidade, e ordena a cada um de nós para que
sejamos, por toda a eternidade, aquilo que Deus deseja que sejamos, revelando
nossa verdadeira personalidade e, portanto, nossa realização única.
O dom é concedido plenamente, em abundância, em profusão: “Deus
concede o Espírito sem medida[5]”,
e: “De Sua plenitude, todos recebemos, e graça sobre graça[6]”.
Agora, nós devemos nos apropriar desse dom, recebê-lo verdadeiramente, torná-lo
nosso. É esse o objetivo da vida cristã.
Dizemos “vida cristã” e não “espiritualidade”, porque essa última
palavra se tornou ultimamente ambígua e enganadora. Para muitos, ela implica
uma atividade misteriosa e autônoma, um segredo que é possível atingir pelo
estudo de certas técnicas espirituais. O mundo hoje em dia é teatro de uma
busca inquieta por espiritualidade e misticismo e, nessa busca, tudo está longe
de ser são – fruto dessa sobriedade espiritual que sempre foi a fonte e o
fundamento da verdadeira tradição espiritual cristã. Muitos sábios e autoproclamados
mestres espirituais, explorando aquilo que com frequência é uma busca autêntica
e ardente pelo Espírito, arrastam seus discípulos a perigosos impasses espirituais.
É importante, assim, afirmar uma vez mais que a própria essência da espiritualidade
cristã é que ela se aplica sobre a vida inteira. A vida nova que São Paulo
define como sendo “viver pelo Espírito e caminhar sob o impulso do Espírito[7]”,
não é outra vida, nem um sucedâneo dessa: é a mesma vida que nos foi dada por
Deus, mas renovada, transformada e transfigurada pelo Espírito Santo. Todo
cristão – seja monge num eremitério ou engajado nas atividades do mundo – é chamado
a não dividir sua vida entre espiritual e material, mas a lhe devolver sua
integridade, a santificá-la por inteiro pela presença do Espírito Santo. Se São
Serafim de Sarov era feliz nesse mundo, se sua vida terrestre se tornou, ao
final das contas, uma torrente luminosa de alegria, se ele se regozijava com
cada árvore e cada animal, se ele acolhia cada um que vinha procurá-lo dizendo “minha
alegria”, é porque em tudo isso ele via o arrebatamento Daquele que está infinitamente
além de tudo, mas que faz de todas as coisas
experiência, alegria e plenitude de Sua presença.
“O fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, bondade, bem-aventurança,
fé, doçura, domínio de si...[8]”.
esses são os elementos da espiritualidade autêntica, a finalidade de todo
verdadeiro esforço espiritual, o caminho da santidade que é o fim último da
vida cristã. “Santo”, mais do que “Espírito”, é o termo que define o Espírito
Santo, pois a Escritura fala também de “espíritos do mal”. E como esse é o nome
do Espírito Divino, é impossível dar a Ele uma definição em linguagem humana. Ele
não é sinônimo de perfeição e bondade, virtude e fidelidade, embora contenha e
implique tudo isso. Ele é o fim de toda linguagem humana porque Ele é a própria
Realidade na qual tudo o que existe encontra sua realização.
“Um só é Santo”. E, no entanto, é a Santidade que recebemos como sendo
verdadeiramente o novo conteúdo de nossa vida na unção do próprio Espírito Santo;
e é por Sua santidade, elevando-nos sem cessar nela, que podemos realmente
transformar e transfigurar, tornar plena e santa a vida que Deus nos deu.
[1]
João 16: 13.
[2]
Romanos 14: 17.
[3]
João 10: 10.
[4]
Colossenses 3: 3.
[5] João
3: 34.
[6] João
1: 16.
[7]
Gálatas 5: 25.
[8]
Gálatas 5: 22.
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