sexta-feira, 10 de junho de 2022

Jean Romanides - Teologia Empírica - Capítulo II: A Eclesiologia de Santo Inácio de Antioquia

 

NOTA: O Capítulo I do livro Teologia Empírica de Jean (Johanis) Romanides, "Cristo, Vida do Mundo", foi publicado nesse blog em 27 de Março de 2016.


Nossa salvação não é possível,

Senão por nossa deificação.

 

São Dionísio o Areopagita, Hierarquia Eclesiástica, 1, 3.

 

 


 

 

A chave da eclesiologia de Santo Inácio de Antioquia está nos seus pressupostos sobre a salvação. Segundo ele, a Igreja, enquanto Corpo de Cristo, existe com a única finalidade da salvação em Cristo. Seria absurdo analisar sua eclesiologia sem estudar primeiro, em traços gerais, sua doutrina de salvação.

 

Nos diversos escritos de Santo Inácio, não encontramos nenhuma exposição dessa soteriologia. Ele se dirige a cristãos batizados, ensina-os sobre a ordem e a unidade internas da Igreja contra heréticos específicos e, enfim, sobre seu martírio.

 

Para tentar apreender os fundamentos soteriológicos da doutrina de Santo Inácio sobre a manifestação visível da Igreja, trataremos dos seguintes aspectos:

 

1.       O poder da morte e a ética cristã.

2.       A apropriação da salvação em Cristo e a concepção da Igreja enquanto mistério.

3.       A Igreja e a Eucaristia.

4.       A comunidade eclesial.

5.       O clero.

6.       Observações sobre a origem e a base do episcopado.

7.       Fundamento da igualdade dos bispos.

 

***

 

 

1.       O PODER DA MORTE E A ÉTICA CRISTÃ

 

Inácio escreveu: “A virgindade de Maria e sua gravidez, assim como a morte do Senhor, capturaram (elaben) o príncipe deste mundo: três mistérios retumbantes que operam no silêncio de Deus. Daí provém a convulsão universal, pois Ele meditava a abolição da morte[1]”. A abolição da morte não é outra coisa do que essa captura de Satanás, e ele se realizou por meio desses três mistérios.

 

Satanás está ligado à morte. Por meio da morte e da corrupção o diabo reina sobre a humanidade cativa[2]. “O pecado é o aguilhão da morte[3]”. “O pecado reina na morte[4]”. Por causa da tirania da morte o homem se tornou incapaz de viver o amor desinteressado, sua predestinação primeira. Desde que nasce, o homem encontra enraizado nele o instinto de autoconservação. Vivendo no temor da morte, ele busca a segurança, tanto física como psicológica, que o inclina ao individualismo e ao utilitarismo. O pecado é, assim, o fracasso do homem, sua total inaptidão em conhecer uma vida verdadeira, feita de amor desinteressado, conforme seu destino original. Esse amor, que não busca se próprio bem, é impedido de ser vivido pela doença da morte. A morte, nas mãos de Satanás, é a causa do pecado, e assim a “destruição da morte” destrói ao mesmo tempo o reino do diabo e o pecado.

 

A morte e a corrupção constituem uma condição anormal que Deus tratou de destruir por meio da encarnação de Seu Filho, a cosmologia de Inácio não é nem monofisita, nem monotelita. Ao lado da vontade de Deus e do Bem, existe o reino temporário de Satanás – que reina pela morte e a corrupção – e o homem, oprimido pelo diabo, mas, ao mesmo tempo, ajudado por Deus. O homem é livre, ao menos na sua vontade de escolher entre um e outro. O mundo e Deus possuem cada qual seu caráter próprio: o mundo leva à morte, e Deus é vida. O mundo material não é mau, nem é consequência da queda. Se atualmente ele está submetido à corrupção[5], sua purificação já começou em Cristo. O Senhor “nasceu e foi batizado a fim de purificar a água com Sua paixão”.

 

A vida e a imortalidade pertencem a Deus e não ao homem: “Pois se Ele nos recompensasse segundo nossas obras, nós deixaríamos de existir”. Deus encarnou-Se “para renovar a vida eterna”. Cristo é a única fonte de vida e “Ele insufla a imortalidade na Igreja”, “Ele, sem o qual nós ignoramos a verdadeira vida”.

 

Nas Epístolas de Santo Inácio, a ideia de uma imortalidade natural, atributo da alma humana, está ausente. Todos, antes e depois de Cristo, encontram em Sua morte e em Sua ressurreição a fonte da vida. Cristo ressuscitou os profetas, que “foram salvos por sua união com Jesus Cristo”. Ele é “o grande Sacerdote (...) a quem foi confiado ao Santo dos Santos (...) Ele é a porta do Pai pela qual entraram Abrahão, Isaac e Jacó, os Profetas, os Apóstolos e a Igreja”.

 

Para os verdadeiros atletas de Deus “o preço da vitória é a incorruptibilidade e a vida eterna”, e “o Evangelho segue sendo o ornamento da incorruptibilidade”.

 

A Igreja possui a paz pela carne, o sangue e a paixão de Cristo. A morte de Jesus Cristo “capturou” o diabo e, assim, vez brotar a vida renovada, de sorte que “crendo em Sua morte, possam vocês escapar à morte”. “A paixão de Cristo (...) é nossa ressurreição”. Aqueles que ignoram a morte e a ressurreição de Cristo na carne “foram renegados por Ele, porque se tornaram advogados da morte mais do que da verdade”. Quem não O confessa como “revestido de carne, já O renegou, sendo esse próprio alguém revestido da morte”. “Se eles não crerem no Sangue de Cristo, não escaparão ao Juízo”. “Aqueles, portanto, que falam contra o dom de Deus encontram a morte em suas contestações”.

 

***

 

Santo Inácio insiste claramente sobre a necessidade absoluta da fé nos fatos reais e históricos da encarnação de Deus na Virgem, bem como da morte e da ressurreição do Deus-Homem na carne. “Eu desejo colocar vocês em guarda contra o anzol das doutrinas vãs, e também confirmar sua fé no nascimento (do Salvador), Sua paixão e Sua ressurreição que aconteceram durante o governo de Pôncio Pilatos”. A fé na carne e no espírito de Cristo é a própria base de todo o edifício do Novo Testamento e da ética cristã primitiva. A vida de amor desinteressado e o combate vitorioso contra os poderes da morte e do diabo são impossíveis sem a comunhão com a carne do Senhor, vivificante e ressuscitada.

 

“Aprendam a conhecer todos esses homens que professam o erro a propósito da graça de Jesus Cristo que desceu sobre nós. Quão oposta à vontade de Deus é sua conduta! Eles não têm nenhuma preocupação com a caridade”. É provável que Santo Inácio tenha em vista aqui os heréticos, partidários de doutrinas dualistas, que ignoravam a verdadeira natureza da criação material e o significado real da morte e da corrupção. Podemos supor que Santo Inácio exagera um pouco a respeito de sua insuficiência moral. Essa hipótese é tanto mais tentadora se considerarmos que alguns dos heréticos atacados por Inácio admiravam e respeitavam os ortodoxos, fenômeno que ainda hoje se observa: “Por que haveria eu de louvar aquele que, negando ter Ele tomado a carne, blasfema contra meu Senhor?”.

 

Entretanto, tal julgamento de valor sobre esse suposto exagero de Santo Inácio permite entender o uso de critérios éticos radicalmente estranhos ao próprio fundamento de seu pensamento. Podemos apreciar seu critério ético corretamente se partirmos das teorias da lei moral natural, que consideram como normal a busca do homem pela segurança e a felicidade. Ora, evidentemente, Santo Inácio fundamenta a possibilidade de uma ética cristã unicamente sobre a carne ressuscitada de Cristo, e não sobre princípios utilitários e naturais da felicidade. Essa relação da ética cristã com a morte e a ressurreição corporais de Cristo deve ser bem compreendida, se quisermos captar com exatidão os pressupostos da eclesiologia inaciana.

 

Satanás, qual um parasita, governa a criação do homem por meio da morte[6]. Os filhos de Deus, “por medo da morte, passavam toda sua vida prisioneiros da servidão[7]”. Devido ao fato de que o reino de Satanás se mantinha por inteiro dentro da realidade física e material da morte e da corrupção, a destruição de Satanás só seria possível através de uma ressurreição real na carne – e não pela fuga da alma para fora da criação, para uma realidade inventada por nós.

 

A presença em si da carne vivificante de Cristo liberta os fiéis da escravidão do diabo; e, pela oração, o jejum e o amor desinteressado concretamente realizado, eles obtêm, na graça de Deus, em Cristo e pelo Espírito Santo, a capacidade de vencer as consequências da morte, ou seja, o pecado. “Os crentes portam amorosamente a efígie de Deus Pai, por Jesus Cristo; e se, em Jesus Cristo, não nos decidimos livremente morrer de Sua paixão, Sua vida não se encontra em nós”.

 

A realidade ontológica da encarnação e seu significado ético, como a morte e a ressurreição de Cristo, estão unidos e inseparáveis. Negar um desses dois termos equivale a rejeitar também o outro. Se o poder concreto e ontológico “daquele que tinha o poder da morte, ou seja, o diabo[8]”, não tivesse sido destruído pela morte e a ressurreição de Cristo, então o pecado reinaria ainda hoje”. “Se Cristo não houvesse ressuscitado (...) vocês estariam ainda em pecado[9]”. Assim, a luta dos cristãos contra o pecado e pela salvação, pelo amor desinteressado, perderia todo significado e utilidade. “Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos[10]”.

 

Além das implicações éticas, se Cristo não houvesse ressuscitado, não haveria nenhuma esperança de vida após a morte. “Então, mesmo aqueles que estão adormecidos em Cristo correm perigo. Se tivermos esperança em Cristo apenas nessa vida, somos os mais miseráveis de todos os homens[11]”. Todos aqueles que negam a realidade do nascimento, da morte e da ressurreição do Verbo de Deus encarnado são verdadeiros “advogados da morte” e “portadores da morte”, e “seu nome” é “infidelidade”.

 

Para Santo Inácio, a ética cristã não se reduz a leis morais, que imaginamos inatas, pertencentes a um mundo presumidamente natural, leis que praticamos para alcançar uma felicidade pessoal, seja ela imanente ou transcendente. A pretensa busca natural da segurança e da felicidade constitui na realidade uma vida submetida à ditadura da morte, ou da carne dominada pelo morte, que busca constantemente a segurança material e moral da existência e dos valores da própria natureza. “Que nenhum de vocês considere seu próximo com os olhos da carne, pois é em Jesus Cristo que vocês devem constantemente amar uns aos outros”.

 

O amor em Cristo difere vivamente do amor “kata sarka” (“segundo a carne”), vale dizer do amor eudemônico e utilitário da humanidade dita natural. O amor cristão “não busca seu próprio interesse[12]”. “Exorto meus irmãos, em nome de Jesus Cristo, a que amem suas esposas como o Senhor ama a Igreja”. Esse amor é de uma natureza tão particular que Cristo “não quis agradar a Si mesmo[13]”, mas “morreu para que aqueles que vivem não vivam mais para si mesmos[14]”.

 

Um casamento cristão construído sobre o amor desinteressado em Cristo “é um grande mistério segundo a perspectiva de Cristo e da Igreja”, mas somente para os cristãos. Isso não significa que os que se encontram fora da Igreja não se casem, mas que um casamento cristão se situa em outra dimensão. É por isso que “é bom que os que se casam, homens ou mulheres, contratem sua união buscando a aprovação do bispo, a fim de que seu casamento seja conforme o Senhor, e não conforme a paixão”.

 

Como o pecado tem por princípio um ser pessoal, Satanás, alcançamos a perfeição nesse mundo – não totalmente, mas em parte – pela qualidade do combate que fazemos contra os poderes do demônio. As boas obras não representam as cláusulas de um contrato celebrado entre Deus e o homem, no qual Deus deve recompensar determinados atos puramente exteriores da caridade utilitária. Elas são antes o fruto da dupla luta contra o diabo e pela aquisição do amor desinteressado e não utilitário por Deus e pelo próximo[15]. A comunhão com a vida divina na natureza humana de Cristo não basta para a salvação. A vida mistagógica sacramental não fornece nenhuma garantia mágica para a vida eterna. Os cristão devem fazer uma guerra intensa contra Satanás. “Se suportarmos todos os assaltos do príncipe deste mundo e conseguirmos escapar dele, alcançaremos a Deus”.

 

É indispensável entender as relações que unem de modo indissolúvel, na Bíblia e na Igreja primitiva, os poderes destrutivos da morte, da corrupção e da doença, com a pessoa de Satanás, se quisermos compreender a atitude dos primeiros cristãos diante da morte e do martírio. “Eles O tocaram e creram, confirmados por Sua carne e seu Espírito; daí seu desprezo pela morte, pois eles eram superiores à morte”. Quem teme a morte e permanece escravo do pecado como se fosse seu filho, é incapaz de viver segundo Cristo: “se não nos decidirmos livremente, em Jesus Cristo, a morrer de Sua paixão, Sua vida não está em nós”.

 

Os cânones da Igreja eram muito severos para aqueles que negassem Cristo por medo. A renúncia a Cristo provocada pelo medo da morte era considerado como uma queda nas mãos do diabo. Assim, o desejo persistente de Inácio, de que ninguém impedisse seu martírio próximo, não era efeito de um tipo de entusiasmo escatológico ou de desarranjo psíquico, mas provinha da consciência de que havia uma relação inseparável entre a morte e Satanás. Esse, com a cooperação do homem, é a causa pessoal do mal físico e moral.

 

Condenado à morte e, nos termos da lei, estando já morto, Santo Inácio não tinha como evitar o martírio. Isso significaria tornar-se discípulo de Satanás. “O príncipe deste mundo quer me arrancar (ou: me capturar) e alterar os sentimentos que tenho para com Deus (ou: minha opinião sobre meu Deus). Que nenhum de vocês, que estão em Roma, não o ajude”. Inácio não era um psicopata. Ao contrário, ele possuía uma compreensão aguda da demonologia bíblica[16], que não somente governava sua perspectiva e sua prática pessoal da fé, como também toda a teologia da Igreja de sua época quanto ao martírio. “Orem por mim, para que eu consiga (...) Se eu sofrer o martírio, é porque vocês me amaram; mas se eu for libertado, é porque vocês me detestaram”. “Que meus membros sejam mutilados, todo meu corpo quebrado, que os piores tormentos do diabo caiam sobre mim, desde que eu possa alcanças Jesus Cristo”.

 

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2.       A APROPRIAÇÃO DA SALVAÇÃO EM CRISTO E A CONCEPÇÃO DA IGREJA ENQUANTO MISTÉRIO

 

Pelas vitória de Cristo sobre a morte e sobre Satanás, aquele que crê na carne de Cristo é restaurado na comunhão da vida e do amor com Deus e, unido dessa maneira ao próximo, já não “ama outra coisa que não Deus”. “É bom glorificar a Jesus Cristo que os glorificou, a fim de que, em sua unânime obediência, vocês possam se unir perfeitamente uns com os outros, num mesmo espírito e numa mesma vontade, e possam ter uma mesma linguagem a respeito das mesmas coisas”.

 

Para Inácio, a principal característica humana é seu espírito de amor, concreto e desinteressado, assim como sua unanimidade na fé. A fé e o amor mútuo são uma só e mesma realidade, como o começo e o fim da vida em Cristo. A unidade mútua no amor é “uma imagem e uma manifestação (ou: uma lição) de imortalidade. “Todas as coisas são boas se vocês crerem no amor”. A fé consiste em “estar reunidos (em synaxis) em Deus”. “Assim, em sua concórdia e seu amor harmonioso, Jesus Cristo é louvado”. Somente em tal harmonia de amor nos reconhecemos como participantes de Deus. “É bom que vocês vivam numa unidade sem reprovação, a fim de que usufruam sempre da comunhão com Deus”. A salvação e a santificação não são realizáveis senão pela unidade do amor mútuo, na vida de Cristo.

 

Segundo Inácio, o homem não possui a vida por si mesmo. Somente Deus é a própria vida, a Vida-em-si (autozoé). O homem vive por participação. Tendo sido tornado cativo da morte pelo diabo, sua comunicação com Deus ficou fundamentalmente viciada, e assim ele termina no túmulo. A restauração efetiva da comunhão permanente e normal entre Deus e o homem não pode ser vista senão através de uma ressurreição real do homem, operada pelo próprio Deus[17], “o único que possui a imortalidade[18]”. Ora, Deus comunica essa imortalidade divina à criação, que se revela inseparável da energia divina do amor. É por isso que “a bebida de Deus, vale dizer, Seu Sangue (...) consiste no amor incorruptível e na vida eterna”. O amor de Deus não consiste numa relação (um pros ti) regulada por motivos que a ultrapassam. Se o Deus dos cristãos pertencesse ao domínio da beatitude e estivesse submetido a ele, então todas as suas relações reais, supondo que existissem, seriam necessárias[19]. Ora, a vida de Deus Pai – que, por essência, gera o Filho e projeta o Espírito – é um amor pessoal e desinteressado: esse amor, pela graça e na mais absoluta liberdade, criou ex nihilo o mundo pelo Filho no Espírito Santo, e conserva, salva e santifica a criação, não por meios criados, mas por sua própria energia incriada.

 

A salvação não consiste num simples restabelecimento das relações adequadas entre Deus e o homem, mas, ao contrário, a salvação para o homem consiste em ser restaurado na vida que só Deus pode dar às criaturas. A graça salvífica corresponde à própria energia de Deus, vivificadora e incriada, que regenera e justifica o homem através da vitória sobre o demônio. A carne de Cristo é a fonte de vida e de justificação, não enquanto carne, mas enquanto carne de Deus. É por essa razão que Santo Inácio pôde escrever: “Eu desejo a bebida de Deus, ou seja, Seu Sangue”.

 

As doutrinas moralizantes da redenção, que colocam o homem desde já na posse de uma alma imortal, e que fazem depender a salvação de uma mudança de atitude de Deus em relação ao homem e do homem em relação a Deus – os dois lados têm sua vez nessa transação – ou a deixam suspensa a predestinação, não têm cabimento algum no pensamento de Santo Inácio. A redenção não se refere a um simples ajuste ou rearranjo dos psiquismos divino e humano, nem a um problema intelectual – o da identificação das concepções humanas com todos os protótipos (universais) imutáveis da essência divina, que em conjunto constituem a verdade. Não se trata da relação entre duas imortalidades, a de Deus e a do homem, não é isso que está em jogo, mas a restauração de uma imortalidade perdida, presa nesse momento nos laços da morte e, por conseguinte, moralmente corrompida.

 

Somente a participação na vida divina e o amor a Deus em Cristo permite, pelo amor ao próximo, alcançar a imortalidade, a justificação e a vitória sobre a morte. Eis porque aqueles que vivem em Cristo, no amor mútuo e desinteressado, se tornam “pedras do templo do Pai, esquadrejadas para o edifício de Deus Pai, erguidas até o alto pelo elevador de Cristo, que é a Cruz, tendo o Espírito Santo como corda. Assim, você e seus companheiros de caminho, se tornam os teóforos (os que portam a Deus) e os naóforos (que portam o templo), os portadores de Cristo e de Sua santidade, ornados pelos Seus mandamentos”.

 

A misteriosa concepção da Igreja como Corpo de Cristo não provém, segundo Inácio, de um entusiasmo pessoal pela união mística com Deus, como querem alguns filósofos. Esses místicos buscam obter individualmente visões cada vez mais claras das verdades eternas contidas na essência do Um, como se a alma ultrapassasse ou atravessasse os fenômenos materiais para se unir à Realidade. A mistagogia de Santo Inácio não tem nada a ver com a mística filosófica ou, ainda, com o misticismo natural que, no início de sua busca, pressupõe que a Realidade constitua uma superação do mundo material, de tal maneira que a alma e Deus, duas imortalidades naturais, dois imortais por natureza, possam se reunificar.

 

Para Santo Inácio, esse mundo em que estamos é a própria realidade, porque foi criado por Deus com esse objetivo. A prova disso é a ressurreição histórica de Cristo, que salva o tempo e a história, e não que salva do tempo e da história.

 

Em contraste vivo e marcante com seus adversários de mentalidade espiritualista, Santo Inácio propõe um misticismo integralmente cristocêntrico, e mais exatamente sarcocêntrico – no qual apenas a carne e o sangue do Deus-Homem ressuscitado são a fonte da vida e da ressurreição para todos os homens e em todas as eras.

 

A natureza humana de Deus é a própria salvação, a saber:

·         a restauração da imortalidade naqueles que participam concretamente dela pelo amor desinteressado;

·         a justificação do homem pela destruição da morte e do diabo, acusador e carrasco da humanidade;

·         o dom de vencer o diabo, lutando pelo amor desinteressado de Deus e do próximo na carne de Cristo.

Esse misticismo de Inácio, centrado em Cristo e em Sua carne, não representa um luxo doutrinal, simplesmente bom para os mais entusiastas, mas, ao contrário, ele é de absoluta necessidade para a salvação, e constitui a própria base de sua eclesiologia, que é do Novo Testamento e da Igreja Primitiva.

 

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3.       A IGREJA E A EUCARISTIA

 

O homem é salvo pela comunhão com a vida divina da natureza humana de Cristo, que se obtém pelo amor ao próximo; pois “onde existem divisões e ódios, Deus não habita”. “Quem não ama seu irmão permanece na morte (...)  E esse é Seu mandamento: que creiamos no nome de Seu Filho Jesus Cristo, e que amemos uns aos outros, segundo o mandamento que Ele nos deu. Quem guarda Seus mandamentos permanece em Deus, e Deus nele; e sabemos que Ele habita em nós pelo Espírito que Ele nos deu[20]”. É por isso que é preciso “fugir das divisões, a fonte de todos os males”. “Irmãos, não se percam. Quem seguir o iniciador de um cisma na Igreja não herdará o Reino de Deus”.

 

A participação no amor de Deus na união mútua, que permite realmente comungar da vida divina, pode se enfraquecer, talvez até desaparecer, se o homem não permanece em guarda nos caminhos de Satanás. “Fujam dos artifícios e das armadilhas pérfidas do príncipe desse mundo, para que lhes suceda, oprimidos por sua vontade, enfraquecer no amor entre vocês”. “Não se deixem jamais inebriar pelo odor pestilento dos ensinamentos do príncipe desse mundo; cuidem, para que ele não os arraste cativos para longe do caminhos que lhes foi oferecido”. “São numerosos os lobos [os heréticos que agarram os mais fracos e os arrastam para fora da Igreja] que parecem dignos de fé, mas que, pelas atrações de um prazer pernicioso, arrebatam aqueles que corriam em direção a Deus; mas se vocês estiverem unidos, eles não encontrarão lugar aí”.

 

A unidade mútua dos cristãos no amor de Cristo impede a vitória de Satanás, porque o amor é o Sangue de Cristo e a vida eterna, por meio dos quais o diabo é destruído.

 

“Tratem pois de se reunir com frequência, para dar graças a Deus e manifestar Seu louvor. Quando vocês se reúnem frequentemente no mesmo lugar (epi to auto), as forças de Satanás são destruídas e seu poder destruidor se faz em pedaços sob a unanimidade de sua fé”. “Que ninguém se engane: se alguém não está no interior do altar (lugar do sacrifício), ele está privado do pão de Deus (...) Portanto, aquele que não se coloca no lugar designado (epi to auto), já manifestou seu orgulho e condenou a si mesmo”. Quem está no interior do altar é puro; ao contrário, quem está no exterior não é puro”.

 

A Igreja visível – para Inácio, a Igreja visível e a Igreja invisível constituem uma só e mesma realidade – se compõe dos fiéis batizados que travam uma guerra intensa contra Satanás e contra as consequências de seu poder enraizado na morte; e eles a sustentam graças à unidade de seu amor mútuo ancorado na natureza humana e vivificadora de Cristo; enfim, eles manifestam essa unidade e seu amor na Eucaristia concreta, fonte de sua vida e de sua salvação. Em outros termos, a Igreja possui dois aspectos. Um aspecto positivo – o amor, a unidade, e a comunhão de imortalidade dos fiéis entre si e com os santos em Cristo; e um aspecto negativo – a guerra travada contra Satanás e seus poderes, já vencidos na carne de Cristo por aqueles que vivem em Cristo para além da morte e que esperam a segunda e universal ressurreição, a vitória total e definitiva de Deus sobre Satanás. A cristologia é o aspecto positivo da Igreja, mas ela está condicionada pela demonologia bíblica que é preciso considerar como sendo a chave de sua correta compreensão, e o fato negativo, do qual dependem a cristologia e a eclesiologia – que são ininteligíveis sem um conhecimento exato do trabalho e dos métodos de Satanás. “É com esse objetivo que o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do diabo[21]”.

 

Resulta daí que o batismo não constitui uma garantia mágica contra a possibilidade de recair escravo do diabo e de ser por isso excluído do Corpo de Cristo[22]. “Não sejamos demasiado confiantes, sob pretexto de que uma vez nos tornamos membros desse Corpo”, diz São João Crisóstomo[23].

 

O amor desinteressado, que é condição sine qua non para a salvação, não é algo que se possa adquirir por uma simples decisão intelectual; nem por uma inclinação sentimental por uma ideia do bem geral;. nem pela convicção psicológica de que, doravante, tendo recebido uma graça irresistível, estejamos predestinados à salvação. Ao contrário, o verdadeiro amor não utilitário e desinteressado não tem como se formar entre os fiéis senão graças ao poder da glória incriada de Deus e por um intenso esforço de abnegação na ascese espiritual e na guerra total contra Satanás.

 

Do lado de cá da morte, o Corpo de Cristo é a Igreja da Páscoa (ou Passagem), que continuamente atravessa o Mar Vermelho, escapando das forças do Faraó (o diabo), pela sua participação na morte e na ressurreição epi to auto de Cristo. A cada Eucaristia, o novo povo eleito, a Nova Sião, se reúne triunfalmente ao longo do Mar Vermelho, na margem oposta à do Faraó, e glorifica a Deus pela salvação concedida, à espera da vitória final. Na difícil e perigosa rota para a Terra Prometida, de domingo em domingo e de dia em dia, cada um pode cair nas garras de Satanás e ser cortado do Corpo de Cristo. A cada reunião epi to auto, por intermédio de cada Eucaristia celebrada, o Corpo de Cristo, a Igreja que fica do lado de cá da morte, vai aos poucos se constituindo – o Verbo feito carne se forma progressivamente nos fiéis pelo Espírito Santo, e assim a Igreja, embora já sendo o Corpo de Cristo, nunca deixa de se tornar uma vez mais o que ela é.

 

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4.       A COMUNIDADE ECLESIAL

 

 

Sendo a Eucaristia, para Inácio, não apenas o centro onde se expressa e desabrocha o amor encarnado, que se concretiza da imortalidade, como ainda a arma que assegura a derrota contínua do demônio, fica claro que a liturgia concreta será o eixo da fé atuante. A participação nessa liturgia é o único indício certo de uma comunhão ininterrupta com Deus e com o próximo, para a salvação.

 

A unidade do amor desinteressado em Cristo, amor de uns pelos outros e de todos os santos, constitui um fim em si – não um meio com vistas a outro fim. Qualquer outro motivo utilitário ou eudemônico, fora do amor incondicional e desinteressado de Deus e do próximo em Cristo, implica a submissão aos poderes de Satanás: “... não amem senão a Deus”.

 

Se tomarmos a vida eucarística do amor desinteressado como um fim em si e uma condição única de pertencimento permanente à Igreja, compreenderemos que as relações entre as comunidades jamais são de superioridade e inferioridade. Nenhuma comunidade pode constituir parte de outra, pois a plenitude de Cristo se encontra na própria Eucaristia, que é o único centro possível, ponto culminante e finalização da via de unidade e amor: “onde estiver Jesus Cristo, ali estará a Igreja católica”.

 

O diabo não pode ser destruído por uma ideia abstrata de unidade e de amor. Ele só pode ser derrotado localmente, pela unidade de fé e de amor existente entre o povo real dos fiéis que vivem sua vida em Cristo. Uma federação abstrata de comunidades, na qual cada corpo seria membro de um corpo maior, reduziria a Eucaristia a um papel secundário, e tornaria possível a ideia herética de que existe um modo de pertencer ao Corpo de Cristo mais alto e mais profundo do que a vida concreta de amor praticada hic et nunc entre seres reais; se fosse assim, o sentido da encarnação de Deus e da destruição de Satanás, tendo acontecido num lugar determinado, numa determinada época da história, seria reduzido a nada. Cada indivíduo se torna um membro do Corpo de Cristo. espiritual e fisicam3ente, numa certa época e num dado lugar, na presença dos fiéis junto dos quais ele vai se tornar um. Aqueles que partilham do mesmo pão constituem um só corpo[24]. Essa partilha não é algo que existe “em geral”, mas apenas localmente.

 

Existem numerosos centros litúrgicos, cada qual partilhando de um pão, mas totalizando entre eles inúmeros pães. Entretanto, não existem diversos Corpos de Cristo, mas um só. Sendo assim, cada comunidade, possuindo a plenitude da vida eucarística, está ligada às demais comunidades, não por sua participação comum em uma entidade superior à vida eucarística local, mas por sua existência idêntica em Cristo. “Onde estiver Jesus Cristo, ali estará a Igreja católica”.

 

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5.       O CLERO

 

As três ordens do clero “foram estabelecidas segundo o pensamento de Cristo. de Sua própria vontade, Ele as assegurou em certeza, por intermédio de Seu Espírito Santo”.

 

Sendo a Santa Eucaristia a “medicina da imortalidade”, segue-se que a unidade com os depositários dos mistérios, a quem foram com fiados o rito litúrgico correto e o ensinamento justo de todos esses mistérios, constitui uma condição indispensável para a salvação. “Mantenham-se unidos ao seu Bispo e a todos os que os presidem, a fim de formar uma imagem e um ensinamento de imortalidade”. Todas as coisas que se relacionam com a Igreja devem ser feitas em um só corpo com o Bispo, os Padres e os Diáconos., porque a via de unidade epi to auto (no mesmo lugar) está centrada neles. A unidade com o Bispo é a imagem da unidade da Igreja com Cristo e de Cristo com o Pai. A submissão ao Bispo é o ícone da submissão a Deus, a Cristo, e de uns em relação aos outros.

 

Existe no pensamento de Inácio uma correlação indissolúvel entre o Bispo e a Eucaristia. A unidade com o Bispo e a unidade recíproca entre os fiéis diante do pão único do altar não são senão uma só e mesma realidade. Existe uma única carne de Cristo, uma taça, um altar, e também um só Bispo. “Vigiem para ter uma só Eucaristia – pois existe apenas uma carne de nosso Senhor Jesus Cristo, e um só cálice na unidade de seu Sangue, e um só altar, assim como há um único Bispo, juntamente com o Presbitério e os Diáconos, meus companheiros de serviço – de tal modo a que “seja lá o que vocês façam”, o façam segundo Deus”.

 

A liturgia é uma prerrogativa do ofício de Bispo, sob cuja supervisão devem ser cumpridos os mistérios. “Que ninguém faça coisa alguma das coisas da Igreja em o Bispo. Não aceitem como legítima senão a liturgia celebrada pelo Bispo ou por alguém nomeado por ele”. Unicamente em casos de necessidade era a Eucaristia celebrada por um padre, como se deduz dessa passagem: Não é permitido celebrar um batismo ou dar um banquete (ágape) sem a presença do Bispo”. O princípio, segundo o qual mesmo um banquete requer a presença do Bispo, parece incompreensível e estranho, a menos que admitamos que, no pensamento e na experiência de Inácio, todo centro litúrgico exigia um Bispo, e que havia uma ligação absolutamente indispensável entre o Bispo e o centro litúrgico.

 

O que torna mais clara essa relação essencial que liga o episcopado a um só e único dentro eucarístico, é que Santo Inácio nos apresenta a unidade local dos cristãos em Cristo epi to auto como algo que manifesta de forma clara e visível, por sua unidade na pessoa, ou na função, de seu Bispo. A unidade no Bispo é uma imagem muito viva da unidade em Cristo. “É manifesto, para começar, que devemos olhar para o Bispo como o faríamos para o próprio Senhor”. “Cuidem de fazer todas as coisas em harmonia com Deus, sob a presidência do Bispo no lugar de Deus”. “Quando vocês estiverem submissos ao Bispo como a Jesus Cristo, parece-me que já não viverão à maneira dos homens, mas à maneira do próprio Jesus Cristo”. “Reverenciem a todos os Bispos, como a Jesus Cristo”. “Onde estiver o pastor, a ele seguirão as ovelhas”. “Onde estiver Cristo, aí estará a Igreja católica”.

 

Santo Inácio extrai sua concepção do Bispo como imagem de Jesus Cristo da prática litúrgica da Igreja. Ele jamais vê os padres como ícones de Cristo, nem como tomando o lugar de Deus, o que não teria deixado de acontecer, se eles houvesse sido – nas comunidades privadas de Bispo – os administradores oficiais e habituais dos mistérios e o centro da vida local em Cristo epi to auto. Ao contrário, ele se refere sempre aos padres – no plural – ou ao presbitério em conjunto, como se eles ocupassem o lugar dos Apóstolos, como se desempenhassem o papel de um “conselho de Deus”. Seria absurdo que Inácio pudesse comparar a presença da Igreja católica em Cristo à presença do povo no Bispo, se cada comunidade local não contasse com um Bispo. Será possível que ele tenha podido acreditar que Cristo não estaria presente em toda Sua glória na Eucaristia, quando celebrada por um padre? É pouco concebível, porque ele lembra sem cessar que “onde estiver Cristo, aí estará a Igreja católica”.

 

Segundo Inácio, não é o Bispo – enquanto indivíduo possuidor de uma espécie de poder mágico – que salva os fiéis. A Igreja, como Corpo de Cristo, possui o próprio Deus, que opera a salvação em Cristo por intermédio de Seu Espírito Santo nos mistérios concretos. Essa é a teologia da epiclese: pela invocação do Espírito Santo sobre ela, a comunidade é, sem cessar, revivificada e justificada, na via do amor, nascida da carne de Cristo; por ela também o diabo é constantemente julgado como falso acusador, e se vê destruído; por ela, enfim, o mundo é perpetuamente convencido do pecado, porque não possui a fé que o conduziria à comunidade da salvação, a qual vive essa vida de amor concreto em Cristo[25].

 

A graça salvífica de Deus é Sua própria energia incriada, pois somente Aquele que tem o poder de criar ex nihilo pode vivificar e, por isso mesmo, justificar o homem destruindo o diabo. Assim, o Bispo é a condição sine qua non da salvação, não como indivíduo, que seria uma espécie de intermediário mágico entre Deus e o homem, mas como o necessário centro da vida concreta em Cristo num único centro (epi to auto); é ele que, com todos os padres e diáconos, recebeu a missão de ministrar fiel e corretamente os mistérios e transmitir a verdadeira doutrina a seu respeito. Quando Inácio, falando do Bispo, do presbitério e do diaconato, observa que “fora deles, não existe Igreja”, ele quer dizer com isso que, sem eles, não existe comunidade local.

 

Dentro desse contexto, compreendemos que Santo Inácio afirma que “fazer qualquer coisa às escondidas do Bispo equivale a adorar o diabo”. “Fujam, já, das emanações malignas do fruto portador da morte, que mata quem o toca”.

 

O ALTAR E O Bispo são inseparáveis. Quem não estiver submetido a um Bispo está fora do altar (local do sacrifício). Quem está fora do altar não está submetido ao Bispo. “Que ninguém se engane: quem não está no interior do altar está privado do pão de Deus. Pois, se a prece de um ou dois possui tamanho poder, quão maior não possuirá a do Bispo e de toda a Igreja! Assim, aquele que não se reúne à Igreja manifesta seu orgulho e condena a si próprio (...) Por conseguinte, estejamos atentos para não nos opormos ao Bispo, a fim de permanecermos submisso a Deus”. “Uma carne (...) uma taça (...) um altar, e, da mesma forma, que haja um Bispo”.

 

O Bispo é de uma necessidade absoluta para a salvação e constitui um centro de unidade na vida mistagógica. Mas seu ministério não é independente do dos fiéis. Ele possui “o ministério que pertence à comunidade (ou ao povo), não por si mesmo, nem pelos homens, nem por vanglória, mas pelo amor de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo”. Quando uma comunidade envia delegados a uma outra, eles são todos eleitos por um conselho e não designados pelo Bispo. “Convém, ó bendito Policarpo abençoado por Deus, que nos reunamos num concilio agradável a Deus, e que elejamos alguém que tenha todo o seu amor”.

 

 

***

 

6.       OBSERVAÇÕES SOBRE A ORIGEM E A BASE DO EPISCOPADO

 

A ideia de que o Bispo é hoje o que foram antes os Apóstolos não se encontra nas Epístolas de Inácio. É significativo que ele sempre compara os padres aos Apóstolos.

 

Inácio distingue os Apóstolos dos Bispos. Os Apóstolos podiam governar todos os lugares, enquanto a jurisdição de um Bispo é restrita à sua comunidade. “Teria eu, uma vez autorizado a escrever a esse respeito, uma opinião tão alta de mim mesmo, a ponto de chegar – eu, o condenado – a comandá-los como se eu fosse um apóstolo?”. Se nos remetermos à versão longa: “eu não dou ordens como um Apóstolo”. E ainda: “Eu não lhes dou ordens como Pedro e Paulo o faziam. Eles eram Apóstolos, e eu sou um condenado; eles eram livres, e eu, até o presente, sou escravo”.

 

É evidente que Santo Inácio reflete aqui a atitude e o espírito de uma época que vivia ainda à sombra e com a lembrança dos grandes Apóstolos, mortos havia pouco, e na qual ninguém ousaria comparar o ofício de Bispo com o de um Apóstolo. Para Inácio, o Bispo é o centro litúrgico de um agrupamento local de fiéis que se reúnem no amor em um mesmo lugar, epi to auto. A Apóstolo, por sua vez, percorria o universo para fundar Igrejas. São Paulo escreve: “Cristo me enviou, não para batizar, mas para anunciar o Evangelho[26]”. E Inácio escreve: “Não se pode celebrar um batismo ou dar um banquete sem a presença do Bispo”.

 

É impossível compreender as origens do Episcopado comparando os Bispos com os Apóstolos, a fim de provar que entre eles não existe mais do que uma simples diferença de nomes. Bem ao contrário, se quisermos encontrar a origem e o fundamento do Episcopado, devemos nos reportar à prática da Igreja e à sua doutrina da vida litúrgica, estreitamente ligada com as doutrinas bíblicas sobre Cristo – a cristologia – e sobre os demônios – a demonologia. Somente quando captamos o sentido concreto da comunhão de imortalidade e de amor em Cristo epi to auto, como condição única da salvação, podemos compreender a vida e a doutrina da Igreja dos primeiros tempos.

 

Como os fiéis comungavam em cada Igreja, e sendo necessário se ocupar de diversos grupos de catecúmenos e de penitentes, parece evidente que a presença de padres e diáconos era indispensável para concelebrar com o Bispo e formar o conselho – ou sínodo – que o auxiliaria na regulamentação das penitências, na preparação dos catecúmenos e, de modo geral, no governo e na instrução da comunidade. O que distingue o clero da comunidade não é um poder individual de ministrar os mistérios, a título de corpo intermediário entre Deus e o homem: a comunidade inteira é o Corpo de Cristo dentro do qual Deus em pessoa opera diretamente a salvação por meio dos mistérios concretos. O traço distintivo do clero consiste em sua responsabilidade de proteger os comungantes, membros do Corpo de Cristo, da contaminação do demônio. Ele ordena como convém a recepção, pelo batismo, de novos membros da Igreja, ele protege a todo instante a vida de todo o corpo (da comunidade), mantendo afastado o espírito maligno da divisão e os motivos inconfessados do individualismo.

 

 

***

 

7.       FUNDAMENTO DA IGUALDADE ENTRE OS BISPOS

 

A razão básica da frequente afirmação, entre os Padres, sobre a igualdade entre os Bispos (ver, por exemplo, São Cipriano, Sententiae Epsicoparum, op. 1), se torna inteligível apenas se supusermos:

·         que a vida eucarística concreta, em sua manifestação local, constitui um fim em si;

·         que as comunidades individuais estão ligadas entre si por sua idêntica existência em Cristo;

·         que a plenitude de Cristo habita o conjunto dos fiéis que se reúnem na vida de Cristo epi to auto; e

·         que o Episcopado é indissociável dessa vida local epi to auto.

 

A ordem Episcopal não consistia numa entidade existente em si, por si só, acima ou ao lado da Igreja local. Ele estava perfeitamente incluído na Igreja; e, como a Igreja visível não podia se definir senão como Corpo de Cristo, manifestado localmente no mistério de sua vida, o Episcopado tinha também um caráter local muito claro. A presença de Bispos, mesmo nas menores e mais distantes vilas do Império, não pode ser explicada senão por essa necessidade de ter um Bispo e um conselho presbiteral presentes em cada centro eucarístico, e responsáveis por sua vida. Os Bispos eram iguais porque as comunidades eram iguais. Uma manifestação local do Corpo de Cristo não era mais nem menos do que qualquer outra. Da mesma forma, a imagem viva de Cristo – o Bispo – não poderia ser nem mais nem menos imagem do que outra imagem, porque Cristo, de quem todos os Bispos eram a imagem, é Um, Idêntico e Igual a Si mesmo.

 

As primeiras comunidades sem Bispo surgiram nas cidades nas quais a população cristã se tornara demasiado importante para continuar a se contentar com um único centro litúrgico. Enquanto na cidade de Alexandria os diversos centros litúrgicos tiveram inicialmente cada qual seu Bispo, notamos que em Roma foram colocados padres nos diferentes centros litúrgicos, embora eles não tivessem, originalmente, direito de celebrar a Eucaristia. Uma determinada porção dos Santos Dons, consagrada pelo Bispo, era enviada da liturgia episcopal aos fiéis reunidos em todos os centros secundários. Quando os padres vislumbraram a possibilidade de celebrar a liturgia, o Bispo de Roma teve que continuar a enviar alguns elementos consagrados ao longo de sua própria liturgia para misturá-los no cálice dos centros litúrgicos. Isso foi praticado em Roma até o século XIV, e só desapareceu depois de 1870. Assim, as Igrejas de Roma perderam rapidamente o significado da Eucaristia como fim em si. Elas impuseram a ideia de que o ofício de Bispo era uma entidade em si mesmo e que, de certa maneira, os elementos consagrados na liturgia episcopal tinham qualquer coisa a mais do que aqueles que eram utilizados na liturgia de um padre.

 

Sem dúvida, foi devido ao fato de que as primeiras comunidades das cidades recusaram, inicialmente, a fornecer Bispos para as novas comunidades, fundadas nas mesmas cidades, que se tornou normal ver Igrejas locais nas quais a liturgia era celebrada por padres. Enquanto essa prática foi regra nas grandes cidades, o Bispo da cidade possuiu uma autoridade bem maior do que o Bispo das vilas, que continuava a ser Bispo de uma única comunidade. Esse fenômeno, mais o fato de que o Bispo da cidade estava colocado numa posição muito influente, conduziu evidentemente à ideia de que ele seria, de certa forma, mais importante do que os Bispos das vilas. O Cânone 10 do Concílio de Antioquia declara: Ainda que tenham recebido a ordenação episcopal (...) é proibido a eles ousar ordenar padres ou diáconos sem o acordo do Bispo metropolita ao qual eles devem submeter sua vila”.

 

Na Igreja da África do Norte, no final do século IV, podíamos encontrar pequenas comunidades em vilarejos que só possuíam um bispo e um padre (Cânone 55 do Concílio de Cartago).

 

Entretanto, pouco a pouco, a concepção inaciana do Bispo como centro de uma vida eucarística local, a qual era um fim em si, se atenuou – e acabou por cair no completo esquecimento. O Episcopado se confundiu com a estrutura política do Império, as Igrejas das cidades estavam habituadas com as comunidades nas quais um simples padre celebrava os mistérios. É evidente que um Bispo de vila, privado de seu direito de ordenar seus próprios padres e diáconos, já não possuía mais importância efetiva do que um padre de Igreja da cidade. A partir daí, aos olhos dos Bispos citadinos, já não havia nenhuma razão para que as Igrejas das vilas tivessem que continuar a ter Bispos, uma vez que as comunidades urbanas funcionavam muto bem com padres. Daí veio essa decisão: “Não se deve estabelecer Bispos nas cidades pouco importantes, nem nas vilas, mas apenas itinerantes; quanto aos que já se encontram alocados, eles não devem fazer nada sem a autorização do Bispo da cidade” (Cânone 57 de Laodiceia). Observamos essa mentalidade característica no Cânone 6 do Concílio de Sérdica: “É proibido estabelecer, sem razão específica, um Bispo nas cidades ou vilas nas quais basta um padre. A fim de não diminuir a dignidade e a autoridade episcopais, um Bispo não é necessário nesses locais”.

 

***

 

8.       À GUISA DE CONCLUSÃO

 

A ECLESIOLOGIA DE Santo Inácio repousa harmoniosamente, e exclusivamente, sobre o ensinamento bíblico relativo à salvação e à sua apropriação. A carne e o sangue ressuscitados de Deus são a única fonte de imortalidade, da unidade mútua em Cristo, da faculdade de lutar pelo amor desinteressado e de vencer o demônio. A salvação não é uma operação mágica. O próprio Deus salva aqueles que se reúnem, num mesmo lugar, epi to auto, com seu clero, na vida do amor desinteressado.

 

A Igreja visível se compõe de todos aqueles que participam na continuidade da vida eucarística concreta. Essa vida de amor desinteressado por Deus e pelo próximo é um fim em si mesmo. As boas obras não têm objetivos utilitários, como num contrato de negócios divino-humano; ao contrário, elas são a expressão da luta pelo amor desinteressado, bem como uma poderosa arma contra Satanás.

 

Deus não tem necessidade de todas as obras de caridade realizadas pelo homem. É o homem que precisa fazer boas obras, orar e jejuar, pois esses são meios eficazes de permanecer vigilante e pronto a repelir os assaltos de Satanás, são exercícios espirituais que podem nos encaminhar para o amor desinteressado, dom da graça imerecida que coopera conosco.

 

A justificação apenas pela fé constitui um mito anti-bíblico[27], imbuído de magia sentimental e fundamentado sobre o falso pressuposto de que a salvação é, de modo primordial e essencial, um assunto interno da psicologia divina. Fora do caminho de unidade centrado na Eucaristia concreta, como fim em si, não existe Igreja, e só Deus sabe se sequer existe salvação. Onde não existe Igreja, manifestada localmente e em processo de formação por Deus epi to auto (num só e mesmo lugar), existe apenas o resto da humanidade empurrada para lá e para cá pelo príncipe deste mundo. “Eu não peço pelo mundo, mas por aqueles que Me destes[28]”.

 

Como tudo o que diz respeito à Igreja, o clero existe a fim de preservar e reforçar a unidade e o amor epi to auto na carne e no sangue de Cristo. “Conserva o seu posto com o maior cuidado possível (...) preserve a unidade, esse bem que nada supera”. A autoridade do clero se funda exclusivamente sobre os mistérios da unidade de Cristo e não sobre um poder mágico pessoal e imaginário. O clero, em si, não pode salvar. Somente a carne ressuscitada de Cristo salva, recebida na unidade e no amor desinteressado de uns pelos outros epi to auto. No interior da vida concreta dos mistérios, quem opera a salvação é Cristo e não a Igreja. Toda Igreja localmente manifestada está em processo de ser salva pelo Pai que enviou Seu Espírito para formar o Corpo de Cristo reunido epi to auto[29].

 

Nos Concílios ocorridos em Constantinopla em 1341 e 1351 a Igreja Ortodoxa condenou vigorosamente todas as interpretações mágicas da salvação, que concebem a graça ou a energia salvífica de Deus como algo criado, que se encontra estocado quantitativamente num pretenso “banco” da graça, e que é distribuído quantitativamente através dos atos sacramentais e das indulgências; contra todas essas coisas, ela sempre lembrou solenemente o ensinamento bíblico e patrístico segundo o qual o próprio Deus salva os homens diretamente por Sua própria energia incriada.

 

A base de toda a doutrina ortodoxa sobre a Trindade, a cristologia, a eclesiologia e a soteriologia está no fato de que Deus criou, sustenta e salva a criação, não por meios criados, mas por Sua própria graça ou energia vivificadora. Somente Deus pode ser a fonte e o sujeito de Suas energias criadas. As energias divinas não são nem a essência de Deus – Deus não é actus purus – porque isso implicaria que Deus age por essência e não por vontade (panteísmo), nem são hipostáticas (entidades individuais), porque isso reduziria Deus a ser, seja um mero agregado de ideias ao estilo do Deus platônico, seja uma fonte de emanações criadas, ao estilo do Deus neoplatônico – o que leva a confundir o Filho e o Espírito com essas emanações. Excelentes exemplos desse tipo de teorias sobre as energias divinas se encontram nas doutrinas dos heréticos refutadas por Santo Irineu.

 

As energias divinas não são criaturas, mas a glória criadora, vivificante, justificadora e incriada de Deus. O homem não pode nem manipular, nem distribuir essa graça, mas apenas tomar parte nessa luz incriada de Deus, através da vida concreta de amor desinteressado, na carne de Cristo, manifestada localmente e formada pelo próprio Deus, num povo real, epi to auto. Esse fato é extremamente claro no pensamento de Inácio. E ele retorna constantemente por toda tradição patrística oriental e ela veio à luz nas polêmicas anti-escolásticas do século XIV.

 

A partir daí, a posição da teologia ortodoxa moderna sobre a eclesiologia já não pode diferir dogmaticamente da de Santo Inácio de Antioquia. Infelizmente a doutrina tradicional da salvação e de sua apropriação foi consideravelmente velada, ao longo dos últimos séculos, pela invasão de uma multitude de pressupostos ocidentais e sobretudo latinos. Esses dogmas foram usados de forma desonesta, por oportunismo, tanto para combater o protestantismo, como para justificar o nacionalismo que representa uma forma de papismo, por estender os limites da Igreja para além dos mistérios concretos de modo a fazê-la englobar uma outra realidade.

 

Enquanto no século XIV um Nicolau Cabasilas podia dizer que “a Igreja é manifestada nos mistérios”, alguns ortodoxos modernos consideram a Igreja como um traço de seu caráter nacional e identificam suas fronteiras com as da nação; na prática, a Igreja se vê reduzida a uma espécie de instituição nacional. Pelo fato de que, nessa concepção, a Igreja possui um alcance mais vasto do que a vida concreta nos mistérios tomada como um fim em si mesma, e como ela se identifica mais ou menos com o caráter nacional, se tornou comum aceitar sem maiores críticas uma interpretação mágica e individualista do sacerdócio, que caracteriza as Igrejas romana e anglicana. A partir do momento em que as ordens sagradas, em especial o episcopado, são concebidas como não tendo mais do que frouxos laços, quase inexistentes, com a vida concreta do amor epi to auto, é natural atribuir ao clero poderes pessoais que o distinguem dos leigos. Essa concepção foi reforçada pela ideia estranha que todos os cristãos batizados seriam membros do Corpo de Cristo, mesmo indo raramente à igreja para comungar, sem o menor desejo de combater pelo amor desinteressado, nem de lutar contra o diabo epi to auto, ainda que tenham declarado solenemente um voto aquando de seu batismo.

 

Hoje, nessa época de discussões acadêmicas referentes à unidade cristã, quando vemos heterodoxos que buscam a verdade e parecem prestes a admitir os pecados teológicos de seus ancestrais, a ortodoxia deve trazer sua contribuição. Ela só poderá fazê-lo com a condição de renunciar a confundir sua própria natureza essencial com suas pretensões culturais, políticas e nacionais, para se concentrar sobre sua luta contra Satanás, epi to auto. A unidade cristã e a verdade dogmática não podem aparecer, a menos que saibamos profundamente quem é o diabo, quais são seus métodos e como ele pode ser destruído. A infalibilidade consiste no conhecimento do demônio e do modo como Deus operou sua destruição em Cristo, epi to auto, por intermédio do Espírito Santo. Todos os dogmas estão contidos na experiência eucarística, que é a pedra de toque de todas as heresias. “Nossa verdadeira opinião (doutrina) concorda com a Eucaristia, e por sua vez a Eucaristia confirma nossa verdadeira opinião (doutrina)”, diz Santo Irineu, em seu Contra as Heresias (IV, 18, 5). As doutrinas heréticas sobre a Trindade – como a cristologia, o pecado, a graça, os mistérios (sacramentos), a eclesiologia, mesmo a mariologia – são heresias precisamente porque invertem os pressupostos soteriológicos da vida eucarística e deformam o sentido da vida de amor concreto epi to auto, na carne ressuscitada de Cristo.

 

A carne ressuscitada e vivificadora de Deus é a âncora da fé e do amor desinteressado; ela é dada aos fiéis epi to auto pela graça do Espírito de Deus. Ne reunião eucarística, Deus nos concede participar de Sua energia vivificadora e incriada, pela carne de Cristo, e nos revela a verdade por meio de Seu Santo Espírito. “Quando Ele vier, o Espírito da Verdade”, Ele vos conduzirá em toda verdade (...) ele tomará aquilo que é Meu e o revelará a vós[30]”.

 

A verdade dogmática é uma verdade existencial sempre presente, manifestada pelo Espírito Santo em toda assembleia eucarística. A infalibilidade da Igreja, que se exprime nos Concílios Ecumênicos, está enraizada na via do amor epi to auto. A infalibilidade consiste numa experiência espiritual que não pode ser separada da vida nos mistérios, de amor desinteressado. Somente Deis é infalível e esse atributo é compartilhado pelo Corpo de Cristo direta e existencialmente nos mistérios concretos da unidade. Assim, os poderes da mentira e da divisão são destruídos pela própria ação de Deus que, por Seu Espírito, forma Seu Filho naqueles que creem com amor.

 

“Pois, quando vocês se reúnem frequentemente no mesmo lugar (epi to auto), as forças de Satanás são destruídas, e seu poder destruidor se quebra de encontro à unanimidade de sua fé”.

 

***



[1] Salvo indicação em contrário, todas as citações de Santo Inácio contidas nesse capítulo provêm de seus escritos Carta aos Efésios, aos Magnésios, aos Smirniotas, aos Trálios, aos Filadelfos, a Policarpo.

[2] Hebreus 2: 14-15.

[3] I Colossenses 15: 56.

[4] Romanos 5: 21.

[5] Romanos 8: 20-22.

[6] Romanos 8: 20-22; Hebreus 2: 14.

[7] Hebreus 2: 15.

[8] Hebreus 2: 14.

[9] I Coríntios 15: 17.

[10] Ibid, 15: 32.

[11] Ibid, 15: 18-19.

[12] Romanos 14: 7; 15: 1-3; I Coríntios 13: 5,13; 10: 24, 29-11: 1; 12: 25-26; 13: 1ss; II Coríntios 5: 14-15; Gálatas 5: 13 3 6: 1; Efésios 4: 2; I Timóteo 5: 11.

[13] Romanos 15: 3.

[14] II Coríntios 5: 15.

[15] Por aceitar o princípio pagão que faz da felicidade o objetivo do homem, Santo Agostinho é levado a uma interpretação utilitária do amor ao próximo. Este amor, segundo ele, é um meio de alcançar a felicidade, e não uma parte da luta pelo amor altruísta. (Cf. De Doctrina Christiana, I, 20).

[16] “Assim não seremos enganados por Satanás, cujas intenções não ignoramos” (II Coríntios 2: 11),

[17] Ezequiel 37: 12ss.

[18] I Timóteo 6: 16.

[19] É justamente por essa razão que os tomistas são obrigados a limitar a Trindade a relações reais, caso contrário Deus e a criação seriam consubstanciais. Sendo Deus, por hipótese, perfeitamente feliz em Si, e Ato Puro, Suas ações e relações quanto ao mundo, sendo distintas de Sua essência, não poderiam ser incriadas. Resulta daí que a graça santificante que Ele comunica teria que ser de natureza criada, e que o amor de Deus pelo mundo não poderia se exprimir diretamente, mas apenas por esse meio criado. Assim, o amor de Deus pela criatura não poderia ser uma energia incriada imediata. Isso acabaria no panteísmo. Deus não poderia amar o mundo senão na medida em que, por toda eternidade, Ele amasse os paradigmas da criação que pertencem à Sua essência.

[20] I João 3: 14 e 23-24.

[21] I João 3: 8.

[22] I Coríntios 5: 1-13; II Tessalonicenses 3: 6-14; II Timóteo 3: 5; Romanos 11: 21.

[23] Terceira Homilia sobre a Epístola aos Efésios, 4.

[24] I Coríntios 10: 17.

[25] João 16: 7-11.

[26] I Coríntios 1: 17

[27] Efésios 6: 11-17.

[28] João 17: 9.

[29] João 16: 7-11; I João 3: 23-24.

[30] João 16: 16.

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