terça-feira, 17 de junho de 2014

Filocalia Tomo II Volume 2 - Gregório o Sinaíta: 137 Sentenças Diversas

GREGÓRIO O SINAÍTA



137 SENTENÇAS DIVERSAS




Gregório o Sinaíta

Nosso Pai entre os Santos, Gregório, que se tornou monge no Monte Sinai – e por isso é chamado de Sinaíta – viveu sob o reinado de Andronico Paleólogo, ao redor do ano 1330. Chegando ao Monte Athos e após visitar muitos mosteiros e eremitérios, ele viu que muitos eram locais de encontro onde a vida transcorria nobremente, mas unicamente dedicados à prática. Os monges eram aí pouco iniciados na guarda do intelecto, no rigor da hesíquia e mesmo na contemplação, a qual sequer conheciam de nome. Ele encontrou apenas três, chamados Isaías, Cornélio e Macário, na sketa de Magoula, situada diante do mosteiro de Filoteu, que se dedicavam um pouco à via contemplativa. Inflamado pelo zelo divino, ele ensinou a nepsis, a guarda do intelecto e a noéra proseuké – a prece intelectual – não apenas àqueles que era propriamente hesiquiasta, mas a todos os que viviam nas comunidades. Assim fundou ele três grandes mosteiros nas fronteiras da Macedônia. Percorrendo o país e as províncias, ele exortava a todos que encontrava, pedindo-lhes que trabalhassem na prece contínua do intelecto. Por meio dela ele converteu um grande número de pecadores. De indignos que eram, tornou-os dignos, e contribuiu para que muitos tomassem lugar dentre os salvos.

Calixto, o santo Patriarca, que foi seu discípulo, redigiu sua biografia. Com efeito, assim como em sua vida ele foi reconhecido como o mestre da santa nepsis, após sua morte ele continuou conduzindo a muitos para esta mesma nepsis através dos seus escritos. Com efeito, ele inicia de forma bela e perfeita ao modo prático da prece do intelecto no coração. Ele ensina o que são as virtudes éticas e as paixões. E ele explica quais são os sinais do erro e quais os da graça. Assim, esta obra auxilia mais do que todas, a muitos noviços, médios e perfeitos. Quaisquer que sejam suas idades e suas qualidades, quem ler com atenção encontrará nestes textos a riqueza oculta do Espírito. E aquilo que ele encontrar o encherá de alegria verdadeiramente indizível.

*
A vida de Gregório o Sinaíta cobre o final do século XIII e a primeira metade do século XIV. Originário de Clazomena, do lado ocidental da Ásia Menor, ele foi levado cativo pelos Turcos a Laodicéia. Resgatado por cristãos ele partiu para Chipre e depois para o Sinai, onde se tornou monge. Na sequência, ele foi do Sinai para Athos, passando por Jerusalém e Creta: uma peregrinação às raízes. Em Athos ele se estabeleceu na sketa de Magoula, nas proximidades do mosteiro de Filoteu, mas não permaneceu aí. Ele conheceu também Tessalônica e Constantinopla e terminou sua vida na Macedônia, onde fundou três mosteiros sobre uma montanha, às portas da Romênia e do mundo eslavo.

Gregório o Sinaíta aparece como o iniciador e o pedagogo da renovação hesiquiasta dos séculos XIII e XIV. Ele é o homem chave que abre para o futuro absoluto os dois polos do périplo milenar que o movimento monástico realizou ao redor do Mediterrâneo oriental: estas duas montanhas, o Sinai e o Athos, onde ficaram representados na teofania luminosa o começo e o fim históricos. E ele os reuniu numa só convicção: o monaquismo é chamado para libertar o sentido último, afinando o destino do homem, do corpo ao intelecto, deste ao coração e do coração ao êxtase.

A Filocalia fornece dele cinco coletâneas de textos de comprimento desigual. A primeira conta 137 capítulos, enquanto as quatro seguintes, bem mais curtas, possuem respectivamente 7, 10, 15 e 8 capítulos. A renovação hesiquiasta se fundamenta aqui sobre a lembrança constante daquilo que foram, durante um milênio, o discernimento e o combate espiritual dos monges. A repetição está em toda parte, mas o tom é bastante pessoal. Gregório fala menos como um anacoreta que destila sua reflexão do que como um Pai espiritual responsável por numerosos monges a quem prodigaliza os conselhos da experiência e as marcas da compaixão. Tudo nele é pedagogia da via monástica, até nos menores detalhes, da ascese do corpo e do intelecto até o amor extático, passando pela memória da origem, pela lembrança de Deus e a busca do lugar do coração. Mas tudo está enraizado na mensagem bíblica e na observância dos mandamentos. “Busque o Senhor no caminho, ou seja, no coração, através de seus mandamentos”. Lembrança constante: a ascese não tem outra causa nem outra finalidade do que o amor de Cristo e a identificação com Cristo. No fundo Gregório o Sinaíta não retoma os caminhos da ascese senão para melhor representar o último, e o último que vem no atual: “Tornar-se o Cordeiro tal como ele é no século futuro”.

Assim é que ele carrega a renovação como se fosse uma gestação. Pois ele viveu o hesiquiasmo do interior, assim como a experiência e a transmissão da ascese. Ele não assume sua defesa e ilustração teológicas, como fará Gregório Palamas. Do Sinai ao Athos, e depois sobre esta montanha da Macedônia onde fundou seus últimos mosteiros, ele se tornou certamente o testemunho, o profeta e o missionário da extensão da via, para além da catástrofe histórica. Ele representa bem a recapitulação e a abertura.


DE NOSSO PAI ENTRE OS SANTOS
GREGÓRIO O SINAÍTA
SENTENÇAS DIVERSAS SOBRE OS MANDAMENTOS,
OS DOGMAS, AS AMEAÇAS E AS PROMESSAS,
SOBRE OS PENSAMENTOS, AS PAIXÕES E AS VIRTUDES, SOBRE A HESÍQUIA E A PRECE.


1. É impossível que um ser racional seja ou se torne segundo a natureza aquilo que possuía antes da pureza e da incorruptibilidade. Pois uma foi investida pela faculdade de sentir sem a razão, e a outra pelo estado de corruptibilidade da carne.

2.  Os seres racionais segundo a natureza não se revelam santos senão através da pureza. Pois ninguém possuiu a razão em estado puro dentre os que são sábios pela palavra e que alteraram com os pensamentos a razão do alto. O espírito material e tagarela da sabedoria do mundo, levando as palavras aos sujeitos mais sabidos e os pensamentos aos objetos mais grosseiros, os faz permanecer juntos, privando-os da sabedoria anipostática, da contemplação e do conhecimento único e indivisível.

3. Considere que o conhecimento da verdade é antes de tudo a sensação da graça. Todos os outros conhecimentos devem ser chamados de expressão de ideias e demonstração de coisas.

4. Os que perdem a graça o fazem por infidelidade e negligência. E os que a encontram é pela fé e o esforço, graças aos quais se avança sempre. Quanto aos contrários, os obrigam a recuar.

5. Tornar-se insensível equivale a morrer. Ser cego em espírito é como não ver corporalmente. O primeiro está privado da faculdade de ver e de agir; o segundo, que não vê, está privado da luz divina, que permite ver e ser visto.

6. Poucos são os que recebem de Deus tanto o poder como a sabedoria. Com efeito, um participa dos bens divinos, enquanto a outra os revela. Ora, partilhar e comunicar é em verdade próprio de Deus. Isto ultrapassa o homem.

7. O coração sem pensamentos no qual age o Espírito é como um verdadeiro santuário antes mesmo da vida futura. Pois tudo o que nele se diz e se faz é obra do Espírito. Quem ainda não adquiriu isto é uma pedra para as demais virtudes: pode servir para edificar o templo de Deus, mas não é o próprio templo, nem a hierurgia do Espírito.

8. O homem foi criado incorruptível, sem os humores do corpo, e é assim que ele ressuscitará. Ele não era imutável, mas então será. A faculdade volitiva lhe deu o poder de mudar ou não. Mas não é a vontade que, por natureza, realiza a perfeita imutabilidade: esta é o prêmio da imutável deificação futura.

9. Pois a origem da carne é a corrupção. Comer, evacuar, pavonear-se e dormir são coisas naturais próprias das feras e dos animais. Tornados semelhantes aos animais[1] por causa da desobediência, decaímos dos bens concedidos por Deus e que nos eram próprios. De seres racionais que éramos nos tornamos como animais. De seres divinos nos tornamos feras.

10. O Paraíso é duplo, tanto sensível como inteligível. Existe o Paraíso enquanto Éden e o Paraíso da graça. O lugar do Éden é muito elevado, o terceiro antes do céu, como dizem os que o descreveram. Ele está semeado por Deus[2] com todas as espécies de plantas olorosas. Ele nem é totalmente incorruptível nem totalmente corruptível: ele foi criado como um intermediário entre o corruptível e o incorruptível. Ele está sempre coberto de frutos e não cessa de se carregar de flores que se abrem e de frutos verdes e frutos maduros. As árvores mortas e os frutos maduros caem sobre a terra e se transformam num solo perfumado, e não sofrem a corrupção como as plantas de nosso mundo. Pois a superabundância e a santificação da graça transbordam todo o tempo neste lugar. O rio oceano que o atravessa e que recebeu ordem de irriga-lo continuamente, ao sair deste lugar se divide em quatro rios menores, corre para levar aos Indianos e aos Etíopes o solo e as folhas caídas. O Fison e o Geon[3] reunidos inundam seus campos até se separarem novamente, um irrigando a Líbia e outro o Egito.

11. Foi dito que a criação que passa, portanto a criação corruptível, não foi a primeira a ser estabelecida. Foi apenas na sequência, segundo a Escritura, que a criação foi corrompida e submetida à vaidade, vale dizer ao homem, não por si mesma, mas involuntariamente, por causa daquele que a submeteu, e assim ela permanece na esperança[4] da renovação do Adão corrompido. E foi apenas quando ele renovou e santificou a Adão, trazendo em si mesmo um corpo corruptível nesta vida que passa, que ele renovou também a criação, mas ainda sem livrá-la da corrupção. Esta libertação da criação para longe de toda corrupção, uns dizem que se trata da mudança que nos levará ao melhor, outros que se trata de uma total transposição do sensível. O normal na Escritura, a respeito de assunto tão difícil no momento, é de afirmar pura e simplesmente.

12. Os que recebem a graça são como os que são fecundados em espírito antes de conceber. Mas eles rejeitam a semente divina seja por causa de suas quedas, seja porque se provam de Deus por se ligarem ao inimigo que vive neles. A rejeição da graça provém da energia das paixões; mas a privação total provém da ação dos pecados. Pois a alma que ama as paixões e os pecados, privada da graça que rejeitou, se torna uma moradia para as paixões, para não dizer dos demônios, tanto agora como no século futuro.

13. Nada torna o coração tão alegre e doce como a coragem e a compaixão. A primeira esmaga os inimigos de fora, a outra os de dentro, como as torres que fortificam as cidades.

14. Muitos dos que cumprem os mandamentos parecem estar no caminho. Mas eles ainda não alcançaram a cidade, permanecendo do lado de fora. Por desatenção, eles passam os limites dos caminhos reais e avançam de maneira insensata tangenciando os vícios que fazem fronteira com as virtudes. Pois os mandamentos não buscam nem a falta nem o excesso, mas apenas o objetivo que agrada a Deus, a vontade divina. Senão todo esforço é inútil: não se consegue tornar retos, conforme as Escrituras, os caminhos de Deus[5]. Em toda obra devemos buscar o objetivo pelo qual ela é feita.

15. Busque o Senhor no caminho, ou seja, no coração, por intermédio dos mandamentos. Quando ouvir o chamado de João prescrevendo a todos para prepararem os caminhos e endireitar as veredas[6] considere que se trata dos mandamentos, dos corações e dos atos. Com efeito, é impossível endireitar o caminho dos mandamentos e agir com inocência se o próprio coração não for direito.

16. Quando você ouvir falar da vara e do bastão nas Escrituras, considere que, na ordem profética, se trata do juízo e da providência; e, na ordem ética, da salmódia e da oração. Com efeito, quando somos julgados pelo Senhor, a vara da instrução nos castiga com vistas à conversão. Mas quando avara da salmódia viril castiga os que se rebelam contra nós, então nos tornamos firmes por meio da oração. Portanto, quando temos em mãos a vara e o bastão do exercício do intelecto, deixamos de castigar e sermos castigados até nos tornarmos totalmente assumidos pela providência, escapando tanto ao julgamento presente como ao futuro.

17. É típico dos mandamentos preferir sempre aquele que abarca todos os demais, ou seja, a lembrança de Deus: lembre-se continuamente do Senhor seu Deus. Pois é por intermédio deste mandamento que todos os demais podem ser perdidos ou guardados. De fato, o esquecimento, desde o início, perdeu a lembrança de Deus apagando os mandamentos, e assim despojou o homem de todos os seus bens.

18. Por meio dos dois mandamentos da obediência e do jejum aqueles que combatem retornam à dignidade original. Pois foi por intermédio dos seus contrários que todo o mal penetrou nos homens. Os que guardam os mandamentos pela obediência retornam a Deus mais rapidamente. E os que os guardam pelo jejum e a prece, mais lentamente. A obediência convém aos que começam e o jejum e a prece aos que já estão bem engajados no caminho do conhecimento e da coragem. Manter intacta a obediência a Deus através dos mandamentos não é dado senão a poucos e, mesmo para os mais corajosos, não se faz sem esforço.

19. A lei do Espírito da vida, segundo o Apóstolo, age e fala no coração, assim como a lei da letra opera na carne. Pois a primeira liberta o intelecto do pecado e da morte[7]. A outra faz secretamente uma obra farisaica, não cumprindo nem concebendo a lei senão para o corpo, e trabalhando os mandamentos apenas em aparência[8].

20. Foi dito que o homem, perfeito ou imperfeito de acordo com seu progresso, é a síntese coordenada e coerente em espírito de todos os mandamentos[9]. Os mandamentos são o corpo. As virtudes – as qualidades adquiridas – são os ossos. E a graça é a alma vivificante que move e conduz como se fossem seu corpo as energias dos mandamentos. Pois conforme a negligência ou o esforço em vista a atingir o talhe de Cristo fica evidente se se trata de uma criança ou de um perfeito, tanto agora como no século futuro.

21. Quem quer fazer crescer o corpo dos mandamentos deve se apressar em desejar o leite da graça materna, cheio de razão e de inocência[10]. Com efeito, é deste leite que se nutre todo aquele que busca crescer em Cristo e que deseja este crescimento. De seu próprio seio a sabedoria dá o calor e o leite com vistas ao crescimento. Mas aos perfeitos ela dá sua própria alegria, o mel, como alimento visando a purificação. Foi dito: “O mel e o leite estão sob sua língua[11]”. Salomão dizia que o leite é a faculdade que o Espírito possui de nutrir e fazer crescer, enquanto o mel é sua faculdade de purificar. E o grande Apóstolo, fazendo alusão a estas energias diferentes, dizia: “Eu lhes dei leite para beber como se dá às crianças, e não alimento sólido[12]”.

22. Aquele que, sem praticar os mandamentos, procura as razões dos mandamentos e deseja encontrá-las apenas lendo e estudando, assemelha-se a alguém que toma a sombra pela verdade. Pois não é possível participar das razões da verdade sem comungar com a verdade. Os que não comungam nem são iniciados na verdade, ao buscar suas razões, não encontram senão aquelas da sabedoria tola[13]. O Apóstolo os chama “psíquicos”. Porque eles não possuem o Espírito[14], mesmo que se glorifiquem da verdade.

23. Da mesma forma como o olho sensível vê as letras e recebe a leitura dos sinais sensíveis, também o intelecto, quando se purifica e retorna à dignidade original, contempla a Deus e dele recebe os sinais divinos. Ele tem o Espírito por livro e o pensamento e a língua como pena. “Minha língua, foi dito, é um cálamo[15]”, e sua tinta é a luz. Ele mergulha os pensamentos na luz e, tomando da luz, escreve as palavras em espírito nos corações puros dos que compreendem. Então ele conhece o que foi dito: o modo como os fiéis serão ensinados por Deus e como Deus ensina o homem, segundo a profecia, o conhecimento em espírito[16].

24. Considere que a lei dos mandamentos é a fé que age imediatamente no coração. É por meio dela, efetivamente, que todo mandamento se torna a fonte e a energia da iluminação das almas. Nas almas, os frutos da verdadeira fé ativa são a  temperança e o amor e, finalmente, a humildade – este dom de Deus – que é o começo e a força do amor.

25. A glória dos seres que não mentem é o verdadeiro conhecimento da que é visível e invisível. O conhecimento do visível é a glória dos seres sensíveis. E o conhecimento do invisível é a glória dos seres dotados de inteligência e de razão, dos seres espirituais e divinos.

26. A definição de ortodoxia consiste em ver com toda pureza e em conhecer em si os dois dogmas da fé, ou seja, a Trindade e a dualidade. Contemplar e conhecer de uma parte a Trindade na Unidade sem confusão nem divisão; e, de outra parte, reconhecer a dualidade das naturezas de Cristo em uma só Pessoa, ou seja, confessar e conhecer em duas naturezas, antes e depois da encarnação, um único Filho glorificado em duas vontades, divina e humana, que não se confundem jamais.

27. Devemos confessar piedosamente as três propriedades imutáveis e inalienáveis da Santíssima Trindade: ter nascido, não ter sido gerada e proceder. O Pai não é gerado e não tem começo. O Filho é nascido e, como o Pai, não tem começo. O Espírito Santo procede do Pai, por intermédio do Filho (como diz Damasceno), e é eterno juntamente com eles.

28. Somente é necessária a fé vivida na graça, agindo pelo Espírito através dos mandamentos, contanto que a guardemos. Não devemos preferir a fé morta e inerte à fé viva e ativa em Cristo. Basta ao fiel, com efeito, a forma e a vida da fé ativa em Cristo. Pois é a ignorância que ensina aos devotos a fé em palavras, inerte e insensível, e não a fé vivida na graça.

29. A Trindade é Unidade simples, porque não é criada nem composta. A Trindade está contida na Unidade. Pois Deus é em três Pessoas que estão enoveladas sem no entanto se confundirem.

30. Em tudo, é na Trindade que Deus pode ser conhecido e chamado. Pois ele não tem limites. Ele contém e prevê tudo, pelo Filho, no Espírito Santo. E nenhuma das Pessoas, qualquer que seja o nome que lhe dermos, pode ser chamada ou concebida independentemente das outras, ou sem as outras.

31. No homem existe o intelecto, a palavra e o espírito. O intelecto não existe sem a palavra nem a palavra sem o espírito. Eles se relacionam uns com os outros e existem por si mesmos. Pois o intelecto se exprime pela palavra e a palavra é manifestada pelo espírito. Assim o homem traz em si um obscuro ícone da Trindade imutável e original. Ele é a criação à imagem[17], até o momento, e ele a revela.

32. Os Pais que trazem a Deus em si ensinam a partir de modelos que o intelecto é o Pai, a palavra o Filho e que o espírito é em verdade o Espírito Santo. Eles revelam a doutrina da Trindade supra-essencial e sobrenatural, o Deus único em três Pessoas. Eles nos legaram a verdadeira fé e a âncora da esperança[18]. Pois conhecer o Deus único é, segundo a Escritura, a raiz da imortalidade[19]. E conhecer o poder da unidade das três Pessoas é toda a justiça. Ou ainda, é assim que se deve compreender o que é dito no Evangelho: “A vida eterna consiste em que eles o conheçam, o único Deus verdadeiro, e aquele que você enviou[20]”, Jesus Cristo, em duas naturezas e duas vontades.

33. Os castigos são tão variados quanto as recompensas dos bens. Eles estão no inferno, diz a Escritura, na terra obscura e sombria, na terra das trevas eternas[21] para onde vão os pecadores. Eles aí permanecerão até o julgamento, e a sentença poderá enviá-los de volta. Que os pecadores voltem para o inferno[22] e que a morte os leve a pastar[23], que é isto senão o Juízo último e a condenação eterna?

34. O fogo, as trevas, o verme e o tártaro são o deboche geral, a universal ignorância das trevas, a excitação do luxo em todos, o medo, o odor infecto do pecado. Garantias e primícias dos castigos, eles agem desde agora nas almas dos pecadores, e são manifestados pelo estado em que estes se encontram.

35. Os estados aos quais nos conduzem as paixões são a garantia dos castigos, assim como as energias das virtudes são as garantias do Reino. Mas devemos compreender e lembrar que os mandamentos são energias e que as virtudes são estados, assim como os vícios são igualmente estados.

36. Os castigos são repartidos como as recompensas, mesmo que para muitos as partes não pareçam iguais. Com efeito, a justiça divina concede a uns a vida eterna, a outros o castigo eterno. Uns e outros atravessaram bem ou mal o século presente, e serão retribuídos segundo suas obras. A quantidade e a qualidade da parte que receberem depende do estado e da energia das paixões ou das virtudes.

37. As almas debochadas são como pântanos de fogo[24]. Nelas o odor das paixões, como um lodo nauseabundo, alimenta o verme insaciável da desordem, a intemperança das concupiscências da carne, e também a serpente, os caranguejos, as sanguessugas dos maus desejos, a maldição e o veneno dos pensamentos e dos demônios. Uma condição como esta é desde já garantia de castigos no além.

38. Do mesmo modo como as primícias dos castigos estão escondidos nas almas dos pecadores, também as garantias dos bens agem pelo Espírito e são recebidas nos corações dos justos. Pois o Reino dos céus é o retorno que provém das virtudes, assim como o castigo é o estado das paixões.

39. A noite que se aproxima, segundo a palavra do Senhor[25], é a total inércia das trevas futuras. Vista de outro modo, ela é o Anticristo, que é a noite e as trevas e que assim é chamado. Na ordem moral, ela é a negligência cotidiana que, como a obscuridade, destrói a alma no sono da insensibilidade. Com efeito, assim como a noite leva a dormir todos os seres, como uma imagem da morte que nos aniquila, também a noite das trevas futuras, sob a embriaguez das penas, dá aos pecadores a morte e a insensibilidade.

40. O julgamento deste mundo, segundo a palavra do Evangelho[26], é a descrença dos ímpios: “Aquele que não crê já está julgado[27]”. São também as sentenças da providência em vista da supressão ou do retorno, e os impulsos que nos conduzem ao bem ou ao mal, segundo a energia que existe em nós: “Desde o seio os pecadores se extraviam[28]”. É então que, por nossa infidelidade, nossa experiência e nossa conduta, aparece o justo juízo de Deus castigando a uns, tendo piedade de outros, dando a alguns a coroa e a outros o castigo. Pois aqueles são totalmente ímpios e estes são fiéis mas negligentes: eles serão castigados com todo o amor que Deus tem pelos homens. Mas os que se tornaram perfeitos nas virtudes ou nos vícios decadentes receberão o que lhes é devido.

41. Se a natureza não é mantida intacta ou purificada pelo Espírito, como foi dito, é impossível que ela se torne um só corpo e um só Espírito em Cristo, tanto agora como na harmonia futura. Pois o poder englobante e unificador do Espírito não recupera as velhas vestimentas das paixões para delas fazer a nova túnica da graça[29].

42. Aquele que recebeu gratuitamente e guardou a renovação do Espírito e que agora conhece inefavelmente a deificação sobrenatural será a própria imagem e a figura de Cristo. Porque será um com Cristo. A outra possibilidade é não sermos membros de Cristo por não participarmos desde já da graça e por não termos em nós, segundo o Apóstolo, a imagem da verdade e do conhecimento[30].

43. Segundo a lei de Moisés, o Reino dos céus é semelhante a uma tenda construída por Deus e dividida em duas partes pelo véu[31] do século futuro. Na primeira metade da tenda, todos os que são sacerdotes da graça entrarão. Mas na segunda – a tenda espiritual – somente entrarão aqueles que, desde já, nas trevas da teologia, vivem à perfeição a liturgia hierárquica e trinitária, aqueles para quem Jesus, celebrando os mistérios, é o primeiro hierarca diante da Trindade. Eles entram na tenda que ele fundou e brilham visivelmente com seu próprio esplendor.

44. O Salvador disse que existem numerosas moradas[32], que são os diferentes graus, os diferentes progressos da condição do além. O Reino é único, mas contém em si muitas e diversas moradas, assim como existem seres celestes e seres terrestres, segundo a virtude e o conhecimento, segundo o grau de deificação. Com efeito, uma coisa é a luz do sol, outra a da lua, outra a das estrelas, e ainda uma estrela difere em brilho de outra[33], como diz o Apóstolo, mesmo que todas brilhem no firmamento único de Deus.

45. Passa a viver com os anjos aquele que purifica com lágrimas seu intelecto e se torna pouco a pouco incorpóreo e incorruptível, aquele que, pelo Espírito, desde já resgata sua alma e que, da carne, da estátua de argila que é por natureza, faz, pela palavra de Deus, uma figura de luz e fogo, uma imagem da beleza divina, dado que os corpos se tornarão incorruptíveis e que desaparecerão os humores e a densidade.

46. O corpo terrestre está destinado à incorruptibilidade, sem humores nem densidade. Como ele é ao mesmo tempo material e celeste, de corpo material ele será inefavelmente transformado pela sutilização da imagem divina em corpo espiritual. Pois ele ressuscitará tal como foi criado no princípio, a fim de se conformar à imagem[34] do Filho do homem, na comunhão total da deificação.

47. A terra dos mansos[35] é o Reino dos céus, ou a natureza divina e humana do Filho, na qual nós entramos e na qual avançamos, nós que recebemos pela adoção filial o nascimento na graça e a renovação que provém da ressurreição. Ou ainda: a terra santa é a natureza deificada, a terra purificada para os terrestres que dela forem dignos; ou, num outro sentido, a terra herdada[36] pelos verdadeiros santos é a calma serenidade divina da paz que ultrapassa a inteligência[37] e onde habitará a geração de corações retos[38], quando nada mais vier zumbir ao redor de seus ouvidos para perturbá-los.

48. A terra prometida é a impassibilidade. Nela correm o leite e o mel[39] da alegria do Espírito.

49. Os santos falam entre si no século futuro a língua dos mistérios, a linguagem interior que é expressa no Espírito Santo.

50. Se não reconhecermos quem Deus nos fez, não reconheceremos quem o pecado nos faz.

51. Os que receberam desde já a plenitude da perfeição de Cristo são por esta dimensão iguais em espírito.

52. Quantas e quais são as penas de uns, as recompensas de outros, e qual a sua medida, descobriremos participando da ordem e da condição do além.

53. Foi dito que os santos, os filhos da ressurreição[40] de Cristo, pela incorruptibilidade e a deificação, se tornarão inteligências, portanto semelhantes aos anjos.

54. Foi dito que, no século futuro, os anjos e os santos não cessarão jamais de progredir no crescimento das graças, nem lhes faltarão os bens que desejam. No século futuro, de fato, nenhum mal virá relaxar ou diminuir a virtude.

55. Considere que o homem que recebeu como um dom a semelhança que o faz crescer até a dimensão de Cristo[41] é perfeito agora. Mas o homem perfeito no século futuro será revelado pela potência da deificação.

56. Aquele que desde já é perfeito em virtude a ponto de alcançar a idade do Espírito, é também tão digno e deificado quanto aqueles que, no século futuro, trazem em si a semelhança.

57. Foi dito que a verdadeira glória consiste no conhecimento ou na contemplação do Espírito, que a busca da fé verdadeira consiste no discernimento preciso dos dogmas.

58. O deslumbramento é a total elevação das potências da alma para reconhecer a glória imensa e se unir a ela. Ou ainda, é a pura e total elevação voltada para o poder infinito que reside na luz. Mas o êxtase não consiste apenas no arrebatamento das potências da alma para o céu: ele nos despoja totalmente desta sensação. E o amor – o eros – é tanto uma coisa como outra: ele é a embriaguez do Espírito que tensiona o desejo.

59. Dois amores em espírito são verdadeiramente extáticos: o que reside no coração e o que faz ficar fora de si. O primeiro se encontra naqueles que ainda estão sob a luz de um ensinamento; o segundo, naqueles que se realizam na caridade. Ambos separam dos sentidos o intelecto que põem a trabalhar, na medida em que o amor – o eros – divino consiste na embriaguez do Espírito que conduz à superação do pensamento natural e por meio da qual também os sentidos são subtraídos das relações.

60. O início e a causa dos pensamentos é a transgressão do homem, que divide a memória única e simples e a faz perder a lembrança de Deus. De simples, a memória se torna composta. De única, se torna diversificada. E suas próprias forças a fazem perecer.

61. O retorno à simplicidade primordial cura a memória original da memória ruim dos pensamentos, que conduz à perdição. Pois o órgão da malícia, a desobediência, não apenas está na origem da memória simples voltada para o bem, como ainda corrompe suas próprias forças, apagando o desejo natural da virtude. Mas a lembrança de Deus, constante, enraizada na oração, cura cirurgicamente a memória, quando o espírito, falando das coisas da natureza, se une ao sobrenatural.

62. Os atos do pecado provocam as paixões; as paixões provocam os pensamentos; e os pensamentos, as imaginações. A memória é causa das reflexões; o esquecimento, da memória. A ignorância gera o esquecimento; e a negligência, a ignorância. A concupiscência gera a negligência. O movimento que altera é a mãe dos desejos, e a energia do ato é a mãe do movimento. O ato é o impulso irracional do mal que nos faz dispor do sensível e dos sentidos.

63. Os pensamentos agem e se desenvolvem na razão; as paixões brutais, no ardor; a memória do apetite selvagem, no desejo; as formações imaginárias, no intelecto; e as ideias, na reflexão.

64. A irrupção dos maus pensamentos é um rio que corre. A sugestão que reside neles e a conivência com o pecado que reside nesta sugestão, se tornam as ondas de uma inundação que cobre o coração.

65. O lodo profundo[42] significa o suor do desfrute, ou a lama da prostituição, ou o peso das coisas materiais, que tornam pesado o intelecto apaixonado, que, por causa dos pensamentos, mergulha no abismo do desespero.

66. A Escritura muitas vezes chamou as razões das coisas de pensamentos, assim como, para ela, as razões significavam o sentido das coisas, e, reciprocamente, o sentido das coisas representava suas razões. De fato, o movimento das razões é em si imaterial, mas através das coisas ele penetra numa imagem e se transforma. É assim que pode ser conhecido e denominado aquilo que se projeta em toda aparição.

67. Os pensamentos são as razões dos demônios e os precursores das paixões. O mesmo acontece com as razões e os sentidos das coisas. É impossível, de fato, fazer o bem ou o mal sem que antes isto não tenha sido sugerido em pensamento, dado que o pensamento é o movimento informal da sugestão de todas as coisas possíveis.

68. A matéria das coisas engendra os pensamentos simples, mas a sugestão demoníaca trama os pensamentos de malícia. Porém, quando os comparamos, as razões e os pensamentos naturais não diferem das razões e dos pensamentos contra a natureza e dos sobrenaturais.

69. A partir do momento em que mudam, os pensamentos naturais e os pensamentos segundo a natureza agem da mesma forma, mas os pensamentos se voltam para os pensamentos contra a natureza e os pensamentos segundo a natureza se voltam para os pensamentos sobrenaturais. Todos passam uns pelos outros e nascem uns dos outros. Os pensamentos demoníacos têm como causa os pensamentos provenientes da matéria. Os pensamentos materiais têm como causa os pensamentos que provêm da sugestão. Os pensamentos divinos provêm dos pensamentos naturais, que geram os pensamentos sobrenaturais. Cada pensamento traz em si sua própria transformação, que o leva ao que lhe é próprio, e que se divide em quatro vias: ele possui uma causa, e ele gera.

70. Devemos notar que as causas provêm dos pensamentos; que os pensamentos provêm das imaginações; as imaginações provêm das paixões e as paixões, dos demônios. Existe, de uma maneira pérfida, como que uma ligação e uma ordem entre os espíritos desordenados. Cada um depende de outro ao qual está ligado. Nenhum age por si mesmo, mas é levado pelos demônios. A imaginação não cria imagens e a paixão não age se não for pelo poder demoníaco oculto em segredo. Pois, se Satanás caiu e foi despedaçado, nem por isso nossa negligência o torna menos forte, e ele se orgulha às nossas custas.

71. Os demônios configuram nossa inteligência, ou melhor, eles tomam uma forma semelhante a nós mesmos e se projetam sobre nós segundo o estado de paixão que domina e age sobre a alma. Pois eles portam em si o estado de paixão que provoca a formação das imagens. Durante a vigília e o sono ele fazem surgir em nós toda a diversidade de numerosas formas de imaginação. Os demônios do desejo, ou melhor, do deboche, se transformam seja em porcos, em asnos, em cavalos lúbricos e inflamados, seja em hebreus. Os demônios da cólera se mostram como pagãos ou leões. Os demônios da preguiça se fazem Israelitas, e os do deboche Edomitas. Os demônios da embriaguez e da intemperança se tornam Agáricos. Os demônios da avidez se transformam em lobos e panteras, e os da malícia em serpentes, víboras e raposas. Os demônios da impudência se fazem de cachorros, e os da acídia de gatos. Enfim, os demônios da prostituição se tornam serpentes, corvos e gaios, e os demônios psíquicos, ou aéreos, se transformam em pássaros. A imaginação tem três tipos de causas, que mudam as formas dos espíritos conforme as três partes da alma. Assim é que a tripla imaginação se encontra nos pássaros, nas feras e nas bestas de carga, que correspondem às potências da alma: o desejo, o ardor e a razão. Pois os três príncipes das paixões se armam sempre segundo estes três modos. Quando a alma secreta a paixão, então, conforme nos parecemos a eles, os demônios vêm fazer caretas em nós.

72. Os demônios do desfrute aparecem muitas vezes como fogo e brasas. Espíritos de desfrute, eles queimam o desejo e entenebrecem em confusões a reflexão da alma. Pois o desfrute das paixões é em si causa de queimação, de perturbação e de trevas.

73. A noite das paixões corresponde às trevas da ignorância. Ou ainda, a noite é o império que engendra as paixões. Nela reina o mestre das trevas, onde os animais dos campos, os pássaros do céu e as serpentes da terra, que figuradamente são chamados de “espíritos que rugem”, tentam nos devorar[43].

74. Temporalmente, os pensamentos precedem ou se seguem às energias das paixões. Os pensamentos precedem as imaginações, e as paixões as seguem. As paixões precedem os demônios e os demônios seguem as paixões.

75. O princípio e a causa das paixões é o abuso. A causa do abuso é a mudança, e a causa da mudança é o impulso da vontade. O instrumento da vontade é a sugestão. E o instrumento da sugestão são dos demônios, que são tolerados pela providência para mostrar qual é o nosso livre arbítrio.

76. O veneno do aguilhão do pecado que conduz à morte[44] é o estado passional da alma. Aquele que por sua própria vontade se atirou às paixões não consegue nem fazer avançar, nem alterar sua conduta.

77. As paixões têm muitos nomes. Elas se dividem em paixões corpóreas e psíquicas. As paixões corpóreas se dividem em paixões da dor e do pecado. As paixões da dor se dividem em paixões de doença e de castigo. Da mesma forma, as paixões psíquicas se dividem em paixões do ardor, do desejo e da razão. As paixões da razão se dividem em paixões da imaginação e da reflexão. Umas são voluntárias, por excesso. Outras, involuntárias, por necessidade: diz-se que estas são paixões às quais não está ligada reprovação, e os Padres as chamam de consequências e caracteres naturais.

78. Umas são as paixões do corpo, outras as da alma. Umas são as paixões do desejo, outras as do ardor. Outras ainda da razão, e outras as do intelecto e da reflexão. Todas comunicam entre si e trabalham umas com as outras. As paixões do corpo levam às do desejo; as paixões da alma conduzem às do ardor; às da razão levam às do intelecto e estas às da reflexão e da memória.

79. As paixões do ardor são a cólera, a amargura, a gritaria, a agressividade, a impudência, a vaidade, a vanglória, etc. As paixões do desejo são a avidez, o deboche, a intemperança, a concupiscência insaciável, o desfrute, a avareza, o egoísmo – este, de todas as paixões, a mais baixa. As paixões da carne são a prostituição, o adultério, a impureza, a libertinagem, a injustiça, a gula, a acídia, a frivolidade, o amor aos enfeites, a ligação a esta vida, etc. As paixões da razão são a descrença, a blasfêmia, a malícia, a trapaça, a curiosidade, a irresolução, a injúria, a bisbilhotice, a condenação, o desprezo, a palhaçada, a hipocrisia, a mentira, a grosseirice, a tolice, a falsidade, a ironia, a vaidade, o respeito puramente humano, a gabolice, os falsos juramentos, os discursos vãos, etc. As paixões do intelecto são a presunção, a insolência, a exaltação, a disputa, a inveja, a suficiência, a contradição, a ignorância, a imaginação, as invencionices, a exibição, a ambição, o orgulho – este, o primeiro e o último de todos os males. As paixões da reflexão são as inquietudes, as exaltações, os enclausuramentos, a vertigem, a cegueira, os desvios, as sugestões, as submissões, os pendores, as alterações, as agitações e tudo o que se lhes assemelha. Como se vê por sua definição, todos os males que são contra a natureza estão misturados às três potências da alma. Da mesma forma, todos os bens que se encontram na natureza se encontram nela.

80. Oh, quanto Davi louvou e temeu a Deus quando, maravilhado, disse: “Seu conhecimento está além de mim. Eu não posso chegar até ele[45]”, tão grande e inacessível, acima de meu fraco conhecimento e do poder que está em mim. Como esta carne, cuja complexa formação é impossível conhecer, pode ter em cada uma de suas formas a harmonia trinitária e única de seus próprios membros e de suas partes, honrada pelos números sete e dois (números que, segundo os sábios, manifestam o tempo e a natureza)? Existe aí um órgão revelador da glória de Deus, e fisicamente de acordo com a grandeza da Trindade, segundo as leis ativas da natureza.

81. As leis da natureza consistem em tal ou qual composição dos membros em estado de agir, que a razão pode considerar diferentes como se fossem numerosas partes com propriedades idênticas. Ou ainda, a lei natural é a energia em potência de cada forma e de cada membro. O que Deus fez por toda a criação a alma faz pelos membros do corpo. Ela coloca em ação e em movimento cada um deles por meio da mesma energia. Podemos nos perguntar por que razão os homens teóforos afirmam tanto que o ardor e o desejo são potências da carne, quanto dizem que são potências da alma. Quanto a nós, afirmamos que estas palavras dos santos, para aqueles que as conhecem exatamente, não se contradizem. Uns e outros testemunham a verdade e cruzam com sabedoria estas apelações, assim como seu nascimento inefável dos dois ao ser, segundo o modo de sua existência em comum, uma vez que a alma é perfeita desde já, mas o corpo é imperfeito, por causa do crescimento que está implicado na alimentação. Pois a alma também possui por si própria uma potência voltada para o desejo, um ardor que a leva à energia do amor, desde a sua formação, que faz dela uma criatura dotada de razão e inteligência. Com efeito, não se trata de um ardor sem razão e de um desejo sem inteligência que foram criados com ela. Nada está primeiramente na carne. Mas o que foi formado era incorruptível, sem os humores de onde saíram o desejo e o ardor brutal. Foi depois da transgressão que, por necessidade, o ardor e o desejo se inclinaram sobre aquele que tombara na corrupção e na densidade dos serem desprovidos de razão. É por isso que, por intermédio do ardor e do desejo, quando o mortal é quem domina, ele se opõe à vontade da alma. Mas quando ele é submetido à razão, ele segue a alma em direção à energia dos bens. Com efeito, quando aquilo que havia sido importado da carne se mistura desordenadamente às propriedades da alma, o homem se torna semelhante aos animais[46]. Pela necessidade da natureza, ele se inclina sob a lei do pecado. De ser racional ele se torna animal. De homem ele se faz fera.

82. Do mesmo modo como a alma, cuja razão foi criada pelo sopro e cujo intelecto pela inspiração vivificante, Deus não criou o ardor e desejo bestial, mas a potência voltada ao impulso e, além desta, a energia amorosa do encantamento, também no corpo, quando foi este formado no princípio, ele não colocou o ardor e o desejo irracionais. Foi apenas depois da transgressão que ele acrescentou tudo aquilo que é mortal, corruptível e bestial, tornando-o semelhante a isto. Pois o corpo, dizem os teólogos, foi criado incorruptível e, ainda que esteja sujeito à corrupção, ele ressuscitará, assim como a alma que foi criada impassível. Ambos – a alma e o corpo – foram corrompidos e misturados pela lei natural da pericorese[47] e da permuta. A alma foi marcada pelas paixões, ou melhor, pelos demônios. O corpo, tornado semelhante aos animais irracionais, foi marcado com a energia de seu estado e pelo império da corrupção. E as potências de ambos, por não constituírem senão uma única coisa, constituíram um animal único que, pelo ardor e o desejo, perdeu a razão e a inteligência. E assim, segundo a Escritura, ele foi assimilado aos animais e tornado semelhantes a eles de todas as maneiras[48].

83. O princípio e a gênese das virtudes consiste em avançar para o que é bom – isto é o impulso para o bem – assim como Deus é a causa e a fonte de todo bem. O princípio do bem é a fé, ou antes Cristo, a pedra da fé, que é para nós o princípio e o fundamentos de todas as virtudes. Sobre ela nós somos. E nele edificamos todo bem[49]. Ele é a pedra angular[50] que nos une a si. Ele é a pérola preciosa[51] que o monge busca quando penetra na profundeza da hesíquia e, a fim de adquiri-la desde já, vende todas as vontades que possui, obedecendo aos mandamentos.

84. As virtudes são iguais entre si e convergem todas para uma única. Todas contribuem para definir e conformar a mesma virtude. Existem virtudes que são maiores do que outras, que abarcam e contêm a maior parte das outras – senão todas – como o amor divino, a humildade e a paciência divina. Desta disse o Senhor: “Por sua paciência vocês salvarão suas almas[52]”. Ele não disse: com seu jejum, com sua vigilância. E eu repito: a paciência que vem de Deus é a rainha das virtudes e o fundamento das ações fortes. É ela que dá paz nos combates, a calma nas tempestades, a imutável permanência daquilo que adquirimos. Nem as lágrimas, nem os exércitos em marcha, sequer a agressão dos demônios e a falange tenebrosa dos adversários poderão prejudicar aquele que a possui em Jesus Cristo.

85. As virtudes, embora engendrem umas às outras, têm sua gênese nas três potências da alma, salvo as divinas. Pois a causa e o princípio das quatro virtudes cardinais dentre as virtudes naturais – a prudência, a coragem, a temperança e a justiça – e das virtudes divinas, das quais e nas quais se formam todas, é a sabedoria divina dos teólogos, animada pelo Espírito e movida de quatro maneiros, seguindo o intelecto. Esta não age sobre todas as virtudes ao mesmo tempo, mas sobre cada qual, a seu bel-prazer e em seu tempo. Sobre uma, ela age como luz; sobre outra, como força penetrante e uma inspiração sempre em movimento; sobre outra, como uma potência que santifica e purifica; sobre outra ainda como um orvalho de pureza cheio de encanto e frescor, cobrindo a queimação das paixões. Ela age sobre cada qual e por cada qual, sobre a perfeição por meio do que é perfeito, como foi dito, e lhe permite operar seguindo seu modo.

86. O exercício das virtudes por seu próprio cuidado não concede à alma uma força perfeita se estas virtudes não forem assistidas pela graça. Com efeito, cada uma delas possui um carisma que lhe é próprio, uma energia que lhe pertence, de sorte que ela pode atrair mesmo aqueles que não querem, para fazê-los comungar com ela, por meio do estado e da natureza do bem. E quando a obtemos, ela permanece desde então imutável e imóvel. Pois as virtudes possuem em seus membros, como uma alma viva, a graça do Espírito que as faz agir. Sem a graça, todo o conjunto das virtudes é morto. Para os que pensam possuí-las ou adquiri-las perfeitamente, as virtudes por si sós não passam de sombras e imagens do bem, mas não são a própria imitação da verdade.

87. Existem quatro virtudes universais: a coragem, a prudência, a temperança e a justiça, e outras oito que as seguem de perto, por excesso ou carência, que consideramos como males, mas que os que estão no mundo chamam de virtudes e as concebem como tais. Elas são, para a coragem, a audácia e a timidez; para a prudência, a malícia e a ignorância; para a temperança, a licenciosidade e a indolência; para a justiça, a dominação e a sujeição. Com efeito, as virtudes médias são não apenas virtudes universais e naturais, superiores a todo excesso e toda falta, mas ainda são virtudes ativas, podendo agir a partir de uma resolução guiada pela retidão do pensamento, ou pela alteração e a presunção. Que estas virtudes médias sejam virtudes do direito, é testemunha o provérbio que diz: “Você tomará os caminhos do bem[53]”. Todas as virtudes se formam nas três potências da alma, onde elas nascem e se edificam. Elas têm como fundamento de sua edificação as quatro virtudes cardinais – ou antes: Cristo – a fim de que as virtudes naturais sejam purificadas pelas virtudes ativas e que as virtudes divinas sobrenaturais sejam concedidas pela bondade do Espírito.

88. Dentre as virtudes, algumas são ativas, outras naturais, e outras divinas, sendo estas as virtudes do Espírito. As virtudes ativas são as virtudes da resolução, as virtudes naturais as da formação e as divinas as da graça.

89. Assim como nossa alma traz em si a gênese das virtudes, ela traz também a das paixões. Mas ela gera as primeiras segundo a natureza e as outras contra a natureza. A causa da gênese do bem e do mal na alma é o impulso da vontade. Ela é como que o ponto central de onde partem as linhas, ou como o fiel da balança que pende para o lado de onde recebe um impulso. O que fundamenta as duas energias do bem e do mal é a intenção, porque este fundamento chama para si uma ou outra, uma pela gênese, a outra pelo livre impulso da vontade.

90. A Escritura chama de “donzelas” as virtudes[54] por causa da conexão que as liga à alma e as faz se considerarem como um só corpo e um só espírito com ela. A beleza da donzela é com efeito um símbolo do amor e a forma das virgens sagradas é um testemunho de pureza e de purificação. De fato é da ordem da graça transpor para os gestos aquilo que é divino, e de dar forma, àqueles que disto são capazes, àquilo que sem erro se parece com a origem.

91. Existem oito paixões principais, das quais três são as maiores: a gula, a avareza e a vanglória. As cinco que se seguem são: a prostituição, a cólera, a tristeza, a acídia e o orgulho. Três virtudes englobantes correspondem às três primeiras paixões: a pobreza, a temperança e a humildade. E com elas seguem-se as virtudes: a pureza e a doçura, a alegria, a coragem, o desprezo por si e toda a série de outras virtudes. Mas aprenda e conheça o poder, a ação, o odor de cada virtude ou de cada vício que não são dados a quem os quer, mas a quem age e prova por seus atos e suas palavras, e que recebe do Espírito Santo os carismas da ciência e do discernimento.

92. Dentre as virtudes umas são ativas e outras passivas. As primeiras agem e permanecem em nós quando é preciso, cada vez que é preciso, tanto e como elas quiserem. Nós as trabalhamos na medida da resolução e do estado moral que nos é próprio. Mas as virtudes, elas, agem realmente, enquanto que nós agimos por imitação, porque somos imitadores por nosso modo de vida, pois a imitação é o modo de tudo o que fazemos para atingir os modelos originais, ou arquétipos, do além. Pois são poucos os que comungam real e verdadeiramente com o intelecto, antes da felicidade incorruptível do século futuro. Por enquanto o que temos são o esforço e as imagens, não exatamente as virtudes, e é isto que recebemos e colocamos a trabalhar.

93. Segundo Paulo, quem comunga com a iluminação de Cristo e que pode transmiti-la aos demais por meio de sua energia, este celebra o mistério do Evangelho[55]. Este lança a palavra como uma semente divina nos campos das almas dos que o escutam. “Que sua palavra, disse ele, seja revestida da graça e da bondade divina, a fim de que ela leve a graça aos que a escutarem com fé[56]”.  E quando ele chama aos que ensinam e aos que são ensinados de cultivadores e de campo[57], ele indica com sabedoria que os primeiros são como operários e semeadores da palavra divina enquanto que os últimos são como a terra das virtudes, argilosa, fértil e fecunda. Com efeito, uma celebração realmente verdadeira do mistério é não somente a energia do que é divino, como também a participação dos bens e sua transmissão.

94. A palavra que é expressa com vistas ao ensinamento é diversa e, quaisquer que sejam seus numerosos modos, provém de quatro formas: do estudo, da leitura, da ação ou da graça. Assim como a água é uma por natureza, mas conforme os diferentes elementos da matéria terrestre que entram nela se renova e se transforma numa qualidade que lhe é própria e que é perceptível ao paladar (sendo amarga, doce, salgada, ácida), também no que tange ao estado moral de cada um, a palavra que dele provém muda, e será conhecida por sua energia e dada à sua assistência.

95. Sendo a palavra dada para o usufruto para razões de toda natureza, como diferentes alimentos, a alma que recebe este desfrute sente seu prazer diferentemente. Com efeito, a palavra que provém da ciência a marca ensinando-lhe uma arte de viver. A que vem da leitura a alimenta como uma água calma[58]. A palavra que vem da ação é fértil como as verdes pastagens[59]. A palavra que vem da graça embriaga como um cálice[60] e a encanta[61]. E esta alegria é inefável. Como o azeite, ela alegra e ilumina o rosto[62].

96. Não apenas a alma adquire verdadeiramente estas coisas em si, como sua vida, mas ela as sente nos outros quando os ouve ensinar, pois o amor e a fé precedem estes dois modos. Um escuta pela fé enquanto o outro ensina pelo amor, falando das virtudes sem vaidade nem glória. A palavra que vem da instrução é recebida por ele como um pedagogo; a palavra que vem da leitura, como um provedor que alimenta os demais; a palavra que vem da ação, ele a recebe como uma linguagem interior, como a mais doce vestimenta de bodas; e a palavra radiante do Espírito é como a palavra nupcial que unifica e alegra. Pois são palavras que saem da boca de Deus[63], aquelas que, por intermédio do Espírito, vêm da boca dos santos. Trata-se, em sua energia, do sopro dulcíssimo do Espírito, do qual não usufruem todos, mas apenas os que dele são dignos. Aqui, os que se regozijam visivelmente das coisas do Espírito são bem poucos. A maior parte não conhece, de memória, senão as imagens das palavras espirituais, e só participa destas. Eles ainda não comungam da palavra como de um verdadeiro pão do século futuro na sensação de Deus. Pois somente este está além, concedido para o justo regozijo dos que dele são dignos. Ele nunca é consumido, nem, esgotado, nem sacrificado.

97. Sem o sentido espiritual é impossível provar a sensação de alegria daquilo que é divino. Como alguém que abafou seus próprios sentidos, privando-os da energia diante das coisas – ele não pode ver, ouvir, sentir, está inerte, quase morto – também aquele que destruiu por meio das paixões as potências naturais da alma as torna insensíveis à energia e à comunicação dos mistérios do Espírito. Pois quem não vê, não ouve, não sente em espírito, está morto. Cristo não está vivo nele. Nem seus atos, nem seus movimentos estão em Cristo.

98. Os sentidos voltados para as potências da alma possuem a mesma energia, igual em todos, para não dizer única, sobretudo quando se trata de santos. Com efeito, é por meio destes sentidos que as potências vivem e agem, e o Espírito de vida se une a eles. A verdadeira fraqueza do homem está em ser inteiramente tomado pela doença das paixões, de estar todo o tempo deitado na enfermaria da negligência. Dentre os sentidos, alguns vigiam claramente o que é sensível, outros o que é inteligível, sobretudo quando não há neles nenhum combate satânico oposto à lei do intelecto e do Espírito[64]. E quando, pelo Espírito, ele se unem em um e se tornam uma única forma, então eles conhecem imediata e fundamentalmente em sua natureza o que é divino e o que é humano. Eles contemplam claramente as razões das coisas e se iniciam puramente, na medida do possível, a respeito da causa de tudo, a Trindade.

99. Quem busca a hesíquia deve ter por fundamento primeiramente estas cinco virtudes sobre as quais se edificará a obra: o silêncio, a temperança, a vigília, a humildade e a paciência. Depois, estas três obras que agradam a Deus: a salmódia, a prece e a leitura – e também o trabalho manual, quando se é fraco. Pois as virtudes que mencionamos não apenas contêm todas as demais, como as unem umas às outras. Na primeira hora, desde a aurora, deve-se consagrar à lembrança de Deus por meio da prece e da hesíquia do coração e orar continuamente; na segunda hora, ler; na terceira, salmodiar;. Na quarta, orar; na quinta, ler; na sexta salmodiar; na sétima, orar; na oitava, ler; na nona, salmodiar; na décima, comer; na décima primeira, dormir, se for necessário; na décima segunda, salmodiar as vésperas. Passas assim a jornada cotidiana agrada a Deus.

100. De todas as virtudes, é preciso, com a abelha, recolher as mais úteis e, recebendo de todas um pouco, fazer assim uma grande mistura da obra das virtudes. É delas que provém o mel da sabedoria, para a alegria das almas.

101. É fácil, para quem quiser, passar também a noite desta maneira. Escute. A vigília noturna tem três modos: dos noviços, dos médios e dos perfeitos. O primeiro modo é o seguinte: Dormir metade da noite e velar a outra metade; ou então do entardecer até a meia noite, ou da meia noite até a aurora. O segundo modo é: velar uma hora ou duas depois do entardecer, depois dormir quatro horas e se levantar para as matinas, salmodiar e orar por seis horas até a aurora. Salmodiar durante a primeira hora e se dedicar à hesíquia conforme foi dito. E, ou bem observar durante as horas a regra do trabalho, ou bem manter firme a continuidade da oração, que concede seu estado a que leva esta vida. O terceiro modo consiste em permanecer em pé e velar a noite inteira.

102. Falemos também da alimentação. Quinhentas gramas de pão bastam a qualquer um que queira conduzir o combate pela hesíquia. Beber dois copos de vinho puro e três de água, nutrir-se com os alimentos que estiverem à mão – não os que a natureza nos manda buscar pelo desejo – e utilizar com sobriedade tudo o que nos envia a providência. Trata-se de uma ciência excelente e concisa para os que desejam levar com rigor suas vidas: observar as três obras que contêm as virtudes – o jejum, a vigília e a prece – e que asseguram a todos o sustento mais sólido.

103. A hesíquia está antes de tudo ligada à fé, à paciência, ao amor e à esperança, esta coisas que devemos viver com todo o coração, toda a força e todo o nosso possível[65]. Porque aquele que crê, ainda que aqui em baixo tenha perdido o que busca – por negligência ou por qualquer outro motivo – quando deixar este mundo, é impossível que não seja cumulado pelo fruto da fé e do combate e q1ue não veja a liberdade, que é Jesus Cristo, a redenção e a salvação das almas, o Verbo divino e humano. Quanto ao que não crê, este será julgado quando deixar este mundo. Mas ele já foi julgado, disse o Senhor[66]. Com efeito, foi dito, quem se dedica ao desfrute, “buscando a glória que vem dos homens e não a que vem de Deus, este não crê[67]”, mesmo que pareça crer por palavras. Este homem engana a si próprio sem saber. Pois ele irá escutar: “Porque você não me recebeu em seu coração, mas me rejeitou deixando-me para trás, também eu o rejeitarei[68]”. É preciso que o fiel tenha esperança, que ele creia verdadeiramente em Deus, de quem todas as Escrituras dão testemunho, e que ele confesse sua própria fraqueza, a fim de não incorrer no duplo julgamento inelutável.

104. Nada quebranta tanto o coração e humilha a alma como a vida retirada, baseada no conhecimento e no silêncio longe de tudo. E nada devasta tanto o estado de hesíquia e a potência divina que o despoja de tudo o que o cerca, como as seis paixões maiores: a liberdade de linguagem, a gula, a tagarelice, a distração, a vaidade e a paixão fundamental, a presunção. Quem se deixa levar por estes costumes, ao atingir o fundo das trevas, tornar-se-á totalmente insensível. Porém, se ele se corrigir, se recomeçar com fé e fervor, ele encontrará novamente o que buscava, principalmente se procurar com humildade. Mas se a negligência fizer com que reine uma das paixões de que falamos, então toda a sequência de males o virá assaltar, juntamente com uma descrença funesta, devastando sua alma. Entre a perturbação e o tumulto dos demônios[69], ele se tornará uma nova Babilônia, de sorte que sua última condição será pior do que a primeira[70]. O inimigo se torna irascível acusa os que buscam a hesíquia e afia sua língua contra eles como uma espada cortante de dois gumes.

105. As águas das paixões, cujo mar tempestuoso se mistura à hesíquia e inunda a alma, não podem ser atravessadas senão sobre a barca vazia e leve da pobreza total e da temperança. Com efeito, quando, por causa da intemperança e do amor à matéria, as torrentes das paixões cobrem a terra do coração, misturando a ela toda a lama e o lodo dos pensamentos, elas levam a confusão ao espírito, a perturbação ao intelecto, a pesandez ao corpo, tornando o coração e a alma negligentes, tenebrosos, obesos, e expulsam de sua morada os estados e as sensações naturais.

106. Nada como o egoísmo que alimenta as paixões torna tão vaidosa, negligente e irrefletida a alma dos que se agitam. Pois a cada vez que ela prefere as facilidades do corpo à busca penosa das virtudes e acredita que o conhecimento ajuda a não sofrer nas obras voluntariamente – em especial nos pequenos esforços fáceis dos mandamentos – nela se produz um esgotamento em relação ao estado de hesíquia, e isto torna forte e irremediável o relaxamento nas obras.

107. Para aqueles que fraquejam diante dos mandamentos e preferem vomitar a perturbação que os cega, não há remédio melhor nem mais rápido do que a obediência em tudo, indivisível e fiel. Pois este é um remédio que contém numerosas virtudes e que dá a vida aos que o tomam. É uma espada que purifica de um só golpe as cicatrizes dos ferimentos. Aquele que, com fé e simplicidade, o preferiu a qualquer outra atividade, cortou ao mesmo tempo e com um só talho todas as paixões. Este não apenas atinge a hesíquia como ainda a conserva em si por meio da própria obediência. Este encontrou a Cristo, tendo se tornado seu imitador e servidor.

108. Se não nos dedicarmos ao luto nem vivermos em tristeza será impossível resistir ao calor ardente da hesíquia. Pois quem chora e medita nas infelicidades que precedem e se seguem à morte, antes que elas cheguem por si mesmas, terá a paciência e a humildade, os dois fundamentos da hesíquia. Mas quem vive a hesíquia sem isto terá sempre por companhia a presunção e a negligência. Daí provém os isolamentos e as inquietudes que nos levam à vaidade. Pois a filha da negligência, a intemperança, amolece e relaxa o corpo, escurece e endurece o intelecto. Neste momento Jesus se oculta[71] e uma multidão de ideias e de pensamentos ocupam o lugar da reflexão.

109. É impossível a todos experimentar na sensação o tormento da consciência, seja a de agora, seja a do século futuro. Pois isto só é dado àqueles que, seja agora, seja no além, carecem da glória e do amor. Este tormento é como um carrasco temível que castiga os culpados de todas as maneiras. Ele aparece sempre como uma espada afiada que priva do zelo e da justificação. Se a consciência é concedida, este zelo, ou o ardor natural, se volta de fato de três modos contra os adversários, contra a natureza e contra a alma. É a ele que devemos afiar como um glaivo cortante contra os inimigos. Se formos vencedores, se os outros dois se submeterem ao primeiro, o limite da coragem, agora transformada, se voltará para Deus. Mas se a alma for submetida aos dois – ao pecado e à carne – o final no além será um tormento impiedoso, porque ela se submeteu aos adversários por sua própria vontade, fazendo aqui em baixo as coisas mais inapropriadas, perdendo o estado de virtude e caindo, separada de Deus.

110. Dentre todas as paixões, duas são especialmente duras e graves. Trata-se da prostituição e da acídia, que oprimem e esgotam a alma infeliz. Elas possuem uma reciprocidade comum e se unem uma à outra. São difíceis de combater, e nos é impossível desfazê-las e vencê-las. A primeira transborda no desejo. Ela contém a matéria que, por natureza e de maneira indefinida, pertence à alma e ao corpo. Seu prazer impregna inteiramente todos os membros. A segunda, que submete a razão que nos conduz, envolve totalmente a alma e a carne como uma trepadeira, e torna a natureza preguiçosa, inerte e inconsequente. Elas são expulsas, mas não inteiramente desfeitas, antes da bem-aventurada impassibilidade, quando a alma se regozija ao receber o poder do Espírito Santo através da oração, o qual, com a hesíquia, lhe concede o repouso, a força e uma paz profunda no coração. A primeira paixão, a prostituição, comanda, reina, domina. Ela é o prazer que abarca os prazeres. E sua companhia, a inconsequência, que conduz os príncipes ao Faraó[72], é o carro invencível. É por meio delas que penetra em nós, os infelizes, tudo o que causa as paixões da vida.

111. O início da prece intelectual é a energia, ou seja, o poder purificador do Espírito, e a celebração mística do intelecto. Da mesma forma, o início da hesíquia é o estudo. O meio é o poder iluminante e a contemplação, e o fim é o êxtase e o arrebatamento do intelecto para Deus.

112. A energia intelectual do intelecto é um santuário do Espírito antes que venha o regozijo futuro que ultrapassa o entendimento. Ela celebra misticamente o sacrifício do Cordeiro com os dons de Deus sobre o altar da alma, e dele participa. Mas comer o Cordeiro de Deus sobre o altar espiritual da alma não é apenas conceber e participar, é também se tornar tal e qual como é o Cordeiro no século futuro. Pois aqui em baixo esperamos desfrutar das palavras, mas, no além, das realidades dos mistérios.

113. A oração, nos noviços, é como um fogo de alegria que sobe ao coração. Mas entre os perfeitos ela é como uma luz ativa e olorosa. Ou ainda, a prece é a predicação dos apóstolos, a energia da fé, ou antes, a fé imediata, o fundamento daquilo que se espera[73], o amor ativo, o movimento angélico, o poder dos incorpóreos, sua obra e seu usufruto, o Evangelho de Deus, a plenitude do coração, a esperança da salvação, o signo da pureza, o símbolo da santidade, o conhecimento de Deus, a manifestação do batismo, a purificação do banho, as armas do Espírito Santo, a exultação de Jesus, a alegria da alma, a piedade de Deus, o signo da reconciliação, o selo de Cristo, o raio do sol espiritual, a estrela matinal dos corações, a certeza do cristianismo, o signo da absolvição divina, a graça de Deus, a sabedoria de Deus, ou antes, o começo da sabedoria em si, a manifestação de Deus, a obra dos monges, a vida dos que se consagram à hesíquia, a origem da hesíquia, o testemunho da vida angélica. Que dizer mais? Deus, que realiza tudo em todos[74], é oração. Pois é uma e a mesma a energia do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que realiza tudo em Jesus Cristo.

114. Se Moisés não tivesse recebido de Deus a vara do poder, ele não teria se tornado Deus para o Faraó[75], e nem este nem o Egito teriam sido batidos. Da mesma forma, se o intelecto não toma em mãos o poder da prece, lhe é impossível destruir os pecados e as potências contrárias.

115. Quem diz ou faz seja lá o que for, sem humildade, é como alguém que constrói no inverno ou sem argamassa. Mas os que encontram e conhecem a humildade por experiência e ciência são pouco numerosos. Pois os que falam dela são como quem mede um abismo. Ora, nós, os cegos, que, como crianças, imaginamos algo desta grande luz, dizemos: a humildade não fala de si mesma, nem se forma por si mesma. O humilde não se violenta por pensar com humildade, e também não se condena. Embora tenha causas e formas, que são como modos diversos, a humildade é antes de tudo uma graça e um dom do alto. Os Padres dizem que existem duas formas de humildade: colocar a si próprio abaixo de todos, e remeter a Deus suas ações. A primeira forma é o começo, a segunda é o fim. Os que buscam a humildade passam a conhecer, e consideram em si mesmos, três coisas: que são mais pecadores do que todos, que são mais vis do que todas as criaturas (como se fossem seres contra a natureza) e que são mais miseráveis do que os demônios, como se fossem servidores dos demônios. É preciso dizê-lo: o que sei eu exatamente dos pecados dos homens? Quais são eles, quantos são? Ultrapassam ou igualam meus próprios pecados? Por ignorância, ó minh’alma, somos mais baixos do que todos os homens, somos terra e cinzas[76]. Estamos sob seus pés. Como não serei eu mais vil do que todas as criaturas, que existem segundo a natureza tal como foram feitas, enquanto que eu, por causa de minhas inumeráveis injustiças, sou contra a natureza? Pois na verdade mesmo as feras e os animais são mais puros do que eu, o pecador. É por isso que estou abaixo de todos, como se tivesse descido aos infernos onde permaneço jacente antes mesmo da morte. Quem pode ignorá-lo, desde que sentiu isto, o ser pecador, pior do que os demônios, por ser seu servidor e seu objeto, e, desde aqui em baixo, encerrado com eles na prisão das trevas? Verdadeiramente, aquele que permanece sob o domínio dos demônios é pior do que eles. E é por isso, infeliz, que você herdou o abismo junto com eles. Você que habita a terra, o inferno e o abismo antes mesmo da morte, você que, por suas más obras, está sujo, pecador e demônio, como pode você ser tão abusado, a ponto de se dizer justo? Ah, você vive na superstição de sua fraude e de seu erro, cão impuro. É por isso que você será enviado ao fogo e às trevas.

116. A sabedoria movida pelo Espírito é, segundo os teólogos, o poder da prece intelectual, pura e angélica, cujo signo está no intelecto que, ao orar, contempla além de toda forma e não vê a si mesmo nem nada que possua extensão. Mesmo os sons muitas vezes são envolvidos por esta luz. Pois o intelecto, então, se torna imaterial e luminoso. Ele se liga inefavelmente a Deus em um só Espírito[77].

117. Sete diferentes modos conduzem e dirigem na direção desta humildade dada por Deus. Ele são: o silêncio, o coração humilde, a linguagem humilde, o comportamento humilde, a autocondenação, a contrição e a vida em condições extremas. O silêncio com conhecimento engendra o coração humilde, do qual nascem três modos de rebaixamento: falar humildemente, comportar-se simples e modestamente e sempre condenar a si próprio. Estes três modos engendram a contrição, que provém do recuo das tentações. Nós a chamamos de instrução providencial, e humildade que provém dos demônios. A contrição ativa coloca facilmente a alma abaixo de todos, fazendo dela a última dentre todos, como se fosse dominada por todos. Estes dois modos promovem o perfeito rebaixamento, que é um dom de Deus, e ao qual chamamos de potência, uma perfeição de todas as virtudes. Ele atribui a Deus todas as ações. A primeira de todas é, portanto, o silêncio, do qual nasce a humildade, a qual engendra os três modos de rebaixamento. E os três engendram o modo único da contrição. E o modo da contrição gera o sétimo modo do primeiro rebaixamento abaixo de todos, que chamamos de rebaixamento providencial. O rebaixamento providencial traz o verdadeiro rebaixamento, que é um dom de Deus, que é perfeito e que não tem forma. O primeiro rebaixamento começa sempre da seguinte maneira: se o homem não é abandonado e vencido, sujeitado, e se não é dominado por toda paixão e todo pensamento, abatido em seu espírito, sem encontrar socorro nas obras ou em Deus, ou em seja o que for, de sorte que, rebaixado de todas as maneiras, falta pouco para que caia em desespero, então ele já não pode ser ferido, por já se encontrar abaixo de todos, como último e servidor de todos, pior do que os próprios demônios, tiranizado e vencido por eles. Esta é a humildade providencial, por meio da qual a segunda humildade, a humildade suprema, e concedida por Deus. Esta consiste no poder divino que age em tudo e que criou tudo. Por meio dela podemos nos ver continuamente como o instrumento de Deus e cumpridores de suas maravilhas.

118. Uma contemplação espiritual pessoal da luz, um intelecto sóbrio e estável, uma verdadeira energia da prece jorrando sempre do findo do coração, uma ressurreição, uma tensão da alma em direção ao alto, um maravilhamento divino e uma sublimação deste universo, um êxtase total da reflexão no Espírito, fora dos sentidos, um arrebatamento do intelecto para além de suas próprias faculdades, um movimento angélico da alma conduzida por Deus para o infinito e levado até o cume – tudo isto é impossível de ser encontrado em nossa geração, quando em nós ainda reina a tirania das paixões através da multidão das tentações. É comum acontecer, com efeito, sobretudo entre os mais levianos, imaginar possuir estas coisas antes do tempo, de tal modo que, perdendo o pequeno estado que lhe fora concedido por Deus, eles morrem longe de tudo. Assim, é preciso que, com muito discernimento, não busquemos as coisas antes do tempo, nem rejeitemos as coisas que estão em nossas mãos, imaginando outras. De fato, por natureza, diante do que foi dito, é fácil ao intelecto imaginar e reformar aquilo que nele ainda não foi alcançado. Por isso é de temer que tal homem se veja privado do que lhe foi dado e, engando, perca o espírito, tornando-se imaginativo e não hesiquiasta.

119. Não apenas a fé é uma graça, mas também a prece ativa. Pois a prece que age pelo amor no Espírito mostra a verdadeira fé, a que traz em si a revelação da vida de Jesus. Assim, àquele em quem não lhe apraz agir, a fé é contrária, morta, sem vida. Não devemos chamar de fiel a quem não crê senão em palavras, e cuja fé não trabalha pelos mandamentos ou pelo Espírito. É preciso demonstrá-la pelo progresso nas obras, ou trazê-la radiante, realizada na luz pelas obras. Como disse o Apóstolo divino: “Mostre-me sua fé pelas obras, e eu lhe mostrarei minhas obras por minha fé[78]”, querendo com isto dizer que pelas obras dos mandamentos é manifestada a fé da graça, assim como são cumpridos e brilham os mandamentos pela fé vivida na graça. Pois a raiz dos mandamentos é a fé, ou antes, ela é a fonte que os rega para fazê-los crescer, e de divide em duas, a confissão e a  graça, ainda que permaneça indivisível por natureza.

120. A escada curta dos discípulos, a um tempo pequena e grande, tem cinco degraus que levam à perfeição: a renúncia, a submissão, a obediência, a humildade e o amor, que abre para Deus. A renúncia retira do inferno a quem estava deitado, destaca da matéria aquele que estava sujeitado. A submissão encontrou a Cristo e o serve, como ele próprio disse: “Aquele que me serve me segue. E onde eu estiver, aí estará meu servidor[79]”. Mas onde está Cristo? Ele está sentado à direita do Pai[80]. É onde está Aquele a quem ele serve, aí deve também estar seu servidor, erguendo o pé para subir e, a fim de alcançar a altura através dos diversos modos, elevar-se e subir com Cristo. A obediência ativa aos mandamentos constrói a escada a partir das diferentes virtudes e as dispõe como degraus na alma[81]. A humildade que eleva recebe então o servidor e, levando-o para o alto até o céu, o entrega ao amor, a rainha das virtudes, que o conduz a Cristo e o coloca junto a ele. Assim, pela escada curta, aquele que está submisso à verdade sobe facilmente até o céu.

121. A via mais curta para o Reino do alto por meio da pequena escada das virtudes não é outra senão a rejeição das cinco paixões que se opõem à obediência, ou seja, a desobediência, a controvérsia, a autossuficiência, a justificação e a funesta presunção. Elas são partes e membros do demônio rebelde, que engole os que não obedecem verdadeiramente, e os envia ao dragão no abismo. A desobediência é a boca do inferno e a controvérsia é sua língua, como uma espada cortante. A autossuficiência são os dentes agudos. A justificação é a couraça e a presunção que leva ao inferno é o odor de seu ventre voraz. Aquele que o vence por meio da obediência, vê tudo desaparecer ao seu redor e sobe aos céus na fina ponta de um único degrau. Isto é verdadeiramente um milagre indizível e inacessível. Mas é o q eu faz nosso Senhor que ama os homens, por meio de uma só virtude, ou antes, por uma única ordem, subindo aos céus fora do tempo, da mesma forma como, por uma única desobediência, descemos nós ao inferno e aí fomos engolidos.

122. O homem é duplo, como um outro mundo. E ele é chamado de “novo”, segundo o Apóstolo divino que disse: “Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura[82]”. Com efeito, o homem se torna o céu e a terra e tudo o que há no mundo, e ainda traz nele seu nome. Toda palavra e todo mistério se refere a ele, como disse o Teólogo. Com efeito, uma vez que não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas contra as dominações, contra os poderes das trevas neste século, contra as energias espirituais da malícia do príncipe dos ares nos céus[83], conforme as palavras do Apóstolo, aqueles que se opõem a nós devem estar como que em outro mundo e ser tão grandes quanto a natureza das potências de nossa alma. De fato, os três príncipes que se opõem aos que combatem lutam contra as três partes da alma, e cada um, segundo seu progresso e sua obra, é combatido por elas. O dragão, o príncipe do abismo, assalta os que estão atentos no coração. Ele tem sua força nos rins e no umbigo, onde se assenta o desejo. Através do monstro do esquecimento, que mora no coração do desfrute, ele espeta neles os poderes incendiários das flechas de fogo. Ele mantém o desejo como um abismo, como uma espécie de mar que ele faz agitar-se e ferver, mergulhando, erguendo-se, espumando. Ele queima o desejo nas uniões, cobrindo-o sob torrentes de desfrute, sem nunca saciar, por que ele é insaciável. O príncipe deste mundo[84] se opõe aos que buscam a virtude ativa. Ele combate com o mesmo ardor. Por meio do monstro da irresponsabilidade, ele combate em espírito com todos os sortilégios das paixões, como se estivesse em outro mundo, num teatro ou num estádio. Vencedor, ou vencido pelos que o combatem sempre e com coragem, ele lhes apresenta diante dos anjos com coroas ou cheios de confusão. Para nos combater, ele arma sem parar suas ordens contra nós. Quanto ao príncipe do ar, ele vem àqueles que, pelo intelecto, buscam a contemplação. Ele penetra na imaginação. Com os espíritos da malícia do ar, ele se insinua na razão e no intelecto. Pelo monstro da ignorância, ele derruba e perturba o intelecto que estava voltado para o céu espiritual. Como trovões, relâmpagos, rajadas e troares, ele traz de modo enganador as formações imaginárias e brumosas dos espíritos, e conduz ao desleixo. Assim, os três príncipes se opõem às três partes da alma, cada um contra cada uma. Mas onde acontece a guerra, é lá também que se vence o combate.

123. Aqueles que foram também inteligências outrora decaíram de sua leveza e de sua natureza imaterial. Cada qual possui agora uma certa extensão, encarnado num corpo segundo a ordem ou a energia de que é feita a sua ação. E uma vez que eles, à maneira dos homens, perderam a alegria de serem anjos e foram privados das delícias divinas, sofrem agora por se alimentar da terra como nós, tendo também se tornado materiais devido aos estados passionais da matéria. Não devemos nos espantar que nossa alma criada à imagem de Deus[85], dotada de razão e intelecto, tenha se tornado bestial, insensível e quase desprovida de inteligência devido ao desfrute das coisas materiais e à ignorância de Deus. Com efeito, o estado transforma a natureza e muda o sentido da energia segundo a escolha que fazemos. Assim, dentre os espíritos, existem alguns que são materiais, pesados, desenfreados, irascíveis, agressivos, como as feras carnívoras que escancaram a boca para o desfrute das delícias materiais. Como cães que se alimentam de sangue, eles devoram a podridão sua amiga como se estivessem possuídos. Eles imaginam ter como delícias e morada as carnes pesadas e materiais. Outros, desenfreados e úmidos, habitam o desejo como as sanguessugas, caranguejos e serpentes habitam o mangue, às vezes se transformando em peixes, derrapando no prazer salobre do deboche. Eles encontram seu prazer e nadam num oceano de embriaguez. Sua natureza é mole e escorregadia. Eles se regozijam na umidade dos prazeres irracionais e levantam na alma ondas, tempestades e ventanias de pensamentos e sujeiras. Outros ainda são vazios e leves, como espíritos aéreos. Eles assopram para agitar a natureza contemplativa da alma e suscitam ventanias violentas e imaginações. Eles se tornam pássaros e, transformados em anjos, enganam a alma. Eles dão forma às lembranças de certos conhecimentos, transformando e invertendo toda contemplação espiritual, sobretudo nos que ainda combatem pela pureza e o discernimento de espírito. Pois nada existe de espiritual em quê eles não possam se transformar secretamente pela imaginação. Também eles se armam segundo o estado da alma e a medida de seu progresso. Trazendo o erro no lugar da verdade e a imaginação no lugar da contemplação, eles vêm habitar em nós. A Escritura dá testemunho de todos estes quando fala dos animais do campo, dos pássaros do céu e das serpentes da terra[86]. Ela se referia aos espíritos de malícia.

124. A revolta das paixões e a guerra que a carne faz à alma estão baseadas em cinco modos. Tanto a carne abusa dos seres, como busca agir contra a natureza fingindo agir segundo a natureza. Ou ela é armada pelos demônios contra a alma, unindo-se a eles quando se entrega de bom grado à desordem, presa das paixões. Ela também declara uma guerra em todas as frentes, por causa da inveja dos demônios; mas aqueles que nos fazem oposição cedem diante da humildade quando, apesar de tudo o que foi dito, falham em seu objetivo.

125. Existem três causas principais da guerra, que nos vêm de toda parte e por todos os meios: o modo de ser, o desprezo dos seres e a inveja e o combate dos demônios quando cedem. A revolta ou o desejo da carne contra a alma, ou da alma contra a carne, as paixões da carne contra a alma e as ações da alma contra a carne[87] têm o mesmo modo conforme o estado e conforme a energia. E neste momento que, inconsideradamente e sem causa, em sua impudência e audácia, aquele que nos guerreia nos combate. Portanto, amigo, não permita que a sanguessuga sanguinária torne exangue suas artérias. Que ela jamais possa vomitar o sangue. Não dê terra para saciar a serpente e o dragão, e assim você vencerá facilmente o rugido do leão e do dragão[88]. Gema até se ver despojado e se revestir da morada do alto[89] e da figura daquele que o criou à sua imagem[90], Jesus Cristo.

126. Aqueles que não passam de carne e que abraçam o egoísmo são sempre escravos do prazer e da vanglória e neles a inveja deita raízes. Consumidos pela desonestidade, vendo a felicidade do próximo com azedume, eles transformam em mal tudo o que é bom. Eles são frutos do erro. Não recebem nem creem nas coisas do Espírito. Em sua pouca fé não podem ver nem conhecer a Deus. Por causa de sua cegueira e desta pouca fé, com toda razão, eles ouvirão no além: “Eu não os conheço[91]”. Com efeito, é preciso que o fiel que pede, ou creia naquilo que ouve mas não sabe, ou que aprenda aquilo em que crê, ou que ensine o que conhece e multiplique o talento naqueles que o recebem com fé. Mas se ele não crê no que sabe, se nega o que não conhece, e se ensina o que não aprendeu, blasfemando contra os que ensinam ativamente estas coisas, ele será castigado. Sua parte será com aqueles que têm a bílis do azedume[92].

127. O orador, segundo aqueles que são verdadeiramente sábios nas palavras, é aquele que, por meio da ciência geral, contém os seres na concisão, dividindo-os e religando-os num corpo único, mostrando que eles participam de uma mesma potência, conforme a alteridade e a identidade. Estes são chamados de “os que demonstram segundo a verdade”. Ou ainda, o orador verdadeiramente espiritual é aquele que divide e religa as cinco propriedades gerais, distintas e universais dos seres, que o Verbo que se encarnou no homem reuniu em si. E ele o fez pela palavra que a tudo engloba e com uma voz tal que, enquanto orador, abarcou a tudo. Não foi por meio de uma simples demonstração, como fazem os que estão do lado de fora, que ele revelou a todos estas coisas, mas a partir das coisas que lhe apareceram no espírito ele esclareceu os contemplativos e todos os demais. O verdadeiro filósofo é, assim, aquele que, a partir dos seres, conhece a causa dos seres, ou aquele que, a partir da causa, conhece os seres segundo a união que ultrapassa o intelecto e também segundo a fé direta. Não apenas ele aprende, mas ele experimenta o que é divino. Ou ainda, o verdadeiro filósofo é o espírito ativo e contemplativo que vive na cidade. Um espírito filosófico perfeito é o que se dedica alegremente à filosofia moral, natural e teológica, ou antes, ao amor divino, encontrando na filosofia moral as ações, na filosofia natural as razões, e na filosofia teológica a contemplação, ensina que a exatidão dos dogmas é coisa de Deus. Ou ainda, o orador divino nas coisas de Deus é aquele que, dentre o que é e o que não é, distingue aquilo que é verdadeiramente. Ele demonstra as razões das primeiras falando das segundas. E partindo das razões de umas, sob inspiração divina, ele vê as das outras. Ele define o inteligível e o invisível a partir do sensível e do visível, e o mundo sensível e visível a partir do invisível e inteligível, um como a imagem visível do invisível, o outro como o arquétipo invisível do visível. E ele afirma que as figuras e as formas são suscitadas pelo que não possui nem figura nem forma. O modo pelo qual aquelas aparecem nestas e estas naquelas, ele vê clara e espiritualmente, as primeiras nas segundas e as segundas nas primeiras, e as torna visíveis pela palavra da verdade. Não é por meio de palavras anagógicas ou alegóricas que ele forma o conhecimento flamejante da verdade, esta verdade que é como o sol, mas, pela ciência e o poder espiritual ele revela as razões da verdade de ambos, e demonstra claramente que um é nosso pedagogo e que o outro é a moradia eterna de Deus, que nos foi dada visivelmente.  O filósofo divino é aquele que está diretamente unido a Deus pela ação e a contemplação. Ele se torna seu amigo, e assim é chamado. Por que, acima de todo amor, de qualquer outra sabedoria, de qualquer conhecimento, ele se apaixonou e amou a sabedoria primigênia, criadora e verdadeira. Ele ama o Verbo mais do que a sabedoria (embora a glória que toma o nome de sabedoria permaneça oculta, como disse Gregório o Grande), ele é o que ama e sonda a sabedoria da criação de Deus na sua última expressão, mas sem exercer com ostentação esta filosofia por um louvor e uma glória humanos, a fim de não se tornar uma amante da matéria, nem um filósofo da sabedoria natural de Deus. E é um escriba instruído no Reino de Deus, aquele que por meio da ação se dedica à contemplação de Deus e que persevera na hesíquia, e que extrai do tesouro de seu coração o novo e o antigo[93], ou seja, o que é evangélico e o que é profético, ou o que provém do novo Testamento e o que provém do antigo, ou o que diz respeito ao ensinamento e o que se refere à ação, ou o que vem da Lei e o que vem dos Apóstolos. Estes são os mistérios novos e antigos que o escriba ativo extrai de seu tesouro, que lhe foi ensinado pela vida agradável a Deus. O escriba ativo é aquele que, permanecendo em seu corpo, se oferece à ação. O orador divino é o que esta naturalmente em meio aos conhecimentos e as razões dos seres e que demonstra tudo em espírito pelo poder analítico da razão. E o verdadeiro filósofo é o que traz em si mesmo, pela via do conhecimento e pela via imediata, a união sobrenatural com Deus.

128. Os que falam e escrevem sem o Espírito e pretendem edificar a Igreja são psíquicos: como diz o Apóstolo, eles não possuem o Espírito[94]. Pois estes homens estão submetidos à maldição, que diz: “Infelizes os que são inteligentes para si e sábios aos seus próprios olhos[95]”. Pois estes falam a partir de si próprios. Não é o Espírito de Deus que fala por eles[96], segundo a palavra do Senhor. Os que falam a partir de seus próprios pensamentos sem que estejam purificados se perdem no espírito de presunção. A este respeito, diz o provérbio: “Eu vi um homem que se julgava sábio, mas o tolo tem mais esperanças do que ele[97]”. E: “Não se tornem sábios aos seus próprios olhos[98]”. A sabedoria no-lo ordena. E o próprio Apóstolo divino, cheio do Espírito, disse: “Não somos capazes por nós mesmos, mas nossa capacidade vem de Deus[99]”. E: “Diante de Deus, como vindo de Deus, falamos em Cristo[100]”. As palavras destes homens são assim odiosas e desprovidas de luz. Ele falam sem comungar da fonte viva do Espírito, mas se alimentam no mangue de um coração cheio de lama onde nadam as sanguessugas, as serpentes e os caranguejos dos desejos, do orgulho e da intemperança. A água de seu conhecimento é malcheirosa, perturbada e morna. Os que dela bebem são derrubados e transformados pelo langor, o desgosto e a náusea.

129. “Somos o corpo de Cristo, disse o Apóstolo divino, e cada qual é um de seus membros[101]”. E também: “Vocês são um só corpo e um só Espírito, conforme foram chamados[102]”. Pois, assim como o corpo está morto e insensível sem o Espírito[103], também aquele que, por haver negligenciado os mandamentos depois do batismo e ter sido levado à morte pelas paixões, se torna inerte, privado da luz do Espírito Santo e da graça de Cristo. Pela fé e o novo nascimento, ele possuía o Espírito, mas pela morte da alma se tornou inerte e imóvel. Pois se existem muitos membros num corpo, existe uma só alma. Esta mantém, anima e move tudo o que recebe vida. Quando sobrevém uma enfermidade que resfria os membros e os torna como mortos e inertes, a alma os carrega consigo, ainda que eles estejam sem vida e insensíveis. Assim o Espírito de Cristo está por inteiro, sem se misturar, em todos os membros de Cristo. Ele age e carrega a vida nos que podem participar da vida. Mas em seu amor pelo homem ele domina também como se fossem seus os membros enfermos que não podem participar. Todo fiel participa assim pela fé da filiação do Espírito, mas a negligência e a descrença o tornam inerte e tenebroso, privado da luz e da vida de Jesus. Da mesma forma, todo fiel é membro de Cristo e possui o Espírito de Cristo, mas se se tornar inerte e imóvel, não é admitido a participar da graça.

130. Dentre as oito contemplações maiores, dissemos que a primeira pe a contemplação em Deus sem forma, sem começo, incriada e causa do universo, a Divindade trinitária, uma e supra-essencial. A segunda é a da ordem e do estado das potências. A terceira é a da constituição dos seres. A quarta é a da descida do Verbo entre nós, em sua economia. A quinta é a da ressurreição universal. A sexta é a da terrível segunda vinda de Cristo. A sétima é a do castigo eterno. A oitava é a do Reino dos céus. Quatro contemplações se debruçam sobre o que é passado e que já aconteceu, e quatro sobre o que está para vir e que ainda não se manifestou. Todas estas contemplações são claramente distintas e se encontram naqueles que, pela graça, adquiriram uma grande pureza de inteligência. Mas quem se dirige para aí sem a luz, saiba que imagina, mas não contempla. O espírito de ilusão faz com que ele imagine, e ele imagina.

131. Também é preciso falar do erro, na medida do possível, pois para muitos ele é difícil de ser conhecido e é quase inapreensível, por causa de seus múltiplos truques muito inventivos.  Diz-se que o erro aparece, ou antes, sobrevém e assalta, sob duas formas, pela imaginação e pela ação – embora sempre extraia seu princípio e sua causa de uma única fonte, o orgulho. A primeira forma é o princípio da segunda, e esta é o princípio de uma terceira, que desorienta o espírito. O princípio da visão imaginária é a presunção, que nos faz imaginar o divino sob uma forma. É por meio dela que, pela imaginação que conduz à ilusão, nos chega o erro, do qual nasce a blasfêmia. E o erro ligado à imaginação engendra o terror diante dos fantasmas estranhos, seja no estado de vigília ou durante o sono, que é o que chamamos de terror e estremecimento da alma. De fato, o erro provém do orgulho; do erro provém a blasfêmia; dela, a negligência; daí, o medo e dele a desorientação dos sentimentos naturais. Este é o primeiro modo do erro, o que nasce da imaginação. O segundo modo provém da ação. Ele tem seu princípio no desfrute, que nasce do desejo dito natural. Com efeito, do prazer nasce o deboche das impurezas que não é lícito mencionar. Depois, estas, aquecendo toda a natureza e perturbando a razão com uma mistura de imagens, leva o intelecto a se perder. Ela o imbeciliza por meio da embriaguez da energia abrasadora. Ela o faz dizer falsas profecias e interpretar as supostas visões de certos santos e suas palavras como se tivessem sido reveladas por ele, bêbadas com a vertigem da paixão. A conduta se altera e se torna demoníaca. Os que são levados pelo mundo pela ilusão do erro atraem as pequenas almas destes homens para os lugares consagrados a determinados santos. Estes supostamente os inspiram, agindo sobre eles e os atormentando. Eles anunciam aos homens aquilo que recebem dos santos. Mas devemos antes chama-los de possuídos pelo demônio, sujeitos às ilusões e escravos do erro, e não de profetas que anunciam o presente e o futuro. Pois o próprio demônio do deboche, ferindo sua inteligência na fogueira do prazer, os leva à desorientação do coração, fazendo-os imaginar os santos e lhes mostrando conversas e visões com eles. Estes mesmos demônios os confundem para torna-los frouxos. Pois, prendendo-os ao jugo do diabo, o demônio do deboche os empurra ao erro por suas ações, a fim de torná-los cativos e servis até a morte, enviando-os ao castigo.

132. Devemos saber que o erro tem três causas universais, por meio das quais ele penetra nos homens. Ele provém do orgulho, da inveja dos demônios e da recusa em se corrigir. Estas, por sua vez, têm as suas causas. A causa do orgulho é a leviandade. A da inveja é o progresso. A da recusa em se corrigir é a vida no pecado. O erro que provém apenas da inveja e da presunção pode ser rapidamente curado, sobretudo quando nos humilhamos. Mas Deus concede a absolvição do castigo ao qual nos atira Satanás, até o momento da morte. Quando os inocentes são atormentados, ele lhes concede a sua salvação. Convém saber que o demônio da presunção chega primeiro naqueles que não estão estritamente atentos ao coração.

133. Os sacerdotes e os reis e todos os que se dedicam à piedade são consagrados pela verdade à renovação, como dantes os antigos o eram figuradamente. Aqueles eram, de fato, as imagens de nossa verdade. Não alguns, mas todos deram seu testemunho a nós. Embora sejam os mesmos símbolos, nossa realeza e nosso sacerdócio não possuem o mesmo modo nem a mesma forma como eram para eles. Para nós a natureza – ou a graça e o chamado à consagração – não estão divididos a ponto de que aquele que se consagra seja diferente. Temos um único e mesmo chamado, a mesma fé, a mesma forma. Isto significa e demonstra, conforme a palavra de verdade, que podemos ser puros, impassíveis, e ao mesmo tempo inteiramente consagrados a Deus, agora e no século futuro.

134. Quem alcança este estado, proclama a sabedoria por sua boca e a inteligência pela meditação de seu coração[104], fazendo surgir claramente, a partir dos seres, o Deus Verbo, a sabedoria anipostática de Deus Pai[105], por trazer em si as razões dos modelos que deixam suas marcas nos seres. Pela palavra viva que proclama, sua boca diz a sabedoria a partir da sabedoria. Com o coração iluminado pelo poder da inteligência renovadora meditada em espírito, ele pode criar e esclarecer por meio desta inteligência aqueles que o escutam com fé.

135. Um grande erro se opõe à verdade e conduz hoje em dia os homens à perdição. Por meio dele a ignorância das trevas reina nas almas negligentes, tornando-as estranhas a Deus. Os que sabem que existe um Deus que nos recriou e nos iluminou, ou bem não creem nele e só o conhecem em palavras e não em obras, ou pensam que ele só apareceu aos antigos em não a nós. Eles ligam a outros, ou aos que lhes disseram, os testemunhos da Escritura a respeito de Deus, e, quando eles falam de Deus, blasfemam a glória[106], negando a devoção que nasce do conhecimento. Eles leem as Escrituras apenas no nível dos corpos, para não dizer à maneira dos judeus, negando a subida desde baixo pela ressurreição da alma, e desejam permanecer sem conhecimento, nos seus túmulos. Este grande erro constitui-se das três paixões: a descrença, a malícia e a negligência, que se engendram e contêm-se mutuamente. A descrença chama a malícia, a malícia é companheira da negligência, cujo sinal é a preguiça. OU então, reciprocamente, a negligência gera a malícia, como disse o Senhor: “Servidor mau e preguiçoso[107]”. E a malícia é a mãe da descrença. De fato, todo ser mau é também descrente: não crê, não teme a Deus. Daí nasce a negligência, a mãe do desdém, por cuja causa todo bem é desleixado e se cumpre todo mal.

136. O pensamento verdadeiro a respeito de Deus e o conhecimento verídico constituem a perfeita ortodoxia dos dogmas. Por esta razão, o ortodoxo deve glorificar assim: “Glória a ti, Cristo nosso Deus, glória a ti; por nós te fizestes homem, Deus Verbo acima do ser; grande é o mistério de tua economia, nosso Salvador, glória a ti”.

137. Dentre as palavras escritas, segundo o grande Máximo, existem três modos distintos que não podemos julgar nem condenar. O primeiro é o que escrevemos para nós; o segundo, o que escrevemos para o bem dos outros; o terceiro, o que escrevemos por obediência. É aí que se situa a maior parte dos escritos, para aqueles que buscam humildemente a palavra. Mas aquele que escreve sobre as virtudes por complacência, pela glória ou para ser visto, dele se diz que já recebeu seu salário[108]. Isto não tem utilidade alguma aqui em baixo nem recompensa no século futuro. Por tentar agradar os homens, este se iludiu e traficou a palavra de Deus[109]; ele será condenado.



[1] Cf. Salmo 48 (49): 21.
[2] Cf. Gênesis 2: 8s.
[3] Cf. Gênesis 2: 11-13.
[4] Cf. Romanos 8: 20.
[5] Cf. Isaías 40: 3.
[6] Cf. Mateus 3: 3.
[7] Cf. Romanos 8: 2.
[8] Cf. Mateus 23: 5.
[9] Cf. Efésios 4: 16.
[10] Cf. I Pedro 2: 2.
[11] Cântico dos Cânticos 4: 11.
[12] I Coríntios 3: 2.
[13] Cf. I Coríntios 1: 20.
[14] Cf. Judas 19.
[15] Salmo 44 (45): 2.
[16] Cf. Isaías 54: 13; João 6: 45.
[17] Cf. Gênesis 1: 26-27.
[18] Cf. Hebreus 6: 19.
[19] Cf. Sabedoria 15: 3.
[20] João 17: 3.
[21] Cf. 10: 21-22.
[22] Salmo 9: 18.
[23] Salmo 48 (49): 15.
[24] Cf. Apocalipse 19: 20.
[25] Cf. João 9: 4.
[26] Cf. João 12: 31.
[27] João 3: 18.
[28] Salmo 57 (58): 4.
[29] Cf. Mateus 9: 16.
[30] Cf. Romanos 2: 20.
[31] Cf. Êxodo 25: 8s.
[32] Cf. João 14: 2.
[33] Cf. I Coríntios 15: 41.
[34] Cf. Filipenses 3: 21.
[35] Cf. Salmo 36 (37): 11; Mateus 5: 5.
[36] Cf. Números 34: 13.
[37] Cf. Filipenses 4: 7.
[38] Cf. Salmo 111 (112): 3.
[39] Cf. Êxodo 13: 5.
[40] Cf. Lucas 20: 36.
[41] Cf. Efésios 4: 13.
[42] Cf. Salmo 68 (69): 3.
[43] Cf. Salmo 103 (104): 21; I Pedro 5: 8.
[44] Cf. I Coríntios 15: 56.
[45] Salmo 138 (139): 6.
[46] Cf. Salmo 48 (49): 21.
[47] Pericorese: inter-habitação das Pessoas Divinas umas nas outras.
[48] Cf. Salmo 48 (49): 21.
[49] Cf. I Coríntios 3: 11.
[50] Cf. Efésios 2: 20-21.
[51] Cf. Mateus 13: 45-46.
[52] Lucas 21: 19.
[53] Provérbios 2: 9.
[54] Cf. Cântico dos Cânticos 1: 3.
[55] Cf. Romanos 15: 16.
[56] Colossenses 4: 6.
[57] Cf. I Coríntios 3: 9.
[58] Cf. Salmo 22 (23): 2.
[59] Cf. Salmo 22 (23): 2.
[60] Cf. Salmo 22 (23): 5.
[61] Cf. Salmo 103 (104): 15.
[62] Cf. Salmo 103 (104): 15.
[63] Cf. Deuteronômio 8: 3; Mateus 4: 4.
[64] Cf. Romanos 7: 23.
[65] Cf. Deuteronômio 6: 5.
[66] João 3: 18.
[67] João 5: 44.
[68] Ezequiel 5: 11.
[69] Cf. Isaías 13: 21.
[70] Cf. Mateus 12: 45.
[71] Cf. João 5: 13.
[72] Cf. Êxodo 14: 7.
[73] Cf. Hebreus 11: 1.
[74] Cf. I Coríntios 12: 6.
[75] Cf. Êxodo 7: 1.
[76] Cf. Gênesis 18: 27.
[77] Cf. I Coríntios 6: 17.
[78] Tiago 2: 18.
[79] João 12: 26.
[80] Cf. Romanos 3: 34.
[81] Cf. Salmo 83 (84): 6.
[82] II Coríntios 5: 17.
[83] Cf. Efésios 2: 2; 6: 12.
[84] Cf. João 12: 31.
[85] Cf. Gênesis 1: 26-27.
[86] Cf. Oséias 2: 14.
[87] Cf. Gálatas 5: 17.
[88] Cf. Salmo 90 (91): 13.
[89] Cf. II Coríntios 5: 2.
[90] Cf. Colossenses 3: 10.
[91] Mateus 25: 12.
[92] Cf. Atos 8: 23.
[93] Cf. Mateus 13: 52.
[94] Cf. Judas 19.
[95] Isaías 5: 21.
[96] Cf. Mateus 10: 20.
[97] Provérbios 26: 12.
[98] Provérbios 3: 7.
[99] II Coríntios 3: 5.
[100] II Coríntios 2: 17.
[101] I Coríntios 12: 27.
[102] Efésios 4: 4-5.
[103] Cf. Tiago 2: 26.
[104] Salmo 48 (49): 4.
[105] Cf. I Coríntios 1: 24.
[106] Cf. Judas 8.
[107] Mateus 25: 26.
[108] Cf. Mateus 6: 16.
[109] Cf. II Coríntios 2: 17.

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