quarta-feira, 18 de junho de 2014

Filocalia Tomo II Volume 2 - Gregório o Sinaíta: Da Hesíquia e da Prece

GREGÓRIO O SINAÍTA



DA HESÍQUIA E DA PRECE


Dos sinais da graça e da ilusão. Qual é a diferença entre calor e energia. Como é fácil, sem um guia, cometer o erro do sincretismo.

1. Seria preciso falar como o grande Doutor e não ter necessidade do auxílio das Escrituras[1], nem de outros Padres, ó Longino, você que traz o sinal, mas sim sermos ensinados por Deus – pois foi dito: “Todos serão ensinados por Deus[2]” - a fim de receber dele e por ele o conhecimento e de aprender o que é bom. Não foi apenas a nós, mas a cada fiel, que foi dado, como a lei do Espírito sobre as tábuas de nossos corações[3], trazer escrito ao mesmo tempo aqui e com os Querubins, o extraordinário, e de nos entretermos com Jesus por intermédio da prece pura.

Mas, se recebemos a nova criação[4] ainda crianças, não concebemos a graça nem percebemos toda a renovação, mas antes desconhecemos a transbordante imensidão da honra e da glória da qual participamos. E não sabemos que através dos mandamentos devemos crescer em nossa alma e nosso espírito, e ver com o intelecto aquilo que recebemos. A maior parte dentre nós, pela negligência e o estado passional, cai na insensibilidade e na cegueira. Não sabemos nem se Deus existe, nem o que somos, nem aquilo que nos tornamos ao nos tornarmos filhos de Deus, filhos da luz, filhos e membros de Cristo.

E se somos batizados na idade adulta, não percebemos senão a água, não sentimos o Espírito. Mesmo renovados no Espírito, não cremos senão com uma fé morta e inerte, não afirmamos plenamente aquilo que nos tornamos. Somos assim carne e vivemos e caminhamos segundo a carne. Se nos arrependemos, não observamos nem conhecemos os mandamentos senão de modo corpóreo, não espiritual. Se, depois de muitas penas, a alguns dentre nós é dado ver aparecer a graça em seu amor pelo homem, nós a vemos como uma ilusão. E quando ouvimos dizer que esta graça age em outros, ficamos com inveja e a vemos como um erro. Assim, permanecemos mortos até o último dia, e não vivemos nem agimos em Cristo. Como diz a Escritura, aquilo que temos nos será tirado[5] no momento do êxodo e do Juízo, por nossa descrença ou nossa desesperança. Nunca compreendemos que é preciso que os filhos sejam à imagem do Pai: deuses, pois eles vêm de Deus; espirituais, porque vêm do Espírito. Diz-se que aquilo que é nascido do Espírito é espírito[6]. Mas nós somos carne e, embora tenhamos recebido a fé e tenhamos nos tornado celestes, o Espírito de Deus não permanece em nós[7]. Se o Senhor permitiu a angústia e o cativeiro e deixou que se multiplicassem as carnificinas, é talvez porque quis nos corrigir com remédios mais fortes, ou nos separar, ou nos livrar da malícia.

2. Direi, antes de tudo, uma vez que Deus dá voz aos que anunciam tais bens[8], como podemos encontrar o Cristo que possuímos, ou que recebemos pelo batismo no Espírito, ou melhor, como podemos ser encontrados por ele. São as palavras do Apóstolo Paulo: “Não sabem que Jesus Cristo mora em seus corações?[9]”. Depois direi como avançar – possa isto ser assim – e como conservar o que foi conseguido.

A melhor maneira, e a mais curta, é expor brevemente os extremos e o meio, pois a coisa é muito vasta. É por isso que muitos levaram o combate só até achar o que buscavam, e aí detiveram seu impulso. Eles não foram mais longe e não se preocuparam com isto, contentando-se com o começo que encontraram. Quando encontraram um obstáculo e deixaram secretamente a via, eles imaginaram continuar no bom caminho, e marcharam para longe dele sem nenhum ganho. Outros, que chegaram até a metade do caminho da iluminação, pararam antes do fim. Foram negligentes, ou voltaram atrás vivendo na indiferença, e tornaram-se novamente noviços. Outros chegaram a tocar a perfeição, mas não foram suficientemente atentos. A presunção os fez cair, voltaram atrás e se viram outra vez trabalhando com os médios e os noviços. Ora, os noviços, os médios e os perfeitos têm cada qual sua própria via, uns a energia, outros a iluminação e outros a purificação ou a ressurreição da carne.


Como encontrar a energia

3.  A energia do Espírito, que recebemos misteriosamente no batismo, encontra-se segundo dois modos. Em primeiro lugar, de modo geral, por obra dos mandamentos, através de muitas penas e tempo, é que, segundo são Marcos[10], se revela o dom que, na medida em que cumprimos os mandamentos, nos ilumina mais e mais com sua própria irradiação. Em segundo lugar, o dom se manifesta na submissão, pela invocação aplicada e contínua do Senhor Jesus, ou seja, pela lembrança de Deus.

Seguimos mais lentamente a primeira via, e mais depressa a segunda, se aprendermos com esforço como cavar pacientemente a terra para encontrar ouro. Se quisermos encontrar e conhecer a verdade sem cairmos em erro, busquemos unicamente a energia do coração, sem imagens ou qualquer tipo de forma. Não tentemos nem ver em imaginação a forma ou a figura dos supostos santos, nem contemplar luzes, pois, com tais imaginações falsas, o erro vem bater no intelecto daqueles que não possuem experiência. Não nos liguemos senão na energia da oração que age no coração, que aquece e alegra o intelecto e inflama a alma com o inefável amor a Deus e aos homens. Veremos então uma grande humildade e uma grande contrição virem por intermédio da prece, uma vez que ela é, para um noviço, uma energia do Espírito Santo, espiritual e sempre em movimento, De início, ela é como que um fogo de alegria que sobe do coração. No final, ela é como uma luz ativa que espalha perfumes.

4. Estes são os sinais do começo, para aqueles que procuram realmente, mas que não tentam, como diz a palavra de sabedoria que afirma que ela é encontrada pelos que não tentam e se manifesta aos que não lhe são infiéis[11]. Em alguns ela se manifesta como a luz da aurora. Em outros, é uma exultação trêmula. Em outros, uma felicidade. Em outros, uma alegria mesclada de temor. Em outros, ela é tremor e alegria. Em alguns, às vezes, ela consiste em lágrimas e temor. A alma se regozija com a visita e a compaixão de Deus. Mas ela teme e treme em sua presença, pois é culpada de numerosos pecados. Outros, de início, ficam numa indizível contrição, numa pena inefável da alma, dolorosa como a da mulher que sofre no parto[12], conforme a Escritura. Pois a palavra viva e ativa – vale dizer: Jesus –, penetra nas juntas e na medula do corpo[13], como diz o Apóstolo, até a divisão entre a alma do corpo, para consumir pela força o que existe de passional em todas as suas partes. Em outros ainda, trata-se de um amor e de uma paz irresistíveis, que se revelam diante de nós. Em outros, é uma exultação que os Padres muitas vezes chamaram de sobressalto, uma potência do Espírito, um movimento do coração vivo. Podemos chamá-la também de pulsação e suspiro do Espírito intercedendo inefavelmente por nós junto a Deus[14]. Isaías a chama de “onda da justiça de Deus[15]”. O grande Efrém a chama de “picada”. O Senhor a chamou de “fonte de água que jorra na vida eterna[16]” (pois por “água” ele entendia “Espírito”), saltando no coração e transbordando de ardor e de poder.

5. É preciso saber que o sobressalto, ou a exultação, apresenta duas formas diferentes: a forma serena (a que chamamos pulsação, suspiro e intercessão do Espírito) e a grande alegria do coração (a que chamamos sobressalto e batimento, e que consiste num salto, um voo do coração vivo em direção ao céu e a Deus). Pois, ao receber do Espírito divino as asas do desejo amoroso e livre dos laços da paixão, a alma se esforça por voar para o alto antes mesmo de seu êxodo; ela tenta se livrar da pesandez.  Aí acontece o fremir do espírito, que chamamos de ardor transbordante e movimento da alma, conforme diz o Evangelho: “Jesus tremeu em espírito e ficou comovido, e disse: Aonde vocês o colocaram?[17]”.

O divino Davi explicou a diferença entre o grande e o pequeno sobressalto quando disse que as montanhas saltam como carneiros e as colinas como cordeiros[18]. Ele está falando dos perfeitos e dos noviços. Que as montanhas e as colinas sensíveis que ele evoca, e que não são vivas, possam saltar, isto é coisa que, para ele, ultrapassa a natureza.

6. É preciso saber que o temor a Deus não está ligado ao tremor (não me refiro ao tremor que vem da alegria, mas daquele que provém da cólera, ou seja, do castigo e do abandono). Com efeito, nasce da prece uma exultação trêmula no fogo do temor a Deus. Mas este temor não é aquele trêmulo temor da cólera e do castigo. Ele é o temor da sabedoria, do qual se diz ser o começo da sabedoria[19]. Existem três espécies de temor (embora os Padres só mencionem dois): o temor elementar e o temor perfeito, e ainda o temor da cólera, que devemos chamar propriamente de tremor: este é o que derruba e fere.

7. O tremor possui muitas formas diferentes. Um é o tremor da cólera, outro o da alegria, outro o do ardor (quando se diz que o sangue ferve em torno do coração), outro o da velhice, outro o do pecado, ou seja, do erro, outro ainda o da maldição que, por intermédio de Caim[20], foi imposta à raça dos homens. De início, o tremor que provém da alegria e o que provém do pecado combatem contra aquele que luta, mas isto não acontece com todos. Cada um dos dois é reconhecível. Um é a exultação trêmula, a graça que chama a alma para uma grande alegria e para as lágrimas. Outro é um calor inconstante, um torpor, uma dureza do coração, que queimam a alma, inflamam os membros que desejam se juntar e que, buscando na imaginação interior a união dos corpos e o amor, consentem e permitem o ultraje.

8. Nos noviços a energia é dupla. Ela age no coração de duas maneiras que não podem se misturar. Uma vem da graça, outra do erro. Isto é atestado pelo grande Marcos o Asceta: ele diz que existe uma energia espiritual e uma energia satânica[21], ignorada pela criança. E ainda, que o calor da energia que queima nos homens é tripla: uma vem da graça, outra do erro ou do pecado, e a outra da superabundância de sangue, a que Talassius o Africano chamava de compleição[22], e que pode ser amansada e apaziguada pela temperança.

9. A energia da graça é o poder do fogo do Espírito, suscitada no fundo do coração na alegria e no regozijo, firmando, aquecendo e purificando a alma. Ela faz imediatamente cessar os pensamentos e por um tempo paralisa os movimentos do corpo. Estes são seus sinais, e os frutos que manifestam a verdade: as lágrimas, a contrição, a humildade, a temperança, o silêncio, a paciência, o retiro, e tudo o que se lhes assemelha, tudo aquilo que nos faz ter uma certeza indubitável.

10. A energia do erro é a inflamação do pecado que esquenta a alma pelo prazer, suscitando no movimento do corpo o desejo furioso da cópula. Ela não possui nem consistência nem ordem, segundo são Diádoco. Ela é feita de uma alegria sem razão, de presunção, de confusão, de felicidade sem gosto e a que falta alimento. Num regozijo tépido, ela é feita sobretudo para satisfazer ao desejo. Imaginando uma matéria que inflama, ela opera com os prazeres e o ventre insaciável. Ela penetra e queima, com efeito, a compleição da carne, a fim de que o homem, dedicado ao usufruto do prazer por seu estado, expulse pouco a pouco de si a graça.


DA HESÍQUIA E DOS DOIS MODOS DA PRECE


1. Existem dois modos de união, ou antes, duas entradas que levam à prece do intelecto, que age no coração por meio do Espírito. Através destes dois modos, ou bem o intelecto que adere ao Senhor[23] em conformidade com a Escritura recebe em primeiro lugar a prece no coração, ou bem a energia, despertando paulatinamente no fogo da alegria, faz com que a prece atraia o intelecto e o incite a invocar o Senhor Jesus e unir-se a ele.

Pois se o Espírito age em cada um como quer[24], como diz o Apóstolo, pode acontecer que, em alguns, uma das formas de que falamos preceda a outra. Pode ser que a energia chegue ao coração ao diminuírem as paixões e manifeste o calor divino, pela invocação contínua de Jesus Cristo, pois, como diz a Escritura, nosso Deus é um fogo que consome[25] as paixões. Pode ser que o Espírito atraia o intelecto para si, encerrando-o nas profundezas do coração e impedindo seu movimento habitual. O intelecto então já não é um cativo levado aos Assírios fora de Jerusalém, mas é levado de Babilônia para Sião numa mudança bem melhor, e assim ele pode dizer com o Profeta: “É a você, Deus, que são endereçados os hinos em Sião, e a você é dirigida a prece em Jerusalém[26]”. E também: “Quando o Senhor trouxer de Sião os que eram cativos[27]”. E: “Jacó exultará e Israel se regozijará[28]”, ou seja, o intelecto ativo e contemplativo que, pela ação e com a ajuda de Deus vence as paixões e, pela contemplação, vê o próprio Deus, na medida em que isto é possível. É então que o intelecto, convidado para uma mesa abundante e cheia das delícias divinas, canta: “Você preparou para mim uma mesa, na cara dos demônios e das paixões que me atormentavam[29]”.


Como orar

2. Pela manhã, diz Salomão, semeie sua semente, ou seja, a prece, e que à tarde sua mão não descanse[30], a fim de não interromper no tempo a continuidade da prece e de não faltar no momento em que ela se esgotar. Pois, diz ele, você não sabe qual se realizará, se um ou outro[31].

Logo pela manhã, sentado num banquinho, faça o intelecto sair da razão, encerre-o no coração e guarde-o lá. Dolorosamente encurvado, com uma viva dor no peito, nas espáduas e na nuca, diga perseverantemente em seu intelecto ou em sua alma: “Senhor Jesus Cristo, tenha piedade de mim”. A seguir, por causa do suplício e da pena, e talvez também pela pesada continuidade (não devido ao único e contínuo alimento do triplo nome, pois “aqueles que no comem, foi dito, terão ainda mais fome[32]”), transporte o intelecto para a outra metade, e diga: “Filho de Deus, tenha piedade de mim”. Repita esta metade de muitas formas. Mas não mude frequentemente, por negligência. As plantas que são constantemente podadas não se enraízam. Retenha a subida do sopro, a fim de não respirar facilmente. Pois o movimento dos sopros provenientes do coração obscurece o intelecto e agitam o pensamento; ele o faz desviar-se ou o deixa cativo do esquecimento, ou fá-lo ocupar-se de uma coisa atrás da outra, e o intelecto termina por se encontrar insensivelmente aonde não deveria estar.

Se você perceber a aproximação das impurezas dos maus espíritos ou dos pensamentos, ou se eles tomarem forma em seu intelecto, não se perturbe. E se lhe ocorrerem bons pensamentos sobre as coisas, tampouco deixe sua atenção ligar para eles. Na medida do possível, retenha a respiração, encerre seu intelecto no coração e invoque continuamente, com perseverança, o Senhor Jesus. Você queimará e afastará rapidamente todas essas distrações, flagelando-as invisivelmente com o nome divino. Com efeito, disse João Clímaco: “Flagele com o nome de Jesus aqueles que o combatem. Não existe arma mais forte no céu ou sobre a terra[33]”.


Da respiração

3. Isaias o Anacoreta é testemunha da necessidade de reter a respiração, assim como muitos outros. Um disse: “Domine o intelecto desenfreado, ou seja, puxado e dissipado pela potência contrária que a negligência permite retornar à alma despreocupada, após o batismo, com outros espíritos ainda piores, como disse o Senhor. E sua última condição se torna ainda pior do que a primeira[34]”. Outro afirma que o monge deve ter a lembrança de Deus como respiração. Outro, que o amor a Deus antecede a expiração. E o Novo Teólogo disse: “Segure a respiração que vem do nariz, a fim de não respirar facilmente”. E João Clímaco: “Que a lembrança de Jesus se uma à sua respiração, e você então conhecerá o benefício da hesíquia[35]”. E o Apóstolo: “Já não sou eu quem vive, mas é Cristo que vive em mim[36]”, operando e inspirando a vida divina.

“O Espírito sopra aonde bem quer[37]”, diz o Senhor, tomando como exemplo o sopro do vento sensível. Quando nos tornamos puros, é porque recebemos a garantia do Espírito[38] e a palavra implantou-se[39] em nós como uma semente, segundo Tiago, o irmão de Deus. Aquele que transborda de bondade é então plantado em nós e nos conforma consigo permitindo-nos receber aquilo que não se partilha. Sem confusão, sem diminuição, ele nos faz cumprir a obra divina. Mas nós negligenciamos os mandamentos que mantêm a graça e, por nossa indolência, caímos novamente ante as paixões. E no lugar da respiração do Espírito Santo, nós nos enchemos dos sopros dos maus espíritos. É certamente daí que provêm os bocejos e o espreguiçamento, como dizem os Padres. Aquele que adquiriu o Espírito e dele recebeu a purificação é, com efeito, aquecido por ele e respira a vida divina, proclama-a, concebe e desenvolve, conforme a palavra do Senhor: “Não serão vocês a falar, mas o Espírito de meu Pai que falará por vocês[40]”. Mas aquele que carrega em si o contrário e que é dominado por ele, age e fala o oposto.


Como salmodiar

4. “Quem é preguiçoso, diz João Clímaco, deverá se levantar para orar. Depois sentar-se-á novamente e retomará corajosamente seu primeiro trabalho[41]”. Ele fala do que o intelecto deve fazer depois que atingiu a guarda do coração. Mas é claro que ele também está falando da salmódia. Diz-se que o grande Barsanulfo foi um dia interrogado sobre a salmódia e o modo de salmodiar, e o ancião respondeu: “As Horas e as odes são tradições da Igreja, e é bom que elas nos tenham sido transmitidas para a vida comum. Mas os monges de Sceta não cantam as Horas nem possuem odes. Eles têm um trabalho manual, uma meditação solitária e uma prece intermitente. Quando você se levantar para orar, diga o Trisagion[42] e o Pai Nosso. Peça a Deus que o liberte do homem velho. E não se demore: pois seu intelecto está em oração o dia todo[43]”. O ancião queria demonstrar que a meditação solitária é a prece do coração, e que a oração intermitente é o momento da salmódia. Também o grande João Clímaco diz claramente: “A obra da hesíquia é a ausência de preocupações em tudo, depois a prece ativa e, em terceiro lugar, a obra indefectível do coração[44]”. Este é o lugar da prece, portanto o lugar da hesíquia.


Das diferentes salmódias

5. Alguns ensinam que se deve salmodiar muito; outros, que se deve salmodiar pouco; outros, que não se deve salmodiar, mas apenas orar e fatigar-se, trabalhar com suas mãos, ou arrepender-se, ou dedicar-se a algum outro trabalho difícil. Qual é a diferença?

A resposta é: aqueles que, depois de muitos anos e muitas penas, encontraram a graça na vida ativa, ensinam aos demais conforme aprenderam, e não podem admitir que outros possam aí chegar em pouco tempo pelo estudo, a misericórdia de Deus e uma prece ardente, como diz o santo Isaac. Enganados pela ignorância e a presunção, eles os condenam, e afirmam que agir de outra forma é uma ilusão e não uma energia da graça. Eles não sabem que aos olhos do Senhor, segundo a Escritura, é fácil proporcionar rapidamente a riqueza ao pobre[45], e que “o começo da sabedoria é adquirir a sabedoria[46]”, a graça, como diz o Provérbio. Também o Apóstolo repreende seus discípulos que ignoram a graça, quando diz: “Não sabem vocês que Jesus Cristo mora em vocês? A não ser que sejam reprovados[47]”, ou seja, incapazes de progredir devido à sua negligência. Em sua incredulidade e sua autossuficiência, eles não admitiam as obras extraordinárias próprias da oração, que o Espírito cumpre em alguns singularmente.

6. Objeção. Diga-me: jejuar, abster-se, velar, permanecer em pé, fazer as metanias[48], chorar, ser pobre, estas coisas não são ações? Como pode você dizer, colocando apenas a salmódia, que sem a vida ativa é impossível manter a prece? Estas coisas não são ações?

Resposta. Se a boca ora e o intelecto se agita, qual é a vantagem? “Um edifica e o outro destrói; cansamo-nos à toa[49]”. Mas o intelecto deve trabalhar como o corpo. Caso contrário, seremos justos de corpo, mas com o coração cheio de toda acídia e impurezas. O Apóstolo confirma-o: “Se eu rezo com a língua, ou seja, com a boca, meu espírito está em oração, mas é apenas minha voz, e meu intelecto permanece estéril. Eu rezo apenas com a boca. Mas é preciso rezar também com a inteligência[50]”. E: “Eu prefiro dizer cinco palavras, etc.[51]”. João Clímaco o testemunha, ao dizer: “Prefiro dizer cinco palavras com minha inteligência, etc.”.

Existem muitas obras, mas elas são parciais. A grande obra que a tudo engloba, a fonte das virtudes segundo João Clímaco, é a prece do coração, por meio da qual se descobre todos os bens[52]. “Não há nada mais terrível, diz são Máximo, do que o pensamento da morte, e nada maior do que a lembrança de Deus[53]”. Aqui ele mostra a transcendência da obra. Porém muitos, cegos por sua extrema insensibilidade e por sua ignorância, têm pouca fé e se recusam a entender que existe uma graça no tempo atual.

7. Penso que os que salmodiam pouco fazem bem. Eles observam a proporção mais justa – segundo os sábios, toda medida é excelente – e não esgotam toda a potência da oração na vida ativa. Assim, o intelecto, não se mostrando negligente à oração, não relaxa diante dela. Mas, se eles salmodiam apenas em parte, eles se desdobram o mais possível na oração. Há, entretanto, momentos em que, sufocado por seu apelo contínuo e pela constante repetição, o intelecto pode dar-se um repouso, deixando a estreiteza apertada da hesíquia pelas extensões da salmódia. Este é o melhor conselho e o ensinamento dos homens mais sábios.

8. Aqueles que nunca salmodiam fazem bem, se estiverem suficientemente avançados. Eles não precisam de salmos, mas de silêncio, de prece contínua e de contemplação, se lhes foi dado receber a luz. Eles estão unidos a Deus e não têm necessidade de separar dele seu intelecto para lança-lo na confusão. A vontade própria faz tombar o obediente, diz João Clímaco[54]. E a interrupção da prece faz cair o hesiquiasta. Quando ele se separa da lembrança de Deus como de seu esposo, seu intelecto se torna adúltero: ele se toma de amor pelas menores coisas.

Nem sempre é possível ensinar aos demais este tipo de prece. Aos simples e aos iletrados que vivem na obediência, sim: pois a obediência, pela humildade, participa de todas as virtudes. Mas aos que não obedecem, sejam eles simples ou sábios, não se pode ensinar, para que não sejam levados a se perder. Quem não segue senão a si mesmo, com efeito, não pode escapar à presunção, que acompanha naturalmente o erro, diz o santo Isaac[55].

Alguns, que não veem o perigo das consequências, não ensinam senão este tipo de oração aos que encontram, para que seu intelecto, dizem eles, adquira a prática e o amor à lembrança de Deus. Mas isto é inadmissível, sobretudo com os monges independentes. Pois seu intelecto ainda se encontra impuro, por causa da negligência e da autossuficiência. Ele não foi purificado pelas lágrimas, e reflete mais as más imagens dos pensamentos do que a oração, quando os espíritos impuros que estão no seu coração, perturbados pelo som terrível, grunhem e tentam destruir aquilo que os flagela. Se o monge independente escuta, se recebe o ensinamento relativo a esta obra e tenta mantê-lo, ele cairá em um destes dois males: ou se desvirtuará, e, iludindo-se, não será curado, ou será negligente, e não fará nenhum progresso durante toda a sua vida.

9. Direi eu, na medida em que conheço um pouco o assunto por experiência própria: quando você permanecer na hesíquia, dia e noite, orando a Deus constantemente, sem pensamentos, humildemente, e seu intelecto esteja esgotado de chamar, seu corpo esteja dolorido e o coração não sinta mais nem calor nem alegria, demasiado concentrado pela invocação de Jesus, que dá a resolução e a paciência àquele que combate, então levante-se, salmodie, sozinho ou com seu discípulo, ou ocupe-se em meditar sobre uma palavra, pense na lembrança da morte, trabalhe com suas mãos ou com os outros membros. Ou aplique-se à leitura, de preferência em pé, para que o corpo mantenha a pena.

Quando você estiver em pé, salmodiando só, diga o Trisagion, depois a oração do Senhor, com sua alma ou em espírito, e com o intelecto atento ao coração. Se a acídia o pressionar, diga ainda dois ou três salmos e dois tropários[56] penitenciais, sem cantar. Estes tropários não são cantados, diz João Clímaco[57]. A pena do coração, devotado à piedade, basta para levar-lhe a alegria, como diz são Marcos[58], e o calor do Espírito lhe é dado, com a graça e o regozijo. Durante o salmo, diga também a oração em espírito ou com sua alma, sem distração, e o Aleluia. Esta é as ordem dos santos Padres, de Barsanulfo, de Diádoco e de muitos outros. Como diz o divino Basílio[59], é preciso variar o salmo a cada dia, para estimular a resolução, e para que o intelecto não fique cansado de cantar todos os dias os mesmos salmos. Ao contrário, é preciso deixa-lo livre, e ele será fortalecido em sua resolução. Mas se você salmodia em companhia de um discípulo fiel, que seja ele a dizer os salmos. Você se guarde, secretamente atento e orando em seu coração. Com a ajuda da oração, despreze todos os pensamentos que sobem ao coração, venham eles dos sentidos ou do intelecto. Com efeito, a hesíquia consiste no despojamento momentâneo dos pensamentos que não vêm do Espírito, afim de que você não perca o melhor, prestando atenção ao que há de bom neles.


Da ilusão

10. Você que ama a Deus, fique especialmente atento ao conhecimento. Quando, trabalhando na obra, você enxergar uma luz ou um fogo fora de você, ou uma suposta figura de Cristo, ou de um anjo, ou de um santo, não a receba para não ser prejudicado. Vigie sempre para não permitir que seu intelecto imagine tais figuras. Tudo o que se forma assim a contratempo do exterior não faz senão perder-se a alma. O verdadeiro princípio da prece é o calor do coração que queima as paixões, leva o bom humor e a alegria à alma, confirma o coração num desejo seguro e numa indubitável plenitude.

Os Padres dizem que tudo de sensível ou de intelectual que chega à alma, e que o coração põe em dúvida ou não aceita, não vem de Deus, mas é enviado pelo adversário. Quando você perceber o intelecto atraído para fora ou para cima por qualquer potência invisível, não creia nela, não permita que ela se entranhe, mas tranque-a o mais depressa possível em sua obra. “As coisas de Deus, diz o santo Isaac, vêm por si sós, e você não sabe o momento”. O inimigo natural que reside nos rins transforma como quer pela imaginação as coisas do Espírito, substituindo umas pelas outras. Em lugar do calor, ele coloca a desordem de seu próprio fogo, até tornar a alma pesada com esta ilusão. Em lugar do regozijo, ele suscita uma alegria selvagem e o suor do prazer, de onde vêm a presunção e a cegueira. Ele se esconde dos noviços, e os faz tomar suas maquinações por uma graça operante. Mas o tempo, a experiência e a percepção o revelam aos que não ignoram sua malícia. “A garganta, diz a Escritura, distingue os alimentos[60]”; vale dizer, que o paladar espiritual descobre infalivelmente o que são todas essas coisas.


Da leitura

11. “Você é um operário, diz João Clímaco. Aquilo que você lê deve visar à ação. Esta obra torna supérflua qualquer outra leitura[61]”. Não cesse de ler os livros sobre a hesíquia e a prece, tais como a Escada, santo Isaac, os escritos de são Máximo, do Novo Teólogo, de seu discípulo Stéthatos, de Hesíquio, de Filioteu o Sinaíta, além de tudo o que for deste gênero Deixe os outros escritos até que chegue o momento; não que seja necessário rejeitá-los, mas eles não têm o mesmo objetivo. Eles dirigem o intelecto para aquilo que buscam, e o desviam da oração.

Que sua leitura seja solitária, dita numa voz sem ênfase, se eloquência estudada, sem elegância de linguagem ou de modulação, sem sair de você de modo passional e inconsciente, ausente de onde você está, para agradar a alguns, mas também sem ser insaciável, porque toda medida é excelente. Leia sem rudeza, nem lentidão, nem negligência, mas modestamente, mansamente, pausadamente, de maneira compreensível e harmoniosa, com sua inteligência, sua alma e sua razão. O intelecto sentir-se-á reconfortado. Ele receberá em sai a força de orar intensamente. Mas nas condições contrárias a essas, ele não encontrará senão a obscuridade, o relaxamento e a confusão. A razão acaba por fazer mal à cabeça, e se esgota para a oração.

12. Esteja atento em examinar precisamente e a toda hora para onde o está levando sua resolução, se ela conduz conforme a Deus a este bem que é a hesíquia para benefício da alma, ou à salmódia, ou à leitura, ou à prece, ou à obra de virtudes semelhantes, a fim de não ser devastado sem o saber, por ser um operário apenas na forma, querendo, em seu modo de vida e seus pensamentos, agradar aos homens, e não a Deus[62].

Pois as armadilhas do maligno são numerosas. No mais profundo segredo, ignorado pela maioria, ele vê a tendência da resolução e não cessa de tentar devastar a obra sem que nos demos conta, a fim de que o realizado não se faça conforme a Deus. Mesmo que ele chegue a sustentar contra você um combate inflexível e sobrevenha o enfrentamento, você, estando certo de sua resolução diante de Deus, não se deixe devastar, mesmo que o impulso de sua vontade, forçada pelo maligno, o leve a perder-se em delírios contra sua vontade. É possível que, agravado pela moléstia, sejamos vencidos sem o querer. Mas somos logo perdoados e encorajados por Aquele que conhece as resoluções e os corações.

Esta paixão – a vanglória – não deixa o monge avançar na virtude, mas ele permanece com suas penas, e chega à velhice sem dar frutos. Ela sempre pode alcançar os três – noviço, médio e perfeito – e despojá-los da obra das virtudes.

13. Eu afirmo, por haver aprendido, que o monge jamais poderá progredir sem estas virtudes: o jejum, a temperança, a vigília, a paciência, a coragem, a hesíquia, a prece, o silêncio, o luto, a humildade. Pois elas engendram-se mutuamente e guardam umas às outras. O desejo consumido pelo jejum constante gera a temperança. A temperança gera a vigília. A vigília, a paciência. A paciência, a coragem. A coragem, a hesíquia. A hesíquia, a prece. A prece, o silêncio. O silêncio, o luto. O luto, a humildade. Reciprocamente, a humildade gera o luto. Retornando em sentido inverso, você descobrira como os filhos, por seu turno, geram as mães. Dentre as virtudes, nenhuma é maior do que esta geração recíproca. Pois todas desejam claramente suas contrárias.

14. É preciso situar aqui as penas e as fadigas da obra, e expor claramente como se deve conduzir cada obra, para que alguém que nos ouça não caminhe sem assumir suas penas e, não produzindo frutos, não nos acuse, a nós e a outros, de que as coisas não se passam como dissemos.

Com efeito, somente as penas do coração e a fadiga do corpo podem cumprir a obra da verdade. Elas revelam a energia do Espírito Santo que, pelo batismo, lhe foi dada, a você e a todo fiel que afundou nas paixões por negligenciar os mandamentos, este mesmo Espírito Santo que, por sua inefável misericórdia, aguarda nosso arrependimento, para que não ouçamos ao final, por causa de nossa esterilidade: “Tirem dele o talento, e deem ao que tem dez. Porque, a todo aquele que tem, será dado mais, e terá em abundância. Mas daquele que não tem, até o que tem lhe será tirado[63]”, e para que não sejamos atirados ao castigo, para sofrermos eternamente na Geena. Nenhuma obra do espírito ou do corpo feita sem pena e sem fadiga jamais dará fruto a quem a faz, pois “o Reino dos céus sofre violência, diz o Senhor, e são os violentos que o tomam[64]”. A violência de que se trata consiste em sentir as penas do corpo em todas as coisas.

Muitos, por terem trabalhado por longos anos e ainda trabalharem sem fadiga para não penar duramente sob a quente resolução do coração, por recusarem o amargor das penas, esvaziaram-se de toda pureza, e não comungaram com o Espírito Santo. Os que trabalham na preguiça e na negligência talvez acreditem ter muitas penas. Mas, por não sofrerem e por serem, no fundo, insensíveis, eles jamais colherão frutos. Testemunha disto é aquele que disse: “Ainda que as obras de nossa vida sejam grandes, se nosso coração não estiver dolorido, elas não passarão de bastardas e sem conteúdo”. Toda vez que caminhamos sem penas, levados pela acídia às distrações vãs e acreditando nelas encontrar repouso – o que não acontece nunca – estamos sem dúvida em meio às trevas. Atados invisivelmente por correias indefectíveis, não podemos nos mover, tornamo-nos inertes em toda obra, transbordamos de vaidade – sobretudo os noviços. Pois, para os perfeitos, tudo o que faz com medida é bom. É o que atesta o grande Efrém, quando diz: “Pene uma pena terrível, para escapar às penas das penas inúteis”. Senão, segundo o profeta, nossos rins não poderão ser libertados pelo sofrimento do jejum[65]. No doloroso aperto do coração, somos concebidos entre dores como o recém-nascido daquela que dá à luz, mas não geramos um espírito de salvação sobre a terra do coração[66]. Não estamos senão no tempo, no deserto inútil, no relaxamento e na hesíquia, pensam alguns, e se gloriam. Mas no momento do êxodo, todos seremos indubitavelmente conhecidos por nossos frutos.

15. Não cabe a ninguém aprender por si só a ciência das virtudes, mesmo que alguns tenham se servido da experiência a título de mestre. Com efeito, há presunção em pretender agir por si próprio, e não a partir do conselho dos que precederam. Ademais, cada um deve ser gerado, “parido”. Se, de fato, o Filho não faz nada por si próprio, mas faz o que lhe foi ensinado pelo Pai[67], e se o Espírito não fala por si só[68], quem poderá ter alcançado tamanha altura que não tenha necessidade de outro para inicia-lo? Estará enganado aquele que pensa ter mais loucura do que virtude? É preciso obedecer àqueles que conhecem as penas da virtude ativa, segui-los no jejum e na fome, na temperança que afasta os prazeres, na vigília constante, na dura genuflexão, na dolorosa posição imóvel, na prece perseverante, na humildade autêntica, na contrição e no contínuo gemido do coração, no silêncio que traz a palavra e que é temperado de sal[69], na paciência em tudo. Não se deve viver sempre em repouso, nem se manter todo o tempo num só lugar antes da velhice e da doença. Pois, diz a Escritura, você se alimentará das penas das virtudes e o Reino dos céus pertence aos violentos[70].

Quem se dá a pena de cumprir a cada dia as obras de que falamos, com a ajuda de Deus, colherá os frutos no seu tempo.


DE COMO O HESIQUIASTA DEVE SE MANTER SENTADO
EM ORAÇÃO E NÃO TER PRESSA EM LEVANTAR-SE


Tanto, na maior parte do tempo – porque é penoso – você pode permanecer sentado sobre um banco, tanto, raramente, por um momento e para relaxar, você pode alongar-se sobre seu leito. Você deve permanecer sentado com paciência, por causa daquele que disse: “Persevere na oração[71]”, e não ter pressa em se levantar por negligência, quando o apelo espiritual do intelecto e a longa imobilidade o fizerem sofrer. “Eis, diz o profeta, que fui tomado de dores, como quem está para parir[72]”. Curvado para frente, reunindo o intelecto no coração, se ele se abrir, peça ajuda ao Senhor Jesus. Você terá dores nas espáduas, e muitas vezes a cabeça ficará dolorida. Mas persevere na pena e no amor, procurando o Senhor dentro do coração. Pois o Reino dos céus é dos violentos e são os violentos que dele irão se apoderar[73]. O Senhor mostrou em verdade como devemos assumir tais penas. A paciência e a perseverança em tudo parem as penas do corpo e da alma.

Como dizer a oração

Dentre os Padres, uns ordenam dizer toda a oração – “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim” – enquanto outros recomendam dizer a metade – “Jesus, Filho de Deus, tenha piedade de mim” – o que é mais fácil devido à fraqueza do intelecto. Pois ninguém só e por si só, pode dizer no mistério “Senhor Jesus”, pura e perfeitamente, se não for por meio do Espírito Santo[74]. Como a criança que ainda balbucia, ele é incapaz de articular plenamente. Não se deve alternar frequentemente as invocações, por negligência, mas fazê-lo raramente, pela perseverança.

Da mesma forma, alguns ensinam a dizer a prece com a boca, outros com o intelecto. Penso que se deve fazer com ambos. De fato, tanto o intelecto como a boca podem ser presas da acídia e não conseguir falar. Devemos assim orar com os dois, a boca e o intelecto. Mas devemos chamar igualmente com calma e sem perturbação, para que a voz não ferva e entrave a percepção e a atenção do intelecto, até que este, pronto para o trabalho, tenha progredido e recebido do Espírito o poder de orar total e intensamente. Então não haverá mais necessidade de falar com a boca, mesmo porque será impossível. Basta o intelecto para realizar a obra inteiramente.

Como manter o intelecto desperto

Saiba que ninguém consegue por si só dominar o intelecto, se antes não tiver sido dominado pelo Espírito. Não que, em seu movimento natural, ele seja desenfreado por natureza, mas sim, arrastado ao turbilhão pela negligência, ele aí se estabeleceu desde a origem. Pois, pela transgressão dos mandamentos de Deus que nos regeneraram, nós nos separamos de Deus, perdemos a percepção de Deus pelo sentido intelectual, e perdemos a união com Deus. Em seguida, o intelecto, perdido, separado de Deus, foi levado por toda parte como um cativo. Já não lhe é mais possível permanecer em repouso a não ser submetendo-se a Deus, permanecendo junto a ele e unindo-se a ele na alegria, orando a ele continuamente e com perseverança, e confiando em espírito a ele nossas quedas de todo dia, pois ele a tudo perdoa imediatamente àqueles que, com humildade e contrição, oram e invocam sempre seu santo nome. “Confessem o Senhor, foi dito, e invoquem seu santo nome[75]”.

A retenção do sopro, a boca fechada, estas coisas detêm o intelecto em parte, e este logo volta a se dispersar. Quando chega a energia da prece, é ela que o mantém junto a si, o alegra e livra-o do cativeiro. Mas quando o intelecto está em oração, imóvel no coração, pode também acontecer que o pensamento de perca, ocupado com outras coisas. Este não está submetido a ninguém, senão aos perfeitos do Espírito Santo, que atingiram a imobilidade em Jesus Cristo.

Como expulsar os pensamentos

Jamais um noviço expulsará um pensamento que Deus já não tenha expulsado. Cabe aos fortes combater e expulsar os pensamentos. E mesmo eles não os expulsam por si sós. É com Deus, e revestidos de sua armadura, que eles conduzem o combate contra os pensamentos. Quando estes chegarem, apele para o Senhor, muitas vezes e com perseverança, e eles fugirão. Pois eles são suportam o calor que vem da prece para o coração, e fogem como se queimados pelo fogo. “Fustigue os que o combatem, diz João Clímaco, com o nome de Jesus[76]”. Pois nosso Deus é um fogo que consome[77] a perversidade. O Senhor apressa-se a auxiliar, e logo faz justiça aos que, com toda alma, o chamam dia e noite[78].

Mas os que não possuem a energia da prece podem derrubar os pensamentos de outra maneira, imitando Moisés[79]. Se permanecer em pé, com as mãos e os olhos voltados para o céu, Deus fará fugir os pensamentos. Depois poderá se sentar e se dedicar à oração com perseverança. Isto é o que deve fazer aquele que ainda não adquiriu a força da oração. E mesmo aquele que tem esta energia, todas as vezes que enfrentar as paixões do corpo, a acídia e a prostituição, as mais duras e mais pesadas dentre as paixões, deve também estender as mãos para chamar o socorro contra elas. Mas para não cair na ilusão, ele não deve fazer isto por muito tempo e deve sentar-se novamente para que o inimigo não venha pela imaginação enganá-lo do alto, mostrando-lhe uma pretensa forma da verdade. Pois possuir um intelecto infalível em cima e embaixo, no coração e em todos os lugares, e mantê-lo a salvo, é coisa que só podem os puros e os perfeitos.

Como salmodiar

Uns dizem que se deve salmodiar de tempos em tempos, outros, com muita frequência, outros nunca. Não salmodie muito, para não ficar confuso. Nem nunca, por causa do relaxamento e da negligência que advirão. Imite aqueles que salmodiam de tempos em tempos: toda medida é excelente, segundo os sábios que são os loucos de Deus.

A salmódia frequente é própria dos ativos, por causa de sua ignorância e porque ela traz a pena. Mas ela não convém aos hesiquiasta, aos quais basta orar a Deus apenas no coração e se afastar dos pensamentos. A hesíquia, segundo João Clímaco, consiste de fato na rejeição de todo e qualquer pensamento que venham dos sentidos e do intelecto[80]. Se esgotar toda sua força na salmódia frequente, o intelecto ficará fraco para orar com intensidade e perseverança.

“Durante a noite, diz João Clímaco, dedique muito tempo à prece e pouco à salmódia[81]”. É o que você deve fazer. Quando, estando sentado, você perceber a oração agir e não cessar de se mover no coração, não a deixe para se levantar e salmodiar, a menos que ela o deixe por si só. Abandonando a Deus dentro de si, você se levantará para falar ao exterior, desviar-se-á do que é elevado para dirigir-se ao que está abaixo e criará uma confusão. Você perturbará o intelecto, tirando-o de sua calma. Pois é assim que o hesiquiasta guarda também a ação, mantendo-a na paz e na serenidade, como o indica seu próprio nome. Deus é paz[82], para além da confusão e do barulho. Nosso louvor, assim como nossa maneira de viver, deve ser angélica e não carnal. Salmodiar em plena voz não passa de um símbolo do apelo do intelecto. A salmódia nos foi dada devido à nossa negligência e nossa rusticidade, para nos orientar àquilo que é verdadeiro. Aqueles que não conhecem a prece que é, segundo João Clímaco, a fonte das virtudes que rega as plantas[83] – as potências da alma – devem salmodiar muito, sem medida, sempre com grande diversidade, jamais cessando, até que esta longa e penosa ação os conduza à contemplação e eles possam descobrir a prece intelectual ativa em seu interior. Pois uma coisa é o ato do hesiquiasta, outra a vida comum. Cada um, se perseverar sobre o caminho para o qual foi chamado[84], será salvo. Assim, quando eu o vejo regressar para o meio deles, receio não estar escrevendo senão para os fracos.

Todos os que tentam viver a prece a partir daquilo que ouviram ou aprenderam não fazem mais do que se perder, se não tiverem quem os guie. Quem já provou da graça deve, segundo os Padres, salmodiar com medida e se dedicar sobretudo à prece. Mas nos momentos de despreocupação, ele deve salmodiar ou ler os livros dos Padres. O navio não precisa de remos quando o vento infla as velas e lhe traz uma brisa favorável para vagar pela superfície do mar salgado das paixões. Mas quando ele se detém, ele é empurrado pelos remos ou puxado por outro barco. Se alguns, que gostam de discussões, afirmam que os santos Padres, ou outros hoje em dia, permanecem em pé toda a noite e salmodiam continuamente, nós lhes responderemos com a Escritura que nada é perfeito em todos, que o ardor e a força podem faltar, e que o que é pequeno não necessariamente é pequeno para os grandes, nem o que é grande é necessariamente perfeito para os pequenos[85].

Qualquer ação é fácil para os perfeitos. É por isso que nem todos o são, e que nem todos foram ativos. Nem todos seguiram a mesma via, nem a guardaram até o fim. Muitos passaram da vida ativa à contemplação e repousaram de tudo o mais, e penetraram no sábado conforme a lei espiritual[86]. Eles se alegraram apenas em Deus, saciados com as delícias divinas e, pela graça, ficaram incapazes de salmodiar ou de meditar qualquer outra coisa. Eles foram arrebatados por um tempo para fora de si mesmos, e atingiram parcialmente, como em garantia, o cimo daquilo a que aspiravam. Outros, na vida ativa até o fim, dormiram e foram salvos, e receberam sua recompensa no século futuro. Outros, que se embalsamaram após a morte como sinal de sua salvação, foram na morte cumulados de certeza, tendo tido durante sua vida toda esta graça do batismo, com a qual, por causa do aprisionamento ou da ignorância de seu intelecto, não puderam comungar. Outros se comprouveram em ambas as coisas, na prece e na salmódia, e assim obtiveram sucesso, transbordando de graça sempre ativa, sem jamais encontrar obstáculos. Outros conservaram até o fim a hesíquia, homens simples a quem bastou a simples oração, o que é muito bom, e viveram unidas a Deus, sós diante de Deus apenas. Os perfeitos, como dissemos, tudo podem em Cristo que lhes dá a força[87]. A ele a glória por todos os séculos dos éculos. Amém.

Que dizer do ventre, que reina entre as paixões? Se você conseguir detê-lo de deixá-lo meio morto, não relaxe. Ele me dominou, bem-amado, e eu o servi como um escravo, como alguém que capitulou. Ele trabalha com os demônios, é a moradia das paixões. Por ele chegou-nos a queda, e por meio dele, se temperante, vemos a ressurreição. Por sua causa decaímos tanto da primeira como da segunda dignidade divina. Uma vez corrompida a dignidade original, havíamos sido renovados em Cristo, mas negligenciamos os mandamentos que conservam e aumentam a graça assegurando nosso progresso, e caímos agora para longe de Deus, mesmo se, em nossa ignorância, nos coloquemos acreditando estar com Deus.

Os corpos se nutrem de maneiras bem diversas, como dizem os Padres. Um precisa de pouco, outro de muito, para sustentar sua força natural. Cada um, segundo sua força e seu estado, provê aquilo que lhe é necessário. Mas o hesiquiasta deve estar sempre desprovido, jamais saciado. Quando o peso do estômago vem perturbar o intelecto, é impossível orar com intensidade e pureza. A ingestão de numerosos alimentos leva o homem ao sono: ele quer dormir o mais depressa possível, e, no sono, inúmeras imaginações assaltam o intelecto. Quem quer encontrar a salvação e se esforça por viver na hesíquia para o Senhor, deve, em minha opinião, satisfazer-se a cada dia com uma fatia de pão e três ou quatro copos de água e de vinho, e, dentre os alimentos que se apresentarem, tomar um pouco de cada um a seu tempo, evitando a saciedade a fim de, ao mesmo tempo em que se alimenta sabiamente, escapar ao torpor que nos invade quando comemos de tudo; e ainda não deve desprezar as criaturas de Deus, que são excelentes[88], dando sempre graças por tudo. Este é o discernimento dos sábios. Quanto aos que são fracos na fé e na alma, é melhor para eles absterem-se de alimentos. Eles não creem que Deus os guarda, e o Apóstolo lhes ordena que não comam senão legumes[89].

Que posso dizer-lhe? Você é velho. A regra que você busca é uma carga pesada. Os mais jovens não podem permanecer no lugar e na medida. Como você irá se manter? Pois quando você come, você deve permanecer livre nem tudo. Se você for vencido, arrependa-se e retorne ao trabalho. Nunca deixe de fazer assim, caindo e levantando, condenando a si mesmo e não aos outros, e assim você obterá o repouso[90] e vencerá sabiamente por meio das quedas. Como diz a Escritura. Basta que você não ultrapasse o limite que colocamos. Porque nada fortifica tanto o corpo como o pão e a água. Já dizia o Profeta, menosprezando os demais alimentos: “Filho do homem, coma seu pão e beba sua água com moderação[91]”.

O alimento tem três limites: a temperança, o contentamento e a saciedade. A temperança consiste em ter fome após tomar a refeição; o contentamento, em não ter fome mas não se sentir pesado; a saciedade, em sentir-se pesado. Mas comer após estar saciado é a porta da gulodice, pela qual entra a prostituição. Se você possuir este conhecimento preciso, escolha o melhor, na medida em que lhe for possível, e não ultrapasse os limites. É próprio dos perfeitos, para o Apóstolo, sentir fome e ser saciados[92], e ser fortes em tudo.

Do erro, e de outros aspectos

Compreenda, eu quero que você tenha um conhecimento preciso do erro, e que você saiba se proteger dele, para não ser ferido profundamente por ignorância e perder sua alma. A ignorância inclina facilmente o livre arbítrio do homem a se associar aos inimigos e sobretudo aos que os seguem. Os demônios se aproximam e cercam os noviços e os monges independentes, colocando-lhes armadilhas de pensamentos, fossos que os farão cair, e o chicote dos fantasmas. Sua cidadela está em poder dos bárbaros. E não devemos estranhar que alguns se tenham desorientado, que tenham perdido o espírito, que tenham admitido ou que admitam o erro, que vejam coisas estranhas à verdade, ou, por inexperiência ou ignorância, digam incongruências. É coisa comum que os simples, querendo falar da verdade e dizendo sem o saber uma coisa por outra, não conseguiram se expressar corretamente, perturbando muitas almas e, por sua desinteligência, lançaram sobre os hesiquiasta a vergonha e o ridículo. Nada há de espantoso, de fato, em que um noviço se engane, mesmo depois de numerosas penas. Isto aconteceu a muitos dos que buscaram e buscam a Deus, tanto antigamente como hoje em dia.

Quem pretende ir a Deus e confessá-lo com toda pureza, e que se esforça por tê-lo em si, de forma impudente e temerária, é facilmente destruído pelos demônios e abandonado a si mesmo. Procurando com presunção e audácia coisas que ultrapassam sua própria condição, ele se esforça por chegar antes do tempo e se vangloria. Mas muitas vezes, movido pela compaixão, vendo em nós esta audácia para com as coisas elevadas, o Senhor não permite que sejamos tentados por muito tempo, a fim de que cada um, conhecendo sua própria presunção, retorne a si, antes de se tornar o opróbio dos demônios e de provocar nos homens risos ou lamentações, sobretudo aquele que deve buscar esta obra maravilhosa com paciência e humildade, e mais ainda com submissão, interrogando aos que têm experiência, para não colher contra sua vontade espinhos ao invés do trigo, e a perdição em lugar da salvação. Cabe aos fortes e aos perfeitos combater sempre a sós os demônios, levantando continuamente contra eles o glaivo do Espírito, que é a palavra de Deus[93]. Mas os fracos e os noviços devem escapar da morte fazendo de sua fuga sua cidadela, com temor e piedade: eles devem evitar o combate e toda audácia prematura.

Quanto a você, se você estiver bem na hesíquia, esperando estar com Deus, quando você perceber uma imagem sensível ou intelectual, exterior ou interior, seja a própria figura de Cristo, ou a pretensa forma de um anjo ou de um santo, ou uma luz, desenhando-se e modelando-se em seu intelecto, não o aceite jamais. Pois o intelecto tem por si só, em sua natureza, a faculdade de imaginar. Ele pode facilmente dar forma àquilo que ele deseja, naqueles que ainda não estão completamente atentos. Ele prejudica a si mesmo. A lembrança daquilo que é bom e daquilo que é mau acaba por deixar totalmente sua marca na percepção do intelecto, levando-o à imaginação. Desta forma tornamo-nos imaginativos e não hesiquiastas. Por isso, vigie para não conceder sua fé e seu assentimento – mesmo se a coisa parecer boa – sem antes interrogar aqueles que têm experiência, e sem examinar longamente o assunto, a fim de não se prejudicar. Permaneça atento a esta coisa, e mantenha seu intelecto incolor e vazio de qualquer figura ou forma. Pois aquilo que Deus envia como prova para coroá-los, muitas vezes fez tombar os homens.

Nosso Senhor quer testar as tendências de nossa liberdade. Aquele que, na reflexão ou nos sentidos, viu alguma coisa, mesmo vinda de Deus, e a recebeu sem referi-la aos que têm experiência, engana-se facilmente ou se enganará, pois se compraz aceitando a coisa. O noviço deve se agarrar à energia do coração, que não engana, e não admitir nada mais, até apaziguar as paixões. Deus não reprova aquele que, para não se enganar, permanece estritamente atento a si mesmo, mesmo que não receba o que vem dele sem antes interrogar e examinar longamente. Ele louva acima de tudo a sabedoria, mesmo que ele tenha às vezes censurado alguns.

Não devemos fazer perguntas a todos, mas apenas a um a quem, pelo brilho de sua vida, foi confiada a conduta dos demais, o homem pobre que enriquece os outros[94], conforme a Escritura. Pois muitos que não tinham experiência prejudicaram inúmeros que não possuíam inteligência, e receberão seu julgamento após a morte. Nem todos podem conduzir os outros, mas apenas aqueles a quem, segundo o Apóstolo, foi dado o discernimento divino, o discernimento dos espíritos[95], que separa o melhor do pior com a espada da palavra. Cada um pode ter um conhecimento próprio, um discernimento natural, prático ou matemático, mas nem todos possuem o discernimento do espírito. Dizia o sábio Eclesiastes: “Os que vivem em paz com você são muitos. Mas somente um em mil pode aconselhá-lo[96]”. Não é pequena a batalha para encontrar um guia seguro nas obras, palavras e pensamentos.

Podemos distinguir aquele que é seguro e que não se engana porque seus atos e seu julgamento são atestados pela divina Escritura, e que ele está certo naquilo que precisa ter em espírito. É uma grande força, com efeito, alcançar a evidência da verdade e ser purificado de tudo o que é contrário à graça. O diabo costuma dar aos seus erros (principalmente entre os noviços) a aparência de verdades, transformando seus vícios em virtudes espirituais. Quem se esforça por adquirir a prece pura deve assim caminhar na hesíquia com um grande temor, em luto, sob a condução daqueles que têm experiência e interrogando-os sempre. Ele deve chorar seus pecados todo o tempo, aflito e temendo a danação e a separação de Deus agora ou no século futuro. Quando o diabo vê alguém que vive aflito ele não permanece, temendo a humildade que provém do luto. Mas se alguém imagina presunçosamente atingir as coisas elevadas, seu desejo não é verdadeiro, mas satânico. O diabo o apanha facilmente em sua rede e o transforma em seu servidor.

A arma suprema é a constância na oração e no luto, a fim de não tombar da alegria da prece na presunção, mas, tomando sobre si a pena que alegra o coração, permanecer a salvo. A prece infalível é o calor que acompanha a prece de Jesus que veio despejar fogo sobre a terra[97] de nossos corações. Ela queima as paixões como espinhos e dá à alma o regozijo e a alegria. Ela não vem nem da direita, nem da esquerda, nem do alto, mas jorra no coração como uma fonte de água que brota do Espírito que dá a vida. Não deseje encontrar ou possuir senão a ela em seu coração, guardando seu intelecto sempre livre de imagens, despojado de reflexões e de pensamentos, e não tema nada. Pois aquele que disse: “Coragem, sou eu, nada temam[98]”, está conosco. É a ele que pedimos que nos proteja. E quando invocamos a Deus, não devemos nem temer, nem gemer. Se alguns se perderam e perderam o espírito, considere que eles chegaram aí por sua independência e seu orgulho. Pois quem busca a Deus na submissão e na humildade, interrogando, jamais fará mal a si próprio, pela graça de Cristo que quer salvar a todos os homens[99]. A tentação, quando chega, é sempre uma prova e uma coroa. Pois Deus, pelos meios que só ele conhece, oferece sua ajuda. Àquele que se conduz corretamente e leva uma vida sem mácula, evitando o desejo de agradar aos homens e o orgulho, ainda que toda a falange dos demônios suscite contra ele miríades de tentações, nenhum mal será feito, dizem os Padres. Mas os que caminham com presunção e por sua própria vontade prejudicam a si mesmos facilmente.

O hesiquiasta deve sempre conservar a via real. O excesso em tudo causa facilmente a autossuficiência, à qual segue-se depressa o erro.

Retenha a expiração do intelecto, fechando um pouco a boca durante a prece, mas não a expiração das narinas como fazem os ignorantes, a fim de não se prejudicar inflando o orgulho.

Existem três virtudes da hesíquia, que devem ser estritamente observadas, examinando sempre se vivemos sempre com elas ou se, enganados pelo esquecimento, não estamos caminhando à deriva. Estas são a temperança, o silêncio e a autocondenação, ou seja, a humildade. Elas contêm e protegem umas às outras, e delas a prece nasce e cresce continuamente.

O início da graça na oração não vem para todos da mesma maneira. E o dom natural do Espírito, diz o Apóstolo, se revela e é conhecido de muitos modos, segundo sua vontade[100]. Ele se manifesta em nós como a Elias o Tesbita[101]. Em alguns, um espírito de temor, fendendo as montanhas das paixões e rompendo os rochedos, os corações duros, vem paralisar a carne de pavor e a deixa como morta. Em outros, um tremor, ou uma exultação imaterial e essencial, pois o que não possui ser nem substância não existe (é o que os Padres denominam com mais clareza “balanço”), estremece o coração. Em outros, enfim, sobretudo nos que progrediram na oração, Deus provoca uma brisa leve e pacífica de luz, Cristo se estabelece no coração, segundo o Apóstolo[102], e se revela misticamente em espírito. É por isso que Deus disse a Elias sobre o monte Horeb que o Senhor não estava nem num lugar nem noutro, nas ações parciais dos noviços, mas que o Senhor estava na leve brisa[103] de luz, e lhe mostrou a perfeição da prece.


Que fazer quando o demônio se transforma em anjo de luz[104] e engana o homem?

O homem necessita de muito discernimento para reconhecer a diferença entre o bem e o mal. Não se apresse em se livrar sozinho daquilo que lhe aparece, mas permaneça grave. Não guarde o bem senão depois de testá-lo longamente. E rejeite a malícia[105]. Primeiro você deve testar e discernir, e só depois crer. Saiba que existem obras evidentes da graça que o demônio não pode fazer, mesmo que se transforme. Ele não pode dar a doçura, a mansidão, a bondade, a humildade, o desprezo pelo mundo, nem deter os prazeres e as paixões: estas são ações da graça. A energia do demônio não passa de torpor, orgulho, preguiça e todas as formas de malícia.

Do modo como agir em você, você saberá se a luz que brilha em sua alma é de Deus ou de Satanás. A alface parece com uma salada amarga; o vinagre aparentemente é como o vinho. Mas ao paladar, a boca conhece e discerne a diferença. O mesmo acontece com a alma: se ela tiver discernimento, ela conhecerá pelo sentido intelectual os carismas do Espírito Santo e os fantasmas de Satanás.





[1] Cf. I Tessalonicenses 4: 9.
[2] Isaías 54: 13; João 6: 45.
[3] Cf. II Coríntios 3: 3.
[4] O batismo
[5] Cf. Mateus 25: 29.
[6] João 3: 6.
[7] Cf. Gênesis 6: 3.
[8] Cf. Salmo 67 (68): 12.
[9] II Coríntios 13: 5.
[10] Marcos o Asceta – Tratados espirituais e teológicos, IV, O batismo 15.
[11] Cf. Sabedoria 1: 2.
[12] Cf. Apocalipse 12: 2.
[13] Cf. Hebreus 4: 12.
[14] Cf. Romanos 8: 26.
[15] Isaías 48: 18.
[16] João 4: 14.
[17] João 11: 34.
[18] Cf. Salmo 113 (114): 6.
[19] Cf. Provérbios 1: 7; Salmo 110 (111): 10.
[20] Cf. Gênesis 4: 10-12.
[21] Marcos o Asceta - Dos que pensam ser justificados pelas obras, 28.
[22] Thalassius o Africano – Sobre o amor, a temperança e a conduta do intelecto III, 35.
[23] Cf. I Coríntios 6: 17.
[24] Cf. I Coríntios 12: 11.
[25] Cf. Deuteronômio 4: 24.
[26] Salmo 64 (65): 2.
[27] Salmo 125 (126): 1
[28] Salmo 52 (53): 7.
[29] Salmo 22 (23): 5.
[30] Cf. Eclesiastes 11: 6.
[31] Idem.
[32] Eclesiástico 24: 20.
[33] João Clímaco, A escada santa XX, 7.
[34] Cf. Mateus 12: 45.
[35] João Clímaco, A escada santa XXVIII, 62.
[36] Gálatas 2: 20.
[37] João 3: 8.
[38] Cf. II Coríntios 1: 22.
[39] Cf. Tiago 1: 21.
[40] Mateus 10: 20.
[41] João Clímaco, A escada santa XXVII, 24.
[42] “Santo Deus, Santo poderoso, Santo imortal, tem piedade de mim”.
[43] Barsanulfo e João de Gaza, Correspondência, carta 143.
[44] João Clímaco, A escada santa XXVII, 47.
[45] Cf. Eclesiástico 11: 21.
[46] Provérbios 4: 7.
[47] II Coríntios 13: 5.
[48] Ato de contrição e arrependimento (gr. Metanoia)
[49] Eclesiástico 34: 23.
[50] I Coríntios 14: 15.
[51] I Coríntios 14: 19.
[52] João Clímaco, A escada santa XXVIII, 22.
[53] João Clímaco, A escada santa XXVIII, 1.
[54] João Clímaco, A escada santa XXVII, 63.
[55] Isaac o Sírio, Obras espirituais, og. 211.
[56] Tropário: Esta palavra de origem grega designa uma maneira de canto com semelhanças a hino, a Salmo Responsorial e a ladainha, e que se emprega, sobretudo, nos ritos orientais, acompanhando as procissões. Muitos deles são marianos. O tropário é como que uma antífona mais prolongada. Costuma ser formado por uma estrofe cantada pelo coro, um estribilho respondido pela comunidade, um versículo cantado por um solista, de novo o estribilho da comunidade (isto pode repetir-se várias vezes), e, no final, de novo a estrofe, às vezes cantada também em parte pela comunidade. Esta estrofe é mais longa que uma antífona, mais de tipo hímnico e lírico, enquanto que os versículos estão pensados à maneira de «tropos», cantados por um solista, com resposta mais breve da comunidade. É um género de canto, portanto, que conjuga bem os três protagonistas: a assembleia, o coro e o solista. Às vezes, os tropários têm formas parecidas aos responsórios do ofício de Leitura ou aos responsórios breves das outras Horas. Servem, sobretudo, como cânticos de entrada na celebração, como também depois das leituras e da homilia, à maneira de resumo e assimilação do escutado. São como comentários e desenvolvimentos poéticos das ideias da festa.
[57] João Clímaco, A escada santa VII, 57.
[58] Marcos o Asceta - Dos que pensam ser justificados pelas obras, 131.
[59] São Basílio, Grande Regra 37.
[60] Eclesiástico 36: 19.
[61] João Clímaco, A escada santa XXVII, 94.
[62] Cf. Gálatas 1: 10.
[63] Mateus 25: 28-29.
[64] Mateus 11: 12.
[65] Cf. Isaías 21: 3.
[66] Cf. Isaías 26: 17-18.
[67] Cf. João 5: 19.
[68] Cf. João 16: 13.
[69] Cf. Colossenses 4: 6.
[70] Cf. Mateus 11: 2.
[71] Colossenses 4: 2.
[72] Isaías 21: 3.
[73] Cf. Mateus 11: 12.
[74] Cf. I Coríntios 12: 3.
[75] Salmo 104 (105): 1.
[76] João Clímaco, A escada santa XX, 7.
[77] Cf. Deuteronômio 4: 24.
[78] Cf. Lucas 18: 7.
[79] Cf. Êxodo 17: 11s.
[80] João Clímaco, A escada santa XXVII, 52.
[81] João Clímaco, A escada santa XXVII, 92.
[82] Cf. Efésios 2: 14.
[83] João Clímaco, A escada santa XXVIII, 1.
[84] Cf. I Coríntios 7: 24
[85] João Clímaco, A escada santa XXVI, 75.
[86] Cf. Êxodo 20: 10-11.
[87] Cf. Filipenses 4: 13.
[88] Cf. Gênesis 1: 31.
[89] Cf. Romanos 14: 2.
[90] Cf. Eclesiástico 21: 1.
[91] Ezequiel 4: 16.
[92] Cf. Filipenses 4: 12.
[93] Cf. Efésios 6: 17.
[94] Cf. I Coríntios 6: 10.
[95] Cf. I Coríntios 12: 10.
[96] Eclesiástico 6: 6.
[97] Cf. Lucas 12: 49.
[98] Mateus 14: 27.
[99] Cf. I Timóteo 2: 4.
[100] Hebreus 2: 4.
[101] Cf. I Reis 19: 11-12.
[102] Cf. Efésios 3: 17.
[103] Cf. I Reis 19: 12.
[104] Cf. II Coríntios 11: 14.
[105] Cf. I Tessalonicenses 5: 21.