O sofrimento é inevitável na vida. Toda religião tem que lidar com
isso. A máxima intensidade do sofrimento é a morte.
A atitude pré-cristã diante do sofrimento e da morte tentava
superá-los a partir de uma perspectiva exterior, e, numa certa medida, ela podia
ignorá-los, operando com uma resistência estoica e indiferente ao sofrimento,
afastando-os de si e considerando-os como algo externo, tanto quanto possível,
e não permitindo que penetrassem na vida interior. Tal foi a atitude dos
místicos hindus em relação ao sofrimento, assim como a dos estoicos.
No Cristianismo a atitude em relação ao sofrimento e a morte é
praticamente básica e definitiva.
O sofrimento é resultante do pecado. Também a morte resulta do pecado.
Fora do pecado, a morte seria uma transfiguração. O homem carrega o resultado
do pecado – e, necessariamente, o resultado do sofrimento. É impossível dizer
que Deus pune o homem fazendo-o sofrer; ao contrário, o mal é sua própria
punição, através das leis irreversíveis de sua lógica interna. Isso está
expresso da seguinte maneira, na epístola de Tiago: “Assim como o próprio Deus
não é tentado pelo mal, da mesma forma Ele não tenta ninguém”.
E também: “Abençoado é o homem que suporta a tentação”.
Deus não apenas não pude com o sofrimento, como ainda refina o poder do
sofrimento por Sua misericórdia. E a manifestação suprema da misericórdia
Divina é o sacrifício voluntário de Cristo pelos pecados do mundo, que
aconteceu para a sua redenção, para afastar o sofrimento inevitável e eterno. A
morte de Cristo na cruz, do Único sem pecado, constituiu o julgamento de Cristo
a partir da lógica inexorável do edifício do mundo. Somente Ele foi abandonado
pela misericórdia de Deus, a fim de que ninguém mais pudesse ser abandonado em
meio às murmurações. Submetido ao sofrimento e à morte, Ele constituiu-se como
um julgamento de condenação dessa lógica, tornando-a injusta em relação aos
homens em geral. Essa foi a história da vitória de Cristo sobre o sofrimento da
morte.
A morte foi derrotada em sua projeção eterna, mas ela permaneceu como
uma experiência na vida humana. Aqui, ela não apenas não foi negada, como ainda
o Evangelho insiste em falar sobre seu poder salvífico e purificador: “Entrem pela
porta estreita, porque é larga a porta e espaçoso o caminho que levam para a
perdição, e são muitos os que entram por ela! Como é estreita a porta e
apertado o caminho que levam para a vida, e são poucos os que a encontram”.
“Aquele que não tomar sua cruz e seguir atrás de Mim, não é digno de
Mim. Quem quiser salvar sua alma a perderá, e aquele que perder sua alma por
minha causa a salvará”.
E também: “Venham a mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso do
seu fardo, e eu lhes darei descanso. Carreguem a minha carga e aprendam comigo,
que sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para suas
vidas. Porque a minha carga é suave e o meu fardo é leve”.
Ao aprender a verdade de Cristo, o homem não se liberta do sofrimento.
O significado do sofrimento na vida do cristão é bem expressado pelo apóstolo
Paulo: “Para que eu não me inchasse de soberba por causa dessas revelações
extraordinárias, foi me dado um espinho na carne, um anjo de Satanás para me
espancar, a fim de que eu não me encha de soberba. Por esse motivo, três vezes
pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Ele, porém, me respondeu: ‘Para você
basta a minha graça, pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder’.
Portanto, com muito gosto, prefiro gabar-me de minhas fraquezas, para que a
força de Cristo habite em mim. E é por isso que eu me alegro nas fraquezas,
humilhações, necessidades, perseguições e angústias, por causa de Cristo. Pois
quando sou fraco, então é que sou forte”.
Gostaria de citar outro texto, que define a atitude apropriada do cristão
diante do sofrimento: “Jesus disse a eles: ‘Minha alma está numa tristeza de
morte. Fiquem aqui e vigiem comigo’. Jesus foi um pouco mais adiante,
prostrou-se com o rosto por terra, e rezou: ‘Meu Pai, se é possível, afaste-se
de mim este cálice. Contudo, não seja feito como eu quero, e sim como tu queres’”.
É dessa maneira que o Cristianismo ensina a transformação do
sofrimento no homem, através de sua aceitação, uma vez que Deus permite esse
sofrimento. É necessário relacionar-se com ele com humildade e sobriedade. É completamente
inaceitável exultar com o próprio sofrimento, orgulhar-se vaidosamente dele. E Deus
não ensina apenas com a dor, mas também com a alegria. A tristeza não é
preferível ao regozijo. “Aqueles que não comeram e não agradeceram a Deus,
enquanto outros comeram e agradeceram – a nisso ambos estão certos”.
O estaroste de Optina, Barsanulfo, disse: “Alguns jejuaram, mas outros
irmãos comeram, então não se gloriem disso. Em tudo existe apenas a cura da
alma. Alguns precisam jejuar, para que com esse tratamento obtenham a saúde,
enquanto que outros irmãos não necessitam desse remédio”. A humildade e a
sobriedade na aceitação do sofrimento, e mesmo da morte – que Deus dá e Deus
tira – essa é, indubitavelmente, a visão caraterística dos ascetas Ortodoxos.
Os Católicos têm uma atitude diferente diante do sofrimento. Existe aí
um culto do sofrimento. Santa Tereza deve sofrer ou morrer. Assim é que eles
contam os tapas que Cristo recebeu, anotam todos as ferramentas de tortura empregadas
pelos executores, e meditam sobre sua refinada crueldade.
Angele de Foligno disse: “Eu contemplei o Deus-homem, quando o
baixaram da cruz. Seu sangue estava espesso, fresco, vermelho, e escorria de
suas feridas abertas. Entre a carne dilacerada eu pude ver os nervos e os ossos
nus”. Na prece de Santa Gertrudes, temos: “ó Senhor misericordioso, marca com
Teu sangue os traços de Tuas sagradas feridas sobre meu coração, para que a
memória de Teus sofrimentos nele viva eternamente, para que eu possa sempre
sofrer Contigo. Pelo poder de Teu coração trespassado, trespassa o coração de
Gertrudes com as flechas de Teu amor”. Esse é o culto do sangue sagrado. Ainda
Angele de Foligno: “Eu não dormi. Cristo chamou-me e concedeu-me tocar com os
lábios Seu flanco ferido. Eu encostei ali meus lábios e bebi o sangue, e
naquele sangue ainda quente eu percebi que havia uma purificação”.
A partir desses estados mentais se desenvolve a sede pelos estigmas,
uma forma material de partilhar os sofrimentos de Cristo.
É difícil entender a correlação dessas atitudes sensoriais e exultantes
em relação aos sofrimentos de Cristo, diante de Sua carne e sangue, para
demonstrar a fé no mistério da Eucaristia.
Ao final, uma coisa exclui a outra. Ou bem existe uma comunhão genuína
do Corpo de Cristo, tal como a encontrou Angele de Foligno, que bebeu Seu
sangue – e então, para ela a Eucaristia se torna desnecessária – ou bem existe
nessa atitude uma tentadora distorção do mistério sacrificial de Cristo, que distorce
o significado autêntico da Eucaristia.
Em qualquer caso, essa emotividade especial dos santos Católicos
dificilmente seria concebível no Oriente Ortodoxo.
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