I
A distinção tradicional estabelecida entre as religiões “reveladas” e
as religiões “naturais” não é das mais profundas, ela não passa de exotérica.
Todas as religiões nas quais divisamos um lampejo do divino são reveladas. Onde
quer que o divino se manifeste, existe revelação e o divino se manifesta
igualmente nas religiões pagãs; e ele se revela pela natureza nas religiões da
natureza.
A antiga doutrina ensinada nos seminários, que tentava provar que Deus
não se revelara no mundo pré-cristão senão ao povo israelita, através da Antiga
Aliança, e que o paganismo estava mergulhado em total escuridão, não conhecendo
mais do que demônios, já não se sustenta hoje em dia. Toda a diversidade da
vida religiosa da humanidade não é outra coisa do q eu uma ascensão contínua em
direção à única revelação cristã. E quando os especialistas da história
científica das religiões se esforçam por demonstrar que o Cristianismo não é
original, que as religiões pagãs conheciam antes o deus sofredor (Osíris,
Adônis, Dionísio e outros), que o culto totêmico conhecia a eucaristia, a
comunhão com a carne e o sangue do animal, que podemos encontrar na religião
persa, na religião egípcia ou no orfismo a maior parte dos elementos do
Cristianismo, eles não compreendem o sentido daquilo que se revela aos seus
olhos. A revelação cristã é universal e tudo o que é análogo a ela nas demais
religiões não passa de uma parte de sua revelação. O Cristianismo não é uma
religião de mesma ordem que as outras; ele é, no dizer de Schleiermacher, a
religião das religiões. Pouco importa se no Cristianismo, visto naquilo que ele
tem de diferente, não existe nada original, fora a vinda do Cristo e sua
personalidade! Nessa particularidade original é que precisamente se realiza a
esperança de todas as outras religiões. As revelações anteriores não eram senão
uma antecipação, um pressentimento da revelação cristã.
O Egito estava
irresistivelmente orientado para a imortalidade e nos mistérios de Osíris a
morte e a Ressurreição de Cristo estavam prefigurados. Mas a Ressureição
ontologicamente real, só se realizou em Cristo; é por meio dele que a morte foi
vencida e que a vida eterna se tornou acessível. Na religião egípcia, havia uma
revelação do divino; o pressentimento e o símbolos estavam refletidos no mundo
natural. E o Cristianismo apareceu no mundo precisamente como a realização de
todos os pressentimentos e de todas as prefigurações.
Quando, por oposição às religiões reveladas, falamos de religiões
naturais, queremos dizer que nessas não existem manifestações dos outros
mundos, que nelas não nos são dados mais do que os estados humanamente
naturais: as ilusões do pensamento primitivo e da criação dos mitos, o reflexo
do medo e da opressão provocados pelas forças ameaçadoras da natureza, ou bem a
manifestação das forças da natureza não divina na consciência humana. Mas não
existe natureza totalmente desprovida de divino, e todo o mundo natural não é
mais do que o simbolismo dos outros mundos. A revelação da natureza não passa
de um estágio na revelação de Deus.
A distinção estabelecida entre as religiões da natureza e as do
espírito é mais profunda e mais justa. Essas religiões pertencem a estágios
diferentes da revelação no mundo. Sua diferença corresponde à diferença
fundamenta que existe entre o mundo natural e o mundo espiritual. Deus se
revela na natureza e no espírito, ele se revela ao homem, como ser natural e
espiritual. A revelação da divindade na natureza não passa do reflexo, da
projeção e da objetivação de um acontecimento que se realiza no mundo
espiritual, pois a revelação, por sua essência, é um evento da vida espiritual
e a religião é uma manifestação do espírito.
A religião é a revelação de Deus e da vida divina no homem e no mundo.
A vida religiosa consiste na obtenção, para o homem, do parentesco com Deus;
assim ele sai do seu estado de isolamento, de solidão, de afastamento dos
fundamentos da existência. Mas Deus tanto pode se revelar na vida religiosa,
como pode se ocultar. A revelação não elimina o mistério: ela revela sua
profundidade inefável. A revelação é o antípoda do pensamento racional; ela não
implica que Deus seja acessível à razão e ao conceito; é por isso que nela
sempre subsiste um mistério. A religião é a união paradoxal daquilo que é
revelado com aquilo que permanece oculto. Paralelamente ao exotérico, existe
sempre o esotérico. O exoterismo religioso busca a afirmação do finito, enquanto
que o esoterismo pressupõe sempre o infinito. A interpretação da revelação num
espírito de realismo e de naturalismo simplista constitui sempre um exoterismo,
no qual a profundidade da revelação é incapaz de se revelar. A revelação de
Deus não é um evento transcendente que se realizaria numa realidade objetiva e
natural, ela não é uma luz projetada desde o exterior. Ela é um evento que se
desenrola no mundo interior, uma luz que brota de uma profundidade abissal, um
fato da vida espiritual que não tem nenhuma relação com a percepção das
realidades exteriores.
A revelação não se dirige do objeto para o sujeito e, no entanto, sua
natureza não é de modo algum subjetiva. A oposição entre sujeito e objeto não é
exclusiva do fenômeno original da vida religiosa; ela desaparece na profundeza
da experiência espiritual. A interpretação objetivista, transcendente e
realista da revelação constitui um naturalismo que equivale a rejeitá-la e
lançá-la fora. A revelação não se realiza no mundo objetivo, tampouco no mundo
subjetivo e psíquico, que não passa de uma parte do mundo natural. A revelação
se realiza no espírito, ela consiste na integração do mundo espiritual no nosso
mundo, na nossa vida natural. Mas o mundo espiritual, no qual nasce a luz da
revelação, não é um mundo objetivo indeterminado em relação ao nosso mundo
subjetivo. Suas relações não podem ser identificadas com as que existem na
realidade natural e psíquica, pois elas não são acessíveis senão a uma forma de
pensamento simbólico.
Nos eventos da revelação, não existe distinção entre o que vem de fora
e o que surge de dentro, entre o que emana do objeto e o que procede do
sujeito; tudo é absorvido pela profundeza e não pode senão ser simbolizado
exteriormente. A revelação não pode ser concebida como algo unicamente
transcendente, ou como unicamente imanente, pois ela é a um só tempo imanente e
transcendente, ou antes, ela não é nem uma coisa nem outra, porque essa
distinção é secundária. É nas profundezas que o espírito de Deus se revela a
Moisés; esse último escuta uma voz que provém de uma distância inefável. Mas a
projeção e a objetivação naturalistas da revelação, seu reflexo na natureza do
velho Adão, nos fazem ouvir a voz de Deus percutindo sobre o Monte Sinai, como
se a luz da revelação viesse de fora.
Nos primeiros graus da consciência religiosa da humanidade, a
revelação era concebida sob o ângulo do naturalismo, como um acontecimento que
se desenrolava no mundo natural objetivo. O Pai se revelou na natureza objetiva
antes de se revelar pelo Filho nas profundezas do espírito. Ele se manifestou
antes de tudo como “força” e não como “verdade”. a força é uma categoria
natural, enquanto que a verdade é uma categoria espiritual. Foi somente no
Filho, em Cristo, que se revelou a natureza interior do Pai Celeste. Mas, para
o pensamento naturalista, ele personifica o mestre, o soberano, e os traços
dessa antiga concepção subsistem até hoje dentro do próprio Cristianismo. E, no
entanto, a revelação da trindade não é a de uma monarquia celeste, o que seria
uma heresia; ela é a revelação do amor celeste, do ecumenismo divino. no Filho
se revela um outro aspecto Pai, o de Deus que ignora o Filho. Não podemos
conhecer o Filho que anuncia a vontade do Pai, não podemos conhecer a Cristo
nos acontecimentos objetivos, naturais e históricos do Evangelho, a menos que
ele se revele nas profundezas do espírito, nos acontecimentos da experiência
espiritual; e o conhecimento de Cristo pelo espírito pressupõe a ação do
Espírito Santo. O mundo e o homem naturais deixam sua marca limitada e finita
na revelação do Espírito no espírito.
A refração no mundo limitado da natureza, na antiga natureza do homem,
cria os graus da revelação; as limitações da revelação geram o exoterismo. A
verdade absoluta e a luz se refratam no homem natural, e passam pelo meio
“obscuro” que torna a luz opaca. Todas as palavras que exprimem a verdade da
revelação são imperfeitas e inadequadas. O absoluto da revelação é limitado
pela relação recíproca entre sujeito e objeto, que reflete um determinado
estado do mundo espiritual, mas que não exprime o fenômeno primordial da
revelação. Deus é obrigado a se dissimular ao mundo natural. A luz divina teria
cegado o olhar natural, se se derramasse sobre ele com todo seu poder. O Homem
da Antiga Aliança não podia contemplar a Deus. A luz se difundia por graus, e
se enfraquecia pelo fato de que o homem não estava preparado para recebê-la.
O Deus da Antiga Aliança, Javé, não constituía a revelação divina em
sua natureza interior e secreta. Ele não passava de uma expressão exotérica da
Face divina, tal como a podia entrever a consciência israelita. A cólera do
deus bíblico não passava de um tema exotérico, uma réplica da cólera do povo
judeu. Deus Pai se revelou no Filho como amor infinito. O politeísmo pagão era
também uma revelação, mas a divindade se fraccionava na consciência pagã da
humanidade antiga. O monoteísmo não podia ser discernido, devido ao estado
interior da natureza humana. A vida esotérica de Deus não se revela senão
exotericamente na vida religiosa da humanidade natural.
E somente em um ponto do mundo se entreabriu a vida secreta, esotérica
da Trindade divina: ela apareceu no Filho, como Amor infinito, como o drama do
amor e da liberdade. Entretanto, mesmo esse mistério do Cristianismo
permaneceu, até um certo tempo, oprimido pela lei, devido a uma compreensão
exotérica que limitou o infinito com o finito. A revelação cristã absoluta
continua a agir num mundo natural relativo; ela é acolhida pelo homem natural e
recebe, em consequência, o selo de sua limitação. Mesmo no Cristianismo a luz
se difunde por graus e se refrata no meio obscuro que a recebe. É por isso que
o Cristianismo possui suas épocas, suas idades, seus graus hierárquicos. O
Cristianismo não pode ser contido por nenhum sistema jurídico, ele não pode ser
relacionado a uma simples doutrina. A constituição espiritual do homem é móvel,
dinâmica, e não se pode erigir em verdade última aquilo que não corresponde
senão a uma constituição espiritual de tipo médio, a uma consciência amarrada
ao finito. A submissão ao finito testemunha um “espírito burguês” na vida
religiosa.
A revelação espiritual interior precede, numa continuidade ideal que
não é necessariamente cronológica, a revelação exterior histórica. Não podemos
compreender e acolher as revelações religiosas que provêm do mundo histórico,
se não se realizar uma revelação nas profundezas do espírito, se a própria
historicidade não foi percebida como uma manifestação do espiritual. Todos os
acontecimentos, assim como as palavras e os gestos exteriores, permanecem
ininteligíveis para nós, a menos que se revelem por meio de palavras e
acontecimentos interiores, a menos que sejam decifrados nas profundezas do
espírito. Nada se revela para mim que não se revele em mim. Só faz sentido para
mim um acontecimento que se produza em mim. A revelação religiosa é um
acontecimento que tem lugar, não apenas para mim, mas também comigo; é uma
catástrofe interior, espiritual, que se realiza em mim; se eu não os viver,
então os acontecimentos de que estamos falando como sendo revelações de Deus
não terão para mim significado algum. Eu não posso decifrar o Evangelho senão à
luz de acontecimentos espirituais de minha experiência íntima. Fora desses
eventos interiores, o Evangelho não possui mais significado do que qualquer
outro acontecimento da história.
Podemos ir mais longe, e dizer que a história não pode ser
compreendida senão na sua experiencia espiritual, unicamente como reflexo das manifestações
do espírito. Se não atribuímos à história esse significado interior e
espiritual, ela se transforma numa matéria empírica desprovida de sentido e de
encadeamento. A revelação é sempre a revelação de um sentido, e esse sentido só
se encontra no espírito; não existe sentido nos eventos exteriores, a menos que
sejam decifrados pelo espírito. Eis porque a fé precede sempre espiritualmente
a autoridade. A interpretação da revelação que vê nela uma autoridade, é uma
forma de materialismo. Quando acolhemos os dogmas cristãos com nossa
consciência religiosa, estamos supondo que essa consciência, vale dizer o
espírito em sua vida interior, precede a revelação exterior dos dogmas.
Quando nos levantamos contra a liberdade de consciência, partindo da
necessidade objetiva da revelação, esquecemo-nos de que Deus não pode se
revelar senão a uma consciência religiosa, que o Espírito não se revela senão
ao espírito, que o Sentido não se revela senão ao sentido, que a revelação
pressupõe a iluminação interior. Deus não pode se revelar à matéria
impenetrável, ao objeto inanimado. A revelação é um processo bilateral e
teândrico, ela é o encontro de duas naturezas interiormente aparentadas, e,
para ser recebida, ela necessita de um meio favorável ao qual o divino não seja
estranho; pois uma natureza que não tivesse nada de divino não poderia
recebê-la. Não podemos conceber como sendo transcendentes as relações entre a
divindade que se revela e o homem que a percebe. Deus não pode se revelar ao
homem que não se coloca diante dele. A revelação pressupõe a presença da fé no
homem, em sua natureza elevada, que torna possível a comoção religiosa da
revelação, o nascimento de Deus no homem, o encontro do homem com Deus. Isso significa
que a revelação implica a imanência da divindade no espírito humano, no
espírito e não na alma. Na revelação, o transcendente se torna imanente. A negação
da natureza espiritual suprema no homem, daquela que o torna semelhante a Deus,
desemboca na negação da própria possibilidade da revelação, pois ela não teria onde
se manifestar. Deus não teria seu outro “ele mesmo”, ele seria solitário.
Os teólogos católicos afirmam que o homem só é um ser espiritual e
semelhante a Deus pela graça, e não por sua natureza; mas essa é uma
terminologia convencional, e essa distinção só existe sobre um plano exterior. O
homem foi criado à imagem de Deus, e à Sua semelhança. A revelação, enquanto
fenômeno do espírito, como evento interior, não pode ser compreendida a não ser
sob a luz da imanência espiritual, que afirma a imagem e a semelhança divinas
no homem. negar completamente a imanência e reconhecer a pura transcendência implica
cair no deísmo, vale dizer, na negação da relação interior existente entre Deus
e o homem. A pura transcendência constitui uma ruptura dualista entre o mundo
divino e o mundo humano, ela torna impossível o teandrismo. É por isso que é
necessário começar, em teologia e em filosofia, não por Deus, nem pelo homem,
mas pelo Deus-homem, pela natureza teândrica que domina essa oposição.
A revelação é de certo modo para o homem a restituição do espírito,
que permanecia fechado à sua consciência, aprisionado na natureza material. A revelação
é a profundeza do espírito que se abre, uma escavação que religa essa profundeza
à superficialidade da alma. Minha experiência religiosa pessoal é sempre
imanente. Só é transcendente aquilo que não foi vivido e experimentado por mim.
Semelhante transcendência não existe senão na experiência psíquica, pois na experiência
espiritual não existem limites intransponíveis entre a minha experiência e a
experiência do outro. Minha experiência espiritual é a mesma de São Paulo, e
acontece no mesmo e único modo espiritual, quaisquer que sejam as diferenças
que existem entre nós. A experiência mística, que é a forma suprema da
experiência espiritual, constitui uma vitória definitiva sobre a transcendência
e uma aquisição da imanência perfeita.
A afirmação do transcendente na consciência religiosa é uma forma de
objetivação naturalista, que limita a vida interior do espírito. O imanentismo
não caracteriza nossa consciência contemporânea; ao contrário, esta manifesta,
nas suas formas mais evidentes, uma tendência extremamente forte para o
transcendente; ela separa Deus do homem, isola esse último em si mesmo, cria
uma ruptura entre o espírito e a alma; ela se constitui num agnosticismo. O imanentismo
espiritual e místico não tem nenhuma relação com aquele da filosofia contemporânea
que afirma que o ser é imanente à consciência e que consiste num fenomenismo e
num positivismo.
Mas existe outro imanentismo no qual a consciência é imanente ao ser. O
sujeito conhecedor está mergulhado na vida infinita do espirito. Os limites da
consciência se afastam, a fronteira entre o espírito e a alma é abolida, os
dois mundos se penetram reciprocamente. O que se realiza no sujeito conhecedor,
em minha consciência, se realiza no ser e com ele, na profundeza da vida
espiritual. O transcendente não passa de uma parte do imanente, ele não é mais
do que um evento do caminho espiritual, não mais do que um desdobramento do
espirito oposto a si mesmo. Nesse desdobramento, a revelação aparece como sendo
transcendente e se objetiva. Mas, por sua natureza interior, ela é inteiramente
imanente ao espírito, ela constitui seu evento interior.
II
A revelação consiste numa transformação da consciência, numa
modificação de sua estrutura, na formação de novos órgãos orientados para um
outro mundo, ela é uma catástrofe da consciência. A revelação não é uma
evolução, mas uma revolução da consciência. Ela opera uma mudança nas relações
recíprocas entre o subconsciente (ou o supraconsciente) e o consciente; ela
insere a esfera do subconsciente (ou do supraconsciente) na consciência. Sob a
luz da revelação, os limites da consciência se desmancham; sua dureza se funde
sob o fogo da revelação. A consciência se eleva ao supraconsciente, ela se expande
e se aprofunda indefinidamente. A mônada psico-corporal isolada se entreabre, e
o espírito sonolento desperta. A revelação significa sempre um despertar do
espírito e se faz acompanhar de uma orientação da consciência para um outro
mundo. A compleição da consciência e a elaboração de seus órgãos são sempre determinadas
pelas diretrizes do espírito, pela vontade espiritual que elege e rejeita. Os limites
da consciência resultam do grau de experiência espiritual. Suas formas são
secundárias, não primitivas, e são determinadas pela contração e a expansão dos
mundos, segundo o que decidiu a vontade espiritual inicial. Aquilo que se
realiza na própria vida original determina a orientação da consciência,
abrindo-se a um mundo e se fechando ao outro.
O próprio fato da revelação e a possibilidade da experiência
religiosa, da penetração no outro mundo, não podem ser compreendidos senão com
a ajuda de uma consciência dinâmica. Porém, a maior parte das escolas
filosóficas e teológicas compreende estaticamente a natureza da consciência, e
teme o dinamismo. A consciência mediana, submetida à razão, confinada à ordem
natural da mônada psicofísica, não é irredutível, nem é a única possível. A
consciência pessoal não consiste na limitação do espírito pelo corpo, como
pensavam Hartmann, Drevs e outros. Os limites entre a consciência e o
inconsciente não aparecem como imutáveis, fixos e absolutamente estáticos. O ser
é anterior à consciência, e o que se produz nele modifica também a estrutura
dessa última. O Logos, o Sentido do mundo, é absoluto, enquanto que a
consciência está sujeita à mudança e é relativa em seus limites. O entendimento
da consciência racionalizada não pode se identificar com o Logos do mundo. A consciência
é ativa e dinâmica, porque o espírito que a criou é ativo e dinâmico. Na vida
original, na vontade espiritual, pode haver uma orientação para um mundo novo,
que irá elaborar novos órgãos para a consciência.
O positivismo, o materialismo, o naturalismo racionalista identificam
uma parte limitada da consciência com o ser integral. A consciência, depois de
estabelecer limites à receptividade do ser, se considera como refletindo esse
ser na sua totalidade. O kantismo, que representa uma forma do espírito mais
refinada d que o positivismo e o materialismo, se esforça por afirmar os
limites inabaláveis e imutáveis de uma consciência fundamentalmente estática,
que ele qualifica como transcendental. Essa já está irremediavelmente fechada. Para
ela, ou bem o ser se torna uma coisa em si (Dang an sich), ou bem ele
desaparece por completo. A experiência espiritual não pode ultrapassar os
limites da consciência transcendental, sem se evadir da esfera das formas
logicamente obrigatórias. Mas a consciência transcendental não é responsável
pela limitação na qual se encontra mergulhada a vida espiritual do homem; ela
não faz mais do que refletir o estado da vida, da experiência, da direção da vontade
original.
A consciência teológica, mesmo lutando contra a filosofia kantiana,
evolui em realidade na mesma esfera isolada e não reconhece a infinitude da experiência
espiritual, a possibilidade de um crescimento da consciência. A infinitude da
experiência espiritual e a possibilidade para a consciência de se elevar à
supraconsciência, não são reconhecidas senão pelos místicos. Os teólogos
oficiais reconduzem os mistérios da vida divina ao nível da consciência mediana,
vale dizer, da consciência transcendental universalmente imposta.
Mas seria um erro crer que o evolucionismo naturalista interpreta
dinamicamente a consciência. Ele não admite senão uma modificação e um desenvolvimento
dentro dos limites de suas formas fixas, submetidas à ordem natural. A evolução
do homem não se liberta do endurecimento, do estado estático da consciência. Esse
endurecimento, esse estado estático, garantem que tudo se realizará dentro dos
limites da ordem natural. A consciência imutável determina limites intangíveis
dessa ordem, ela garante com isso o caráter natural de toda evolução, de toda
modificação dentro do mundo. O evolucionismo naturalista se recusa a admitir
que os limites da consciência e do ser possam se expandir. Ele prevê
apriorística e definitivamente o que pode e o que não pode se realizar no ser, refletindo
sobre ele a natureza submetida à consciência normal. Nesse caminho, toda
evolução em direção a outros mundos se torna impossível por princípio.
Os teosofistas[1],
distinguindo-se dos evolucionistas de tipo naturalista, admitem que a consciência
pode evoluir, ou seja, ela pode se abrir a outros mundos. Essa noção do teosofismo
contém em si um elemento indiscutível de verdade, ainda que essa verdade não
tenha sido descoberta, mas apenas vulgarizada por ele. Podemos admitir uma modificação
da consciência individualmente isolada e a possibilidade de uma consciência cósmica
e de uma supraconsciência. A experiencia espiritual da humanidade atesta a
existência de uma consciência cósmica, que possui órgãos diferentes daqueles da
consciência individual.
O empirismo habitual é também tão pouco dinâmico em seu ponto de vista
sobre a consciência quanto o evolucionismo habitual. Ele coloca a priori
limites à experiência e distingue o que é possível ou o que é impossível nela.
Seus limites não são determinados pela própria experiência, que possui uma
natureza infinita, mas pela consciência racionalista. O empirismo possui um
caráter nitidamente racionalista e não admite senão uma experiência racional; a
experiência, ilimitada em suas possibilidades, é inacessível para ele. Ele ignora
a experiência que mergulha no mundo espiritual infinito, e não conhece outra
coisa que a experiência psíquica e sensível, orientada para o mundo natural e
limitada pela consciência racional. O empirismo, assim como o evolucionismo,
considera a organização da consciência de um ponto de vista estático; seus
sistemas são caracterizados pela convicção de que os limites do ser correspondem
aos limites da consciência fixa; eles evoluem, como no racionalismo, dentro de
um círculo vicioso[2]. Somente
o empirismo místico admite a possibilidade da plenitude e da infinitude da
experiência e nos reconduz à vida original. Mas ele não possui quase nada em comum
com o empirismo predominante, que nega toda possibilidade de comunicação entre
os dois mundos.
O racionalismo, o idealismo transcendental, o empirismo, o
evolucionismo, o positivismo teológico, são tendências nas quais se manifesta o
caráter opressor da consciência estática. Eles não admitem que a consciência
possa se expandir, que ela possa se abrir para a vida cósmica e a vida divina;
eles negam a possibilidade da experiência espiritual, aquela da vida original. Trata-se
de diferentes expressões de um só e mesmo processo, de uma mesma via, o reflexo
de uma mesma experiência limitada. Daí nasce uma interpretação transcendente e
exterior da revelação, deita de um realismo simplista e naturalista.
A concepção dinâmica admite a existência de diferentes graus para a
consciência. A revelação indica aí precisamente um novo grau, uma modificação
dinâmica de sua extensão. A consciência não é determinada pela realidade de um
modo passivo; ela está ativamente dirigida para uma realidade ou para a outra. Às
diferentes orientações da consciência correspondem diversas realidades. Zimmel
explica bem porque elas são múltiplas: a ciência cria a sua, a arte e a
religião possuem as suas. Essa teoria se reveste, em Zimmel, de um caráter
relativista, mas ela conserva sua força independentemente de todo relativismo. Nós
evoluímos em mundos diferentes e dependemos de orientações escolhidas por nossa
vontade espiritual. O mundo da experiencia cotidiana é criado pela orientação ativa
de nossa consciência, pela escolha de uma coisa e a rejeição de outra; ele não
pode pretender uma realidade superior à de outros mundos.
A consciência média é determinada por seu encadeamento à realidade
habitual, por sua incapacidade de se concentrar sobre outra realidade, de se
voltar para um outro mundo. O universo religioso é criado por outra aspiração
do espírito, por outra eleição da vontade; podemos dizer aqui que a consciência
se liga ao objeto do qual ela se desviava habitualmente e que ela rejeita o
objeto sobre o qual estava concentrada. A compleição da consciência implica
sempre uma seleção, ela é determinada pela realidade à qual aspira, ela obtém o
que ela deseja, ela é cega e surda para as coisas contra as quais se volta.
Nossa consciência se abre a determinados modos, elaborando um órgão
receptivo correspondente; ela também se fecha a mundos inteiros, dos qu8ais ela
se protege por meio de muralhas. Estamos sempre cercados por um mundo que tememos,
sendo incapazes de manter sobre eles o olhar, e nos defendemos desse infinito
temível por meio de nossa surdez e cegueira. Tememos ficar cegos e surdos por
ele, e opomos a ele a limitação, o endurecimento e a inércia. É preciso que
caia fogo do céu para refundir nossa consciência paralisada.
É falsa a suposição largamente difundida de que a realidade em si é
acessível a uma consciência estática e passiva. O ser precede a consciência e
não a determina num sentido ingenuamente realista, que implica sempre a crença em
seu estado estático e passivo. O ser determina a consciência desde dentro e das
profundezas, não desde o exterior. Não se
trata dessa parcela limitada do ser se revelando à consciência restrita,
enquanto realidade objetiva por excelência, que precede a consciência, mas a
plenitude do ser, vale dizer a vida espiritual infinita. Essa plenitude não
pode ser recebida e percebida por uma consciência passiva e estática. Ela não
pode se abrir, enquanto vida espiritual, senão a própria vida espiritual, senão
à consciência orientada para essa vida, e que criou para si novos órgãos
receptivos; ela não pode se revelar senão à supraconsciência. A faculdade de
contemplação intuitiva constitui um órgão novo; ela não existe na consciência
normal, ela não se revela senão à atividade intensa do espírito.
É impossível considerar a
existência de uma realidade objetiva colocando-se do ponto de vista da consciência
estática e passiva, pois uma realidade desse gênero não existe em si mesma. A realidade
é a vida infinita, sempre ativa e dinâmica, e ela não pode se revelar senão a
uma vida que possua as mesmas propriedades. A realidade do mundo espiritual não
pode provir do exterior, ela não pode provir senão do interior, como uma vida
espiritual profunda. Eu mesmo devo descobrir a realidade do mundo espiritual, discerni-la
em minha vida, em minha experiência, e não esperar que ela me seja assinalada
desde fora. A experiência depende dos limites da consciência, e esses resultam
da atitude do espírito, vale dizer, de um processo que se realiza na própria
vida original. Mundos inteiros permanecem inacessíveis à nossa experiencia,
porque damos as costas a eles, porque o muro de nossa consciência nos separa deles,
porque escolhemos outro mundo, que é limitado. Para que esses mundos se
manifestem a nós, nossa consciência deve sofrer uma catástrofe, o fogo da lava
espiritual deve purificá-la.
A uma profundidade inefável do espírito, onde os limites estabelecidos
entre mim e o mundo espiritual desaparece, se desenrola um acontecimento que
sacode todo meu ser e transforma a estrutura de minha consciência. Nesse acontecimento,
que é o fenômeno original da vida religiosa, de dá o encontro de dois
movimentos: um que provém da vida divina e vem para mim, e outro que vai de mim
para a vida divina. A revelação é o fogo que sai do mundo divino, que abrasa
nossa alma, refunda nossa consciência, que varre seus limites. A revelação
emana no mundo divino e se dirige para o mundo humano, implicando nele um
movimento interior. Para sua percepção, ela pressupõe uma certa maturidade, uma
Sede e uma Fome espirituais no homem que, profundamente decepcionado pelo mundo
inferior, se põe em busca do mundo superior. A vida divina se revela por um movimento
bilateral, provindo simultaneamente de duas naturezas, por uma modificação da
natureza que pressupõe a ação da g raça divina e a da liberdade humana. O fenômeno
da revelação necessita do fenômeno da fé. A revelação é impossível sem o acontecimento
da experiência espiritual a que chamamos Fé, assim como a fé é impossível sem o
evento do mundo espiritual a que chamamos Revelação. A fé real e objetiva
pressupõe a revelação, o movimento proveniente do mundo divino, mas a revelação
não pode penetrar no mundo a não ser que ela seja acolhida pela fé, enquanto acontecimento
da vida espiritual do homem.
III
O fenômeno da fé na vida espiritual da humanidade pressupõe igualmente
um dinamismo da consciência, sua separação do mundo natural e seu retorno ao
outro mundo. Se, por um lado, podemos negar o objeto da fé, por outro é
impossível negar sua existência na vida interior do homem. e esse fato, que tem
uma imensa repercussão na história da humanidade, testifica que é possível uma modificação
da consciência humana. O fato de que o mundo religioso se abre e se cria por
uma determinada orientação de nosso espírito é igualmente tão inegável quando o
fato de o mundo “empírico” se abrir e se criar por uma orientação diferente do
espírito. A experiência religiosa não é inferior à experiência “empírica”. O mundo
“empírico” não pode pretender para si uma realidade particular. Os homens são obcecados por essa realidade “empírica”,
e sua orientação para as realidades de outro mundo necessita para eles um trabalho
de despertar desse sono hipnótico. A orientação da vontade humana criou uma
atração magnética insuperável para o mundo “empírico” endurecido, cuja
experiência é extremamente
limitada. O “mundo” consiste precisamente no endurecimento de uma certa
experiência.
Na base do fenômeno da fé reside o retorno, a orientação da vontade
primitiva, que se encontra em estado latente na vida original do espírito, para
uma outra direção, para um outro mundo, vale dizer, para uma extensão inédita
da experiência. A vontade primitiva elege e rejeita todo o tempo, ela escolhe
um mundo e recusa outros, ela transforma a extensão da experiência. Na origem
da fé repousa a vontade espiritual primitiva, não a vontade psíquica. A orientação
da consciência e a extensão da experiência não são determinadas na esfera
psíquica, mas na esfera espiritual. A fé não está dirigida para essa realidade
que constitui já o resultado do endurecimento e da submissão da experiência habitual
e indefinidamente reiterada. Ela não é uma obrigação imposta pela realidade. Ela
é, segundo a eterna definição de São Paulo, uma demonstração das coisas
invisíveis que não nos obriga a que as reconheçamos exteriormente. Ela está
sempre orientada para o mundo misterioso e escondido.
O conhecimento da realidade que se revela à consciência média é uma
demonstração das coisas visíveis. O mundo “empírico” que me rodeia, me obriga a
reconhecê-lo; ele penetra em mim à força e eu não posso me recusar a vê-lo. O mundo
das coisas visíveis, demonstradas pela experiência cotidiana, que são
conhecidas pela experiência científica, não me dá liberdade de escolha. A consequência
da escolha anterior foi uma obrigação de minha percepção e de meu conhecimento.
A fé é um ato de liberdade do espírito, ela é obra de uma eleição e de um amor
livres. Nenhuma realidade visível ou objetiva pode me obrigar ao ato da fé, que
é uma invocação do mundo espiritual, misteriosa e íntima, que se abre à
liberdade e se fecha à necessidade.
A percepção e o conhecimento do mundo natural “empírico”, do mundo das
coisas visíveis, não exigem uma transformação radical da consciência, eles não esperam
da vontade espiritual uma reeleição do mundo. Essa percepção e esse
conhecimento se realizam, não no primitivo, mas no secundário, eles se efetuam
na esfera determinada anteriormente pela vida original do espirito. A percepção
e o conhecimento da realidade palpável e visível, que nos cerca de todos os
lados, não exigem uma livre intensidade do espírito para estabelecer o objeto,
que é a própria realidade.
Devemos, por meio de uma livre atividade do espirito, nos separar do
mundo para nos dirigir a outro mundo. Devemos nos libertar da obsessão
massacrante do mundo das coisas visíveis, que vela aos nossos olhos o mundo das
coisas invisíveis. Quando ficamos confinados na consciência média fixada,
somente o mundo “empírico” nos aparece, enquanto que o mundo espiritual
permanece fechado. Nenhuma obrigação e nenhuma violência emanam do mundo
invisível e misterioso. Inacreditável é a possibilidade do ateísmo, desse
estado de consciência que nega a realidade de Deus, fonte de toda existência. Eu
não posso negar a realidade da mesa sobre a qual escrevo, nem da cadeira em que
me sento, mas posso negar a realidade de Deus. Mas, enquanto que o solipsismo
permanece sendo um jogo do espírito, o ateísmo acaba por determinar toda a vida
do homem. Deus não nos obriga, não nos constrange a reconhecê-lo, Ele está
orientado para a liberdade do espírito, ele não se revela senão à vida livre do
espírito.
“Bem-aventurados os que não viram, mas creram[3]”.
Essa felicidade é ignorada por aqueles que não conhecem mais do que o mundo
visível, que não creem senão no que são obrigados a crer. Mas bem-aventurados
são os que creram no mundo invisível, naquilo que não são forçados a crer. Nessa
liberdade de escolha, nessa liberdade de espírito reside o ato heroico da fé,
que pressupõe o mistério e que não pode existir sem ele. O conhecimento da
realidade visível está ao abrigo de todo perigo, ele está garantido pela força
da obrigação. A fé na realidade invisível e misteriosa comporta um risco: é
preciso aceitar atirar-se num abismo misterioso. A fé não conhece garantias
exteriores; falo da fé enquanto experiência original da vida do espírito. Não é
senão na esfera secundária, exotérica, da vida religiosa, que aparecem as garantias
e que se organiza uma necessidade geral da fé.
Exigir garantias e provas da fé equivale a não compreender sua
natureza, é negar o ato voluntário e heroico que ela inspira. Na experiência
religiosa autêntica e original, cujo testemunho nos foi legado pela história do
espírito humano, a fé nasce sem garantias, sem provas necessariamente
convincente, sem obrigação exterior, sem autoridade; ela nasce da fonte
interior; ela consente antes a loucura do que a sabedoria desse mundo; ela
aceita as maiores antinomias, os maiores paradoxos. A fé necessita do
sacrifício da razão inferior e é somente por meio desse sacrifício que se
adquire a razão superior, que o Logos, o sentido do Mundo, se revela.
“Se qualquer um dentre vós pensa ser sábio, segundo o século, que se
torne louco, a fim de se tornar sábio! Pois a sabedoria desse mundo é loucura diante
de Deus[4]”.
A “sabedoria desse mundo” está ligada à consciência média orientada para
o mundo das coisas visíveis. Essa consciência se funde outra vez no fogo da
experiência espiritual a que chamamos de fé, e o homem passa necessariamente
pela loucura.
O fenômeno da fé é muitas vezes descrito como um estado absolutamente
passivo do homem, como um silêncio e uma dormência da natureza humana, como a
ação exclusiva da graça divina. Encontramos essa interpretação do fenômeno da
fé em certas formas do protestantismo e da mística quietista, mas essa não é a verdade
última. É a descrição do fenômeno da fé na esfera psíquica, é o home psíquico,
natural, que se cala e adormece. Mas é além que reside dissimulada a grande
atividade criativa do homem espiritual. Na vida original do espírito a fé
pressupõe uma imensa atividade e uma intensidade criativa infinita. O homem psíquico
fica paralisado, abandona sua vontade natural. Mas o home espiritual interior
leva sua atividade, sua liberdade primitiva, ao máximo da intensidade. Um estado
exteriormente passivo frequentemente não passa da expressão de uma atividade
interior. A ação da graça divina pressupõe a ação da liberdade humana. Somente a
doutrina de Calvin sobre a predestinação nega com extremismo essa ação da
liberdade humana, esse fenômeno bilateral da fé. Nas profundezas do espírito,
nos rincões ocultos da vida e da experiência espirituais, existe sempre um
encontro e uma ação recíproca entre a natureza divina e a natureza humana. Ficar
obcecado por uma das naturezas, tanto pela natureza divina quanto pelo mundo
das coisas visíveis, equivale a permanecer fechado na esfera psíquica. Entretanto,
sua ação recíproca no mundo espiritual não implica a transcendência de uma
natureza em relação à outra. Essa transcendência exterior não existe no mundo
espiritual, ela é sempre exotérica e psíquica.
A fé é um ato de liberdade do espírito; sem liberdade não pode haver
fé. É por isso mesmo que a fé se distingue do conhecimento, mas esse pressupõe
sempre uma fé, vale dizer, uma intuição primitiva da realidade para a qual o
espírito de dirige, e que ele mesmo escolhe. Também nós acreditamos no mundo
natural empírico, no mundo das coisas visíveis, antes de tê-lo conhecido. O mundo
das coisas visíveis nos força e nos obriga a conhecê-lo, porque nós o elegemos,
porque a ele ligamos nosso destino. Nós nos separamos do mundo divino e nos
encontramos no mundo natural, que se tornou para nós o único visível e acessível,
o único que somos obrigados a reconhecer. Acreditamos por demais nesse mundo, e
é por isso que ele está completamente aberto para nós. Demos as costas ao mundo
divino e ele se fechou para nós, ele se tornou invisível. De certa forma,
perdemos nosso próprio espirito, e só conservamos a alma e o corpo; organizamos
nossa consciência conforme o mundo natural, criando órgãos receptivos para ele.
Esquecemos o espírito e deixamos de conhecê-lo, pois o semelhante só pode ser
conhecido pelo semelhante.
É pela fé, por uma livre eleição, que poderemos outra vez nos dirigir
ao mundo espiritual, ao mundo divino. Deus não se revela senão na experiência
da liberdade e do amor livre. Ele aguarda esse amor por parte do homem. a fé
procede das profundezas do subconsciente, ou da elevação do supraconsciente, e
ela revira todas as formas de consciência previamente estabelecidas. Graças a
essa experiência, uma nova possibilidade se oferece a nós, para que conheçamos
o mundo espiritual e divino. A gnose superior não é amarrada pela fé que, ao
contrário, lhe abre o caminho para a experiência; mas essa gnose não constitui
uma demonstração racional e lógica da existência do ser divino. tal demonstração
a identificaria com os objetos do mundo visível e natural que nos forçam a reconhecê-los.
Deus é Espírito e ele se revela na contemplação intuitiva do espírito. A gnose
é precisamente o conhecimento espiritual, baseado na contemplação viva do mundo
espiritual, totalmente diferente do mundo natural.
IV
A existência de uma obrigação lógica universal e a existência de
provas racionais são resultado de um certo grau de união espiritual, de uma
certa catolicidade das consciências. Quando, na fé religiosa, exige-se uma
demonstração logica, costuma-se estabelecê-la no nível mais baixo da união
espiritual. A necessidade científica, assim como a necessidade jurídica,
representa um grau inferior de união espiritual, ou, mais exatamente, a
desunião própria ao mundo natural. Somente os homens distanciados pelo espírito
e interiormente desunidos recorrem a provas cientificas e jurídicas para se
convencer mutuamente. A alguém que me é caro em espírito, a um amigo, eu não
tenho necessidade de provar certas coisas, nem tenho que obrigá-lo a crer
nelas, mas ambos vemos uma só e mesma verdade e nos unimos nessa verdade.
Mas, mesmo para o mundo natural desunido e dividido, deve haver uma
união na verdade, uma certa possibilidade de compreensão recíproca e de vida
comum. O que é lógica e cientificamente obrigatório, nas verdades que nos
orienta, no mundo natural e histórico, não constitui mais do que uma união reduzida,
ou, no mínimo, em seus começos. As verdades dos matemáticos, das ciências da
natureza e da história possuem um caráter comprovativo e obrigatório, porque
elas devem ser reconhecidas indiferentemente por homens de espírito oposto e
que estão totalmente desunidos interiormente. A união científica e lógica, no
domínio dessas verdades, não necessita mais do que uma forme elementar e
inferior de união. As leis lógicas, o ser ideal de Husserl, pertencem também ao
“mundo visível”, ao mundo universalmente obrigatório. O crente e o ateu, o
conservador e o revolucionário, estão igualmente obrigados a reconhecer as
verdades matemáticas, as da lógica e as da física. O mesmo podemos dizer da
necessidade jurídica.
Não existe necessidade de união, de catolicidade, de comunhão de
espírito para reconhecer um mínimo de direitos nas relações dos seres entre si.
Não há necessidade de comunhão espiritual no amor para reconhecer as verdades
gerais da ciência e do direito. Seu caráter obrigatório se adapta precisamente
a uma sociedade na qual os homens não se amam mutuamente, na qual são hostis
uns em relação aos outros, na qual eles não se encontram unidos em espírito. É preciso
apresentar provas aos inimigos, enquanto que nos unimos aos amigos na
contemplação e na realização da verdade única. A validade lógica necessária e
universal, e a necessidade de prova ligada a ela, possuem uma natureza social. Elas
oferecem o meio de reunir o mundo dividido, de manter a unidade por meio da
obrigação, preservando-a assim da cisão definitiva. A ciência positiva e o
direito positivo nasceram na atmosfera do mundo desagregado, e têm como missão
manter a unidade no ambiente de animosidade e de divisão que nele reina. A obrigação
de se submeter às verdades da ciência do direito jamais teria nascido numa
atmosfera de união espiritual e de amor, na qual o conhecimento consistiria na
contemplação ecumênica da verdade, e onde as relações entre os homens seria
determinada, não pelas normas jurídicas, mas pelo próprio amor, pela união no
espírito. Não haveria necessidade de provar seja lá o que for a seja lá quem
for, nem de obrigar algo a alguém, pois todo homem se encontraria entre seres
espiritualmente próximos, aparentados, e não entre estranhos e forasteiros.
Já as verdades de ordem moral ou os ensinamentos de caráter
filosófico, supõem um alto grau de união espiritual e possuem um aspecto menos
obrigatório do que as verdades matemáticas, as da ciência positiva ou dos
elementos do direito. A comunhão no conhecimento filosófico pressupõe um
parentesco espiritual maior do que a comunhão no conhecimento científico. No
conhecimento filosófico, aqueles que estão distantes e reciprocamente estranhos
não podem convencer uns aos outros, não podem se obrigar mutuamente a
reconhecer uma verdade única. Pois aqui é necessária uma unidade de intuição;
assim é que os platônicos de todas as eras constituem, de certa forma, uma só
sociedade espiritual na qual a contemplação do mundo das ideias é sempre
idêntica. Eles não podem provar a existência desse mundo aos que não fazem
parte de sua união espiritual. As verdades de ordem moral repousam sobre uma existência
espiritual comum, sobre a visão de uma verdade única, e é difícil as impor àqueles
que se acham fora da experiência de sua união espiritual. As verdades da
religião e da revelação pressupões um máximo de comunhão espiritual, seu grau último,
elas pressupõem uma catolicidade das consciências. Elas são pouco convincentes,
contestáveis e inúteis para aqueles que são estranhos e distantes, e que se
mantêm fora da associação espiritual. Fora dessa experiência espiritual, única
e comum, essas verdades são mortas.
Dar um sentido lógico e jurídico às verdades religiosas, não passa de
conferir a elas um valor social exotérico. É assim que o mundo espiritual se
rebaixa até o mundo natural e se adapta às formas de união desse mundo
dividido. O homem natural ainda precisa das necessidades lógicas e jurídicas,
ele identifica a vida religiosa à vida desse mundo, o Reino de Deus ao reino de
César. Mas no mundo espiritual trata-se de outra coisa. A doutrina da
autoridade como critério supremo da verdade, nasce da identificação da ordem do
outro mundo com a desse mundo, da necessidade de conservar ara ele uma base
intangível. A doutrina da autoridade talvez seja necessária para o homem
psíquico e o mundo natural, para certos estágios de sua evolução. Mas ele
reflete a fraqueza na fé, a insuficiência da experiência espiritual, a
incapacidade de contemplar a verdade e de ver a realidade.
Não pode haver critério de conhecimento de Deus fora dele próprio. O mesmo
acontece com a experiência espiritual, que não pode se apoiar senão sobre as
profundezas pessoais, a experiência espiritual é a um tempo individual e supraindividual,
ela não é jamais unicamente a “minha experiencia”. A busca de critérios transcendentais
resulta do isolamento do mundo psíquico. No fenômeno da fé, meu amor, minha
atividade, minha eleição, são dados e se unem misteriosamente à ação da graça
divina, do amor e do impulso divinos em relação a mim. A fé é a aquisição da
graça, que não conhece a necessidade no sentido lógico e jurídico do termo; ela
nos revela uma união de outra ordem, ela é o oposto do que é lógico e jurídico.
A teofania nos é dada, antes de tudo, na liberdade, e não na autoridade.
V
A revelação é adaptada à estrutura da consciência, proporcional aos
graus que ela atinge. Existem, portanto, graus na revelação. A efusão da luz
divina corresponde às transformações sofridas pela consciência, às diversas
tendências e às múltiplas eclosões do espírito. Nos graus da revelação, não
apenas o homem, como o próprio mundo se modifica, aparecem novas épocas na vida
original, na vida universal do espírito. A revelação da Antiga Aliança,
limitada à vida do povo israelita, correspondeu ao grau de consciência do povo
de Israel. A luz da revelação são se distribui senão proporcionalmente à
capacidade da consciência, ao grau de receptividade do homem natural para com o
mundo espiritual. Jacob Boehme dizia que o amor divino se refrata nos elementos
sombrios sob a forma de ira divina, de fogo devorador. O próprio Deus é Amor
absoluto na Trindade divina, mas pode ser concebido como a ira de um elemento
separado de Deus e desprovido de amor. A antiga imagem de Javé não passa de uma
revelação exotérica de Deus refratada no obscuro elemento natural.
Mesmo na revelação primitiva e naturalista da
Antiga Aliança, existem estágios; a revelação de Deus aos hebreus foi politeísta,
como aos povos pagãos. O monoteísmo é fruto de um desenvolvimento espiritual
mais tardio. A aparição da consciência monoteísta foi de certa forma pré-datada,
e somente mais tarde ela foi aplicada ao passado. Mas na revelação do Deus
único, existem diferentes estágios e graus. A revelação de Moisés representa
uma época histórica totalmente diferente da dos profetas. A consciência do Deus
único, como Deus nacional judeu, é completamente diferente da do Deus
universal, o Deus de todos os povos. E a consciência da Antiga Aliança passou
por um estágio de politeísmo pagão e de nacionalismo naturalista.
Uma profunda crise espiritual teve que se realizar nos profetas, a consciência
judaica teve que passar pelo individualismo, pela separação em relação à
religião nacional e racial, por processos espirituais que se refletiram no
livro de Jó e nos livros de Salomão, e, paralelamente ao enrijecimento da
religião da lei, apareceu uma intensa atmosfera apocalíptica. Sobre o terreno
do individualismo, na época helenística, nasceu um sentimento de universalismo,
a fim de que se criasse uma ambiência espiritual que permitisse à luz da Nova
Aliança resplandecer. Existe aí uma história da consciência extremamente
complexa, que reflete as lutas do espírito, o aprofundamento e o alargamento da
experiência espiritual. Não encontramos aí nada de estático, tudo aí é
dinâmico. O estágio superior da revelação compreende sempre a criação
espiritual do estágio precedente. A revelação pressupõe necessariamente
processos de desenvolvimento no mundo, ela implica um movimento dinâmico da
consciência.
Tais processos de evolução espiritual aconteceram igualmente no mundo
pagão. Ao modificar sua consciência, expandindo e aprofundando sua experiência,
também ele se preparou para receber a luz de Cristo. Nos grandes momentos
espirituais do paganismo helênico, no dionisismo, no Orfismo, nos mistérios, na
tragédia e na filosofia gregas, em Heráclito, Pitágoras, Platão, deu-se uma
vitória sobre o naturalismo pagão, a consciência se desenvolveu, o espírito se
revelou. O paganismo também conheceu penetrações do mundo espiritual, ele
também possuiu seus estágios da revelação de Deus. A sede de ressurreição entre
os egípcios, o dualismo da consciência religiosa entre os persas, a denúncia do
mal, da mentira, da inanidade do mundo natural pela consciência religiosa da
Índia, todas essas coisas constituem outros tantos momentos importantes na
história do espírito, no desenvolvimento da consciência, na revelação do divino
ao mundo.
Mas o próprio Cristianismo tem graus de elevação, idades e épocas; o
destino da Cristandade tem seus éons. A profundeza e a plenitude da verdade
cristã são refratadas pelas diversas estruturas de consciência e por diferentes
graus de espiritualidade. Existem idades do Cristianismo, não somente na vida
dos indivíduos, como também na história universal. Existem diferentes graus no
desenvolvimento da consciência e nas manifestações da espiritualidade, que não
são de modo algum resultado da aquisição individual da santidade. Existe uma
perfeição e uma santidade de espírito, uma perfeição e uma santidade da alma,
uma consciência esotérica e uma consciência exotérica. A verdade cristã se
revela num processo dinâmico e criativo, e esse processo permanece inacabado no
mundo, ele não pode se realizar antes do final dos tempos. A revelação da
verdade cristã na humanidade pressupõe uma eterna dinâmica da consciência, uma
eterna tensão criativa do espírito.
Mas a revelação da Nova Aliança permanece ainda oprimida pela natureza
do Velho Adão, por formas de consciência pagãs. O mundo espiritual não penetrou
definitivamente o mundo natural. O infinito permanece encravado no finito. O mistério
se revela exotericamente. É por isso que o Cristianismo frequentemente não
passa, no mundo, de um “pagano-Cristianismo”. A revelação bíblica e o processo
cosmogônico e antropogônico, que aí estão descritos de forma simbólica, são compreendidos
no espírito da Antiga Aliança. O Cristianismo, na sua maior parte, permanece
submetido à lei, ele se refrata no mundo natural como religião da lei e não
como religião da graça e da liberdade; ele adquiriu a forma da vida natural
desse mundo e de suas necessidades inelutáveis. O próprio mistério da graça foi
naturalizado, objetivado, racionalizado, assimilado à força que age no mundo
natural. É isso que aparece claramente na organização da teologia católica.
O Cristianismo passa, de certo modo, em seu desenvolvimento, por uma
fase na qual predomina a lei, ou seja, por um paganismo judaico. O espirito
profético é muitas vezes negado aí. O Cristianismo se transforma então num
sistema estático, fixo, em doutrinas teológicas, em cânones e numa organização
exterior. Nós nos representamos a Igreja como um edifício acabado, recoberto
por um domo. O infinito do mundo espiritual se fecha, a lei e o farisaísmo cristãos
começam a dominar. O dinamismo criativo da consciência provoca medo e opomos
limites a ele. os cristãos igrejeiros se assimilam muitas vezes aos
positivistas, por sua compreensão estática da consciência, que eles cercam com
muralhas intransponíveis.
VI
Os graus e as épocas da revelação não manifestam apenas uma transformação
da consciência e de suas capacidades receptivas, mas refletem também um
processo teogônico, divino. As épocas da revelação manifestam igualmente a vida
íntima da divindade, as relações interiores da Trindade. A vida misteriosa e
oculta de Deus se reflete em nosso mundo humano. Os momentos essenciais,
fundamentais, do desenvolvimento da consciência humana, ou seja, as épocas do
processo antropogônico, indicam também momentos interiores da vida divina. O homem
nasce na revelação; não apenas a natureza divina, mas também a natureza humana
se revela aí. Os graus da revelação designam também os graus de desenvolvimento
do homem.
A revelação é sempre de Deus e do homem, vale dizer, uma revelação teândrica.
Esse caráter da revelação encontra sua expressão definitiva no Cristianismo. Em
Cristo, Deus-homem, não apenas nos é dada a revelação de Deus, mas também a de
seu outro Si-mesmo, ou seja, do Homem. A Segunda Hipóstase da Santa Trindade é
o Homem Absoluto, e Sua revelação corresponde à aparição de um novo homem
espiritual, do homem eterno.
Mas esse novo homem espiritual ainda não está definitivamente
manifestado. Uma nova revelação é possível, em princípio, dentro do
Cristianismo. Contra essa possibilidade não é possível alegar objeção alguma. Só
se pode objetar uma coisa, a saber, que a nova revelação fará desaparecer a
antiga; mas, em realidade, ela não poderia ser outra coisa que não sua
continuação e sua realização. O processo criador no mundo deve seguir sua
marcha irresistível, pode toda detenção significaria para ele o adormecimento e
a extinção do espírito. A revelação é a vida, ela é um processo teândrico
dirigido para a infinitude do mundo espiritual, e não o ensinamento de verdades
abstratas e de fórmulas fixas. A consciência do homem é capaz de atingir o
infinito divino ou cósmico. Mas o homem se defende contra o poder desse
infinito, assim como contra o dos elementos naturais pelo isolamento de sua
consciência. No mundo pagão o homem estava mais aberto à vida interior da
natureza, aos mistérios do cosmos, do que no mundo cristão, onde o home
libertou seu espírito do poder dos elementos, impondo limites à sua
consciência. Mas se, numa dada época, existiu a necessidade de proteger o homem
do infinito cósmico, se graças a isso seu espírito pôde se libertar e se voltar
para Deus, também pode haver um momento em que o homem se arrisque a afirmar
seu isolamento e sua separação do mundo divino. o mundo natural se formou
inicialmente pela compreensão transcendente da revelação, e a seguir pela
negação dessa revelação. Mas atualmente a concepção naturalista do mundo passa
por uma crise e se produz assim um retorno ao mundo espiritual.
Entre o Oriente e o Ocidente existe uma diferença muito original. No Oriente,
na Índia, afirma-se uma grande mobilidade na organização da consciência humana
e o nascimento de uma consciência cósmica não parece tão inverossímil como no
Ocidente. O homem se vê, por isso mesmo, mergulhado no cosmo incomensurável. Ao
contrário, a cultura do Ocidente repousa sobre um dinamismo histórico intenso e
sobre a imutabilidade da consciência. A cultura do Oriente ignora o dinamismo
histórico, mas admite o da consciência humana, vale dizer, uma transformação
que lhe permite descobrir os mundos espirituais. Tal divergência não poderá
subsistir eternamente. No Ocidente o homem se formou com o molde de uma consciência
perfeitamente estável, que o protege do infinito cósmico e, ao mesmo tempo, sob
a pressão de um dinamismo da história que o empurra para o futuro.
Mas essa via conduziu a humanidade a uma crise. A revelação cristã,
que ultrapassa tudo o que havia no mundo, acabou por se petrificar, e às vezes
parece que todo espírito se separou do mundo cristão. É preciso que se crie um
mundo espiritual único, no qual o dinamismo da consciência e a aparição de uma consciência
cósmica não transformem o homem num joguete do infinito. A fé na revelação
cristã garante que o homem não está destinado a desaparecer. Quando a própria
revelação cristã for compreendida mais interiormente, de um modo mais esotérico
e místico, ter-se-á realizado um progresso na manifestação do homem espiritual
e isso corresponderá ao advento de um novo período do Cristianismo. A
verdadeira cultura intelectual, o conhecimento autêntico, colaborarão para o
advento dessa época. Existe uma cultura artificial sempre destrutiva, por causa
de suas consequências para a vida religiosa; e existe também uma luz autêntica
do conhecimento, uma iluminação real da consciência, um triunfo sobre esse
obscurantismo que retém o Cristianismo no degrau mais baixo, e que o submete às
superstições e aos preconceitos. A verdade da revelação deve libertar da morsa
que sujeita a consciência ao finito, e uma luz infinitamente mais radiante deve
jorrar do mundo espiritual.
[1]
Berdiaev se refere aqui ao Teosofismo, pseudo-religião inventada por Elena Blavatsky,
e não à Teosofia de Jacob Boehme. Ver Theosophy And
Anthroposophy in Russia, 1916.
[2]
Essa incapacidade de admitir uma modificação essencial da consciência se manifesta
nas análises sobre a religião dos povos não civilizados. Taylor e Fraser atribuem
aos selvagens as propriedades de sua própria consciência e de sua formação de espírito.
Lévy Bruhl, em seu livro Les fonctions mentales dans les sociétés
inferieures trata essa questão de modo bastante interessante.
[3]
João 20: 20.
[4] I
Coríntios 3: 18-19.
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