terça-feira, 27 de junho de 2017

Kalistos Ware - A Igreja Ortodoxa - Parte II: A Igreja de Deus (Tradução: Padre Pedro de Oliveira)

A Igreja de Deus.

"Cristo amou a Igreja e por ela se entregou a Si mesmo" (Ef 5:25).

"A Igreja é a mesma e igual ao Senhor — ao Seu Corpo,a Sua carne e
aos Seus ossos. A Igreja é a videira da vida,cultivada por Ele e
florescendo Nele. Nunca pense na Igreja separada do Senhor Jesus
Cristo, do Pai e do Espírito Santo" (Padre João de Kronstadt).

Deus e Sua Igreja.

Um cristão ortodoxo tem consciência ativa de que pertence a uma comunidade. "Sabemos que quando qualquer um de nós peca," disse Komiakov, "peca sozinho, mas ninguém é salvo sozinho e sim na Igreja, como um membro dela e em comunhão com seus outros membros" (The Church is One, seção 9).

Algumas diferenças entre a doutrina da Igreja ortodoxa e aquela dos cristãos ocidentais terão se tornado evidentes na primeira parte deste livro. Ao contrário do Protestantismo, a ortodoxia insiste na estrutura hierárquica da Igreja, na sucessão apostólica, no episcopado, no sacerdócio; ela ora aos santos e intercede pelos que partiram. Até este ponto ortodoxos e romanos estão de acordo, mas quando os romanos consideram a supremacia e jurisdição universal do Papa, os ortodoxos consideram o Colegiado de Bispos e Concílio Ecumênico e quando os romanos enfatizam a infalibilidade Papal, os ortodoxos enfatizam a infalibilidade da Igreja como um todo. Sem dúvida, nenhum dos lados é inteiramente justo (ou agradável) com o outro, mas parece aos ortodoxos que os romanos vêem muito a Igreja em termos de poder e organização terrenos, enquanto que aos católicos romanos parece que a doutrina de espiritualidade e misticismo da Igreja ortodoxa é vaga, incoerente e incompleta. Os ortodoxos respondem que não rejeitam a organização terrena da Igreja, mas suas regras são pequenas e precisas, como qualquer um pode entender em uma rápida leitura dos Cânones.

Por ser a idéia da Igreja Ortodoxa realmente espiritual e mística, que a teologia nunca trata o aspecto terreno da Igreja de forma isolada, mas sempre da Igreja de Cristo e do Espírito Santo. Todo pensamento ortodoxo sobre a Igreja começa com a relação pessoal que existe entre a Igreja e Deus. Três frases podem descrever esta relação: A Igreja é 1. a imagem da Santa Trindade, 2. O Corpo de Cristo, 3. Um constante Pentecostes. A doutrina da Igreja ortodoxa é trinitária, Cristológica e "pneumatológica."

1. A Imagem da Santa Trindade. Assim como cada homem é feito de acordo com a imagem do Deus Trinitário, também a Igreja como um todo é Seu ícone, reproduzindo na terra o mistério da unidade em diversidade. Na Trindade, as três pessoas são um único Deus, mas cada uma tem sua personalidade; na Igreja a multidão dos humanos é unida a uma, mas cada membro preserva igualmente a sua individualidade. Existe um paralelo entre convivência das pessoas e a inerência dos membros da Igreja. Nela não há conflito entre liberdade e autoridade; há unidade, não totalitarismo. Quando os ortodoxos aplicam a palavra "católica" à Igreja, têm em mente (dentre outras coisas) este milagre da unidade de muitas pessoas em uma. 

Este conceito da Igreja como ícone da Trindade tem muitas outras aplicações. "Unidade em diversidade" — assim como cada pessoa da Trindade é autônoma, a Igreja é feita de numerosas Igrejas autocéfalas; e assim como as três pessoas da trindade são iguais, na Igreja nenhum bispo pode alegar a detenção de poder absoluto sobre todos os outros. O conceito também ajuda a entender a ênfase ortodoxa aos concílios. Um concílio é uma expressão da natureza trinitária na Igreja. O mistério da unidade em diversidade, de acordo com a imagem da Trindade, pode ser visto em ação quando os muitos bispos reunidos no concílio chegam a um ponto em comum, sob a orientação do Espírito Santo.

A unidade da Igreja está mais particularmente ligada a pessoa do Cristo e sua diversidade, a pessoa do Espírito Santo.

2. O Corpo de Cristo: "Nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo em Cristo" (Romanos 12:15). Existe entre Cristo e a Igreja a relação mais estreita possível: segundo a famosa frase de Inácio, "onde está Cristo, está a Igreja Católica" (To the Smyrnaeans, 8:2). A Igreja é a extensão da Encarnação, o lugar onde ela se perpetua. O teólogo grego, Chrestos Androustos, escreveu que a Igreja é "o centro e órgão da obra de redenção de Cristo;... não é nada além do que a continuação e extensão de seu poder profético, sacerdotal e majestoso... A Igreja e seu Fundador estão unidos de forma indissolúvel. Ela é Cristo em nós" (Dogmatic Theology, Atenas, 1907, pp. 262-5 (em grego)). Cristo não abandonou a Igreja quando subiu aos céus: "Eis que eu estarei com vocês até o fim do mundo," Ele prometeu (Mat 28:20), "pois onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei dentre eles" (Mat. 18:20). É muito fácil cair no erro de considerar Cristo ausente: "E permanece aqui a Santa Igreja / Apesar de o Senhor ter-nos deixado" (um hino de J. M. Neale). Mas como podemos dizer que Cristo nos deixou se Ele nos prometeu Sua presença eterna?

A unidade entre Deus e Sua Igreja é efetivada sobretudo nos sacramentos. No batismo, o novo cristão é morto e ressuscitado com Cristo; na Eucaristia, os membros do Corpo de Cristo, a Igreja, recebem Seu corpo em sacramento. Ao unir os membros da Igreja a Cristo, a Eucaristia também os une uns aos outros: "Nós, embora muitos, somos um só pão, um só corpo, pois participamos todos desse único pão" (1 Cor 10:17). A Eucaristia cria a união da Igreja. A Igreja (como viu Inácio) é uma sociedade Eucarística, um organismo sacramental que existe — em sua plenitude — onde é celebrada a Eucaristia. Não é coincidência que o termo "Corpo de Cristo" refira-se tanto a Igreja como ao sacramento, e que a frase Communio sanctorum no Credo Apostólico refira-se a "comunhão de pessoas divinas" (comunhão dos Santos) e também a "comunhão das coisas divinas" (comunhão de sacramentos).

A Igreja deve ser vista principalmente em termos sacramentais. Apesar de sua organização externa ser importante ela é secundária à vida sagrada.

3. Um constante Pentecostes. É tão fácil enfatizar que a Igreja é o Corpo de Cristo que acaba-se esquecendo o papel do Espírito Santo. Mas como já foi dito, em suas obras entre os homens, o Filho e o Espírito são complementos um do outro e isto é tão verdadeiro na doutrina da Igreja como em qualquer lugar. Enquanto Inácio escreveu que "onde Cristo está, está a Igreja Católica," Irineu escreveu com igual verdade que "onde está a Igreja, está o Espírito e onde está o Espírito, está a Igreja" (Against the Heresies 3, 26, 1). A Igreja, justo porque é o Corpo de Cristo, é também o templo e a moradia do Espírito.

O Espírito Santo é um Espírito de liberdade. Enquanto Cristo nos une, o Espírito resguarda nossa infinita diversidade na Igreja: no Pentecostes, as línguas de fogo foram "rachadas" ou divididas descendo separadamente a cada um dos presentes. A dádiva do Espírito é uma dádiva da Igreja e ao mesmo tempo individual, apropriada por cada um de suas próprias maneiras. "Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo" (1 Cor. 12:4). A vida na Igreja não significa tirar a variedade humana, nem impor um padrão rígido e uniforme a todos nós, mas exatamente o oposto. Os santos, longe de manifestarem uma monotonia enfadonha, desenvolveram personalidades muito distintas e ativas. Não é a santidade, mas o maligno que é maçante.

Resumidamente, esta é a relação entre a Igreja e Deus. Essa Igreja — o ícone da Trindade, o Corpo de Cristo, a plenitude do Espírito — é tão visível quanto invisível, divino quanto humano. É visível por ser composta de congregações concretas que participam da adoração aqui na terra; invisível por também incluir santos e anjos. É humana pois seus membros terrestres são pecadores; divina por ser o Corpo de Cristo. Não existe separação entre o visível e o invisível, entre (usando a terminologia ocidental) a Igreja militante e a triunfante pois as duas constituem uma realidade única e constante. "A Igreja visível, ou na terra, vive em completa comunhão e unidade com o Corpo da Igreja na qual Cristo é o Chefe" (Khomiakov, The Church is one, seção 9). Ela está em um ponto em que se cruzam a presente Era e a que virá e, ao mesmo tempo, vive nas duas.

A ortodoxia, então, quando usa a frase "Igreja visível e invisível," insiste em dizer que há apenas uma Igreja e não duas. Como disse Khomiakov: "É apenas em relação ao homem que é possível reconhecer a divisão da Igreja em visível e invisível; sua unidade é, na realidade, verdadeira e absoluta. Aqueles que vivem na terra, aqueles que já terminaram o seu curso terreno, aqueles que como anjos não foram criados para viver na terra, os de gerações futuras que ainda não começaram sua rota terrena, estão todos reunidos em uma única Igreja, na única e eterna graça de Deus... A Igreja, Corpo de Cristo, manifesta-se adiante e completa-se no tempo sem mudar sua unidade essencial ou vida de graça interna. Portanto, quando falamos de "Igreja visível e invisível," falamos apenas em relação ao homem (The Church is one, seção, seção 1).

De acordo com Khomiakov, a Igreja é realizada na terra sem perder suas características essenciais; para Georges Florovsky, ela é "a imagem viva da eternidade no tempo" (‘Sobornost: The Catholicity of the Church, in The Church of God, editada por E.L. Mascall,p. 63). Este é um ponto cardeal do ensinamento ortodoxo. A ortodoxia não acredita meramente em uma Igreja ideal, invisível e celestial. A "Igreja ideal" existe visivelmente na terra, como realidade concreta.

Dessa forma, a ortodoxia não olvida a existência de um elemento humano assim como um divino na Igreja. O dogma da Calcedônia deve ser aplicado tanto à Igreja quanto a Cristo. Como Cristo, o Bom-Homem, tem duas naturezas (humana e divina), na Igreja também existe a sinergia e a cooperação entre o divino e o humano. Ainda, entre Cristo- Homem e a Igreja há a diferença obvia que um é perfeito e sem pecado, enquanto que o outro ainda não tem total plenitude. Apenas parte da Igreja humana — os santos no paraíso — atingiu a perfeição, enquanto que os outros membros aqui da terra fazem, com freqüência, o mau uso da sua liberdade. A Igreja na terra vive em um estado de animosidade: já é o Corpo de Cristo, mas por serem seus membros pecadores e imperfeitos, deve constantemente tornar-se o que é ("Esta idéia de ‘tornar-se o que é’ é a chave do ensinamento escatológico do Novo Testamento" (Gregory Dix, The Shape of the Liturgy, p. 247).

Mas o pecado humano não afeta a natureza essencial da Igreja. Não se pode dizer que porque os cristãos na terra pecam e são imperfeitos, a Igreja também é pois ela, mesmo na terra, é uma parte do céu e não pode pecar (v. Declaration of Faith and Order feita pelos Delegados Ortodoxos em Evanston, 1954, onde este ponto é esclarecido). São Efrém da Síria falou com exatidão "da Igreja dos penitentes, a Igreja daqueles que perecem," mas esta Igreja é ao mesmo tempo o ícone da Trindade. Como podem os membros da Igreja serem pecadores e fazerem parte da comunhão dos santos? "O mistério da Igreja consiste no fato de juntos os pecadores tornarem-se algo diferente do que são como indivíduos; este "algo diferente" é o Corpo de Cristo (J. Meyendorff, "What holds the Church together? In Ecumenical Review, vol. 12, 1960, p. 298).

Esta é a forma que a ortodoxia encara o mistério da Igreja. Ela é totalmente ligada a Deus. É uma nova vida de acordo com a Imagem da Trindade, uma vida em Cristo e no Espírito Santo, realizada pela participação nos sacramentos. A Igreja é uma realidade única, terrena e celestial, visível e invisível, humana e divina.

A Unidade e a Infalibilidade da Igreja.

"A Igreja é una e sua unidade é guiada pela necessidade da unidade de Deus" (The Church is one, seção 1). Estas foram as palavras introdutórias de Khomiakov em sua famosa dissertação. Se levarmos a sério a ligação entre Deus e sua Igreja, devemos inevitavelmente pensar na unidade da Igreja, assim como Deus é uno: existe apenas um Cristo, portanto existe apenas um Corpo de Cristo. Tampouco esta unidade é meramente ideal e invisível; a teologia ortodoxa recusa-se a separar a "Igreja visível" da "invisível" e portanto recusa-se a dizer que ela invisivelmente e visivelmente dividida. Não: a Igreja é uma, de forma que aqui na terra existe uma comunidade única e visível, que pode declarar-se a única e verdadeira Igreja. A "Igreja indivisível" não é apenas algo que existiu no passado e que esperamos que volte a existir no futuro: é algo que existe aqui e agora. Unidade é uma das características essenciais da Igreja, e já que ela, apesar de seus membros pecadores, conserva todas essas características, continua e sempre será visivelmente una. Pode haver dissidência da Igreja mas nunca na Igreja. E quando é inegavelmente verdadeiro que, em um nível humano, a vida da Igreja é empobrecida de forma dolorosa, como resultado de dissidências, pode-se dizer que essas dissidências não afetam a natureza essencial da Igreja.Um individuo cessa ser um membro da Igreja se ele rompe a comunhão com seu Bispo; o Bispo cessa ser um membro da Igreja se ele rompe comunhão com seus colegas Bispos.

A Ortodoxia, acreditando que a Igreja na terra permaneceu e deve permanecer visível, naturalmente também acredita ser ela própria a Igreja visível. Esse é um pleito audacioso, e para muitos ele parecerá um pleito arrogante; mas isso é um mal entendido sobre o espírito com o qual é feito o pleito. A Ortodoxia acredita ser ela a Igreja verdadeira, não por conta de seus méritos pessoais, mas pela graça de Deus, Ela diz com São Paulo: "Temos, porém, este tesouro em vaso de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós" (2 Cor. 4:7). Mas enquanto não pleiteando mérito algum para si próprio, os Ortodoxos estão com toda humildade convencidos que eles recebem um dom precioso e único de Deus; e se eles fingissem para os homens não possuir esse dom, eles seriam culpados de um ato de traição à vista do céu.

Escritores Ortodoxos as vezes escrevem como se eles aceitassem a "Teoria dos Galhos," que já foi popular entre os Anglicanos (de acordo com essa teoria a Igreja Católica e dividida em vários "galhos," usualmente três são citados, o Católico Romano, o Anglicano e o Ortodoxo). Mas tal ponto de vista não pode ser reconciliado com a teologia Ortodoxa tradicional. Se vamos falar em termos de "galhos," então do ponto de vista Ortodoxo os únicos "galhos" que a Igreja Católica pode ter são as Igrejas Autocéfalas locais de comunhão Ortodoxa.

Pleiteando, como faz, ser a verdadeira Igreja, a Igreja Ortodoxa também acredita que, ela poderia convocar e manter outro Concílio Ecumênico, igual em autoridade aos primeiros sete. Desde a separação de Oriente e Ocidente os Ortodoxos (ao contrário do ocidente) nunca de fato reuniram tal Concílio; mas isso não significa que eles acreditam não ter poder para tal.

A Ortodoxia tem a idéia de unidade da Igreja. A Ortodoxia também ensina que fora da Igreja não há salvação. Essa crença tem a mesma base que a crença Ortodoxa na indestrutível unidade da Igreja; ela decorre da estrita relação entre Deus e Sua Igreja. "Um homem não pode ter Deus como seu Pai se ele não tem a Igreja como sua Mãe" (On the Unity of the Catolic Church of God, p.53). Assim escreveu São Cipriano; e para ele isso pareceu uma evidente verdade, porque ele não conseguiu pensar em Deus e na Igreja separadas um do outro. Deus é salvação, e o poder salvífico de Deus é mediado para o homem em seu corpo, a Igreja. "Extra Ecclesiam nulla salus. Toda a categórica força e posição desse aforisma está em sua tautologia. Fora da Igreja não existe  salvação, porque salvação é a Igreja" (G. Florovsky, Sobornost: The Catholicity of the Church, em The Church of God, p. 53). Dai segue que qualquer um que não está visivelmente dentro da Igreja está necessariamente danado? Por certo que não! Ainda menos segue-se que quem está visivelmente dentro da Igreja está necessariamente salvo. Como Sto Agostinho sabiamente remarcou: "Quantas ovelhas estão de fora, tantos lobos estão dentro!" (Homilies on John, 45,12) Porque não existe divisão entre a Igreja "Visível" e "Invisível," podem existir membros da Igreja que não são visíveis nela, mas que são conhecidos só por Deus. Se alguém é salvo, ele deve de algum modo ser um membro da Igreja; de que modo nós não podemos dizer.

A Igreja é infalível. Isso também decorre da indissolúvel unidade entre Deus e Sua Igreja. Cristo e o Espírito Santo não podem errar, e desde que a Igreja é o corpo de Cristo, desde que é um contínuo Pentecostes, ela é portanto infalível. Ela é a coluna e a firmeza da verdade" (1Tm 3:15). "Quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade" (Jo 16:13). Assim prometeu Cristo na última ceia; e a Ortodoxia acredita que a promessa de Cristo não pode falhar. Nas palavras de Dositeus: "Nós acreditamos ser a Igreja Católica ensinada pelo Espírito Santo... e por isso nós tanto acreditamos quanto professamos com verdadeira e indubitável certeza, que é impossível para a Igreja Católica errar, ou estar totalmente enganada, ou mesmo escolher falsidade ao invés de verdade (Confessiom, Decreto 12).

A infalibilidade da Igreja é expressa principalmente através dos Concílios Ecumênicos. Mas antes que possamos entender o que faz um Concílio ser Ecumênico, devemos considerar o lugar dos Bispos e dos leigos na comunhão Ortodoxa.

Bispos, Laicado, Concílios.

A Igreja Ortodoxa é uma Igreja hierárquica. Um elemento essencial em sua estrutura é a sucessão apostólica dos Bispos. "A dignidade do Bispo é tão necessária na Igreja," escreveu Dositeus, "Que sem ele nem a Igreja nem a palavra Cristão poderia existir ou ser falada... Ele é a imagem viva de Deus na terra... e uma fonte de todos os sacramentos da Igreja Católica, através da qual nós obtemos a salvação" (Confession, Decreto 10). "Se qualquer um não estiver com o Bispo," disse Cipriano, "Ele não está em Igreja" (Letter 66, 8).

Em sua eleição e sagração um Bispo Ortodoxo é dotado com o triplo poder de: 1) governar; 2) ensinar e 3) celebrar os sacramentos.

1. Um Bispo é indicado por Deus para guiar e comandar o rebanho entregue a seu encargo; ele é um "Monarca" em sua Diocese.

2. Em sua consagração um Bispo recebe um dom especial de carisma do Espírito Santo, em virtude do qual ele age como um professor da fé. Esse ministério de ensinamento o Bispo executa acima de tudo na eucaristia, quando ele prega o sermão para o povo; quando outros membros da Igreja — Padres ou Leigos — pregam sermão, estritamente falando eles agem como delegados dos Bispos. Mas apesar do Bispo ter um carisma especial, é sempre possível que ele caia em erro e dê falso ensinamento; aqui como em qualquer outro lugar o princípio da sinergia se aplica, e o elemento divino não expele o humano. O Bispo permanece homem, e como tal ele pode cometer erros. A Igreja é infalível mas não existe tal coisa como infalibilidade pessoal.

3. O Bispo como Dositeus coloca é "A fonte de todos os sacramentos." Na Igreja primitiva o celebrante na Eucaristia era normalmente um Bispo, e mesmo hoje um Padre quando celebra a Liturgia está na verdade atuando como delegado do Bispo. Mas a Igreja não é só hierarquia, ela é carismática e pentecostal." Não extingais o Espírito. Não desprezeis as profecias" (1Tes 5:19-20). O Espírito Santo é derramado sobre todo o Povo de Deus. Existe um Ministério especialmente ordenado de Bispos, Padres e Diáconos; no entanto ao mesmo tempo o Povo todo de Deus é profeta e Padre.

Na Igreja Apostólica, além do Ministério Institucional conferido pelo impor de mãos, existem outros charismata ou Dons conferidos diretamente pelo Espírito Santo: Paulo menciona "Dons de cura" realização de milagres, "falando em línguas," e que tais (1 Cor. 12:28-30). Na Igreja dos últimos tempos, esses ministérios carismáticos estiveram menos em evidência, mas eles nunca foram completamente extintos. Pensa-se no ministério dos Startsi, tão proeminente na Rússia do século dezenove; ele não era concebido por um Ato especial de ordenação, mas podia ser exercido tanto por um leigo quanto por um Padre ou um Bispo. Serafim de Savov e os startsi de Optino exerceram uma influência muito maior que qualquer hierarca.

Esse aspecto "Espiritual," não institucional da vida da Igreja tem sido particularmente enfatizado por certos teólogos recentes da migração Russa; Mas ele foi também destacado por escritores Bizantinos, mas notavelmente Simeão, o Novo Teólogo. Mais de uma vez na história da Ortodoxia os "carismáticos" entraram em conflito com a hierarquia, mas no final não há contradição entre os dois elementos da vida da Igreja: é o mesmo Espírito que está ativo em ambos.

Nós chamamos o Bispo de governador e monarca, mas esses termos não são para serem entendidos em um sentido severo e impessoal; pois ao exercer seus poderes o Bispo é guiado pela Lei Cristã do Amor. Ele não é um tirano mas um Pai para seu rebanho. A atitude Ortodoxa para com o oficio episcopal é bem expressa na oração usada na sagração: "Concede, ó Cristo, que esse homem, que foi apontado como procurador da graça episcopal, venha a ser um Teu imitador, o Verdadeiro Pastor, entregando sua vida pelas Tuas ovelhas. Faça dele um guia para os cegos, uma luz para aqueles na escuridão, um professor para os irrazoáveis, um instrutor para os tolos, uma tocha flamejante no mundo; para que tendo trazido para a perfeição as almas confiadas a ele na vida presente, ele possa se apresentar sem confusão avante do teu trono de julgamento, e receber a grande recompensa que Tu preparaste para aqueles que sofreram por pregar Teu Evangelho! 

A autoridade do Bispo é fundamentalmente a autoridade da Igreja. No entanto por maior que sejam as prerrogativas do Bispo, ele não é alguém colocado sobre a Igreja, mas o portador de um cargo na Igreja. Bispo e povo são juntados em uma unidade orgânica, e não é possível nem pensar em estar em separados, um do outro. Sem Bispo não pode existir povo Ortodoxo, mas sem povo Ortodoxo não pode existir um verdadeiro Bispo. "A Igreja," disse Cipriano, "É o povo unido ao Bispo, o rebanho agarrado a seu Pastor. O Bispo está na Igreja e a Igreja no Bispo!" (Letter 66, 8).

A relação entre o Bispo e seu rebanho é mutua. O Bispo é professor da fé divinamente apontado, mas o guardião da fé não é o Episcopado sozinho, mas todo o povo de Deus, Bispos, Clero e Leigos todos juntos. A proclamação da verdade não é o mesmo que a posse da mesma: o povo todo possui a fé, mas é encargo particular do Bispo proclamá-la. A infalibilidade pertence à Igreja toda, não ao episcopado isolado. Como os Patriarcas Ortodoxos disseram em sua Epístola de 1848 ao Papa Pio Nono: "Entre nós, nem Patriarcas nem Concílios podem introduzir novos ensinamentos, pois o guardião da Religião é o verdadeiro corpo da Igreja, isto é, o Povo (Laos)."

Comentando sobre essa afirmação Khomiakov escreveu: "O Papa está redondamente enganado ao considerar que nós consideramos que a hierarquia eclesiástica é a guardiã do Dogma. O caso é completamente diferente. A invariável constância e a verdade sem erro do Dogma não depende de nenhuma ordem hierárquica; ela é guardada pela totalidade, pelo Povo todo da Igreja, que é o Corpo de Cristo (Letter in W. J. Birbeck, Russia and the English Church, pg. 94).

Esse conceito do laicado e de seu lugar na Igreja deve ser lembrado quando se considera a natureza de um Concílio Ecumênico. Os leigos são guardiões e não professores: Por isso, apesar de poderem atender a um concílio e ter uma parte ativa nos procedimentos (como Constantino e outros Imperadores Bizantinos fizeram), quando chega o momento do Concílio fazer uma proclamação formal de fé, são somente os Bispos sozinhos, em virtude de seu carisma, que tomam a decisão final.

Mas o concílio dos Bispos pode errar e estar enganado. Assim, como pode um desses concílios ser verdadeiramente Ecumênico e por conseqüência seus decretos serem infalíveis? Muitos concílios se auto consideram ecumênicos e pretenderam falar no nome de toda a Igreja, e no entanto a Igreja os rejeitou como heréticos: Éfeso em 449, por exemplo, ou o Concílio Iconoclasta de Hieria em 754, ou Florença em 1438-9. No entanto esses concílios não parecem de modo algum na sua aparência externa serem diferentes dos concílios Ecumênicos. Qual é então, o critério para determinar se um concílio é ecumênico?

Essa é uma questão mais difícil de ser respondida do que parece ser a princípio, e apesar de ter sido muito discutida pelos Ortodoxos durante os últimos cem anos, não pode ser dito que as soluções sugeridas são inteiramente satisfatórias. Todos os Ortodoxos sabem quais são os Sete Concílios que sua Igreja aceita como Ecumênicos, mas precisamente o que faz um concílio ser ecumênico não está claro. Existem, assim deve ser admitido, certos pontos na teologia Ortodoxa dos concílios que permanecem obscuros e que pedem por mais considerações e pensamentos de parte dos teólogos. Com essa precaução em mente, vamos considerar resumidamente a presente tendência do pensamento Ortodoxo sobre esse assunto.

Sobre a questão de como se pode saber se um concílio é ecumênico, Khomiakov e sua escola dão uma resposta que à primeira vista parece clara e direta: Um concílio não pode ser considerado ecumênico a menos que seus decretos sejam aceitos pela Igreja toda. Florença, Hieria e o resto, enquanto ecumênicos em sua aparência externa, não o são na verdade, precisamente porque eles falharam em assegurar essa aceitação pela Igreja toda (Pode-se objetar: E Calcedônia? Foi rejeitado por Síria e Egito. Podemos então dizer que ele "foi aceito pela Igreja toda?"). Os Bispos, Khomiakov argumenta, porque eles são os professores da fé, definem e proclamam a verdade em concílio; mas essas definições devem ser aclamadas por todo o povo de Deus, incluindo os leigos, porque é o povo todo de Deus que constitui o guardião da Tradição. Essa ênfase na necessidade dos concílios serem recebidos pela Igreja toda tem sido vista com suspeição por alguns teólogos ortodoxos, tanto gregos quanto russos, que temem que Khomiakov e seus seguidores tenham posto em risco as prerrogativas do episcopado e "democratizado" a idéia de Igreja. Mas numa forma qualificada e cuidadosamente guardada, a opinião de Khomiakov é hoje amplamente aceita no pensamento Ortodoxo contemporâneo.

Esse ato de aceitação, essa recepção dos concílios pela Igreja toda, não deve ser entendida no sentido jurídico: "Isso não significa que as decisões do concílio devam ser confirmadas por um plebiscito e que sem tal plebiscito elas não tem força. Não existe tal plebiscito. Mas a experiência histórica mostra claramente que a voz de um certo concílio foi verdadeiramente a voz da Igreja, ou não: Isso é tudo" (S.Bulgakov, The Orthodox Church, p. 89).

Num verdadeiro Concílio Ecumênico os Bispos reconhecem o que é a verdade, e a proclamam, essa proclamação é então verificada pela aceitação de todo o povo Cristão, uma aceitação que não é uma regra, expressada formal e explicitamente, mas vivida. Não são simplesmente os números ou a distribuição de seus membros que determinam a ecumenicidade de um concílio: "Um Concílio Ecumênico é tal, não porque representantes acreditados de todas Igrejas Autocéfalas tomam parte nele, mas porque ele dá nascimento a testemunhos da fé da Igreja Ecumênica" (Metropolita Serafin, L’Eglise Ortodoxs, p. 51).

A ecumenicidade de um concílio não pode ser decidida só por um critério externo: "A verdade não tem critério externo, pois é manifestada por ela própria, e feita evidente internamente." (V. Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church, p. 188). A infalibilidade da Igreja não tem que ser "exteriorizada," nem entendida num sentido muito "material": Não é a "ecumenicidade" mas a verdade dos concílios que torna as suas decisões obrigatórias para nós. Nós tocamos aqui no mistério fundamental da doutrina Ortodoxa da Igreja: A Igreja é o milagre da presença de Deus entre os homens, além de todo "critério" formal, de toda "infalibilidade" formal. Não é suficiente juntar um "concílio ecumênico!.. é necessário também que no meio daqueles assim reunidos esteja também presente Ele que disse: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida." Sem essa presença, não importa quão numerosa e representativa a assembléia possa ser, não estará na verdade. Os protestantes e Católicos Romanos usualmente não conseguem compreender essa verdade fundamental da Ortodoxia: Ambos materializam a presença de Deus na Igreja — os primeiros parcialmente nas palavras das Escrituras, os segundos na pessoa do Papa — Apesar de nem por isso evitar o milagre, eles o cobrem com uma forma concreta. Para a Ortodoxia, o único "critério da verdade" permanece o próprio Deus, vivendo misteriosamente na Igreja, conduzindo-a no caminho da verdade! (J. Meyendorff, citado em M.J. Le Guillou, Mission et Unité, Paris, 1960, vol.2, pg. 313).

Os Vivos e os Mortos:

Em Deus e na Igreja não há divisão entre os vivos e os que partiram, mas todos são um no amor do Pai. Estejamos vivos ou mortos, como membros da Igreja nós ainda pertencemos à mesma família, e ainda temos o dever de carregar o fardo uns dos outros. Assim como os Cristãos Ortodoxos aqui na terra oram uns pelos outros e pedem orações aos outros, eles também pedem pelos fieis que partiram e pedem aos fieis que partiram que orem por eles, A morte não consegue cortar o vínculo de amor mútuo que liga todos os membros da Igreja juntos.

Orações pelos que partiram: "Ó Cristo, dá repouso às almas de teus servos, junto com Teus Santos, lá onde não há doenças, nem tristeza, nem gemidos, mas sim vida eterna." Assim a Igreja Ortodoxa ora pelos fiéis falecidos; e de novo: "O Deus dos espíritos e de toda a carne, Que mataste a morte e derrotaste o Diabo, e deste vida ao Teu mundo: dá Tu, o mesmo Senhor, repouso às almas de Teus servos falecidos, no lugar de luz refrigério e repouso, do qual toda dor, tristeza e suspiros fugiram. Perdoa todas as transgressões que eles cometeram, por palavras, atos ou pensamentos!".

Os Ortodoxos estão convencidos que os Cristãos aqui na terra tem obrigação de rezar pelos que partiram, e são confiantes que os mortos são ajudados por essas orações. Mas precisamente de que modo nossas orações ajudam os mortos? Qual é a condição exata das almas no período entre a morte e a ressurreição dos corpos no último dia? Aqui, o ensinamento Ortodoxo não é inteiramente claro, e tem variado alguma coisa em diferentes períodos. No século dezessete numerosos escritores Ortodoxos, mais notoriamente, Pedro de Moghila e Dositeus em sua Confessions — sustentaram a doutrina Católico-Romana do Purgatório, ou algo muito próximo (de acordo com o ensinamento Romano normal, as almas no Purgatório passam por sofrimento expiatório, e então prestam "satisfação" ou "justificativa" dos seus pecados. Deveria ser frisado, no entanto, que mesmo no século dezessete existiram muitos ortodoxos que rejeitaram o ensinamento Romano sobre Purgatórios. As afirmações sobre os mortos na Orthodox Confession de Moghila, foram cuidadosamente mudadas por Meletius Syrigos, enquanto já no fim da vida Dositeus especificamente retratou-se em relação ao que tinha escrito sobre os mortos em sua Confessions). Hoje a maioria, senão todos os teólogos Ortodoxos rejeitam a idéia do Purgatório, de qualquer forma. A maioria estaria inclinada a dizer que os fiéis mortos não sofrem nada. Outra escola sustenta que talvez eles sofram, mas se for assim, seu sofrimento é purificador mas não expiatório, pois quando um homem morre na graça de Deus, então Deus o liberta perdoando-lhe todos os pecados e não exige penalidades expiatórias: Cristo, o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo, é nossa única explicação e satisfação. Além desses, um terceiro grupo prefere deixar a questão inteiramente em aberto: evitemos formulações detalhadas acerca da vida após a morte, eles dizem, e preservemos uma reverente e agnóstica reticência. Quando Santo Antonio (Antão) do Egito estava certa vez pensando na divina providencia, uma voz veio a ele dizendo: "Antônio, pensa em ti próprio, pois isso que especulas são julgamentos de Deus, e não é para que Tu os conheça" (Apophthegmata P.g.65, Antony, 2).

Os Santos. 

Simeão, o novo Teólogo descreve os Santos como formando uma corrente dourada: "A Santíssima Trindade, penetrando todos os Homens, do primeiro ao último, da cabeça aos pés, liga-os todos juntos... Os Santos em cada geração, juntam-se àqueles que se foram antes, e preenchidos como aqueles com luz, tornam-se uma corrente, dourada, na qual cada Santo é um elo separado, unido ao próximo pela fé, obras e amor. Assim, no Deus Único eles formam uma única corrente que não pode ser quebrada rapidamente" (Centuries 3, 2,4).

Tal é a idéia Ortodoxa da comunhão dos Santos. Essa corrente é uma corrente de mútuo amor e oração; e nessa oração amorosa os membros da Igreja na terra, "chamados para serem santos," tem seu lugar.

Privadamente um Cristão Ortodoxo está livre para pedir as orações de qualquer membro da Igreja, canonizado ou não. Seria perfeitamente natural para uma criança Ortodoxa, se órfã, terminar suas orações vespertinas pedindo pela intercessão não só da Mãe de Deus e dos Santos, mas de sua própria Mãe e de seu Pai. Nas suas orações publicas, no entanto, a Igreja ora pedindo só para aqueles que ela oficialmente proclamou como Santos. Mas em circunstâncias excepcionais um culto público pode vir a ser estabelecido sem qualquer ato formal de canonização. A Igreja Grega sob o Império Otomano começou logo a comemorar os Novos Mártires em seus ofícios, mas para evitar que os turcos ficassem sabendo normalmente não havia nenhum ato de proclamação: O culto dos Novos Mártires foi em muitos casos algo que apareceu espontaneamente da iniciativa popular. O mesmo aconteceu em anos mais recentes com os Novos Mártires da Rússia: em certos locais, tanto dentro quanto fora da União Soviética, eles começaram a ser comemorados como Santos nos ofícios da Igreja, mas as condições presentes na Igreja Russas fazem com que a canonização formal seja impossível.

A reverência pelos Santos está intimamente ligada com a veneração dos ícones. Eles são colocados pelos Ortodoxos não só em suas Igrejas, mas também em cada cômodo de suas casas, e até mesmo em carros e ônibus. Esses sempre presentes ícones agem como ponto de encontro entre os membros vivos da Igreja e aqueles que se foram antes. Os ícones ajudam os Ortodoxos a olhar os Santos não como figuras remotas e legendárias do passado, mas como contemporâneos e amigos pessoais.

No Batismo, um Ortodoxo recebe o nome de um Santo, "Como um símbolo de sua entrada na unidade da Igreja, que não é só a Igreja da terra, mas também a Igreja no Céu" (P. Kovalevsky, Exposé de la Foi Catholique Orthodoxe, Paris, 1957, p. 16). Um Ortodoxo tem uma devoção especial ao Santo de quem carrega o nome; usualmente ele mantém um ícone de seu santo padroeiro em seu quarto, e ora diariamente para ele. A festa do seu Santo padroeiro ele guarda como seu dia de Nome, e para muitos Ortodoxos (como também para muitos Católicos Romanos na Europa Continental), essa é uma data muito mais importante do que seu aniversário.

Um Cristão Ortodoxo ora não só para os Santos mas também para os anjos, e em particular para seu Anjo da Guarda. Os anjos "Cercam-nos com sua intercessão e escudam-nos com suas asas protetoras de glória imaterial" (Do hino de despedida da Festa dos Arcanjos, 8 novembro).

A Mãe de Deus.

A Mãe de Deus. Entre os Santos, uma posição especial pertence à Virgem Maria a quem os Ortodoxos reverenciam como a mais exaltada entre as criaturas de Deus, "Mais venerável que os querubins, incomparavelmente mais gloriosa que os serafins" (Do Hino à Virgem, cantado na Liturgia de São João Crisóstomo). Note-se que nos a designamos "A mais exaltada entre as criaturas de Deus": Os Ortodoxos, como os Católicos Romanos, veneram ou honram a Mãe de Deus, mas em nenhum sentido os membros de ambas as Igrejas a consideram como a quarta pessoa da Trindade, nem asseguram a ela a adoração devida somente a Deus. Na teologia Grega a distinção é claramente marcada: existe uma palavra especial, latreia, reservada para a adoração de Deus, enquanto que para a veneração da Virgem, termos inteiramente diferentes são empregados (duleia, hyperduleia, proskynesis).

Nos ofícios Ortodoxos a Virgem Maria é mencionada com freqüência e em cada ocasião lhe é dado seu título completo: "Nossa Santíssima, Imaculada, Bendita e Gloriosa Senhora, Mãe de Deus e Sempre Virgem Maria." Aqui estão os três principais epítetos aplicados para Nossa Senhora, pela Igreja Ortodoxa: Theotokos (Mãe de Deus), Aeiparthenos (Sempre Virgem) e Panagia (Toda Santa). O primeiro desses títulos foi designado a ela pelo Terceiro Concílio Ecumênico (Éfeso, 431), o segundo pelo Quinto Concílio Ecumênico (Constantinopla, 553). (A crença na Virgindade Perpetua de Maria pode parecer à primeira vista contrária às Escrituras, porque Marcos 3:31 menciona os "irmãos" de Cristo. Mas a palavra usada ali, em grego, pode significar meio-irmão, primo ou parente próximo, bem como irmão no sentido estrito). O Epíteto Panagia, apesar de nunca ter sido objeto de uma definição dogmática, é aceito e usado por todos os Ortodoxos.

O termo Theotokos é de particular importância, pois dele provem a chave para o culto Ortodoxo da Virgem. Nos louvamos Maria porque ela é a Mãe do Nosso Deus. Nós não a veneramos isoladamente, mas por sua relação com Cristo. Assim a reverência mostrada a Maria, longe de eclipsar a adoração de Deus, tem exatamente o efeito contrário: quanto mais estimamos Maria, mas vívida é a nossa consciência da Majestade de seu Filho, pois é precisamente por conta do Filho que nós veneramos a Mãe. Nós louvamos a Mãe por conta do Filho: Mariologia é uma simples extensão da Cristologia. Os Padres do Concílio de Éfeso insistiram em chamar Maria de Theotokos, não porque quisessem glorificá-la como um fim em si próprio, à parte do seu Filho, mas porque somente louvando Maria poderiam salvaguardar a doutrina correta da pessoa de Cristo. Qualquer um que pense nas implicações da grande frase: O Verbo se fez Carne, não pode deixar de sentir um respeito temeroso por aquela que foi escolhida como instrumento de tão extraordinário Mistério. Quando os homens se recusam a louvar  Maria, muito freqüentemente é porque eles não acreditam realmente na Encarnação.

Mas os Ortodoxos veneram Maria, não só porque ela é a Theotokos, mas também porque ela é a Panagia, Toda-Santa. Entre todas as criaturas de Deus, ela é o exemplo supremo de sinergia ou cooperação entre o propósito da divindade e a vontade livre do ser humano. Deus, que sempre respeitou a liberdade humana, não quis tornar-se encarnado sem o livre consentimento de Sua Mãe. Ele esperou pela resposta voluntária dela: "Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim, segundo a sua palavra" (Lc. 1:38). Maria poderia ter recusado: Ela não era meramente passiva, mas uma participante ativa no Mistério. Como Nicolau Cabasilas disse: "A encarnação não foi trabalho só do Pai, de Seu Poder e de Seu Espírito... Mas foi também trabalho da vontade e da fé da Virgem... Assim como Deus encarnou voluntariamente, Ele também quis que Sua Mãe O portasse livremente e com seu consentimento completo!" (On the Annunciation, 4-5, Patrologia Orientalis, vol. 19, Paris, 1926, pg. 488).

Se Cristo é o Novo Adão, Maria é a nova Eva, aquela que se submeteu à vontade de Deus contrabalançando a desobediência de Eva no Paraíso! Assim o nó de Eva foi desatado pela obediência de Maria; pois o que Eva, uma virgem, atou pela sua descrença, Maria, uma virgem, desatou pela sua fé (Irineu, Against the Heresies, 3, 22, 4). "Morte por Eva, vida por Maria" (Jerome, letter 22,21).

A Igreja Ortodoxa chama Maria de a "Toda Pura"; ela é chamada "Imaculada," ou "sem mancha" (em Grego, Achrantos); e todos os Ortodoxos concordam em acreditar que Nossa Senhora, era livre do pecado durante sua vida. Mas foi ela livre também do pecado original? Em outras palavras, a Ortodoxia concorda com a doutrina católico romana da Imaculada Conceição, proclamada como dogma pelo Papa Pio, o Nono em 1854, de acordo com a qual Maria, desde o momento em que foi concebida por sua mãe Santa Ana, foi por decreto especial de Deus liberada de "toda mancha do pecado original?" A Igreja Ortodoxa nunca de fato fez qualquer pronunciamento formal e definitivo sobre o assunto. No passado Ortodoxos individualmente fizeram afirmações que ainda que não confirmando definitivamente a doutrina da Imaculada Conceição, de algum modo se aproximando dela; mas desde 1854 a grande maioria dos Ortodoxos rejeitaram a doutrina, por várias razões. Eles sentiam que ela era desnecessária; eles entendiam que de qualquer modo, como definida pela Igreja Católico-Romana, ela implica num falso entendimento do Pecado original; eles suspeitavam da doutrina porque ela parece separar Maria do resto dos descendentes de Adão, colocando-a numa classe completamente diferente de todos os outros homens e mulheres justos do Velho Testamento. Do ponto de vista Ortodoxo, no entanto, a questão toda pertence ao Reino das opiniões teológicas; e se um Ortodoxo individual sente-se impelido em acreditar na Imaculada Conceição, ele não poderia ser classificado de herético por isso.

Mas a Ortodoxia, enquanto em sua grande maioria nega a doutrina da Imaculada Conceição de Maria, acredita firmemente em sua Ascensão Corpórea (Imediatamente após o Papa ter proclamado a Assunção como dogma em 1950, alguns Ortodoxos (mais como reação contra a Igreja Católico-Romana) começaram a expressar dúvidas sobre a Ascensão Corpórea e mesmo a nega-la explicitamente. Mas certamente eles não são representativos da Igreja Ortodoxa como um todo). Como o resto da humanidade, Nossa Senhora passou pela morte física, mas no caso dela a Ressurreição do Corpo foi antecipada: depois da morte seu corpo foi elevado e "assumido" no céu e seu tumulo foi encontrado vazio. Ela passou além da morte e do julgamento, e já vive no Tempo que há de vir. No entanto Ela não está por isso separada da humanidade, pois essa glória corpórea da qual Maria desfruta agora, todos nos esperamos dela partilhar um dia.

A crença na Ascensão da Mãe de Deus é afirmada claramente e sem ambigüidade nos hinos cantados na Igreja em 15 de agosto, Festa da Dormição! Mas a Ortodoxia diferentemente de Roma, nunca proclamou a Assunção como dogma, nem nunca desejou fazer isso. As doutrinas da Trindade e da Encarnação foram proclamadas como dogmas, por elas pertencerem a pregação pública da Igreja; mas a glorificação de Nossa Senhora pertence a Tradição interna da Igreja:

É difícil falar e não menos difícil pensar acerca dos mistérios que a Igreja guarda escondidos nas profundezas de sua consciência interna... A Mãe de Deus nunca foi tema da pregação pública dos Apóstolos; enquanto Cristo era pregado pelos telhados, e proclamado para todos para ser conhecido num ensinamento iniciatório dirigido ao mundo todo, o Mistério de Sua Mãe só era revelado para aqueles que estavam dentro da Igreja... Não é tanto um objeto de fé como é a fundação de nossa esperança, um fruto da Fé, amadurecido na Tradição. Mantenhamos então silêncio, e não tentemos dogmatizar acerca da suprema gloria da Mãe de Deus" (V. Lossky, "Panagia," em The Mother of God, editado por E. L. Mascall, pg. 35),

As últimas coisas.

Para os Cristãos só existem duas alternativas definitivas, Céu e Inferno. A Igreja espera a consumação do final, que na teologia Grega é chamada de apocatastasis ou "restauração," quando Cristo retornará em grande glória para julgar tanto os vivos quanto os mortos. Essa apocatastasis final envolve, como vimos, a redenção e a glorificação da matéria: no último dia os justos levantarão dos túmulos e serão unidos novamente a um corpo — não um corpo como possuímos agora, mas um transfigurado e "espiritual" no qual a santidade interna é tornada manifesta externamente. E não só os
corpos humanos mas toda a ordem material será transformada Deus criará um Novo Céu e uma Nova Terra.

Mas o Inferno existe tanto quanto o Céu. Nos anos recentes muitos Cristãos não só no ocidente, mas com o tempo também na Igreja Ortodoxa — começaram a achar a idéia de Inferno inconsistente com a crença num Deus amoroso. Mas argumentar assim é colocar uma triste e perigosa confusão no pensamento. Enquanto que é verdade que Deus nos ama com amor infinito, também é verdade que Ele nos deu livre arbítrio; e já que temos livre arbítrio, é possível para nós rejeitarmos Deus. Desde que existe livre arbítrio, o Inferno existe; pois o Inferno nada mais é que a rejeição de Deus. Se nós negamos o Inferno, nós negamos o livre arbítrio. "Ninguém é tão bom e cheio de piedade como Deus" escreveu Marcos, o Monge ou Eremita (começo do quinto século); "Mas nem Ele perdoa aqueles que não se arrependem" (On those who think to be justified from works, 71, PG. 65, 9400). Deus não nos forçará a ama-lo, pois o amor não é mais amor se não for livre; como pode então Deus reconciliar Consigo próprio àqueles que recusam qualquer reconciliação?

A atitude Ortodoxa em relação ao Juízo Final e Inferno é expressa claramente na escolha das leituras do Evangelho lidas nos três domingos sucessivos imediatamente antes da Grande Quaresma. No primeiro domingo é lida a parábola do Publicano e do Fariseu, no segundo a parábola do Filho Pródigo, histórias que ilustram o perdão imenso e misericórdia de Deus para com todos os pecadores que se arrependem. Mas no Evangelho do terceiro domingo — a parábola das ovelhas e dos bodes — nós somos lembrados de outra verdade: que é possível rejeitar Deus e virar-se d’Ele para o Inferno. "Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: apartai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus amigos" (Mt. 25:41)

Não existe terrorismo na doutrina Ortodoxa de Deus. Os Cristãos Ortodoxos não bajulam Deus com um medo abjeto, mas pensam Nele como philanthropos, o "Que ama o Homem." Ainda assim eles mantêm na mente que Cristo em Sua segunda vinda virá como Juiz.

O Inferno não é tanto um lugar onde Deus aprisiona o homem, como um lugar onde o homem, por mal uso do seu livre — arbítrio, escolhe ele próprio se aprisionar. E mesmo no Inferno os malditos não são privados do amor de Deus, mas por sua própria escolha eles experimentam tanto sofrimento quanto os santos experimentam júbilo." O amor de Deus será um tormento intolerável para aqueles que não o adquiriram para dentro de sí" (V. Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church, pg 234).

O Inferno existe como uma possibilidade final, mas vários dos Padres acreditaram não menos de que no fim tudo será reconciliado com Deus. É herético dizer que todos deverão ser salvos, pois isso é negar o livre arbítrio; mas é legitimo esperar que todos possam ser salvos. Até que o último dia venha, não devemos nos desesperançar da salvação de ninguém, mas devemos aguardar e orar pela reconciliação de todos sem exceção. Ninguém deve ser excluído de nossa intercessão amorosa. "O que é um coração misericordioso?" perguntou São Isaac, o Sírio. "É um coração que arde com amor por toda a criação, pelos homens, pelos pássaros, pelas bestas, pelos demônios, por todas as criaturas" (Mystic Treatises, editado por A J. Wensinck, Amsterdam, 1823, pg.341). Gregório de Nissa disse que os Cristãos podem legitimamente ter esperança na salvação mesmo do Diabo.

As escrituras terminam com uma nota de aguda expectativa:..."certamente cedo eu venho. Amém. Ora vem, Senhor Jesus" (Ap. 22:20). No mesmo Espírito de ansiosa esperança os Cristãos primitivos costumavam orar: "Que venha a graça e que esse mundo passe" (Didaque, 10,6). De um ponto de vista os primeiros Cristãos estavam errados: Eles imaginavam que o fim do mundo ocorreria quase imediatamente, enquanto que de fato dois milênios já se passaram e o fim do mundo ainda não veio. Não é para nós conhecermos os tempos e as estações, e talvez essa ordem presente venha a durar por muitos milênios mais. No entanto de outro ponto de vista a Igreja primitiva estava certa. Pois venha o fim mais cedo ou mais tarde, ele está sempre eminente, sempre espiritualmente perto, à mão, ainda que ele possa temporariamente não estar perto. O dia do Senhor virá "Como o ladrão de noite" (1Ts 5:2) numa hora em que os homens não o esperam. Os Cristãos, por isso, como nos tempos Apostólicos, ainda hoje devem estar sempre preparados, esperando em constante expectativa. Um dos mais encorajadores sinais de renascimento na Ortodoxia contemporânea é a renovada consciência entre muitos Ortodoxos da Segunda Vinda e sua relevância. "Quando um pastor em visita à Rússia perguntou qual era o problema mais quente da Igreja Russa, um Padre respondeu sem hesitação: a Parusia" (P. Evdokimov, L’Orthodoxe, P.g.9 (Parousia: o temo Grego para a Segunda Vinda)).

No entanto a segunda vinda não é simplesmente um evento futuro, pois na vida da Igreja, o tempo a vir já começou a surgir na presente época. Para membros da Igreja de Deus, os "Últimos Tempos" já foram inaugurados, porque aqui e agora os Cristãos desfrutam os primeiros frutos do Reino de Deus. Mesmo assim, vem senhor Jesus. Ele já veio — na Sagrada Liturgia e na Louvação da Igreja.

Nenhum comentário:

Postar um comentário