A
Religião do Espírito
Uma meditação
devota
O maior erro do qual é culpado o Cristianismo histórico se deveu à
noção limitada e desestimulante de que a revelação estava terminada e que nada
mais há a se esperar, que a estrutura da Igreja havia sido inteiramente
construída e o telhado colocado até a cumeeira. A controvérsia religiosa está
essencialmente ligada com a questão da possibilidade de uma nova revelação e de
uma nova era espiritual. Todas as outras questões são de importância
secundária. A nova revelação certamente não deve ser pensada como uma nova
religião distinta do Cristianismo, mas como a realização e o coroamento da
revelação Cristã, e o atingimento de seu verdadeiro ecumenismo. Esse ecumenismo
ainda não aconteceu. A revelação do Espírito não pode simplesmente ser aguardada;
ela depende também da atividade criativa do homem; ela não pode ser entendida
simplesmente como uma nova revelação de Deus ao homem; ela é também uma
revelação do homem a Deus. Isso implica que ela será uma revelação
divino-humana. A separação e a oposição entre o divino e o humano será superada
no Espírito, embora sua distinção se mantenha preservada. Esse é o ápice da dialética
mística do divino e do humano. É também o fim da objetificação, da projeção da
revelação no exterior, e do ingênuo realismo da concepção da revelação.
Na relação entre o homem e Deus é possível uma experiência espiritual
infinita. Podemos pensar que a religião do Espírito – e é exatamente disso que
estamos falando – seja uma nova forma de imanentismo. Mas as velhas
controvérsias sobre o imanentismo e o transcendentalismo devem ser vistas como
superadas. A própria maneira como a questão é colocada está inteiramente
equivocada, por ser abstrata e não dialética. Assim como não é possível romper
a ligação entre o divino e o humano, e afirmar um desses princípios
abstratamente, da mesma forma não se pode separar o transcendente do imanente,
e afirmar um deles em termos abstratos. A vida real consiste na interrelação
entre um e outro. O transcendente se torna imanente, e sem essa imanência ele é
abstrato e sem vida. Ele não passa da objetificação levada ao limite. Da mesma
forma, o imanente não pode ser considerado sem o transcendente. A vida imanente
demanda um processo transcendente. O puro imanentismo, que nega o
transcendente, equivale a girar num círculo sem saída. Quando o humano é visto
como divino, e se afirma a identidade entre os dois, a chamada vida real chega
ao fim, e seu caráter dramático deixa de existir. Quando o transcendente é
pensado exclusivamente como imanente, e deixam de existir o mistério
transcendente e o distante, o imanente se vê desprovido de vida e conteúdo. Com
base nisso, tudo o que as controvérsias de antes chamavam de imanentismo, está
hoje ultrapassado, e deve ser decididamente rejeitado.
O Espírito Santo é o principio de união entre Deus e a criatura, e é
Nele que o mistério da criação, um mistério que é antropológico e cosmológico,
deve se revelar. A religião do Espírito, que é também a religião da Trindade,
não será, afinal como a religião monista do espírito de Karl Eduard von
Hartmann, na qual, aliás, nada existe de Cristão. A chegada da nova era do
Espírito, na qual as mais altas conquistas da espiritualidade estarão
presentes, pressupõe uma mudança na consciência humana, e que ela receba uma
nova orientação. Trata-se de uma mudança revolucionária de consciência, que até
hoje foi concebida de maneira estática. Mitos, lendas, dogmas aparecerão sob
uma forma diferente de acordo com o grau de consciência, de acordo com a maior
ou menor extensão de imobilidade e endurecimento possível de ser ultrapassada.
A religião do Espírito será a religião do homem, quando ele estiver maduro; ela
deverá emergir desde a sua infância e juventude.
Podemos adivinhar alguns traços dessa religião eterna, que só é nova
na aparência, dessa religião Cristã e Trinitária, dessa religião livre da
escravidão e do mundo dos objetos. Na religião do Espírito, a religião da
liberdade, tudo deve aparecer sob uma nova luz. Não haverá autoridade, nem
retribuição; o pesadelo de uma concepção legalista doo Cristianismo, e de um
inferno que dura para sempre, finalmente desaparecerá. A base dessa religião
não será o julgamento num tribunal de retribuição, mas um desenvolvimento
criativo e uma transfiguração, uma assimilação a Deus. Uma nova antropologia se
revelará, e o significado religioso da criatividade será reconhecido. Será
reconhecida a liberdade, como sua base primária. A ideia de Deus deverá ser
purificada desse sociomorfismo servil. A ideia de Deus como suficiente em si
mesmo, enquanto um potentado que exerce o poder, ainda inclui relíquias de uma
idolatria que ainda não foi superada. Somente a concepção de Deus sofredor, que
anseia pelo Outro, e como sacrificado, pode submeter o ateísmo e a luta contra
Deus. Existe um paradoxo no conhecimento de Deus que deve ser encarado
corajosamente e colocado em palavras, a saber: a afirmação de Deus por todo o
meu ser implica que Deus existe; a liberdade humana cria Deus, e isso significa
que Deus é; minha criação de Deus é um ato de criação divino-humano.
Tudo isso conduz à reavaliação da ideia da Providência, uma questão
com a qual o ateísmo está mais estreitamente ligado. A religião do
Espírito é a expectativa de que se
revele uma nova comunhão da humanidade, um sentido de comunhão do espírito que
seja realmente humano, e que irradie amor e carinho. A religião do Espírito é
também a expectativa da revelação de uma nova relação entre o homem e o cosmo,
e uma expectativa de transfiguração do cosmo. O processo de desintegração do
cosmo, que se deve a uma relação puramente científica e técnica em relação a
ele, está chegando ao fim. Sua fase final consistirá na desintegração do átomo.
Tudo isso encontra suporte no tema da escatologia, numa visão ativa da
escatologia. Mas essas coisas de modo algum implicam uma visão otimista da
história. Já falei a respeito. A revelação da luz não significa a negação da
escuridão. Ao contrário, antes da era do Espírito, o homem deverá passar por um
espessamento das trevas, através de um período de noite escuríssima. Vivemos tempos trágicos na medida em que
testemunhamos o processo por meio do qual, como resultado das descobertas no domínio
da física, a natureza foi despojada de sua alma e foi devastada, e o cosmo, por
assim dizer, desapareceu. Marx e o materialismo histórico retiraram da história
sua alma e a devastaram também. Freud e a psicanálise fez a mesma coisa com a
própria alma humana. O fim da guerra e a revolução revelaram uma crueldade
incrível; a humanidade turvou-se e desfalece; o Criador parece se retirar de
Sua criação: Ele está presente apenas incógnito (uma expressão favorita de
Kierkegaard). Mas tudo isso pode ser entendido como um momento dialético na
revelação do Espírito e na nova vida espiritual. É preciso morrer para
recuperar a vida. A crucificação do homem e do mundo está diante de nós, mas a
última palavra pertence à Ressurreição.
Ainda não entramos na era do Espírito; estamos penetrando numa era de
trevas. Existiram precursores da nova revelação do Espírito por toda a extensão
da história do Cristianismo, e é o que está acontecendo agora. Sempre existiram
pessoas espirituais que viviam adiante de seu tempo. Os doutores Orientais
foram de grande importância para a interpretação do Cristianismo como uma
religião do Espírito, em especial Orígenes e São Gregório de Nissa, esse último
ainda mais do que o primeiro. Sua doutrina sobre o homem foi a mais exaltada na
história do pensamento Cristão, e sua espiritualidade antecipou toda a história
do misticismo Cristão. Longe dali o movimento religioso na Itália entre os
séculos XII e XIII, que representaram uma busca do Cristianismo pelo Espírito
Santo, foi de enorme importância. Suas figuras centrais foram São Francisco de
Assis, cujo caráter se aproximava do padrão da pessoa de Cristo, e Joachim de
Floris, que tinha premonições proféticas, embora essas fossem, às vezes,
expressas de forma ingênua. Nos movimentos religiosos populares aconteceram
também algumas coisas novas. A estrutura apocalíptica da mente surgiu na Europa
depois da Revolução Francesa e das Guerras Napoleônicas, embora através de uma
expressão muito confusa. O movimento místico Alemão que começou no século XIV,
representado por Eckhardt, Tauler e outros, foi ainda de grande importância para
essa mudança de consciência. Mas Jacob Boehme, e mais tarde Angelus Silesius
tiveram importância ainda maior.
A metafísica idealista alemã do começo do século XIX também constituiu
um evento marcante na história do espírito Europeu, na dialética do divino e do
humano; e, apesar da natureza errônea de sua tendência monística, ela preparou
o caminho que levou à possibilidade de uma nova consciência. O misticismo
Alemão como um todo, é claro, inclinava-se a ser hostil em relação ao pensamento
escatológico. Foi na Rússia que a aspiração escatológica, com sua expectativa
de uma nova era do Espírito, e sua crença na possibilidade de uma revelação
culminante, foi expressa com mais força. Se compararmos um dos maiores santos
Russos, São Serafim de Sarov, com um dos mais recentes santos do Catolicismo
Romano, Jean Baptiste Vianne, o Cura de Ars, somos impactados pelo fato de que em
São Serafim toda aspiração está dirigida exclusivamente no sentido da
ressurreição, da transfiguração de toda a criação no Espírito Santo, vale
dizer, em direção ao futuro. No Cura de Ars tudo se dirige para a Cruz, ou
seja, para o passado. A tendência apocalíptica e escatológica pode também ser
encontrada nos movimentos religiosos populares da Rússia e na busca da verdade
pela intelligentsia Russa, assim como nos momentos supremos do
pensamento religioso Russo. Aqui eu me permito meis uma vez mencionar nomes aos
quais já me referi várias vezes, em especial Dostoievsky, Soloviev e Fedorov, e
ainda um homem que permanecer à parte do pensamento Ortodoxo, esse caçador da
verdade, esse buscador de Deus: Leon Tolstoy. Os movimentos religiosos e filosóficos
que surgiram no começo do século XX possuem os mesmos matizes.
Mas um dos mais notáveis precursores da religião do Espírito foi
Cieszowsky, o filósofo do messianismo Polonês. Nele a concepção do Espírito
como o coroamento e a revelação completa se expressa mais claramente do que em
Soloviev. Seu pensamento se coloca fora da estrutura do Cristianismo histórico,
embora preserve uma ligação com a Igreja Católica Romana. A ligação com a Igreja
é da maior importância a esse respeito, por salvar o movimento pela nova
revelação do Espírito de adquirir um caráter sectário. E essa ligação se tornou
uma possibilidade para a própria Igreja Ortodoxa, pois ela contém mais
potencial do que o Catolicismo Romano. No Catolicismo Romano, Léon Bloy segue
sendo o grande homem do Apocalipse. Nele existe um grande elemento profético. Mas
nesse estupendo escritor, como em muitos outros, as premonições proféticas se
misturam com sobrevivências das velhas ideias da monarquia sacrossanta, com o
culto a Napoleão e coisas assim. Pessoas como Kierkegaard tiveram muito
significado, mas sua influência agiu indiretamente. Também Charles Péguy pode
ser considerado como um precursos da era do Espírito.
Mas devemos reconhecer como precursores da era do Espírito não apenas
aqueles que se consideravam deliberadamente Cristãos, mas devemos incluir aí
também os que não se denominavam Cristãos, e mesmo alguns que eram anti-Cristãos
em seu pensamento. o fato é que, mesmo a luta contra Deus pode ser uma maneira
de servir a Deus, e pode ser mais verdadeiramente religiosa do que a frieza e a
indiferença. Um novo patamar se concretizou com a experiência trágica do homem
e com sua atividade criativa. Esses precursores da era do Espírito Santo não
podem ser chamados de devotos, no sentido usual do termo. Nietzsche teve enorme
importância; sua aparição representou um momento altamente significativo na dialética
do divino e do humano, sem cuja consumação nenhuma nova era religiosa seria
possível. Mais ainda, existe um importante elemento de consciência messiânica
também no socialismo, por mais que hoje em dia ele esteja associado ao ateísmo.
Dentre os grandes escritores do século XIX, devemos destacar Ibsen coo tendo
uma mentalidade profética; ele costumava falar do terceiro Reino, o Reino do
Espírito. É impossível decidir em termos racionais a posição da linha que
separa o Espírito Santo do Espírito, e aquilo que é referido simplesmente como
Espírito pode ter relação com o Espírito Santo, cuja operação no mundo é
universal. Deus pode não estar onde gostaríamos que Ele estivesse, e ele pode
estar onde n os recusamos a vê-lo. A presença de Deus no mundo é misteriosa, e
não está sujeita a uma definição precisa. É igualmente impossível estabelecer com
precisão as fronteiras da Igreja. Esses limites estão rigidamente fixados para
propósitos de exercer o poder. A política é a mais fatal das forças na vida humana,
é ela que perverteu a existência da religião, e que banhou a história da Igreja
em sangue. A era do Espírito não irá tolerar a intromissão da política na vida
do Espírito.
Houve um grande período na história humana durante o qual a consciência
estava estabilizada, e parecia ser imóvel e inalterável. Correspondentemente,
havia uma certa condição do mundo, que era vista como a única realidade. A crença,
que é a revelação das coisas invisíveis, estava dirigida a um mundo diferente
daquele que corresponde à estrutura da consciência humana considerada média e
normal. A filosofia espiritual tradicional das escolas, de caráter demasiado
abstrato, reconhecia a natureza espiritual da alma humana. Mas ela não abria
novos horizontes sobre outros mundos que não esse, nem enfatizava as possibilidades
de uma experiência espiritual. Tudo se passava dentro de limites estabelecidos,
dentro da ordem da objetificação do Espírito, dentro da esfera da antítese
entre sujeito e objeto. Mas a objetificação do Espírito, sua alienação de si
próprio, sua projeção no exterior, é o principal entrave ao transbordamento do
Espírito no mundo. O reconhecimento do Espírito, que na verdade é uma
objetificação do Espírito, é o maior obstáculo que a nova espiritualidade e o
advento da era do Espírito têm que enfrentar.
O pensamento religioso e filosófico da Índia sempre acreditou na
possibilidade de uma mudança de consciência; ele vê a consciência como uma
dinâmica. Mas falta-lhe uma concepção do dinamismo da história. Na Europa
Cristã, por outro lado, existe uma grande consciência do dinamismo da história,
mas falta uma concepção dinâmica da consciência. A consciência é vista na
Europa Cristã numa forma estática, e a isso se liga a ideia de uma natureza
imutável do homem. Na Índia, a concepção do dinamismo da consciência não nos
satisfaz, por causa do monismo do pensamento e seu fracasso em reconhecer o
papel do princípio humano. É n o Cristianismo que se revelou esse papel. A nova
era do Espírito, a nova revelação a se consumar deverá ter sua contrapartida
numa mudança correspondente na estrutura da consciência humana. E essa mudança
deverá ser preparada por um esforço espiritual. Mas a cada grau de revelação corresponderam
objetificações. No processo da revelação, aquilo que deveria ser revelado desde
dentro e a partir das profundezas, apareceram, ao contrário, como tendo sido revelado
desde fora e desde o alto. A objetificação sempre implica rompimento e dicotomia;
é o que Hegel chamava de consciência infeliz. A nova revelação do Espírito
Santo porá fim à alienação e à objetificação, não apenas no pensamento, mas na
própria vida, na experiência espiritual vital; será um movimento em profundidade.
A consciência passará a uma supraconsciência, e será revelado um mundo que jaz
além da esfera na qual sujeito e objeto se encontram separados. Isso implicará
um movimento de perda do mundo fenomenal endurecido e empedrado, e uma maior
transparência do núcleo noumênico do mundo.
Uma religião ecumênica será a religião do Espírito purificada de seus
elementos escravizantes; será a religião do Espírito Santo, na qual estará
contida a plenitude da revelação e todo o poder da emancipação. Esse será o
Evangelho eterno. O homem é uma mistura; nele existe uma combinação de criatura
e criador, ele está cheio de matéria, absurdo e caos, e ainda assim é o
possuidor de uma força criativa para realizar coisas novas. A criatividade no mundo
é algo parecido com o oitavo dia da criação. Uma vida realmente nova é criada,
não pelo fato de que o homem se coloca diante de alguma ajuda externa para obter
coisas, para cuja realização ele concorda, e até se vê compelido, ao uso de
meios criminosos, mas acima de tudo, por irradiar de seu interior, de seu próprio
“eu”, uma energia criativa benigna e transfiguradora. A nova vida, a nova era
do Espírito pressupõe uma mudança total no homem, não apenas uma mudança nessa
ou naquela porção isolada desse. Trata-se de uma mudança moral, intelectual e
estética, e ao mesmo tempo de uma mudança social. E acima de tudo trata-se de uma
renovação manifesta da alma. Não haverá um aspecto especificamente religioso ou
eclesial na vida, mas toda a vida se tornará religiosa. Somente em termos
espirituais o homem pode ser independente. Biológica e socialmente ele depende
da natureza e da sociedade. É por isso que nenhum movimento social isolado tem
força, se não for acompanhado de um movimento espiritual, e não constituirá
nada de novo, a não ser a repetição do velho, ainda que em nova roupagem.
O apocalipse mostra uma forma simbólica do curso destrutivo do mal. Mas
não devemos interpretar o apocalipse como um destino, como se os terríveis
resultados dos processos mundiais fossem inevitáveis. Isso acarretaria numa
completa negação da realidade. Somente o caminho do mal constitui um destino. O
caminho do bem é construído sobre a liberdade do homem, que partilha da criação
do mundo. Na revelação do Espírito, o final apocalíptico deve aparecer sob
outra luz. O apocalipse do Cristianismo histórico mostra os destinos finais da
humanidade como uma completa separação e um rompimento entre Deus e a
humanidade, como sendo aquilo que Hegel chamou de “consciência infeliz”. O apocalipse
da religião do Espírito mostra nos destinos finais da humanidade como um ato
criativo divino-humano, como um trabalho realizado pela colaboração entre Deus
e o homem. O final positivo, aquele que decide as coisas, deve depender tanto
do homem, como de Deus. O destino pode ser superado pela liberdade.
O processo histórico se divide em dois, e seu resultado pode ser avaliado
de duas maneiras; mas se não houvesse nada de positivo no final, a criação do
mundo teria sido um fracasso. No Livro da Revelação existe uma profecia do “reino
dos mil anos”, e o resultado positivo do processo do mundo está simbolizado aí.
Mas a Igreja histórica teve medo do milenarismo e silenciou a respeito dele. Esse
simbolismo deve revelar novamente seu significado de uma maneira nova na
revelação final do Espírito. A ideia do “reino de mil anos” foi deixada de lado
pelo Cristianismo histórico, num estado abstrato e sem vida. Ele ganhou vida e
se tornou concreto nos movimentos sociais que aparentemente se produziram fora
do Cristianismo. Se os resultados negativos do processo histórico universal tiverem
que ser consumidos pelo fogo, seus resultados positivos deverão ser pensados
concretamente, na forma de uma vida comunitária revivida em toda sua plenitude,
como uma comunidade inspirada e sustentada pela liberdade. Se a existência
humana tiver que se tornar a expressão encarnada de uma vida completamente
organizada, mecanizada e racionalizada de massas – não de pessoas – se ela
tiver que ser dividida em categorias e ser ao mesmo tempo completamente
totalitária, vale dizer, se os últimos traços de liberdade tiverem que
desaparecer, então desaparecerão o espírito e a espiritualidade, porque o
espírito é liberdade. Uma comunidade livre só pode ser resultado de um
movimento que seja ao mesmo tempo espiritual e social, no qual essas coisas não
sejam mais separadas e opostas uma à outra.
A Encarnação e a vida terrena de Jesus constituirão uma interpenetração
de duas naturezas; a mão de Deus foi colocada sobre o Escolhido. Somente na
Ressurreição Jesus subiu às alturas infinitas. Aquilo que aconteceu
individualmente ao Deus-Homem deve acontecer também ao Deus-humanidade, e essa
será a terceira revelação do Espírito. É impossível aceitar a ideia de que o
impulso criativo vital, os momentos de luminosa alegria, de amor criativo e de
libertação, que foram experimentados num êxtase, desaparecerão todos para sempre,
voltando ao nada sem deixar traços. Ao final da revelação haverá um infinito,
não o sinistro infinito que não tem fim, mas o bom infinito que é a eternidade.
Haverá treva e sofrimento no futuro, tal como existe hoje. Mas haverá também
uma luz sem precedentes, o surgimento de um homem novo, de uma nova sociedade,
de um novo cosmo. Haverá a culminação da dialética mística do ser trinitário de
Deus.
O pneumocentrismo já foi prenunciado no Evangelho. Tudo ocorre no
Espírito e por intermédio do Espírito. A partir de um certo momento, esse
pneumocentrismo começará a crescer. O Espírito foi sufocado pelo Cristianismo
histórico e a história tomou um rumo posto ao Cristianismo. Nisso consistiu a
passagem através de um rompimento e de uma ruptura da ligação divino-humana. Ao
final, essa foi a morte antes da ressurreição para uma nova vida. Uma angústia
mortal se apoderou da humanidade, mas o tempo está se encurtando e o tempo
final logo chegará. A Igreja, que começa a dar a impressão de impotência, de
ter perdido o dom do Espírito, surgirá em sua natureza eterna, inspirada por um
espírito profético. Essa será a Igreja tal como expressou São João, a Igreja da
qual a Ortodoxia está mais próxima. Um apocalíptico Russo disse que na
Ortodoxia se pode encontrar uma paciência escatológica, mas que nas suas
profundezas existe também uma grande expectativa escatológica. Na Igreja do
Espírito Santo entrará tudo o que foi criativamente positivo e que na aparência
estava fora da Igreja, e mesmo o que se opunha a ela. O problema escatológico é
a questão final da dialética entre o divino e o humano.
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