Ao examinar os elementos de teologia que servem de fundamento à
doutrina da união com Deus na tradição da Igreja do Oriente, traçamos as linhas
gerais do ensinamento sobre o Ser incriado e o ser criado, sobre Deus e a
criatura, os dois termos dessa união. Chegamos quase aos limites extremos do
ser criado, até as regiões mais distantes de Deus, separadas dele não penas
pela natureza, enquanto ser criado, como também pela vontade, criadora de um
novo modo existencial, o do pecado. Pois o pecado é uma invenção da vontade
criada, segundo São Gregório de Nissa. A distância infinita entre o criado e o
incriado, essa separação natural entre o homem e Deus, que entretanto deveria
ser superada pela deificação, se tornou um abismo intransponível para o homem,
depois que este se colocou num novo estado, vizinho do não-ser, o estado do
pecado e da morte. Para chegar à união com Deus, para a qual foi chamada a
criatura, será preciso agora romper uma tripla barreira: a da morte, do pecado
e da natureza.
O caminho para a deificação que foi proposto para o primeiro homem não
é possível antes de que a natureza humana triunfe sobre o pecado e a morte.
Esse caminho de união se apresentará doravante à humanidade decaída sob o
aspecto da salvação. Esse termo
negativo designa a supressão de um obstáculo: somos salvos de alguma coisa –
seja da morte, seja do pecado, que é sua raiz. O plano divino não foi cumprido
por Adão; em lugar da linha reta da ascensão para Deus, a vontade do primeiro
homem traçou um caminho contrário à natureza, que desembocou na morte. Somente
Deus pode devolver ao homem a possibilidade da deificação, libertando-o, ao
mesmo tempo, da morte e do cativeiro do pecado. Aquilo que o homem deveria
realizar elevando-se até Deus, Deus o realiza descendo até o homem. É por isso
que a tríplice barreira que nos separa de Deus – morte, pecado, natureza –
intransponível para os homens, é ultrapassada por Deus no sentido inverso,
começando pela união das naturezas separadas e terminando com a vitória sobre a
morte. Nicolas Cabasilas, um teólogo bizantino do século XIV, disse a esse
respeito: “Aos homens separados de Deus pela tríplice barreira – a natureza, o
pecado e a morte – o Senhor concedeu possuí-Lo plenamente e unir-se a Ele
imediatamente, pelo fato de ter afastado um a um cada obstáculo: o da natureza,
por sua encarnação; o do pecado, com sua morte; e o da morte, por sua
ressurreição. Eis porque São Paulo escreveu: o último adversário a ser vencido
será a morte[1]”.
Para São Máximo, a encarnação (sarkwsis)
e a deificação (qewsis) se correspondem
e se implicam mutuamente. Deus desce ao universo, torna-se homem, e o homem se
eleva à plenitude divina, tornando-se deus, porque essa união das duas
naturezas, divina e humana, foi determinada pelo Conselho eterno de Deus, por
ser o fim último para o qual o mundo foi criado a partir do nada[2].
Poderíamos supor com alguns críticos modernos que São Máximo professava uma
doutrina semelhante à de Duns Scot: se não tivesse existido o pecado original,
Cristo teria se encarnado da mesma maneira, para reunir em si o ser criado e a
natureza divina. Porém, como vimos ao examinar o ensinamento de Máximo sobre a
criação, o objetivo de reunir em seu ser as diferentes esferas do cosmo, para
lhes conferir a deificação alcançando a união com Deus, foi assinalada a Adão[3].
Se essas uniões ou “sínteses” sucessivas que superam as separações naturais
foram realizadas finalmente por Cristo, é porque Adão falhou em sua vocação.
Cristo as realizou sucessivamente, seguindo a ordem que havia sido assinalada
ao primeiro Adão.
Ao nascer da Virgem, Ele suprimiu com seu nascimento a separação da
natureza humana em homens e mulheres. Ele reuniu sobre a cruz o paraíso, lugar
de habitação dos primeiros homens antes do pecado, e a realidade terrestre onde
habita a descendência decaída do primeiro Adão; com efeito, Ele disse ao bom
ladrão: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”, e, entretanto, ele não deixou
de estar com seus discípulos na terra após a ressurreição. Quando de sua
ascensão, Ele reuniu primeiramente a terra e as esferas celestes, o céu
sensível; em seguida, Ele penetrou no empíreo, atravessou as hierarquias
angélicas e reuniu o céu espiritual, o mundo inteligível, com o mundo sensível.
Enfim, Ele apresentou ao Pai a totalidade do universo reunido em Si, como um
novo Adão cósmico, unindo o criado ao incriado[4].
Nessa concepção de Cristo como novo Adão, unificador e santificador do ser
criado, a redenção aparece como um dos momentos de sua obra, momento
condicionado pelo pecado e a realidade histórica do mundo decaído, no qual
aconteceu a encarnação. Quanto à questão de Duns Scot, se o Verbo deveria se
encarnar independentemente da felix culpa,
São Máximo sequer a coloca. Menos soteriológico como teólogo, talvez mais
metafísico do que os demais Padres, ele nem por isso se afasta da trama
realista e prática de seu pensamento; os casos irreais não existem para ele.
Deus havia previsto a queda de Adão e o Filho de Deus foi “o Cordeiro imolado
antes dos séculos” na vontade preexistente da Trindade. É por isso que não
devemos tentar compreender seja lá o que for fora da cruz de Cristo. “O
mistério da encarnação do Verbo, diz São Máximo, contém em si o significado de
todos os símbolos e enigmas da Escritura, assim como o sentido oculto de toda a
criação sensível e inteligível. Mas quem conhece o mistério da Cruz e do
Sepulcro, conhece também as razões essenciais de todas essas coisas. Enfim,
quem penetra ainda mais fundo e se vê iniciado no mistério da Ressurreição,
aprende o fim pelo qual Deus criou todas as coisas no princípio[5]”.
***
A obra de Cristo constitui “uma economia do mistério, oculta em Deus
desde a eternidade[6]”,
como dizia São Paulo. No entanto, não existe necessidade natural na encarnação
e na paixão. “Não se trata de uma obra da natureza, mas de um modo de
condescendência econômica”, segundo São João Damasceno[7],
obra da vontade, o mistério do amor divino. Já vimos no capítulo V que as
“determinações”, as “ideias” para o Padres gregos não pertencem à essência, mas
à vontade comum da Trindade. É por isso que a encarnação do Filho, que é uma
manifestação do amor – “Deus amou tanto o mundo que deu a ele seu Filho único[8]”
– não introduziu nenhuma alteração, nenhuma realidade nova no ser interior da
Trindade. Se “o Verbo se fez carne” – o Logos sarx egeneto - esse “devir” não afeta
absolutamente a natureza divina. “O Verbo, ao mesmo tempo que permanece sendo o
que Ele era, se torna o que Ele não era”, segundo as palavras de São Teófilo da
Bulgária (século XII)[9].
Dionisio aplica à encarnação, e mesmo a humanidade de Cristo o nome de jilanqrwpia[10],
“amor pelos homens”, que é um nome que implica a “providência” (pronoia). Ora, a providência significa as
determinações da vontade divina em relação com a liberdade humana, fundadas
sobre a previsão dos atos livres da criatura. Trata-se de uma vontade salutar
que sabe criar um benefício sempre maior para os homens em todas as
vicissitudes de seus descaminhos, com a condição de que o homem saiba
reconhecer a vontade de Deus. Podemos dizer, com imprecisão desculpável, que
Deus, em sua providência, condescende à liberdade dos homens, que ele age em
consequência dessa liberdade, coordena suas ações com os atos dos seres
criados, a fim de governar o universo decaído ao mesmo tempo em que cumpre Sua
vontade, sem violentar a liberdade das criaturas. Assim sendo, o mistério
oculto antes de todos os séculos em Deus, e que foi manifestado pelo Igreja aos
anjos[11],
essa predeterminação imutável e eterna da Encarnação tem, ao mesmo tempo, um
certo caráter de contingência; podemos quase dizer que ela é ocasional, se essa
expressão não implicasse a ideia de qualquer coisa imprevista.
Deus “desce ao mundo” incessantemente, pelos atos de Sua providência,
por Sua economia, que significa literalmente “construção”, ou “administração de
uma casa”. Na “plenitude dos tempos”, a Sabedoria de Deus agirá no mundo como
força, energia, providência, e entrará no processo histórico como pessoa. A
Sabedoria hipostática do Pai “construirá uma morada para si” – a carne
puríssima da Virgem assumida pelo Verbo. É assim que no século XIV São Filoteu
de Constantinopla interpretou o texto dos Provérbios: Sapientia aedificavit sibi domum[12].
“O nome da Mãe de Deus (Qeotokos)
contém em si toda a história da economia divina no mundo”, segundo São João
Damasceno[13].
“Podemos nos perguntar, diz São Dimitri de Rostov (século XVII), porque o Verbo
de Deus tardou a descer sobre a terra e se encarnar para salvar a humanidade decaída.
Mas antes do meio do sexto milênio desde o pecado de Adão ele não encontrou
para si sobre a terra uma virgem que fosse pura não só de corpo, como de
espírito. Não houve uma sequer, única por sua pureza espiritual e corporal, que
fosse digna de se tornar a igreja e o templo do Espírito Santo[14]”.
Todo o desenvolvimento do Antigo Testamento, com suas eleições sucessivas –
eleição de Noé, eleição da descendência de Abrahão, eleição do povo de Israel,
eleição da tribo de Judá, eleição da casa de Davi –, a lei que defendia a
pureza do povo de Deus, as bênçãos sobre as descendências eleitas, toda essa
história sagrada apareceu como um processo providencial e messiânico, como uma
preparação do corpo de Cristo, da Igreja – como meio de união com Deus, e, antes
de tudo, como uma preparação Daquela que deveria emprestar sua natureza humana
para que o mistério da encarnação pudesse se realizar. O dogma da Imaculada
Concepção é estranho à tradição Oriental, que não admite separar a Santa Virgem
da descendência de Adão sobre a qual pesa a falta de seus primeiros pais. E no
entanto, o pecado, enquanto força que age sobre a natureza, o pecado como
impureza – não tinha lugar Nela. São Gregório Palamas, em sua homilia sobre a
Apresentação no Templo, explica essa santidade da Virgem por meio das
purificações sucessivas que tiveram lugar na natureza de seus antecedentes,
assim como em sua própria natureza desde o momento de sua concepção[15].
Ela era santa, não em virtude de um privilégio, de uma isenção do destino comum
a toda a humanidade, mas porque Ela se manteve pura de todo ataque do pecado, o
que não excluía sua liberdade. Ao contrário, tratava-se sobretudo dessa
liberdade, dessa resposta humana à vontade de Deus. Nicolas Cabasilas expressa
essa ideia em sua homilia sobre a Anunciação: “A Encarnação, diz ele, foi não
somente obra do Pai, de seu Poder e de seu Espírito, mas também obra da vontade
e da fé da Virgem. Sem o consentimento da Imaculada, sem o concurso da fé, esse
desígnio seria tão irrealizável quanto sem a intervenção das três Pessoas
divinas. Foi somente depois de havê-la instruído e persuadido que Deus a tomou
por Mãe e dela emprestou a carne que ela voluntariamente Lhe entregou. Assim
como Ele se encarnou voluntariamente, também quis Ele que Sua Mãe concebesse
livremente e de pleno bom grado[16]”.
Na pessoa da Virgem a humanidade deu seu consentimento para que o Verbo se
fizesse carne e viesse habitar entre os homens, pois, segundo o adágio
patrístico, “se por um lado a vontade divina foi única ao criar o homem, por
outro ela não poderia salvá-lo sem o concurso da vontade humana”. A tragédia da
liberdade se resume nas palavras ecce
ancilla Domini.
Segundo São João Damasceno, que resume as doutrinas cristológicas dos
Padres, a encarnação se fez pela ação do Espírito Santo, que tornou a Virgem
apta a receber em si a divindade do Verbo, de modo que foi pelo próprio Verbo
que se formou da carne virginal as primícias de Sua humanidade[17].
Assim, num só e mesmo ato, o Verbo assumiu a natureza humana, deu-lhe
existência e a deificou. A humanidade assumida e apropriada pela pessoa do
Filho recebeu seu ser na hipóstase divina: ela não existia antes como uma
natureza distinta, não entrara em comunhão com Deus, mas apareceu desde o
começo como a natureza humana do Verbo. Essa humanidade, segundo São Máximo,
possuía o caráter imortal e incorruptível da natureza de Adão antes do pecado,
mas Cristo a submeteu voluntariamente à condição de nossa natureza decaída[18].
Não apenas a natureza humana, como também aquilo que era contra a natureza, as
consequências do pecado, foram assumidas por Cristo, que, entretanto,
permaneceu fora do pecado original em virtude de seu nascimento virginal. Dessa
maneira ele abarcou toda a realidade humana tal como ela era antes da queda,
com a exceção do pecado: uma natureza individual, passível de sofrimentos e de
morte. O Verbo desceu assim até os últimos confins do ser corrompido pelo
pecado, até a morte e o inferno. Deus perfeito, Ele se tornou não apenas “homem
perfeito”, como ainda assumiu todas as imperfeições, todas as limitações
provindas do pecado. “Nós nos espantamos, diz São Máximo, vendo de que maneira
o finito e o infinito – coisas que se excluem reciprocamente e que não podem se
misturar – se encontram unidos Nele e se manifestando mutuamente uma dentro da
outra. Pois o ilimitado se limita de uma maneira inefável, enquanto que o
limitado se desenvolve até a medida do ilimitado[19]”.
***
O pensamento helenístico não poderia admitir a união de dois
princípios perfeitos – duo teleia em genesqai
ou dunatai – “dois perfeitos não podem se tornar um”. A luta pelo dogma
cristológico durou quase quatro séculos antes de que a loucura cristã
triunfasse sobre a sabedoria grega. Assim como no dogma trinitário, trata-se da
distinção entre natureza (jusis) hipóstase. Mas na Trindade existe uma só
natureza em três hipóstases, enquanto que em Cristo são duas naturezas
diferentes numa só hipóstase. A hipóstase compreende ambas as naturezas: “o
Verbo se fez carne”, mas a divindade não se tornou humanidade, nem a humanidade
se transformou em divindade. Esse é o sentido do dogma cristológico, formulado
pelo Concílio de Calcedônia: “Conforme a tradição dos Padres, nós proclamamos
unanimemente que se deve confessar um só e único Filho, nosso Senhor Jesus
Cristo, perfeito em divindade e perfeito em humanidade, verdadeiro Deus e
verdadeiro homem, composto de uma alma racional e de um corpo, sendo
consubstancial ao Pai pela divindade e consubstancial a nós pela humanidade,
semelhante a nós em tudo, exceto pelo pecado, nascido do Pai antes de todos os
séculos segundo a divindade, nascido nos últimos tempos da Virgem Maria, Mãe de
Deus segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação; um só e único Cristo,
Filho, Senhor, Unigênito, que se deu a conhecer nas duas naturezas sem mistura,
sem alteração, indivisivelmente, sem separação, de tal modo que a união não
destruiu a diferença entre as duas naturezas, mas, ao contrário, as
propriedades de cada uma permaneceram ali ainda mais firmes desde que se encontraram
unidas numa só pessoa ou hipóstase, que não se separa nem divide em duas
pessoas, sendo a única e mesma pessoa do Filho, Unigênito, Deus e Verbo, nosso
Senhor Jesus Cristo[20]”.
O que é notável nessa fórmula, é seu caráter apofático: com efeito, a união das
duas naturezas é expressa por quatro definições negativas: asugcutws, atreptws,
adiairetws, acwristws. de fato, nós conhecemos a união de duas naturezas
numa só pessoa, mas “como” essa união se dá permanece para nós um mistério
fundado sobre a distinção-identidade incompreensível da natureza e da pessoa.
Cristo, pessoa divina, terá assim em Si dois princípios diferentes e ao mesmo
tempo unidos. Podemos dizer que o Filho de Deus sofreu, que Ele morreu sobre a
cruz – mas segundo aquilo que podia sofrer e morrer, ou seja, segundo sua
humanidade. Podemos dizer igualmente que, mesmo nascendo como criança na
manjedoura em Belém, mesmo tendo sido suspenso na cruz ou tendo repousado no
sepulcro, Ele não cessou de governar com sua onipotência o conjunto do mundo
criado, em virtude da sua divindade que não sofreu alteração alguma.
Como dissemos muitas vezes, a perfeição da pessoa consiste no
abandono. Na medida em que é distinta da natureza, na medida em que é
“não-natureza”, na medida em que é ela própria, a pessoa se expressa na
renúncia em ser por si mesma. Esse é o esvaziamento da pessoa do Filho, a kenwsis divina. “Todo o mistério da economia,
diz São Cirilo de Alexandria, consiste no esvaziamento e no rebaixamento do
Filho de Deus[21]”.
Trata-se da renúncia à própria vontade para cumprir a vontade do Pai,
observando-a até a morte, até a cruz. De resto, essa renúncia à vontade própria
não é uma determinação, um ato, mas, por assim dizer, é o próprio ser das
pessoas da Trindade, que não possuem senão uma só vontade própria à natureza
comum. A vontade divina em Cristo era, assim, a vontade comum aos três: a
vontade do Pai, fonte da vontade, a vontade do Filho, obediência, e a vontade
do Espírito Santo, realização. “Pois o Filho, diz São Cirilo de Alexandria, não
pode fazer nada que o Pai não faça. Com efeito, não tendo com Ele senão uma
única substância, Ele está obrigado, por assim dizer, por certas leis físicas,
a possuir a mesma vontade e o mesmo poder (...) De resto, o Pai mostra ao Filho
o que Ele próprio faz, não apresentando a Ele suas ações descritas como numa
tábua, não ensinando a Ele algo que Ele ignora (pois o Filho sabe tudo, na
medida em que é Deus), mas retratando a Si mesmo inteiramente na natureza do
Gerado e mostrando Nele tudo o que Lhe é próprio e natural, de tal sorte que o
Filho conhece, a partir daquilo que Ele próprio é, tudo o que é seu Gerador[22]”.
É por isso que “quem viu o Filho, viu o Pai”. A kenwsis
é o modo de ser próprio da pessoa divina enviada ao mundo, pessoa na qual se
realiza a vontade comum da Trindade, cuja fonte é o Pai. A palavra de Cristo,
“o Pai é maior do que Eu”, é uma expressão dessa renúncia kenótica à sua
vontade própria. Isso quer dizer que a obra cumprida sobre a terra pelo Filho
encarnado é a obra da Santa Trindade, da qual não se pode separar o Cristo, por
ter a mesma essência e a mesma vontade junto com o Pai e o Espírito Santo.
Assim, o próprio esvaziamento não fará mais do que manifestar desde logo a
divindade do Filho a todos os que sabem reconhecer a grandeza no rebaixamento,
a riqueza no despojamento, a liberdade na obediência. Pois é preciso ter os
olhos da fé para reconhecer a pessoa – não somente a pessoa divina, mas toda
pessoa humana, criada à imagem de Deus.
As duas naturezas de Cristo permanecerão distintas, não misturadas uma
à outra. Entretanto, unidas hipostaticamente, sem se transformar uma na outra,
elas entrarão de certa forma numa interpenetração (pericwrhsis eis allhlas), segundo São Máximo, que reproduz
aqui, nos quadros do dogma cristológico, a concepção oriental das energias,
processões da natureza[23].
Essa pericorese é, para São João Damasceno, unilateral: ela provém do lado da
divindade, não do lado da carne[24].
Entretanto, a divindade, uma vez que penetrou a carne, confere a essa uma
faculdade inefável de penetrar na divindade. “Ao adorar meu Rei e meu Deus, eu
adoro ao mesmo tempo o pórfiro[25]
de seu corpo, diz Damasceno, não como se fosse uma vestimenta ou uma quarta
pessoa, mas como um corpo unido a Deus e que permanece sem alteração, assim
como a divindade que o ungiu. Pois a natureza corporal não se tornou divindade,
mas, assim como o Verbo não se alterou e permaneceu sendo o que era mesmo quando
se fez carne, da mesma maneira a carne se tornou Verbo sem que tenha perdido o
que ela possuía, mesmo se identificando com o Verbo segundo a hipóstase[26]”.
A humanidade de Cristo constitui uma natureza deificada, penetrada pelas
energias divinas desde o momento da encarnação. São Máximo aplica aqui a
comparação com o ferro penetrado pelo fogo, que se torna fogo sem deixar de ser
ferro pela natureza – exemplo por meio do qual os Padres gregos expressam
habitualmente o estado de uma natureza deificada. Em cada ato de Cristo podemos
ver duas operações distintas, pois Cristo age em conformidade com suas duas
naturezas, por meio de suas duas naturezas – assim como a espada levada ao
rubro pelo fogo corta e queima ao mesmo tempo: “Ele corta como ferro e queima como
fogo[27]”.
Cada natureza age de acordo com suas propriedades: a mão humana ergue
a menina, a divindade a ressuscita; os pés humanos caminham sobre a superfície
das águas, porque a divindade a solidifica. “Não foi a natureza humana que
ressuscitou Lázaro, não foi a força divina que derramou lágrimas diante de seu
túmulo”, diz São João Damasceno[28].
As duas vontades próprias às duas naturezas são diferentes, mas
Aquele-que-quer é um, embora ele queira conforme cada uma das duas naturezas.
Também o objeto da volição é único, pois as duas vontades são unidas, sendo a
vontade humana livremente submissa à vontade divina. Porém essa liberdade não é
a mesma que o nosso livre arbítrio – gnwmh,
a faculdade de escolha que pertence à pessoa. Com efeito, a pessoa divina do
Verbo não tinha necessidade de escolher, de decidir por deliberação. A escolha
é uma limitação própria da nossa liberdade degradada: se a humanidade de Cristo
pudesse querer humanamente, sua pessoa divina não escolheria, ela não exerceria
o livre arbítrio como as pessoas humanas[29].
A vontade divina, segundo São João Damasceno, permitia que a vontade humana
quisesse, que ela manifestasse plenamente aquilo que é próprio à humanidade[30].
Ela precedia a cada vez o querer humano, de sorte que a humanidade de Cristo
queria “divinamente” (qeikws), em
concordância com sua divindade, que deixava que ela desabrochasse. Assim é que
seu corpo experimentava a fome e a sede, que sua alma amava e se entristecesse
(como na morte de Lázaro), que se indignasse, que seu espírito humano
recorresse à prece, alimento de todo espírito criado. As duas vontades naturais
não poderiam entrar em conflito na pessoa do Deus-Homem. A prece do Getsêmani
foi uma expressão de horror diante da morte, reação própria a toda natureza
humana, sobretudo a uma natureza incorruptível que não deveria sofrer morte,
para a qual a morte não poderia ser outra coisa que um desmanche voluntário,
contrário à natureza. “Enquanto sua vontade humana, diz São João Damasceno, se
recusava a aceitar sua morte, e sua vontade divina permitia essa manifestação
de humanidade, então o Senhor, conforme sua natureza humana, mergulhava na luta
e no temor, e pedia para ser afastado da morte. Mas como sua vontade divina
desejava que a vontade humana aceitasse a morte, o sofrimento se tornou
voluntário para a humanidade de Cristo[31]”.
Da mesma forma, o último grito de angústia mortal de Cristo sobre a cruz foi
uma manifestação de sua verdadeira humanidade que sofreu voluntariamente a
morte como um desabrochar final, como a realização total da kenwsis divina.
O rebaixamento divino, a kenosis, para São Máximo, não constituía um
empobrecimento da divindade, mas uma descida inefável do Filho de Deus, que se
reduziu à “figura de um escravo” sem por isso deixar de ser plenamente Deus. É
em virtude desse rebaixamento que Cristo, o novo Adão, incorruptível e imortal
segundo sua natureza humana – natureza que por sua vez foi deificada pela união
hipostática – se submeteu voluntariamente a todas as consequências do pecado,
tornando-se “o homem das dores[32]”.
Ele introduziu assim na sua pessoa
divina toda a decadência da natureza humana devastada pelo pecado,
assimilando-se à realidade histórica na qual a encarnação teve lugar. É por
isso que a vida terrestre de Cristo foi um rebaixamento contínuo: sua vontade
humana renunciava sem cessar àquilo q eu Lhe era próprio por natureza e
aceitava o que era contrário à humanidade incorruptível e deificada: a fome, a
sede, a fadiga, a dor, os sofrimentos e, por fim, a morte sobre a cruz. Assim,
podemos dizer que a pessoa de Cristo, antes do g=final da obra redentora, antes
da Ressurreição, possuía em sua humanidade como que dois polos diferentes – a
incorruptibilidade e a impassibilidade naturais próprias a uma natureza
perfeita e deificada e, ao mesmo tempo, a corruptibilidade e a passionalidade
voluntariamente assumidas, condições às quais sua pessoa kenótica se submeteu e
submetia sem cessar sua humanidade livre do pecado. É por isso que São Máximo
distingue duas assumpções da humanidade pelo Verbo: a assumpção natural e a
assumpção relativa ou econômica[33].
A primeira está, por assim dizer, dissimulada pela segunda. Ela só aparece uma
vez antes da Paixão, quando Cristo se faz ver pelos três Apóstolos tal como ele
é em sua humanidade deificada, resplendendo da luz de sua divindade. O cântico
da festa da Transfiguração exprime claramente os dois aspectos da humanidade de
Cristo – seu estado natural e seu estado de submissão voluntária às condições
da humanidade decaída: “Tu Te transfiguraste sobre a montanha, ó Cristo Deus, e
a glória encheu de tanta admiração Teus discípulos, que ao ver-Te crucificado
eles compreenderam que os sofrimentos são voluntários e anunciaram ao mundo que
Tu és verdadeiramente o Esplendor do Pai”.
***
A festa da Transfiguração, muito venerada pela Igreja Ortodoxa, pode
servir de chave para a compreensão da humanidade de Cristo na tradição
oriental. Esta jamais considera a humanidade de Cristo abstraindo sua
divindade, cuja plenitude habitava Nele corporalmente[34].
Deificada pelas energias divinas, a humanidade do Verbo não poderia aparecer
aos filhos da Igreja depois da Ressurreição e do Pentecostes, senão sob o
aspecto glorioso que permanecera oculto aos olhos humanos antes da chegada da
graça. Essa humanidade fez aparecer a divindade que é o esplendor comum às Três
Pessoas. A humanidade de Cristo serve de ocasião para a manifestação da
Trindade. É por isso que a Epifania (a festa do Batismo de Cristo, segundo a
tradição litúrgica do Oriente) e a Transfiguração são celebradas tão
solenemente: festeja-se a revelação da Trindade – pois a voz do Pai se faz
ouvir, e o Espírito Santo se faz presente, da primeira vez sob o aspecto da
pomba, da segunda vez como a nuvem luminosa que cobriu os apóstolos.
Esse aspecto real de Cristo – o “Um da Santíssima Trindade” – que veio
ao mundo para vencer a morte e libertar os cativos, é própria da
espiritualidade ortodoxa de todas as épocas e de todos os países. Mesmo a
paixão, mesmo a morte sobre a cruz e a deposição no sepulcro irão se revestir
de um caráter triunfal, no qual a majestade divina de Cristo, realizando o
mistério de nossa salvação, transparecerá nas imagens de decadência e de
abandono. “Eles arrancaram minhas vestimentas e me vestiram de púrpura,
colocaram sobre minha cabeça uma coroa de espinhos e me puseram um junco nas
mãos, a fim de que eu os destruísse como vasos de argila”. Cristo, revestido
com os trajes do ridículo, aparece subitamente no final desse hino como o Rei
que vem julgar o mundo, o Cristo escatológico, o do Juízo final. “Aquele que se
veste de luz como se fosse um manto ficou nu diante dos juízes e recebeu golpes
no rosto, das mãos daqueles que Ele havia criado. Homens sem lei pregaram na
cruz o Senhor da Glória. Nesse momento o véu do templo se rasgou, e o sol
escureceu, não suportando assistir Deus atormentado, Aquele, diante do qual
toda criatura treme”. Aqui, o Cristo sobre a cruz aparece como o Criador do
cosmo no meio da Criação tomada de pavor diante do mistério de sua morte. A
mesma ideia é expressa num outro hino da Sexta-feira Santa: “Nesse dia foi
suspenso no madeiro Aquele que suspendeu a terra sobre as águas. E com uma
coroa de espinhos foi coroado o Rei dos anjos. Ele foi vestido com a púrpura da
humilhação, ele que vestiu de nuvens o céu. Aquele que libertou a Adão no
Jordão suportou todos os golpes. O Esposo da Igreja foi pregado no madeiro. O
Filho da Virgem foi trespassado por uma lança. Glória à Tua Paixão, ó Cristo,
glória à Tua Paixão. Revela-nos Tua Ressurreição!”. Por meio desses temas da
paixão, a espera da Páscoa se faz sentir cada vez mais. “Eis que o Sepulcro
encerra Aquele que em sua mão contém toda a criação. Uma pedra cobre o Senhor
que cobriu de beleza os céus. A Vida dorme e o inferno treme de pavor. Adão é
libertado de suas amarras. Glória à Tua Providência, por meio da qual Tu
criaste o repouso eterno, revelando a nós, ó meu Deus, Tua santíssima
Ressurreição!”. Enfim, o repouso no sepulcro, último desdobramento da kenosis
divina, nos introduz subitamente no repouso misterioso do Criador: a obra da
redenção se identifica com a obra da criação. “O grande Moisés predisse
misteriosamente esse dia, quando disse: ‘e Deus abençoou o sétimo dia’. Esse é
o sábado bendito, esse é o dia do repouso. Pois nesse dia o Filho único de Deus
repousou de todas as suas obras”. Com esse hino sagrado, cantado na Sexta-feira
Santa, a Igreja entreabre diante de nós “o mistério oculto em Deus antes de
todos os séculos”. Lembremo-nos das palavras de São Máximo que citamos no
início desse estudo: “Quem conhece o mistério da cruz e do sepulcro, conhece
também as razões essenciais de todas as coisas”. Mas o espírito permanece mudo
diante desse mistério e o pensamento teológico não encontra palavras para
expressá-lo.
***
A atitude apofática própria da teologia oriental se expressa na multiplicidade
de imagens que os Padres gregos propõem ao nosso espírito para elevá-lo à
contemplação da obra realizada por Cristo, obra incompreensível para os anjos,
segundo São Paulo. Essa obra é chamada, no mais das vezes, de redenção, o que
implica a ideia de uma dívida a pagar, de um resgate de cativos, uma imagem
emprestada da prática jurídica. A imagem, retomada por todos os Padres, é de
São Paulo, assim como outra imagem de ordem jurídica, a do “Mediador” que
reconcilia os homens com Deus por meio da cruz sobre a qual Ele suprime a
inimizade. Outras imagens possuem um caráter mais guerreiro – a luta, a
conquista, a destruição da potência adversa. São Gregório de Nissa representa a
economia da salvação como um truque divino que desmonta a astúcia do mal e
assim liberta a humanidade. Imagens de ordem física são também frequentes, como
a do fogo que destrói a impureza da natureza, da incorruptibilidade que faz
desaparecer a corrupção, do médico que cura a natureza enferma, etc. Se
quisermos fazer de qualquer uma dessas imagens a expressão adequada do mistério
de nossa salvação, correremos o risco de substituir “o mistério oculto em Deus
antes de todos os séculos” por concepções puramente humanas e impróprias. São
Máximo faz caber todas essas imagens da obra redentora numa palavra poderosa e
rica de sentidos: “A morte de Cristo sobre a cruz, diz ele, é um julgamento do
julgamento[35]”.
São Gregório de Nazianze aplica à teologia da Redenção o método
apofático. Rejeitando, não sem ironia, uma após outra, as imagens impróprias
por meio das quais habitualmente tentamos exprimir a obra de nossa salvação
realizada por Cristo, ele esclarece assim o mistério insondável da vitória
sobre a morte: “É preciso que examinemos, diz ele, o problema e o dogma que
tantas vezes são passados em silêncio, mas que, para mim, não deixam de exigir
um estudo profundo. O sangue derramado por nós, sangue preciosíssimo e glorioso
de Deus, esse sangue do Sacrificador e do Sacrifício, por que foi ele vertido e
a quem foi ele oferecido? Nós estávamos todos sob a dominação do demônio,
vendidos ao pecado, depois de termos adquirido a corrupção por causa de nossa
concupiscência. Se o preço de nosso resgate foi pago àquele que nos mantinha
sob seu poder, eu me pergunto: a quem, e por qual razão, foi ofertado tal
preço? Se ele foi oferecido ao demônio, isso é ultrajante! O bandido recebe o
preço da redenção. E não apenas ele o recebe de Deus, como ele recebe o próprio
Deus. Por sua violência ele exige um preço desmesurado, que teria sido mais
justo nos comutar. Mas, se esse preço foi oferecido ao Pai, podemos nos
perguntar, antes de tudo, por que razão? Não foi o Pai que nos tornou cativos.
Ademais, por que o sangue do Filho único seria agradável ao Pai, que não quis
aceitar Isaac oferecido em holocausto por Abrahão, mas que substituiu o
sacrifício humano pelo de um cordeiro? Não é evidente que o Pai aceitou o
sacrifício, não porque Ele o exigia ou porque tivesse necessidade dele, mas por
economia? Era preciso que o homem fosse santificado pela humanidade de Deus,
era preciso que Ele próprio nos libertasse triunfando sobre o tirano por sua
própria força, que Ele nos chamasse para Si por meio de Seu Filho, o Mediador
que a tudo realizou em honra ao Pai, ao qual Ele obedecia em tudo (...) E que o
resto seja venerado pelo silêncio[36]”.
“Foi preciso que Deus se encarnasse e morresse para que nós pudéssemos reviver[37]”.
“Nada pode igualar o milagre de minha salvação: algumas poucas gotas de sangue
reconstituíram o universo inteiro[38]”.
Essa vitória sobre a morte se manifesta antes de tudo na Ressurreição
do Senhor: “Nesse dia Cristo foi chamado de entre os mortos aos quais Ele se
unira. Nesse dia Ele destruiu o dardo da morte, ele rompeu as portas lúgubres
do triste inferno, libertando as almas. Nesse dia ressurgindo o sepulcro, Ele
apareceu aos homens, pelos quais nasceu, morreu e ressuscitou dos mortos[39]”.
Cristo assumiu nossa natureza, Ele se submeteu voluntariamente a todas
as consequências do pecado, tomou sobre Si a responsabilidade por nossa falta,
mesmo permanecendo estranho ao pecado, para resolver a tragédia da liberdade
humana, para sobrepujar o esgarçamento entre Deus e os homens, introduzindo-o
no seio de sua pessoa, na qual não há lugar para nenhum esgarçamento, para
nenhum conflito interior. Segundo São Máximo, Cristo curou tudo o que é próprio
do homem e, antes de tudo, curou a vontade, que foi a fonte do pecado. Em sua
kenosis inefável, o Deus-Homem se integrou à realidade corruptível esgotando-a,
esvaziando-a desde dentro por meio de sua vontade incorruptível. Essa integração
voluntária às condições da humanidade decaída deveria desembocar na morte sobre
a cruz, na descida aos infernos. Assim, toda a realidade da natureza decaída –
incluindo a morte – todas as condições existenciais que eram resultantes do
pecado, e que, como tais, possuíam o caráter de penas, de castigo, de maldição,
foram transformadas pela Cruz de Cristo em condições da salvação: “O lugar do
suplício se tornou o paraíso”. A cruz, que deveria significar a última
decadência, se tornou o fundamento inquebrantável do universo: “a Cruz
vivificante, poder dos reis, firmeza dos justos, magnificência dos sacerdotes”
(Cântico da Exaltação da Cruz).
Segundo São Máximo, a obra da salvação compreende três graus, que
Cristo restabeleceu sucessivamente na natureza: o ser, o ser segundo o bem (eu einai) e o ser eterno (aei einai). O primeiro foi atingido com a
encarnação, o segundo pela incorruptibilidade da vontade na vida terrestre que
terminou na Cruz, e o terceiro pela incorruptibilidade da natureza que se
revelou na Ressurreição[40].
Voltamos de novo à passagem de São Máximo, que diz: “Quem penetra além da Cruz
e do Sepulcro e se vê iniciado no mistério da Ressurreição aprende o objetivo
pelo qual Deus criou todas as coisas”.
Os Padres dos “séculos cristológicos”, ao formularem o dogma sobre o
Cristo Deus-Homem, jamais perderam de vista a questão da nossa união com Deus. Os argumentos habituais que eles invocam
contra as doutrinas heterodoxas se referem sobretudo à plenitude da nossa
união, da nossa deificação, que se torna impossível se separarmos as duas
naturezas de Cristo, como fez Nestorius, ou se admitirmos Nele uma única natureza
divina, como os monofisitas, ou se suprimirmos uma parte de sua natureza
humana, como Apolinário, ou se pretendermos ver Nele não mais do que uma única
vontade e operação divina, como os monotelitas. “Aquilo que não é assumido não
pode ser deificado” – eis o argumento patrístico que retorna sem cessar.
O que é deificado em Cristo é sua natureza humana, assumida em sua
plenitude pela pessoa divina. O que deve ser deificado em nós é nossa natureza
por inteiro, que pertence à pessoa que deve entrar em união com Deus e se
tornar uma pessoa criada com duas naturezas: a natureza humana deificada e a
natureza, ou melhor, a energia divina deificante.
A obra realizada por Cristo se refere à nossa natureza que já não está
separada de Deus pela falta. Trata-se de uma nova natureza, uma criatura
renovada que aparece no mundo, um novo corpo, puro de todo ataque do pecado,
livre de toda necessidade exterior, separada de toda iniquidade, de toda
vontade estranha, pelo sangue precioso de Cristo. É a Igreja, meio puro e
incorruptível onde alcançamos a união com Deus; é também nossa natureza, na
medida em que se incorpora à Igreja, na medida em que constitui uma parte do
corpo de Cristo, ao qual ela se integra pelo Batismo.
Mas se, segundo nossa natureza, somos membros, partes da humanidade de
Cristo, nossas pessoas ainda não chegaram a se unir à divindade. A redenção e a
purificação da natureza não fornecem ainda todas as condições necessárias para
a deificação. A Igreja já é o corpo de Cristo, mas ela ainda não é “a plenitude
Daquele que preenche todas as coisas[41]”.
A obra de Cristo é consumada; agora, deve se cumprir a obra do Espírito Santo[42].
[1] Da vida em Cristo, III, P.G., t. 150. Cf. I Coríntios 13: 12.
[2] Quaestiones ad Thalassium (60), P.G., t.
90, col. 621AB.
[3] De ambiguis, P.G., t. 91, col. 1308.
[4] Ibid., col. 1309.
[5] Centúrias gnósticas, I, 66, P.G., t. 90,
col. 1108AB.
[6]
Efésios 3: 9.
[7] Contra Jacobitas, 52, P.G., t. 94, col.
1464A.
[8]
João 3: 16.
[9] Enarratio in Evangelium Ioannis, I, 14,
P.G., t. 123, col. 1156C.
[10] De div. Nomin., II, 3, 10; Epist., IV et passim, P.G., t. 3, col. 640C, 648D, 1072D.
[11]
Cf. Efésios 3: 9-10.
[12]
Três discursos sobre a Sabedoria, ao
Bispo Inácio, ms. 431 Bibl. Sinodal de Moscou, Novgorod, 1898.
[13] De fide orth., III, 12, P.G., t. 94,
col. 1029 e 1032.
[14] Obras de São Dimitri de Rostov, t. III,
p. 101, Lectures Chrétiennes, 1842,
IV, 395.
[15]
Homilia sobre a Apresentação no Templo da
Santa Virgem, coletânea de sermões de São Gregório Palamas, Atenas, 1861,
p. 16.
[16]
M. Jugie, Homilias mariais bizantinas, Patrologia orientalis, XIX, fasc. 3,
Paria, 1925.
[17] De fide orth., III, 2, P.G., t. 94, col.
985BC – 988A.
[18] Quaestiones ad Thalassium (21), P.G., t.
90, col. 312-316.
[19] Epist. XXI, P.G., t. 91, col. 604BC.
[20]
Mansi, Col. Concil., VII, col. 116;
Denzinger, Enchiridion, Würzburg,
1865.
[21]
As principais passagens “kenóticas” de São Cirilo: Quod unus sit Christus, P.G., t. 75, col. 1308, 1332; Apologecticus contra orientales, t. 76,
col. 340-341; Apologet. Contra
Theodoretum, col. 417, 440ss; Adversus
Nestorium, III, 4, col. 152ss; De
recta fides, ad reginas, II, 19, col. 1357-1359; Homil. Pasch. XVII, t. 77, col 773ss et passim.
[22] In Ioannem, II, t. 3, col. 361D.
[23]
Disputatio cum Pyrrho, P.G., t. 91,
col. 344, 345D-348 A. Ver João Damasceno, De
fide orth., III, 3, P.G., t. 94, col. 994-996.
[24] De fide orth., III, 8, P.G., t. 94, col.
1013B.
[25]
Pórfiro: rocha ígnea de origem vulcânica.
[26] Ibid., col. 1013C-1016A; IV, 3, col.
1105B.
[27]
Disputato cum Pyrrho, P.G., t. 91,
col. 337C-340A; De ambiguis, ibid.,
col. 1060A. Ver João Damasceno, De fide
orth., III, 15. P.G., t. 94, col. 1053D-1056A.
[28] De fide orth., III, 15, col. 1057A.
[29]
São Máximo, Opuscula theologica et
polemica, Ad Marinum, P.G., t. 91, col. 48A-49A; João Damasceno, De fide orth., III, 14, col. 1036-1037,
1044-1045.
[30] De fide orth., III, 15, col. 1060BC.
[31] Ibid., III, 18, col. 1073BC.
[32]
Isaías 53: 3.
[33]
Opuscula theologica et polemica,
P.G., t. 91, col. 156-157; De ambiguis,
ibid., col. 1040, 1049D-1502, 1317D-1321.
[34]
Colossenses 2: 9.
[35] Quaestiones ad Thalassium (43), P.G., t.
90, col. 408D; (61) col. 633D; (63) col. 684A-685B.
[36] In sanctum Pascha, or. XLV, §22, P.G.,
t. 36, col. 653AB.
[37] Ibid., §28, col. 661C.
[38] Ibid., §29, col. 664A.
[39] Poematta de seipso, XXXVIII: Hymnus ad Christum post silentium, in Paschate,
P.G., t. 37, col. 1328, vv. 39-44.
[40] De ambiguis, P.G., t. 91, col. 1392.
[41]
Efésios 1: 23.
[42]
São Gregório de Nazianze, In Pentecosten,
or. XLI, §5, P.G., t. 36, col. 436-437.
Nenhum comentário:
Postar um comentário