LIVRO
PRIMEIRO
1. Eu tenho
muitos amigos verdadeiros e sinceros, que compreendem as leis da amizade e que
as praticam fielmente. Dentre esse número, existe sobretudo um que, muito acima
dos outros por sua ligação comigo, aplicou-se em ultrapassar a todos, na medida
em que eles próprios já ultrapassavam os amigos vulgares. Ele foi meu
companheiro inseparável. Nós nos entregamos aos mesmos estudos, tivemos os
mesmos mestres; mesma aplicação, mesmo ardor pela ciência e para o trabalho,
mesma ambição provocada pelas mesmas coisas. Essa união não durou apenas pelo
tempo em que frequentamos as escolas; quando nos formamos e tivemos que
escolher uma carreira, nos encontramos ainda em absoluta conformidade de
sentimentos.
Outras
causas vieram apertar esses laços entre nossas almas e torná-los indissolúveis.
Tivemos ocasião, um mais do que o outro, de nos orgulharmos da grandeza de
nossa pátria. Eu não era dos mais ricos, nem Basílio dos mais pobres. Havia
paridade de bens e de inclinações, paridade de condições. Assim, tudo concorria
para fazer reinar entre nós a boa inteligência e a concórdia.
Mas quando
chegou o momento de abraçar a vida dos solitários e a verdadeira sabedoria, a
balança não permaneceu igual entre nós; o prato de meu amigo, mais leve, subiu,
enquanto que eu, sempre às voltas com as paixões terrestres, fiz com que o meu
descesse até a terra, onde eu o segurei sob o peso de todas as quimeras da
juventude. A amizade permaneceu firme como antes, mas a assiduidade de nossas
relações foi interrompida. Já não tendo mais os mesmos gostos, não podíamos
continuar a viver juntos. Mas quando enfim eu comecei, eu também, a levantar a
cabeça acima das marés desse século, ele abriu seus braços para me receber.
Porém, nós não conseguimos nos colocar no mesmo nível. Com o tempo ele havia
feito progressos, e, como ele empenhou mais ardor, ele se elevou muito acima de
mim, e planava por altas regiões. Entretanto, sua bondade natural, e o valor
que ele atribuía à nossa amizade, o fizeram renunciar a todas as demais
associações, para me consagrar todo seu tempo. Tal fôra sempre seu desejo; mas,
como eu disse, minha pouca coragem me impediria de contentá-lo.
Com efeito,
como poderia eu, que não saía das cortes dos tribunais, que era louco pelo
teatro, me encontrar com um homem sempre encerrado em seus livros e que não
punha o pé nas praças públicas? É por isso que, quando todos esses impedimentos
já não existiam, e que ele havia me conquistado para seu gênero de vida, meu
amigo logo manifestou o desejo que ele nutria desde muito em seu coração; ele
já não podia me abandonar um só instante do dia; ele não cessava de me pedir
que fugisse da casa paterna, para ocuparmos os dois uma moradia comum. Ele me
persuadiu; nosso projeto iria ser executado.
2. Mas minha
mãe, pelos encantos por assim dizer irresistíveis de sua ternura, me impediu de
satisfazer meu amigo, ou melhor, de receber dele aquele benefício. Tão logo ela
pressentiu meu desígnio, tomou-me pela mão e me conduziu ao seu quarto; e lá,
fazendo-me sentar ao pé do leito sobre o qual me trouxera ao mundo, ela
derramou uma torrente de lágrima, e depois acrescentou palavras ainda mais
enternecedoras do que suas lágrimas, com uma voz entrecortada de soluços:
“Meu filho,
disse-me ela, não me foi permitido desfrutar por muito tempo das virtudes de
seu pai; Deus assim o quis. Sua morte, que se seguiu às minhas dores para
trazê-lo ao mundo, nos deixou, a você, órfão, e a mim, viúva, ainda jovem e com
todas as penas da viuvez, penas que é preciso ter experimentado para que se
faça uma ideia do que são. Não existem palavras para expressar as trovoadas e a
tempestade que se abatem sobre uma mulher jovem que deixou a casa dos pais, sem
experiência para os negócios, lançada subitamente numa tristeza insuportável, e
obrigada a se encarregar de assuntos muito acima de sua idade e de seu sexo.
Era preciso admoestar empregados domésticos negligentes, manter-se em guarda
contra suas infidelidades, desmanchar as intrigas dos próprios parentes,
defender energicamente seus bens contra os desmandos e a avidez brutal dos
agentes do fisco. Quando ao morrer um pai deixa uma criança, se ela é mulher,
embora ela dê um grande trabalho à mãe, são cuidados isentos de despesas e
temor. Mas um filho, quantos alarmes não causa ele a cada dia à sua mãe, e
sobretudo, quanta responsabilidade não lhe impõe? E não falo das despesas
consideráveis que ela é obrigada a fazer, se quiser dar a seu filho uma
educação honesta.”
“E no
entanto, nada disso foi bastante para me fazer pensar em segundas núpcias, nem
em introduzir um outro esposo da casa do seu pai. Eu permaneci em meio à
tempestade e ao tumulto, e não fugo da fornalha da viuvez; fui, em primeiro
lugar, sustentada pelo socorro do alto; e foi para mim um grande consolo, em
meio às minhas penas, vê-lo todo o tempo, e contemplar nos seus traços a imagem
viva e a fiel semelhança de meu esposo que já não estava mais comigo. Esse
consolo começou desde a sua infância, quando você sequer sabia falar, naquele
tempo de vida em que as crianças dão aos seus pais as mais doces alegrias. Você
não pode me reprovar por ter, quando em verdade suportava corajosamente minha
viuvez, deixado deteriorar seu patrimônio, como tantas vezes acontece com
aqueles que têm a infelicidade de se tornar órfãos. Eu o conservei inteiro para
você, sem nada gastar para manter honradamente a você em sua classe, e foi com
meus bens, que eu trouxe da casa de meus pais, que essas despesas foram
feitas”.
“Não pense que
é para reprová-lo que eu o lembro desses benefícios. Não, por tudo isso eu não
lhe peço mais do que uma graça: não me torne viúva uma segunda vez; não reanime
uma dor adormecida; espere ao menos pelo dia de minha morte; talvez logo eu
deixe esse mundo. Os que são jovens podem esperar envelhecer, mas na minha
idade não se espera outra coisa do que a morte. Quando você tiver me depositado
no túmulo, e tiver reunido meus ossos aos do seu pai, faça então longas
viagens, atravesse o mar se quiser, e ninguém o impedirá; mas, enquanto eu
ainda respirar, suporte a minha presença e não se aborreça por viver comigo.
Não se exponha a ofender a Deus, temerária e inconsequentemente, abandonando em
meio a tão graves penas uma mãe que já não pode agradá-lo. Se você me reprovar
por arrastá-lo às dificuldades do século, por descarregar sobre suas costas o
fardo dos meus assuntos, em boa hora, não olhe nem para as leis da natureza,
nem para os cuidados da sua infância, nem para a companhia de sua mãe, nem para
qualquer outra coisa; fuja de mim como de um inimigo que lhe prepara
armadilhas. Se, ao contrário, eu não negligencio nada para assegurar a você o
tempo libre e a faculdade de seguir o plano de vida que você deseja, esse único
laço, ainda que não existissem outros, deveria retê-lo junto de mim. Seja qual
for o número dos seus amigos, não haverá entre eles um único que lhe dê tamanha
liberdade; pois não há um só para quem a honra de seu nome seja tão cara quanto
é para mim”.
Isso é o que
me disse minha mãe, dentre muitas outras coisas, e tudo isso eu repeti ao meu
generoso amigo, o qual, longe de se comover, pressionou-me ainda mais com suas
solicitações.
3. Assim
ficamos nós: Basílio continuava a suplicar e eu a resistir, quando subitamente
sobreveio uma agitação que perturbou a nós dois: correu um murmúrio de que nós
dois seríamos elevados à dignidade do sacerdócio. Diante dessa novidade, eu, de
minha parte, fugi cheio de temor e perplexidade; de temor, pois tinha medo de
que usassem de violência contra mim; de perplexidade, porque, por mais que
procurasse, não conseguia entender como os Sacerdotes eleitores tiveram olhos
para mim: quanto mais eu pensava sobre mim, mais me achava desprovido de tudo o
que pudesse atrair semelhante honra. Quanto ao meu generoso amigo, ele veio me
encontrar em particular para me dizer o que estava acontecendo, como se eu
ignorasse; ele me rogou que agisse de modo a que pudéssemos reconhecer nessa
ocasião, como em todas as demais, a conformidade de nossa conduta e de nossos
sentimentos; ele estava pronto a me seguir, qualquer que fosse o partido que eu
pudesse abraçar, fosse fugir, fosse aceitar a eleição.
Certo de
suas disposições, e persuadido de que eu cometeria um grave dano à Igreja, se,
sem outra razão do que minha própria inaptidão, eu privasse o rebanho de Jesus
Cristo de um jovem pastor tão excelente, tão apropriado ao governo dos homens,
eu dessa vez não revelei a ele a resolução que tomara, embora até então eu
jamais houvesse lhe ocultado nenhum dos meus desígnios; disse então a ele que
deveríamos postergar a decisão a respeito desse assunto, visto que ninguém
ainda nos pressionava; persuadi-o a não se ocupar disso para o momento; por
fim, fiz com que acreditasse que eu não me separaria dele, caso acontecesse
aquilo que nos ameaçava.
Pouco tempo
depois, chegou o ministro que deveria nos conferir as Ordens: enquanto eu
permanecia escondido, meu amigo, que não suspeitava de nada, se deixou conduzir
até a assembleia sob pretexto de outros assuntos. Assim ele recebeu o jugo,
esperando, segundo a promessa que eu lhe fizera, que eu o seguiria até não
importava onde, ou, melhor ainda, imaginando que ele não fazia outra coisa do
que caminhar sobre minhas pegadas. Pois alguns dos assistentes, vendo-o
embaraçado com a surpresa que lhe fôra feita, o enganaram, exclamando: que era
estranho que aquele que acreditavam ser o menos tratável (era de mim que
falavam) tivesse cedido com tanta docilidade ao julgamento dos Sacerdotes,
enquanto que ele, que era o mais sábio e o mais manso, teimava agora, tentando
em vão refugar, escoicear e resistir abertamente.
Diante
dessas palavras, ele se rendeu; mas quando entendeu que eu fugira, veio me
procurar numa tristeza profunda; ele se sentou ao meu lado; ele queria falar,
mas sua perturbação o impedia de se expressar e de contar a violência que
sofrera; ele abria a boca sem poder articular um som; a dor não permitia que
suas palavras saíssem de seus lábios. Ao ver as lágrimas que corriam de seus
olhos, e a perturbação que o agitava, eu, que sabia a causa, me pus a rir,
deixando explodir minha alegria, ao mesmo tempo em que tomava suas mãos e as
cobria de beijos, agradecendo a Deus o feliz desenlace de meu estratagema, e a
realização de meus desejos. Quando ele viu minha alegria e meu contentamento,
ele compreendeu que eu o enganara desde o início, e sua pena e sua raiva
aumentaram ainda mais.
4. Quando ele
se recompôs da perturbação que agitava sua alma, ele falou: “Se meu interesse
não tem valor algum para você; se, por um motivo que eu ignoro, você não me tem
em nenhuma conta, você deveria ao menos ter sondado sua própria reputação. Você
pôs em movimento todas as línguas: dizem que foi o amor pela vanglória que o
fez recusar essa santa dignidade, e ninguém tenta justificá-lo. Quanto a mim,
não ouso mostrar-me em público, por causa das inúmeras pessoas que me abordam a
cada vez, para me dirigir reprovações. Assim que eu apareço em algum lugar da
cidade, não há um, daqueles que estavam ligados a nós, que não me chame à
parte, atribuindo a mim a maior parte da culpa. Pois você conhecia as intenções
dele, me dizem, pois ele jamais escondia qualquer coisa de você, você não
deveria guardar segredo, mas devia nos haver comunicado, e nós não teríamos
embaraço em encontrar um meio de pegá-lo em nossas redes. E eu, eu sinto
vergonha, eu enrubesço em dizer diante deles que eu ignorava completamente o
que você meditava há longo tempo; eles acreditariam que nossa amizade não
passava de uma comédia. Melhor seria que ela o fosse (como parece sê-lo, e você
não poderia dizer o contrário depois da maneira com que se comportou em relação
a mim), pois sempre é conveniente ocultar nossas misérias aos estranhos,
sobretudo quando eles têm de nós uma boa opinião. Eu não ouso dizer diante
deles aquilo de que se trata, e o modo como somos entre nós. Assim, vejo-me
obrigado a calar, a baixar os olhos, a evitar aqueles a quem vejo vindo, a me
esquivar. Mas evitar essa primeira reprovação atrai outra sobre mim, a da
dissimulação. Pois é impossível deter a ideia de que você colocou Basílio na conta
dos que não convém tomar como confidentes dos seus pensamentos”.
“Mas isso
lhe dá tanto prazer, para que tanto eu me aflija. E não é tudo, restam-me ainda
muitas coisas a dizer, coisas cuja vergonha não sei como suportaremos. Todo
mundo o acusa, uns de arrogância, outros de vaidade. Os menos moderados chagam
a nos fazer essa dupla reprovação: eles não economizam injúrias sequer àqueles
que nos chamaram a essa honra. Os eleitores bem mereceram, dizem eles, o que
lhes aconteceu; ainda que recebessem afronta mais grave, não deveríamos nos
compadecer deles; pois eles, deixando de lado homens maduros e de mérito, foram
buscar crianças, que ontem e anteontem estavam ainda mergulhados nas vaidades
do século, para elevá-los de uma vez a uma dignidade que eles sequer teriam
sonhado, e isso apenas porque os viram franzir o sobrecenho, cobrir-se com
mantos negros, adotar ares de uma modéstia afetada. Assim, anciãos, cuja vida
inteira foi consumida nos exercícios da vida religiosa, são governados – e quem
os governa? Seus filhos, que sequer ouviram falar das regras que se deve seguir
no governo”.
“Essas, e
outras mais graves ainda, são as acusações com que nos atacam sem cessar. O que
responder? De minha parte, não sei, e lhe peço que me diga. Pois afinal, essa
fuga, você não tomou essa resolução sem refletir, como que embriagado; antes de
se arriscar a ofender gravemente tão altos personagens, você deve ter refletido
e deliberado; suponho, portanto, que você não terá embaraço em se justificar.
Fale, eu lhe peço, se você tiver alguma desculpa capaz de calar a boca dos seus
acusadores. Pelos malefícios que você me causou, eu não o cobro, não deploro
ter sido enganado, traído, explorado por você. Eu tinha, por assim dizer,
entregue minha alma nas sias mãos; e você usou de astúcia como se se tratasse
de se precaver contra um inimigo. Se o sacerdócio lhe parece uma boa coisa,
você deveria aceitar seus benefícios; se, ao contrário, ele lhe parece nocivo,
você deveria ter me preservado do prejuízo, a mim que tinha, conforme você
dizia, o primeiro lugar no seu coração. Mas, ao contrário, você fez com que eu
caísse numa armadilha. Sem dúvida você precisou de muita astúcia e dissimulação
diante de um homem que sempre foi simples, sem lhe faltar com a franqueza,
tanto em palavras como em ações”.
Porém, mais
uma vez, eu não considero agora tudo isso um crime, não reprovo o isolamento no
qual você me colocou, quebrando a sequência daquelas conversas das quais
extraíamos tantos benefícios quanto prazer. Deixo tudo isso de lado: eu sofro,
eu me calo, eu me resigno mansamente; não que haja qualquer coisa de doce nos
seus procedimentos injustos, mas porque, a partir do dia em que se formaram os
laços de nossa amizade, eu me impus como lei que, se você viesse a me causar
pena voluntariamente, eu não exigiria a respeito explicação alguma. O mal que
você nos fez não foi pequeno, você bem o sabe, e para avaliá-lo você não
precisa mais do que lembrar os que os estranhos dizem de nós, e o que dizemos
de nós mesmos; grandes vantagens poderiam advir para nós de nossa concórdia:
nossa amizade mútua seria para um e outro uma salvaguarda; e, da opinião de
todos, brotaria uma utilidade que beneficiaria a muitos. Quanto a mim, jamais
pretendi poder, no que me diz respeito, ser de qualquer utilidade a quem quer
que seja; mas eu dizia que extrairíamos dali ao menos a vantagem considerável
de sermos invencíveis, se alguém quisesse nos atacar”.
“Eis as
observações que eu lhe faço continuamente: os tempos são difíceis, os
embusteiros numerosos, a verdadeira caridade está morta; o flagelo da inveja
tomou seu lugar; caminhamos em meio a armadilhas, e passeamos sobre as ameias
dos muros da cidade. De todos os lados surgem pessoas prontas a se regozijar
com nossas desgraças, mas para se compadecer de nós não se encontrará ninguém,
no máximo um número ínfimo que se conta nos dedos da mão. Separemo-nos, para
evitar incorrermos no ridículo público, ou em algum prejuízo ainda mais grave.
Um amigo sustentado por um amigo é uma cidadela forte, uma capital munida de
barras de ferro. Ah! Não dissolvamos uma união tão útil, não destrua as barras
de ferro de nossa fortaleza”.
“Eu não me
cansaria de lhe repetir essas coisas, e muitas outras ainda. É verdade que eu
não suspeitava de nada, que, ao contrário, eu acreditava nas suas melhores
disposições a meu respeito; malgrado a boa saúde que eu supunha sua, eu
desejava cuidá-lo ainda mais, e contra minha vontade eu encontro doente, como
agora vejo, aquele a quem apliquei meus remédios. Por infelicidade eu nada
ganhei, e minhas precauções excessivas resultaram em pura perda. Você rejeitou
tudo, nada recebendo em seu espírito, e me lançou como um navio sem rumo num
mar imenso, sem pensar no furor das ondas, que deveria enfrentar sozinho.
Quando a calúnia, a zombaria, ou qualquer outro insulto ou perseguição se
abaterem sobre mim, acidentes que são tão comuns na vida, a quem poderei
recorrer? A quem confessarei meu desencorajamento? Quem virá me prestar
socorro? Quem deterá os autores de minhas penas e fará cessar suas agressões? Quem
me consolará e me ensinará a sofrer o desprezo dos outros homens? Não vejo
ninguém depois que você me deixou, você que agora está tão distante do campo de
batalha onde vou lutar, incapaz mesmo de ouvir meus gritos. Você compreende
agora todo o mal que me fez? Reconhece ao menos, depois de me ter ferido, o
quão mortal foi a ferida que me causou? Mas não falemos mais disso. O mal que
foi feito não pode ser reparado: como encontrar uma saída num desfiladeiro sem
saída? Só uma coisa: que diremos aos estranhos? Como responderemos às suas
acusações?”
5. “Aprume-se,
respondi-lhe eu. Estou pronto para responder a tudo o que você me pede; mesmo
aquelas sobre as quais você não me condenou, tentarei lhe dar razão, na medida
em que eu for capaz; e, se você me permite, será por essas últimas que eu
começarei minha justificação. Com efeito, eu seria demasiadamente absurdo e
ingrato, se não me preocupasse senão com os estranhos, se me ocupasse
unicamente em pôr fim aos seus propósitos maledicentes, numa questão que interessa
ao melhor dos meus amigos, um homem que leva sua polidez diante de mim a ponto
de não querer reprovar-me os erros cometidos contra ele, dos quais me acredita
culpado, um homem que se esquece de si para se preocupar comigo; quando se
trata de um homem assim, se eu não puder persuadi-lo de que não o ofendi, eu me
tornaria culpado de uma indiferença que seria bem maior ainda do que o zelo que
ele demonstrou para comigo”.
“Qual foi
meu erro para com você? Pois é por aí que eu resolvi iniciar minha justificação.
Eu o fiz cair numa armadilha, escondi de você meu pensamento; mas foi para
maior benefício, tanto daquele a quem enganei, como daqueles a quem o entreguei
com esse engano. Se a astúcia é sempre e necessariamente um mal, se jamais
fosse permitido utilizá-la para alcançar um bem, estarei pronto a sofrer a pena
que você quiser me infligir; ou antes, como será difícil para você proferir a
sentença, eu consinto em punir a mim mesmo, como acontece nos tribunais em
relação aos culpados que são convencidos juridicamente. Mas, se existem
artifícios inocentes, se a astúcia é algo que se torna boa ou má segundo a
intenção dos que a usam, não basta compadecer-me por tê-lo enganado, mas seria
ainda preciso mostrar que a mentira tenha sido urdida com um objetivo maléfico;
se não for esse o caso, longe de me acusar, eu devo ser aplaudido; o bom senso
e a equidade o exigem. Esse é o benefício da astúcia empregada a propósito e
com uma intenção reta, de modo que muitas pessoas foram punidas por não terem
sabido enganar. Se você examinar as vidas dos grandes capitães de todos os
tempos, verá que a maior parte de seus troféus foram fruto da astúcia, e que
eles adquiriram por esse meio maiores glórias do que os que triunfaram pela
força bruta. Esses obtiveram sucesso na guerra através dos maiores sacrifícios
de homens e dinheiro. Foram vitórias que não trouxeram nenhuma vantagem aos
vencedores, vitórias tão funestas para os vencedores quanto para os vencidos,
pela perda de soldados e pelo esgotamento do tesouro. Acrescentemos que a
glória não cabe inteiramente os vencedores, pois uma boa parte dela pertence
aos que tombaram, pois, vencedores pela alma, eles não sucumbiram senão em seus
corpos, e se, ainda que feridos, tivessem se mantido em pé, se a morte não os
tivesse detido, não teriam dado menos provas de valor do que os que
sobreviveram. Mas aquele que sabe vencer pela astúcia cobre ainda o inimigo de
ridículo, além do mal que lhe faz. Aqui os dois campos não são divididos, como
o foram aqueles elogios devidos ao valor: os louros obtidos pela prudência não
são divididos, mas o prêmio inteiro cabe aos vencedores, que – não menor
vantagem – reservam à sua pátria uma felicidade sem mistura. Mas não ocorre com
a prudência da alma da mesma maneira como acontece com o dinheiro e os homens;
esses, quando são por demais utilizados na guerra, se gastam e se esgotam;
aquela, ao contrário, é de natureza tal que quanto mais se usa, mais cresce”.
“E não menos
do que na guerra, a paz demonstra o uso frequente e necessário da astúcia para
os negócios, tanto públicos como privados. O marido se serve utilmente dela em
relação à esposa; e a esposa, em relação ao marido; o pai, com o filho; o amigo
com o amigo; e mesmo as crianças para com seus pais. Assim é que a filha de
Saul não poderia tirar o marido de suas mãos senão enganando o pai. E o irmão
de Saul, desejando livrar de novo perigo aquele que já devia a vida à presteza
de sua esposa, serviu-se ainda das mesmas armas”.
“Mas, disse
então Basílio, nada disso de que você fala se refere a mim. Eu não sou um
inimigo, não desejo ser hostil, nem causar injustiça alguma, muito antes pelo
contrário: seus conselhos sempre serviram de regra para minha conduta, e eu
sempre segui o caminho que você indicou”.
“Mas, ó meu
admirável e excelente amigo! Eu previ sua objeção, quando disse que não é
apenas na guerra e contra os inimigos, como também na paz e em relação aos
melhores amigos, que às vezes é bom e honesto empregar a astúcia. Para
convencê-lo de que esse meio é benéfico para os que são enganados, tanto quanto
para os que enganam, procure um médico e pergunte a ele como em sua profissão
se curam os doentes; ele lhe ensinará que a arte não é seu único recurso, que
às vezes ele se socorre da astúcia, e que muitas vezes ele devolve a saúde aos
enfermos misturando arte e astúcia. Por vezes o mau humor do doente, ou a
própria tenacidade da moléstia, que resiste a todos os esforços da medicina, o
obriga a servir-se da máscara da astúcia, a fim de poder, como numa encenação,
disfarçar a realidade das coisas. Permita-me contar-lhe um dos numerosos
artifícios que aprendi ser de uso frequente entre os médicos”.
“Certo dia
um homem foi atacado por uma febre violenta, cujo ardor redobrava de hora em
hora; o doente recusava tudo o que poderia extinguir esse fogo; ele desejava
beber vinho puro, e insistentemente o pedia a todos os que vinham vê-lo; ele
queria beber muito para aplacar essa sede mortal. Mas, caso lhe fosse atendida
tal autocomplacência, o resultado não seria outro do que superexcitar a febre e
causar o delírio ao infeliz. Aqui a arte já nada podia, ela estava no limite de
seus recursos, os quais ele excluía claramente; então a astúcia veio mostrar
seu poder, como você verá. O médico tomou uma taça de argila que acabara de ser
retirada do fogo, e a mergulhou completamente no vinho, retirando-a vazia, e a
encheu de água. Ao mesmo tempo, ele obscureceu por meio de cortinas o quarto
onde se encontrava o enfermo, para que a claridade não expusesse a fraude; em
seguida ele deu a taça a beber, como se ela estivesse cheia de vinho puro.
Antes mesmo de tomá-la em suas mãos, o doente foi enganado pelo odor; ele não
teve paciência para verificar o que lhe estava sendo dado, mas, fiando-se no
odor e enganado pela escuridão, apressado pelo desejo, bebeu pronta e largamente;
a opressão diminuiu, e ele foi salvo de um perigo iminente”.
“Vê você a
vantagem da astúcia? Se quiséssemos enumerar todos os artifícios dos médicos,
teríamos uma lista infinita. E não é apenas no tratamento das enfermidades do
corpo que se lança mão de tais artifícios; nas doenças da alma seu uso é
cotidiano. Foi assim que o Apóstolo conseguiu conquistar os judeus, atraí-los
em grande número para a fé cristã; foi com esse espírito que ele submeteu seu
discípulo Timóteo à lei da circuncisão, ele que escreveu aos Gálatas que Cristo
de nada serviria àqueles que se faziam circuncidar; é por isso que em certas
ocasiões ele concordava em receber o jugo da lei judaica, ele que considerava
que a justiça dessa lei era nociva depois da fé em Jesus Cristo”.
“Grande,
certamente, é o poder da astúcia, desde que não a utilizemos com más intenções;
ou antes, ela não deveria receber esse nome quando a utilizamos para o bem;
pois trata-se então de uma espécie de conduta, uma sabedoria útil, uma arte
engenhosa de abrir um caminho onde não existe caminho, e de endireitar os erros
das almas. Eu jamais chamaria de assassino a Finéas quando com um só golpe
matou dois culpados, nem a Elias quando castigou cem soldados com seus chefes,
ou quando fez correr rios de sangue com o massacre dos que sacrificavam aos
demônios. Quem examinasse essas ações em si mesmas, sem levar em conta a
intenção das pessoas, deveria também, se fosse consequente, acusar Abrahão de
parricida, acusar seus netos e um de seus descendentes de injustiça e roubo,
porque Jacó obteve com um truque o direito de progenitura, e Moisés fez com que
as riquezas dos egípcios fossem transportadas para os campos dos hebreus”.
“Mas não,
não é assim que são as coisas, longe de nós tamanha audácia. Nós fazemos mais
do que absolver sua conduta – nós os admiramos. Não obtiveram eles a aprovação
do próprio Deus? Merece o nome de enganador aquele que faz com que a astúcia
sirva à injustiça, mas não aquele que a utiliza com uma intenção pura. Muitas
vezes é preciso enganar, trata-se de uma arte que possui vantagens que são
muito grandes em certas ocasiões. Existem casos em que aquele que desejaria
caminhar pela via direita prejudicaria fortemente aqueles que não soube
enganar”.
LIVRO SEGUNDO
1. “Que é
possível servirmo-nos da astúcia para o bem, ou melhor, que ela, quando assim
empregada, merece menos esse nome do que o de conduta engenhosa, poderíamos
certamente demonstrar ainda mais longamente; mas, como o que foi dito já o
demonstra suficientemente, seria cansativo e desagradável acrescentar ao
discurso desenvolvimentos supérfluos. Caberá agora a você provar que não foi
para seu benefício que eu segui essa conduta a seu respeito”.
Basílio
respondeu: “E que benefício extraí eu dessa engenhosa esperteza, dessa
prudência, como quiser chamá-la; diga-me, para que eu me convença que você não
me enganou”.
Disse-lhe
eu: “E que maior vantagem do que exercer um ministério que nosso Senhor Jesus
Cristo declarou ser uma prova de amor por ele? Pois assim ele se dirigiu ao
príncipe dos apóstolos: ‘Pedro, tu Me amas?’; e, quando Pedro respondeu: ‘Sim,
Senhor’, ele acrescentou: ‘Se você Me ama, apascenta minhas ovelhas[1]’. Quando
o Mestre pergunta ao discípulo se ele O ama, não é para sabê-lo, Ele que
conhecia o fundo dos corações; mas foi para nos ensinar o quanto Ele se
interessa pela condução de Seu rebanho. Isto é evidente e traz consigo uma
consequência que não o é menos: que uma grande e inefável recompensa aguarda
aquele que exerce uma função que Jesus Cristo tem em tão alta estima. Pelo zelo
com que nosso empregado se dedica a cuidar do rebanho que lhe foi confiado,
podemos julgar sua ligação para conosco, ainda que se trate de animais
adquiridos por dinheiro; com mais razão ainda, que recompensa não reserva o
Salvador àquele que governa o rebanho por ele resgatado, não por dinheiro ou
por qualquer coisa do gênero, mas com sua própria morte e efusão de sangue?”.
“O apóstolo
respondeu: ‘Senhor, tu sabes que te amo’, tomando como testemunho de seu amor
aquele que mesmo que era objeto desse amor; mas Jesus Cristo não se deteve aí,
ele pediu provas daquele amor. É porque seu desejo era menos o de deixar claro
o quanto Pedro o amava – pois Pedro já havia dado muitos sinais inequívocos de
seus sentimentos – do que mostrar o quanto Ele próprio amava Sua Igreja; ele
queria dar a Pedro e a nós esse ensinamento, a fim que também nós tenhamos grande
zelo por Seus interesses. Por que Deus não poupou Seu Filho único? Por que Ele
O entregou, aquele que era o caro e único objeto de sua ternura? Para se
reconciliar com os homens que haviam se tornado Seus inimigos, e para criar
para Si um povo. E esse Filho, por que derramou Ele até a última gota de Seu
sangue, senão para resgatar as ovelhas que ele deixou em mãos de Pedro e de
seus sucessores? Jesus Cristo disse ainda: ‘Quem é o servidor fiel e prudente que
seu mestre estabeleceu para governar sua casa?[2]’. Aqui
estão palavras que aparentam dúvida; mas aquele que as pronunciou não tinha
dúvida alguma ao pronunciá-las, assim como quando perguntou a Pedro se O amava
– menos para se assegurar do amor daquele, do que para mostrar a grandeza do
Seu amor. Da mesma forma, quando ele pergunta: ‘Quem é o servidor fiel e
prudente?’, Jesus Cristo já bem o sabe; mas ele quer mostrar a escassez desses
servidores e a grandeza de Seu ministério. Podemos julgá-lo pelo tamanho da
recompensa que Ele destina àqueles: ‘Eu vos digo em verdade que ele o
estabelecerá sobre todos os seus bens[3]’.”
2. “Você ainda
será capaz de sustentar que não foi para seu próprio bem que eu o enganei?
Você, que foi escolhido para o governo dos bens de Deus, cargo que valeu a
Pedro o poder e a preeminência sobre os demais apóstolos, segundo aquelas
palavras: ‘Pedro, tu me amas mais do que os outros? Apascenta minhas ovelhas[4]’. Ele
poderia ter dito: se você me ama, durma sobre o chão, vele sem cessar, proteja
os oprimidos, seja o pai dos órfãos, o defensor das viúvas; mas não: deixando
de lado todas essas coisas, que disse ele? Apascente minhas ovelhas”.
“Esse tipo
de boas obras, a maior parte dos fiéis as podem praticar, tanto mulheres como
homens; mas para funções tão importantes como o governo da Igreja e a direção
de um grande número de almas, não apenas as mulheres estão excluídas, como
ainda pouquíssimos homens são dignos. Que se apresentem aqueles cujo mérito
superior os distingue acima dos outros, aqueles cujas virtudes de alma
ultrapassam seus irmãos tanto quanto Saul ultrapassava os hebreus por sua
altura, ainda não será o bastante. Superar os homens acima das cabeças não
constitui uma medida que possa convir aqui: que entre o pastor e as ovelhas de
Jesus Cristo haja toda a distância que existe entre os homens racionais e os
animais desprovidos de razão, ainda é dizer pouco, dada a grandeza dos
interesses em jogo e o perigo da situação. O pastor que perde suas ovelhas,
seja porque as levaram os lobos, seja porque as roubaram ladrões, seja porque
morreram por contágio ou por qualquer outro acidente, talvez encontrará ele
indulgência de parte do proprietário do rebanho, e, se for tratado com rigor,
ficará quite ao pagar pelo prejuízo; mas se aquele que deve cuidar dos homens,
a quem foi confiado esse rebanho racional de Jesus Cristo, deixar que se perca
algum, não será com seus bens, mas com sua alma que haverá de responder.
Acrescente a isso que o combate a ser sustentado é muito mais sério e difícil.
Aqui não se trata de expulsar os lobos, nem de temer os ladrões, nem de
prevenir o ataque de um mal contagioso. Com quais inimigos o ministro de Jesus
Cristo estará em guerra? Contra quem deverá ele combater? Escutemos o apóstolo,
que os denuncia: ‘Não temos que combater apenas contra a carne e o sangue, mas
contra os principados, contra as potências, contra o Príncipe desse mundo de
trevas, contra os espíritos de malícia espalhados pelos ares’[5]. Por aí
você pode ver a multidão de inimigos implacáveis, essas temíveis falanges, não
guarnecidas de ferro, mas que encontram em sua própria natureza armas de todas
as espécies?”.
“Quer ver
outro exército não menos cruel e bárbaro, sempre emboscado para surpreender o
rebanho? Você o verá do mesmo ponto de vista, vale dizer, que o mesmo apóstolo
que nos colocou em guarda contra os primeiros inimigos, nos denuncia também
esses: conhecemos, diz ele, as obras da carne, que são a fornicação, o
adultério, a impureza, a impudicícia, a idolatria, os envenenamentos, as raivas,
as discussões, os ciúmes, as cóleras, as intrigas, as maledicências, as
murmurações, o ensoberbecimento, as revoltas[6], e
tantas outras que o Apóstolo não enumerou, deixando que as julguemos a partir
dessas. Quando se trata de ovelhas propriamente ditas, aqueles que querem o
rebanho também querem pôr em fuga o guardião; assim eles não se ocupam com ele,
e se contentam em roubar as ovelhas; mas aqui, que os malfeitores vêm para se
apoderar de todo o rebanho, longe de deixar o pastor repousar, eles o assaltam
com mais audácia e encarniçadamente, e não deixam o combate senão como
vencedores ou vencidos. Eu acrescentarei ainda que as doenças dos animais são
fáceis de reconhecer, como a fome, o contágio, os ferimentos ou quaisquer
outras causas de sofrimentos, o que é uma grande vantagem para o tratamento e a
cura dos enfermos. E eis ainda outra facilidade ainda maior e mais eficaz para
o pronto restabelecimento da saúde: os pastores têm o poder de forçar as
ovelhas a suportar o tratamento, ainda que elas não o façam de boa vontade;
nada mais fácil do que amarrá-las, quando é preciso cauterizar ou cortar; ou
mantê-las guardadas, pelo tempo que for útil; ou mudar sua alimentação, ou
afastá-las dos cursos d’água; enfim, todos os demais remédios que possam
contribuir para a saúde dos rebanhos, são de fácil aplicação”.
3. “O mesmo não
acontece com as enfermidades dos homens; primeiro, não é fácil percebê-las;
somente o espírito do homem sabe o que se passa dentro do homem[7]. Como
aplicar um remédio para uma moléstia cuja espécie desconhecemos, cuja existência
nem sempre é fácil de constatar, e que, quando se manifesta claramente, é ainda
mais difícil de curar? Pois não se pode tratar os homens com a mesma facilidade
com que o pastor trata as ovelhas. O tratamento das almas também exige que
amarremos, que proibamos alimentos, que cauterizamos ou que cortemos. E o pior
é que a aplicação do remédio depende do doente e não do médico. O admirável
Paulo sabia-o muito bem, e é por isso que ele escreveu aos Coríntios: ‘Nós não
pretendemos dominar a vossa fé, mas apenas cooperar com a vossa alegria[8]’. A
coisa menos permitida aos cristãos é corrigir com violência as faltas dos
pecadores. Dentro da jurisprudência humana, quando um malfeitor cai nas mãos da
justiça, o magistrado, aplicando o poder com o qual foi investido, sabe bem
como impedir, por bem ou por mal, que ele viva conforme sua fantasia. Mas nós
não temos, para tornar os homens melhores, outro recurso que não a persuasão,
jamais o constrangimento. As leis não nos dão o poder de constranger aqueles
que pecam, e ainda que nos fosse concedido, não poderíamos fazê-lo, porque o
Senhor não recompensa senão os que se abstêm do mal por uma vontade livre, e
não contra sua vontade. Assim, é preciso uma grande habilidade para obter,
apenas pela persuasão, que os doentes se submetam voluntariamente ao tratamento
dos sacerdotes, e ainda que eles o reconheçam como tal. Se o doente amarrado se
debate, e, por ser ele quem manda, rompe as cordas, ele não o faz sem agravar
seu mal; se ele se desvia do ferro cauterizador da palavra divina, um novo
ferimento será a consequência de sua má vontade; e assim a ocasião de uma cura
se torna causa de uma moléstia ainda mais grave. Pois não há no mundo quem seja
capaz de curar alguém que não quer ser curado”.
4. “Que fazer,
então? Se você for excessivamente indulgente onde a severidade é necessária, e
se tiver medo de mergulhar o ferro na chaga que precisa de uma incisão
profunda, você só tratará o mal até a metade; mas se você cortar sem tomar os
devidos cuidados, por ser a operação necessária, pode acontecer que o doente,
revoltado com a violência da dor, perca a paciência, rejeite bruscamente os
remédios e os aparelhos, e se atire em qualquer precipício, depois de haver
quebrado o jugo e rompido os laços”.
“Eu poderia
citar muitos que foram levados aos piores extremos porque tentou-se submetê-los
ao rigor total das penas que mereciam seus pecados. Não se pode sempre exigir
que o castigo tenha uma medida proporcional à falta cometida; é preciso, após
um exame maduro, assegurar as disposições daquele que a cometeu, a fim de que,
tentando consertar o que foi rasgado, não se crie uma ruptura ainda pior do que
a primeira, e que, com a louvável intenção de levantar o que está por terra,
não o precipite ainda mais abaixo. As almas fracas e abatidas, em especial
aquelas que estão enredadas pelos prazeres do século, ou que o orgulho pelo
nascimento ou pelo poder as mantém num humor altivo, poderiam, conduzidas com
doçura e levadas pouco a pouco a voltar a si piedosamente, corrigir-se – senão
totalmente, em parte – e se afastar dessa cadeia dos males que as envolvem.
Pretender submetê-las bruscamente a uma disciplina severa seria privá-las desse
início de conversão. A alma que foi forçada a enfrentar a culpa, logo cai na
insensibilidade: já não a tocam as exortações emocionais, não a abalam ameaças,
não a enternecem as boas ações. Seu estado é pior do que o daquela cidade que o
Profeta maldisse: ‘Tens uma face prostituída, olhas desafiadoramente todo mundo[9]’.”
“Sendo assim,
quanta prudência não requer o pastor, e ainda quanta clarividência para sondar
uma alma em todos os sentidos e discernir seu estado. Se existem os que se
retraem obstinados num desespero furioso, e que perdem toda confiança na
salvação por causa do amargor dos remédios que terão que aguentar, também os há
que, por não se exigir deles uma satisfação em relação às suas faltas, se
deixam levar pelo relaxamento e se tornam piores, e adquirem a audácia de pecar
cada vez mais gravemente. Em todas essas coisas, é preciso que o sacerdote não
deixe passar nada sem verificar; é preciso que ele pesquise tudo exatamente, e
que ele aplique com responsabilidade os remédios de que dispõe, se não quiser
perder o fruto de seu trabalho”.
“E isso não
é tudo; é preciso ainda reunir ao corpo da Igreja os membros que se encontram
separados – e quantos cuidados e penas não terá com isso! O pastor de ovelhas
tem seu rebanho que o segue por onde ele o guia; se as ovelhas se afastam do
bom caminho, ou se, deixando os bons prados, se põem a pastar por lugares
estéreis e escarpados, basta um chamado mais forte para ajuntar e reunir ao
rebanho aquelas que se separaram; mas ao homem que deixou o caminho direito da
fé, quantos cuidados terá o pastor para reconduzi-lo! Quanta perseverança!
Quanta paciência! Não se pode arrastá-lo pela força, constrange-lo pelo medo.
Somente a persuasão pode reconduzi-lo à verdade que ele abandonou. É preciso
então que o pastor tenha uma alma generosa que jamais desista diante das penas,
que jamais desespere da salvação dos perdidos, que nunca deixe de pensar e
dizer: ‘Talvez um dia Deus o faça conhecer a verdade, e ele se libertará das
redes do demônio[10]’.
É por isso que o Senhor, falando aos seus discípulos, lhes disse: ‘Quem é o
servidor bom e fiel?[11]’. Quem
só trabalha para sua própria perfeição, não serve senão a si mesmo. Mas o bem
do ministério pastoral se estende a todo o povo. Alguém distribui dinheiro aos
pobres, ou ajuda de algum modo os oprimidos: sem dúvida, isso é ser útil ao
próximo; mas entre esse serviço e aquele que deve cumprir o sacerdote, existe
tanta diferença quanto há entre o corpo e a alma. Não foi por essa razão que o
divino Mestre disse que os cuidados dispensados ao seu rebanho são um sinal do
amor que é dedicado a Ele próprio?”.
Basílio
disse: “Então, você não ama a Jesus Cristo”.
Respondi-lhe:
“Sim, eu O amo, e jamais deixarei de amá-Lo, mas tenho medo de ofender aquele a
quem amo”.
Basílio
retrucou: “Eis um enigma que não entendo. Jesus Cristo, diz você, ordena àquele
que o ama, que apascente suas ovelhas; mas você se recusa a fazê-lo, e para se
dispensar disso você alega o amor que tem por Jesus Cristo”.
Disse-lhe
eu: “Não existe enigma em minhas palavras, elas são claras e simples. Sem
dúvida, se eu fosse capaz de administrar tal encargo como deseja Jesus Cristo,
e se me recusasse a fazê-lo, deveríamos nos perguntar o que significa minha
linguagem. Mas, como a fraqueza de minha alma me torna completamente inapto
para essa administração, o que há de inexplicável naquilo que eu disse? Sim, eu
temo que esse rebanho de Jesus Cristo, depois de florescido e bem alimentado,
virá a perecer por minha incúria, e assim eu irritaria contra mim o Deus que o
amou até o ponto de se entregar para sua salvação e sua redenção”.
Basílio
respondeu: “Você se diverte falando dessa forma. Pois se você falasse
seriamente, eu não vejo como poderia você provar que eu tenho razão em me
consolar, tentando acalmar minha aflição. Eu já sabia que você havia me
enganado, me traído; mas a justificativa que você está tentando fazer de sua
conduta me demonstra isso ainda mais, e eu compreendo perfeitamente toda a
gravidade da situação em que você me colocou. Se você se subtraiu a esse grande
ministério, bem convencido de que as forças de sua alma não são suficientes
para suportar um encargo tão pesado, seria de mim que você deveria ter se
afastado em primeiro lugar, ainda que eu tivesse um grande desejo de aí chegar,
e sem esperar que minha confiança o fizesse árbitro dos meus interesses. Mas
você não pensou senão em si mesmo; por mim, você me esqueceu. Que digo eu?
Quisesse Deus que você me tivesse esquecido; isso seria perdoável; mas você mesmo
estendeu a armadilha que me fez cair nas mãos daqueles que tentavam me
capturar. Você não teve sequer o recurso de dizer que a opinião pública o havia
enganado, que foi ela que o induziu a ver em mim algum grande e raro mérito.
Seria bom se eu fosse desses homens que excitam a admiração e atraem os olhares
do mundo! E quando as pessoas se entregassem a esse tipo de ilusão a meu
respeito, caberia a você restabelecer a verdade, ao invés da opinião da
multidão. Em boa hora, se nossas relações habituais não o fizesse conhecer-me
tão bem, você poderia dizer com aparência de razão que, ao me dar seu voto,
você não fazia mais do que ceder à corrente popular. Mas se não existe pessoa
no mundo que me conheça mais a fundo, mais ainda do que aqueles que me fizeram ver
a luz e me deram educação, que discurso tão persuasivo encontrará você para
fazer crer a todos os que o ouvirem que foi contra sua vontade que você me
empurrou para uma situação tão perigosa? Mas vou interromper por aqui; não vou
criar um processo por isso; apenas me diga o que poderemos responder àqueles
que nos acusam, a nós dois”.
Eu disse:
“Não vou me comprometer com essa questão, que eu não refutei plenamente as
reprovações que você me faz por sua própria conta, ainda que repetindo mil
vezes que você me perdoa. Você diz todo o tempo que a ignorância me tornaria
menos culpado, e que mesmo eu deixaria de parecer culpado a você, se,
conhecendo-o menos, eu o tivesse colocado na carreira onde você está agora; ao
invés disso, tendo-o entregue não por ignorância, mas com perfeito conhecimento
de tudo o que lhe diz respeito, toda escusa racional, toda justificação
legítima me foi retirada. Pois bem! Eu lhe digo o contrário. Eu sustento que
numa matéria tão grave o exame nunca é demais: que quem deseja elevar alguém ao
sacerdócio não deve se reportar unicamente à opinião pública, mas, não contente
em consultá-la, deve, antes de tudo e acima de tudo, sondar pessoalmente as
disposições do candidato. Quando o Apóstolo escreveu a Timóteo: ‘É preciso que
haja ainda um bom testemunho daqueles que estão fora da Igreja[12]’, ele
não entendeu com isso que se poderia excluir um exame severo e rigoroso, e não
considerou a reputação como um sinal definitivo da prova que era preciso fazer.
Pois, depois de haver enumerado muitas outras condições, ele acrescentou o bom
renome em último lugar, para mostrar, não que ele devesse ser exclusivamente
considerado nas eleições, mas que ele deveria vir após os outros, pois nada é
mais comum do que os erros do povo a esse respeito. Quando um exame escrupuloso
foi feito previamente, pode-se então, sem riscos, confiar no sufrágio público.
É por isso que o Apóstolo fez com que se seguisse às demais condições o
assentimento das pessoas de fora. Pois devemos nos precaver, ele não diz apenas
que a pessoa deva ter boas recomendações, mas acrescenta a palavra ‘ainda’,
para mostrar que é preciso, antes de consultar o renome, submeter a pessoa a um
exame severo. Portanto, ainda que o conheça ainda mais a fundo do que seu pai e
sua mãe, como você o disse, a justiça exige que eu seja absolvido de toda
acusação”.
Basílio
respondeu: “É precisamente isso que o condenaria infalivelmente, se você fosse
acusado. Será que você se esqueceu de uma coisa da qual eu lhe falei muitas
vezes, e que os fatos ainda lhe demonstraram, ou seja, da fraqueza de meu
caráter? Será que você nunca me repreendeu pela minha falta de energia, e pela
facilidade com que as menores dificuldades me abatem?”.
Respondi-lhe:
“Lembro-me bem de ouvi-lo falar assim, e não poderia negá-lo. Mas, se eu o
critiquei com ironia alguma vez, foi brincando, e não seriamente que o fiz.
Mas, sem discutir sobre esse ponto, o que eu pergunto é que, se acaso eu falei
de suas boas qualidades, você deveria ter me escutado com ingenuidade igual à
minha. Se, depois disso, você tenta me desmentir, eu não o pouparei: ao
contrário, demonstrarei que foi a modéstia, mais do que a verdade, que o fez
falar, sem necessidade, para confirmar o que digo, de outros testemunhos além
de seus próprios discursos e de suas próprias ações. Antes de tudo quero lhe
dirigir uma questão: sabe você quão grande é a força da caridade? Jesus Cristo,
deixando de lado todos os prodígios que deveriam operar os apóstolos, disse: ‘O
sinal pelo qual os homens reconhecerão que sois meus discípulos, é que vos
ameis uns aos outros[13]’. Ele
afirma assim que a caridade é a plenitude da lei, que sem ela os dons de Deus
não têm nenhuma utilidade. Ora, esse bem tão excelente, esse caráter distintivo
dos discípulos de Cristo, esse dom acima de todos os dons, eu o vi enraizado
fortemente na sua alma, produzindo ali os mais abundantes frutos”.
Basílio
falou: “Essa virtude sempre me foi muito cara, e eu tento praticá-la com todo
zelo de que sou capaz, concordo, mas não creio ter conseguido alcançar sequer a
metade de sua perfeição; e você próprio dará testemunho disso, se, complacência
à parte, quiser não faltar com a verdade”.
Eu
retruquei: “Vou então recorrer às provas: a ameaça que lhe fiz, vou executá-la,
e provar que você recorre mais à modéstia do que à verdade. Contarei um fato
recente, a fim de não me tornar suspeito, como poderia ser caso contasse coisas
antigas, de querer embrulhar a verdade nas sombras de um passado distante. A
verdade não permite acrescentar nada ao que aconteceu, mesmo com a intenção de
ser agradável”.
“Um de
nossos amigos foi falsamente acusado de ultraje e cólera, e corria um grande
perigo; então, sem que ninguém o tivesse implicado na acusação, sem que ninguém
lhe pedisse, nem mesmo aquele que era vítima da calúnia, você se atirou em meio
aos perigos para resgatar nosso amigo. Eis o que se passou, e para convencê-lo
com suas próprias palavras, eu lhe lembrarei o que você mesmo disse na ocasião.
Como alguns não aprovavam essa devoção, e outros a aplaudiam e admiravam, você respondeu
aos que o acusavam: ‘Que querem vocês que eu faça? Não aprendi a amar de outro
modo do que expondo minha vida, se preciso, para salvar um amigo em perigo’. As
palavras são outras, mas o pensamento é o mesmo daquele que Jesus Cristo
ensinou aos seus discípulos, para marcar os limites da caridade perfeita:
‘Ninguém pode dar maior prova de amor, do que a de dar sua vida por aqueles a
quem ama[14]’.
Se esse é o limite extremo da caridade, você chegou aí, tanto pelas ações como
pelas palavras; você subiu até o próprio cume: eis o segredo da traição da qual
você se lamenta, da fraude que eu urdi contra você. Pude eu convencer você de
que não foi com má intenção, nem foi para fazê-lo cair em perigo, mas pela
certeza que eu tinha de fazer uma coisa útil, que eu o empurrei para a carreira
sacerdotal?”.
Basílio
disse: “Mas você acha que a força da caridade é suficiente para corrigir um
povo de seus vícios?”.
Respondi-lhe: “Certamente a caridade poderia contribuir em
grande parte para essa obra. Ademais, se você quer que eu apresente provas de
sua prudência, abordarei esse ponto, e mostrarei que você á ainda mais prudente
do que caridoso”.
Basílio
enrubesceu de modéstia: “Mais uma vez, deixamos de lado aquilo que me concerne.
Desde o começo eu não quis que tratássemos disso. Você tem alguma boa resposta
para os estranhos que nos acusam? É sobre esse ponto que eu quero ouvi-lo.
Deixemos de lado essa vã esgrima: diga-me o que poderemos colocar em nossa
defesa, tanto aos que nos honram pensando em nós, como àqueles que, para
aumentar o ressentimento de nossos eleitores, fazem questão de responder que
nós falhamos gravemente com eles”.
5. Eu disse:
“Que seja; é aqui onde eu queria chegar. Agora que já defendi com sucesso minha
causa diante de você, voltar-me-ei sem dificuldade para essa outra parte de
minha defesa. Qual é a acusação que nos fazem? Quais os agravos? Dizem eles que
eu cometi uma grave injúria aos eleitores, ao recusar a honra que me
ofereceram. A isso respondo em primeiro lugar que não devemos temer ofender os
homens, quando, submetendo-nos à sua vontade, nos arriscamos a ofender a Deus.
Quanto àqueles a quem tal conduta desagrada, acrescentarei que seu
descontentamento pode representar para eles um perigo, e talvez mesmo um grave
dano. As pessoas devotadas a Deus, e que não veem senão a Ele, devem, penso eu,
estar animadas por sentimentos de piedade, que as impediriam de ver em
semelhante recusa uma injúria contra si próprias, ainda que tivessem que
suportar mil vezes essas pretensas afrontas. Jamais a ideia de tal ofensa
penetrou em meu espírito. Com efeito, se tivessem sido o orgulho ou a vanglória
que me impelissem a agir, como me acusam, conforme você me diz, meus acusadores
deveriam me colocar no nível dos maiores culpados, por haver desprezado homens
respeitáveis, consideráveis e, ademais, meus benfeitores. Se somos merecedores
de punição quando fazemos o mal a quem não nos fez mal algum, quanto mais por
fazê-lo a quem queria nos cumular de honras? Pois não podemos dizer que esses
homens desejavam se mostrar reconhecidos por serviços, grandes ou pequenos, que
houvessem recebido de mim. De que castigo não seria digno aquele que devolvesse
com mal o bem que lhe foi feito? Se jamais um pensamento assim penetrou em meu
espírito, se eu me recusei ao pesado encargo que queriam me impor, foi por
motivos bem diversos: por que, em lugar de me perdoar, ou mesmo de me aprovar,
me acusam de ter sentido piedade por minha alma? Longe de querer injuriá-los,
ao contrário, eu quis dar a eles a maior prova de deferência, não o aceitando.
Não se espante com essa colocação que tem aspecto de paradoxo, pois já lhe
darei a prova: não teriam deixado, pelo menos aqueles que gostam da
maledicência, de levantar toda sorte de suspeitas, de sustentar toda espécie de
questões, tanto a respeito do eleito como a respeito dos eleitores, dizendo,
por exemplo, que não visavam senão a riqueza, ou que se deixaram ofuscar pelo
brilho do nascimento, ou que os votos teriam sido dados em troca de adulações.
Não sei nem se não chegariam a espalhar que teriam sido, os eleitores,
comprados com dinheiro. E teriam acrescentado que Jesus Cristo chamou ao
apostolado pescadores, fabricantes de tenda e publicanos; quanto a eles, recusam
os que vivem do trabalho de cada dia; mas cultivar as letras profanas, viver na
ociosidade, eis os títulos que são de sua preferência e lhes causam admiração.
Como, então, explicar de outra maneira a exclusão desses inúmeros servidores
que envelheceram nos trabalhos do ministério eclesiástico, para elevar de
repente às maiores dignidades, a quem? Um jovem que jamais experimentou essas
laboriosas ocupações, e cuja vida foi inteiramente consumida no vão estudo das
ciências profanas e seculares”.
“Eis o que
se teria dito, e mais ainda, se eu tivesse aceitado: mas agora, não; a
malignidade já não pode recorrer a nenhum desses pretextos; ninguém poderá nos
acusar, nem eu, de adulação, nem os eleitores, de venalidade, a menos que
pretenda se passar por manifestamente louco. Um homem que pretende se elevar a
qualquer dignidade pela adulação ou por dinheiro, não foge; ele não abandona a
partida no momento de receber o que desejava. É mais ou menos como se alguém,
depois de ter por muito tempo trabalhado a terra para encher seus celeiros com
uma rica colheita, deixasse a outros aquilo que lhe custar tanto trabalho e
dinheiro. Você vê que aos maledicentes, malgrado a falsidade de seus
argumentos, não haveriam de faltar pretextos para acusar os bispos de
consultar, para a eleição, outra coisa do que a justiça e a consciência. Fui eu
quem os impediu de abrir a boca e rilhar os dentes”.
“Essa não é
mais do que uma pequena parte das calúnias das quais eles e eu seríamos alvo.
E, uma vez investido das funções, que dilúvio de acusações seriam sempre renovadas,
impossíveis a mim de responder, ainda que todas as minhas ações fossem
irrepreensíveis! E mais impossível ainda seria, por causa das numerosas falhas
que minha inexperiência e juventude me fariam cometer! Hoje, eu destruí até o
pretexto de tais acusações; mas se eu agisse de outra maneira, eu teria exposto
a todos a uma tempestade de injúrias. São jovens irresponsáveis, teriam gritado
de todos os lados, esses a quem confiaram tão augustas e tão temíveis funções.
Eles puseram a perder o rebanho do Senhor; não vemos mais do que jogos e
zombaria nos negócios da Igreja. A partir de agora, toda iniquidade terá que
calar a boca[15]”.
“Quanto a
você, nada tem a temer de semelhante; suas obras logo ensinarão aos que querem
atacá-lo, que não se deve julgar a prudência de um homem pelo número de seus
anos, nem medir a maturidade pela brancura dos cabelos; e que não é aos jovens,
mas apenas aos neófitos, que se deve proibir a entrada no santuário, e que
entre uns e outros existe uma grande diferença”.
[1] João 21: 15.
[2] Mateus 24: 45.
[4] João 21: 15.
[5] Efésios 6: 22.
[7] Coríntios 2: 11.
[8] 2 Coríntios 1: 23.
[9] Jeremias 3: 8.
[10] 2 Timóteo 11: 25.
[11] Mateus 24: 43.
[12] 1 Timóteo 3: 7.
[13] João 13: 35.
[14] João 15: 13.
[15] Cf. Salmo 106, 42.
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