quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Inácio Briantchaninov - Escritos sobre a Prece de Jesus - Parte 1: Dos diversos tipos de Prece



Tradução para o francês do Hieromonge Simeão
Mosteiro São João Batista, Tolleshunt Knights, Essex



I
DA PRECE ORAL E VOCAL


Valor da prece oral

Que ninguém que deseje progredir no caminho da prece pense irrefletidamente que a prece pronunciada pelos lábios e a voz e com a participação do intelecto seja de pouco valor, e que não mereça nossa consideração. Se os santos Padres falam da esterilidade da prece oral e vocal quando essa não está unida à atenção, não devemos concluir daí que eles tenham rejeitado ou desprezado essa prece enquanto tal. Não se trata disso: eles insistem apenas em que ela seja dita com atenção. A prece oral e vocal dita com atenção é o começo e a causa da oração mental; e ela é também uma prece mental. Habituemo-nos, pois, para começar, a orar por meio dessa prece, e então aprenderemos facilmente a orar também somente pelo espírito no silêncio de nossa cela interior.

A santa Escritura a menciona

A prece oral e vocal é mencionada pela santa Escritura. O exemplo dessa prece e do canto vocal nos foi dado pelo próprio Salvador e pelos Apóstolos que os receberam Dele. O evangelista Mateus nos conta que “depois de cantar o hino” ao final da Ceia mística, o Senhor e seis Apóstolos “partiram para o monte das Oliveiras[1]”. O Senhor orou de modo a ser ouvido por todos antes da ressurreição de Lázaro, morto há quatro dias[2].

Quando estavam encerrados numa prisão, o apóstolo Paulo e seu companheiro de viagem Silas oravam e cantavam louvores a Deus; os outros prisioneiros podiam ouvi-los. Subitamente, cobrindo o som de sua salmodia, “houve um grande tremor de terra, de modo que as fundações da prisão foram sacudidas; no mesmo instante, todas as portas se abriram e as cadeias de todos os prisioneiros se romperam[3]”. A prece de santa Ana, mãe do profeta Samuel, muitas vezes apresentada pelos santos Padres como um modelo de oração, não era apenas mental. Diz a Escritura: “Ela falava em seu coração: seus lábios se moviam, mas não se podia escutar sua voz[4]”. Essa oração não era vocal, mas, ao mesmo tempo em que era uma prece do coração, era também vocal.

O santo apóstolo Paulo chama a prece vocal de “fruto dos lábios”. Ele ordena “oferecer sem cessar a Deus um sacrifício de louvor, ou seja, o fruto dos lábios que confessam seu Nome[5]”; ele ordena “recitar salmos, hinos e cânticos espirituais”, e, unindo a prece vocal e oral ao canto, “cantar e celebrar em nossos corações os louvores ao Senhor[6]”. Ele reprova a falta de atenção durante a prece oral e vocal. “Se a trombeta produzir um som confuso (um som desconhecido, incompreensível), quem se preparará para o combate? Também vós, se com a língua não deres uma palavra distinta (vale dizer, inteligível) como se poderá saber o que dizeis?  Pois estareis falando ao vento[7]”. Embora, propriamente falando, o Apóstolo tenha dito essas palavras visando aqueles que oravam e proclamavam as inspirações do Espírito Santo em línguas estrangeiras, os santos Padres as aplicam com razão também àqueles que oram sem atenção. Quem reza desse modo e, por conseguinte, não compreende as palavras que pronuncia, não se torna também um estrangeiro para si mesmo?

A atenção é essencial

Baseado nesse ensinamento, são Nilo de Sora diz que aquele que ora com os lábios e a voz, mas sem atenção, faz com que sua prece suba pelos ares, mas não para Deus. “É paradoxal pretender que Deus escute o q eu você próprio não está ouvindo”, diz são Dimitri de Rostiv, emprestando essas palavras do santo bispo e mártir Cipriano de Cartago[8].

É exatamente o que acontece com aqueles que rezam oral e vocalmente, mas sem atenção: eles não escutam a si próprios, se deixam levar por distrações, seus pensamentos vagueiam longe, perdendo-se em preocupações tão distantes da prece que às vezes acontece que se detenham bruscamente, sem se lembrar do que acabaram de ler; ou então, ao invés de pronunciar as palavras da oração que estão lendo, eles começam a dizer outras orações, embora o livro esteja aberto debaixo de seus olhos. Como poderiam os santos Padres não reprovar semelhante prece dita sem atenção, mutilada e destruída pelas distrações!

Testemunho dos Padres

“A atenção, diz são Simeão o Novo Teólogo, deve estar tão estreitamente ligada à oração quanto o corpo à alma: esses últimos não podem ser separados, nem existir um sem o outro. A atenção deve ser como uma sentinela na vigia para surpreender a aproximação do inimigo. Ela deve ser a primeira a lutar contra o pecado, a se opor aos maus pensamentos que se aproximam do coração. Depois, seguindo-se à atenção, intervém a prece para extirpar e instantaneamente destruir todos os maus pensamentos contra os quais a atenção dera o primeiro combate, pois esta, sozinha, não é capaz de os dominar. A vida e a morte da alma dependem dessa batalha sustentada conjuntamente pela atenção e a prece. Se, por meio da atenção, protegermos a pureza de nossa prece, progrediremos. Se, ao contrário, não tivermos o cuidado de guardá-la pura e a deixarmos sem supervisão, os maus pensamentos a mancharão, nós nos tornaremos homens relaxados e não poderemos fazer progressos”.

A atenção deve absolutamente acompanhar a prece oral e vocal, como, de resto, toda forma de prece. Quando ela está presente, os frutos da prece são inumeráveis. O asceta deve começar pela prece oral. É ela que a santa Igreja ensina em primeiro lugar às suas crianças. “A raiz da vida monástica é a salmodia”, disse santo Isaac o Sírio[9]. Ensina são Pedro Damasceno: “A Igreja adotou, com um objetivo louvável e agradável a Deus, cantos e hinos diversos em razão da fraqueza de nosso intelecto, a fim de que nós, que não temos conhecimento, sejamos atraídos pela doçura da salmodia e que cantemos, por assim dizer apesar de nós, louvores a Deus. Os que podem compreender e penetrar o sentido das palavras pronunciadas, entram num estado de humilde enternecimento do coração. Assim, como que por uma escada, nós nos elevamos até os pensamentos santos. Na medida em que progredimos no hábito desses pensamentos divinos, um desejo divino surge em nós e nos faz descobrir o que significa a adoração do Pai em Espírito e Verdade[10], segundo a palavra do Senhor[11]”.

Os frutos da prece oral

A boca e a língua que se exercitam frequentemente na prece e na leitura da Palavra de Deus se santificam; elas já não podem dizer palavras ociosas ou rir, e se tornam incapazes de pronunciar futilidades, obscenidades ou conversas podres. Deseja você progredir na oração mental e na prece do coração? Aprenda, para começar, a estar atento durante a prece oral e vocal: a prece oral dita com atenção se transformará por si só em prece mental e do coração. Deseja aprender a repelir rapidamente e com força os pensamentos semeados em nós pelo Inimigo comum da humanidade? Repila-os, quando estiver só em sua cela, por meio de uma prece oral atenta, pronunciando as palavras pausadamente, com um humilde enternecimento do coração. O espaço tintila com uma prece oral e vocal atenta, e os príncipes do ar são tomados por um tremor, seus braços se paralisam, suas redes apodrecem e se desmancham. O ar tintila com a prece oral e vocal atenta, e os santos Anjos se aproximam daqueles que oram e cantam; eles se juntam ao seu coro e participam de seus cânticos espirituais, tal como foram considerados dignos de ver certos santos, dentre eles nosso contemporâneo, o bem-aventurado Starets Serafim de Sarov.

A prática dos Padres

Numerosos Padres ilustres praticaram durante toda sua vida a prece oral e vocal, e isso não os impediu de serem cumulados com os dons do Espírito. A causa de seu progresso estava em que neles o intelecto, o coração, a alma e todo o corpo estavam unidos à voz e aos lábios; eles pronunciavam a prece com toda sua alma, toda sua força, todo seu ser, em resumo, com sua pessoa inteira. É assim que são Simeão da Montanha Admirável recitava o Saltério completo durante a noite[12]. São Isaac o Sírio menciona uma bem-aventurado ancião que tinha como ocupação a leitura orante dos salmos; a ele foi concedido seguir a leitura por três ou quatro salmos, depois do que a consolação divina o tomava com tamanha força que ele permanecia dias inteiros em estado de bem-aventurado êxtase, sem consciência do tempo ou de si mesmo[13].

Durante a leitura dos Acatistos, são Sérgio de Radonege foi visitado pela Mãe de Deus, que estava acompanhada dos apóstolos Pedro e João[14]. Conta-se a respeito de santo Hilário de Souzdal que, quando ele lia o Acatisto na igreja, as palavras saíam de sua boca como se fossem de fogo, com uma força e eficácia inexplicável sobre os auditores[15]. A prece oral dos santos era vivificada pela atenção e pela graça divina que restabelecia a unidade das potências do homem divididas pelo pecado; é o que explica que ela derramasse semelhante força sobrenatural, produzindo tão prodigiosa impressão sobre os ouvintes. Os santos celebravam a Deus com todo seu coração[16], eles cantavam e confessavam a Deus com uma firmeza inquebrantável[17], ou seja, sem distrações; eles cantavam a Deus com sabedoria.

A salmodia

Devemos notar que os santos monges dos primeiros séculos e todos os que desejavam progredir na prece não se preocupavam em absoluto, ou se preocupavam pouco, com o canto propriamente dito. Pelo termo de “salmodia”, conforme se encontra em suas Vidas e em seus escritos, devemos entender uma leitura extremamente lenta dos salmos e de outras orações. Esse tipo de leitura é indispensável se quisermos manter uma atenção vigilante e evitar as distrações. Por causa de sua lentidão e de seu parentesco com o canto, essa leitura foi denominada “salmodia”. Ela era feita de cor; os monges daqueles tempos tinham por regra memorizar o Saltério. A recitação de cor do Saltério contribui em muito para fixar a atenção. Semelhante leitura – a bem dizer, não se trata de uma leitura, pois não é feita por meio de um livro, sendo esse o sentido próprio da salmodia – pode ser executada numa cela escura, com os olhos fechados, o que protege das distrações, enquanto que uma cela iluminada – indispensável para a leitura de um livro, ou simplesmente para ver – dissipa o intelecto ou o desvia do coração para o exterior. “Eles cantam, diz são Simeão o Novo Teólogo, ou seja, seus lábios oram[18]”. “Os que não cantam, diz Gregório o Sinaíta, também fazem bem, caso já tenham progredido; eles não precisam, com efeito, recitar os salmos, mas necessitam do silêncio e da prece incessante[19]”.

Leitura e prece

Falando propriamente, os Padres chamavam de “leitura” a leitura da Santa Escritura e dos escritos dos santos Padres, e de “prece”, antes de tudo, a Prece de Jesus, assim como a Prece do Publicano e outras orações extremamente curtas. Que essas preces substituam com vantagens a salmodia é incompreensível para os iniciantes e não pode ser explicado de maneira satisfatória, pois isso ultrapassa a sabedoria psíquica e só se explica por uma experiência bem-aventurada.

Irmãos, estejamos atentos durante as preces orais e vocais que pronunciamos durante os serviços da igreja e na solidão de nossas celas. Não deixemos que nossos esforços e nossa vida no mosteiro se tornem estéreis por causa de nossa falta de atenção e de nossa negligência na obra de Deus. A negligência na prece é fatal! Diz a Escritura: “Maldito seja aquele que realiza a obra de Deus com negligência[20]”. O resultado dessa maldição é evidente: uma esterilidade espiritual total e a ausência de todo progresso, malgrado os numerosos anos passados na vida monástica. Coloquemos na base de nossa ascese de oração – é ela o principal e mais importante dentre todos os trabalhos monásticos, e aquele por cuja causa todos os demais existem – a prece atenta, oral e vocal. Em resposta a essa prece, o Senhor misericordioso dará, no devido tempo, ao asceta perseverante, paciente e humilde, a prece muda do intelecto e do coração, pela graça. Amém.



II
DA MEDITAÇÃO E DA LEMBRANÇA DE DEUS


Pela expressão “meditação”, ou “lembrança de Deus”, os santos Padres entendiam qualquer oração curta ou mesmo qualquer pensamento espiritual que eles “ruminavam”, e que eles se esforçavam por guardar em seu espírito e em sua memória, à exclusão de todo outro pensamento.

Voltar seu pensamento para Deus

Podemos substituir todos os demais pensamentos por um único e breve pensamento espiritual sobre Deus? Sim, isso é possível. O santo apóstolo Paulo disse: “Pois dentre vós ei não quis saber de outra coisa senão de Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado[21]”. Quando um pensamento vão, terrestre, ocupa um homem continuamente, ele empobrece sua inteligência e o impede de adquirir conhecimentos úteis e necessários; ao contrário, quando um homem torna seu um pensamento relativo a Deus, esse lhe comunica um conhecimento espiritual. Quem se lembra constantemente de Cristo, recebe-O em si mesmo; os mistérios divinos se revelam a ele, esses mistérios desconhecidos aos homens carnais e psíquicos, desconhecidos dos sábios desse mundo e inacessíveis a eles; pois “Nele (em Cristo) estão ocultos os tesouros da sabedoria e da ciência[22]”, e quem entra na posse desses tesouros recebe em si ao Senhor Jesus Cristo.

Cristo estabeleceu esse mandamento

A meditação, ou a lembrança de Deus, foi instituída pelo próprio Deus. Ela foi prescrita pelo Verbo encarnado e o Espírito Santo a confirmou pela voz dos mensageiros do Verbo (os apóstolos). “Vigiem e orem todo o tempo[23]”, ordenou outrora o Senhor aos seus discípulos que estavam presentes. Ele ordena também a nós que nos mantenhamos agora diante Dele e que Lhe supliquemos que nos torne dignos de cumprir Sua vontade, e que nos tornemos Seus discípulos – que sejamos cristãos não apenas de nome, mas também no nosso modo de vida.

Tendo pronunciado as palavras acima, o Senhor assinalou as calamidades morais e materiais que envolveriam seus discípulos durante sua peregrinação terrestre: os sofrimentos e as angústias que precedem, acompanham e se seguem à morte de cada um de nós, as tentações e atribulações que flagelarão o mundo antes do advento do Anticristo e durante seu reino, enfim a convulsão e a transformação do universo aquando do glorioso e temível segundo Advento de Cristo. “Vigiai portanto e orai todo o tempo, a fim de que tenhais a força para escapar de todas essas coisas que virão, e para que vos apresenteis de pé diante do Filho do homem[24]”, na alegria da salvação – “apresentar-se de pé” em semelhante alegria, tanto depois do julgamento particular de acontecerá para cada homem em seguida à separação da alma e do corpo, como no Julgamento final, quando os eleitos serão colocados à direita do Juiz e os danados à sua esquerda[25].

Também os apóstolos o prescreveram

“Sede sóbrios e sábios para vos dedicar à prece”, disse o santo apóstolo Pedro, repetindo aos fiéis o mandamento do Senhor. “Sede sóbrios, vigiai. Vosso adversário, o diabo, ronda como um leão que ruge, buscando devorar-vos. Resisti a ele com um a firmeza da fé[26]”. Retomando e confirmando esse mandamento santo e salutar, o apóstolo Paulo diz: “Orai sem cessar[27]. Não vos inquieteis por nada; em todas as coisas dai a conhecer vossas necessidades a Deus por meio de preces e súplicas, com ações de graças[28]. Perseverai na prece; mantende-vos vigilantes nas ações de graças[29]. Eu desejo que os homens orem em todo lugar, elevando as mãos puras, sem cólera nem maus pensamentos[30]. Pois aquele que se liga ao Senhor [por uma prece incessante] se torna um com Ele em espírito[31]”. Quando um homem se liga ao Senhor e se une a Ele por meio de uma prece incessante, o Senhor o liberta da alienação e da servidão ao pecado e ao diabo: “Não fará Deus justiça aos seus eleitos, que clamam por Ele dia e noite, tardará Ele em atendê-los? Eu vos digo, Ele lhes fará justiça prontamente[32]”.

Orar sem cessar

O critério da perfeição monástica é a prece incessante. “Aquele que atingiu o cume de todas as virtudes, diz santo Isaac o Sírio, se torna morada do Espírito Santo[33]”. O monge que deseja alcançar a perfeição cristã deve se dedicar e se aplicar à prece incessante. Isso constitui para todo monge uma obrigação imposta pelo mandamento divino e pelos votos monásticos[34].

É evidente que os santos Apóstolos, que haviam recebido pessoalmente do Senhor o mandamento de orar sem cessar, e que o haviam transmitido aos fiéis, praticavam eles próprios a prece incessante. Antes da descida do Espírito Santo, eles permaneciam numa casa, perseverando na prece e na oração[35]. Por “prece” entendemos aqui as preces vocais que eles diziam juntos, e por “oração” a constante orientação de seus espíritos para a prece, a prece ininterrupta. Quando o Espírito Santo desceu sobre os Apóstolos e fez deles templos de Deus, Ele os tornou também templos da prece ininterrupta, como foi dito na Escritura: “Minha casa será chamada de casa de oração[36]”. “Quando o Espírito estabelece sua morada num homem, este já não interrompe sua prece, pois o próprio Espírito ora nele[37]”.

Os Apóstolos não tinham senão duas atividades espirituais: a prece e a proclamação da Palavra de Deus. Eles passavam da prece ao anúncio da Palavra de Deus aos homens, e depois dessa proclamação eles retornavam à prece. Eles se encontravam numa incessante conversação espiritual: tanto eles falavam a Deus em prece, tanto falavam da parte de Deus aos homens. Numa como noutra conversação, era o mesmo Espírito Santo que operava[38].

Qual ensinamento encontramos no exemplo dado pelos santos Apóstolos? É esse: assim que cumprimos nossa tarefa por meio de uma diligente obediência à Palavra divina, devemos concentrar toda nossa atividade sobre a prece incessante; com efeito, essa conduz o cristão a um estado que favorece a vinda do Espírito Santo. O Senhor havia encarregado os Apóstolos de diversos ministérios, mas quando Ele os tornou capazes de receber o Espírito Santo, lhes ordenou que permanecessem na cidade de Jerusalém – na cidade da paz e da quietude – afastados de qualquer outro ministério: “Permanecei na cidade, ele disse, até que sejais revestidos do poder do alto”.

Testemunhos dos antigos monges: Antônio

Nos escritos monásticos, vemos que a lembrança de Deus, ou meditação, era uma prática corrente entre os monges da Igreja cristã primitiva. Santo Antônio o Grande recomenda a lembrança incessante do Nome de nosso Senhor Jesus Cristo: “Não abandonem jamais ao esquecimento, dizia ele, o Nome de nosso Senhor Jesus Cristo, mas fixem-no no espírito, guardem-no no coração e glorifiquem-no com os lábios, dizendo: Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim. E Também: Senhor Jesus Cristo, ajuda-me. E ainda: A Ti ei glorifico, meu Senhor Jesus Cristo[39]”.

João Clímaco

Não eram apenas os hesiquiasta e os anacoretas que praticavam a prece incessante, mas também os monges cenobitas. Eis o que são João Clímaco diz dos monges de um mosteiro cenobita que ele visitou em Alexandria: “Mesmo à mesa, eles não cessavam sua atividade espiritual, e esses bem-aventurados haviam estabelecido o costume de chamar a atenção uns dos outros, por meio de determinados gestos e sinais secretos, para lembrá-los da prece interior. E eles não faziam isso apenas à mesa, mas toda vez que se encontravam e se reuniam[40]”.

Isaac de Sceta

Santo Isaac, hesiquiasta que viveu em Sceta, no Egito, confiou a são João Cassiano o Romano que para a prece incessante ele se servia do versículo 2 do Salmo 69: “Ó Deus, apressa-te em me socorrer; Senhor, vem depressa em meu auxílio[41]”.

Doroteu

São Doroteu, monge do mosteiro cenobita da abadia de Seridos na Palestina, ensinou a seu discípulo, são Dositeu, a se exercitar sem cessar na “lembrança de Deus”, e lhe transmitiu o costume de dizer continuamente: “Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim”, e “Filho de Deus, vem em meu socorro[42]”. São Dositeu orava utilizando-se de uma e outra forma de prece. Elas lhe foram ensinadas sob essa forma em razão da falta de treinamento de seu espírito, a fim de que ele não fosse relapso e derrotado pela monotonia da prece. Quando o bem-aventurado Dositeu caiu gravemente doente e se aproximava do fim, seu mestre lhe lembrava a prece incessante: “Dositeu, atenção com a prece; vigie para não perdê-la”. Quando a enfermidade de Dositeu se agravou ainda mais, Doroteu lhe falava ainda: “Então, Dositeu, como vai a prece? Você a mantém ainda?”.

Por aí podemos ver em quão alta estima os santos monges de antanho tinham a meditação. São Joânico o Grande repetia sem cessar em seu espírito: “Minha esperança é o Pai; meu refúgio, o Filho; minha proteção, o Espírito Santo. Trindade santa, glória a Ti[43]”. Seu discípulo, são Eustrate, adquiriu a prece incessante: “Ele dizia sempre para si mesmo: ‘Senhor, tem piedade’”, escreveu o autor de sua Vida, que o chamava de “divino”.

Um certo padre do deserto de Raithou estava constantemente sentado em sua cela, ocupado em trançar cordas; ele dizia, suspirando e balançando a cabeça: “O que acontecerá?”. Depois de pronunciar essas palavras, ele esperava um momento em silêncio e depois dizia novamente: “O que acontecerá?”. E assim ele passou todos os dias de sua vida nessa meditação, lamentando-se sem cessar sobre o que aconteceria quando ele deixasse seu corpo[44].

Isaac o Sírio

Santo Isaac o Sírio menciona um certo padre que durante quarenta anos orou utilizando uma única fórmula de prece: “Como homem, eu pequei; como Deus, perdoa-me”. Outros padres ouviam-no meditando esse versículo, oprimido pela tristeza, pois ele chorava sem cessar. Para ele, essa oração substituía todas as outras, dia e noite[45].

A Prece de Jesus

A maioria dos monges sempre utilizou em sua meditação a Prece de Jesus: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador”. Eventualmente, havendo necessidade, eles a dividiam em duas para os iniciantes, que deveriam dizer durante algumas horas: “Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim, pecador”; depois, durante outro lapso de tempo: “Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador”. Não se deve, porém, mudar constantemente a fórmula da prece, pois, como lembra são Gregório de Nazianze, as árvores que são transplantadas muitas vezes não criam raízes[46].

A escolha da Prece de Jesus como fórmula de meditação se justifica plenamente, pois o Nome do Senhor Jesus Cristo encerra uma força divina particular, e também porque, quando nos dedicamos à Prece de Jesus, a lembrança da morte, das torturas infligidas pelos espíritos dos ares, do Juízo final pronunciado por Deus e dos tormentos eternos, começa a vir por si mesma. Essa lembrança chega de uma maneira tão viva que mergulha o asceta em lágrimas abundantes e inexauríveis, em amargas lamentações sobre si mesmo como um cadáver enterrado, que “já cheira mal” e que espera ser reconduzido à vida pelo onipotente Verbo de Deus[47].

Os frutos da prece incessante

O benefício que retiramos da meditação ou da lembrança de Deus é imenso: não se pode traduzi-lo em palavras, ele escapa à compreensão humana. Aqueles que o sentiram não são capazes de explicá-lo completamente. A prece incessante, enquanto mandamento e dom de Deus, não se deixa explicar, nem pela inteligência, nem pela palavra.

A prece curta recolhe o espírito que, quando não está ligado à meditação, não pode se impedir de planar e de vagabundear por toda parte[48].

O asceta pode conservar a prece curta em todos os lugares, em todo tempo, no decurso de toda ocupação, sobretudo se essa for corporal. Mesmo quando assistimos aos ofícios litúrgicos, é útil nos entregarmos a ela, não apenas quando a leitura não é suficientemente audível, mas também quando o é. Ela ajuda a estar atento à leitura, particularmente se estiver enraizada na alma e se tiver se tornado, por assim dizer, natural ao homem.

A meditação em geral, e a Prece de Jesus em particular, são uma arma muito eficaz contra os pensamentos pecaminosos. Números escritores santos repetiram essas palavras de são João Clímaco: “Flagela teus inimigos com o Nome de Jesus, pois não existe arma mais potente no céu e sobre a terra[49]”.

Graças à prece incessante, o asceta alcança a pobreza de espírito: habituando-se a pedir continuamente a ajuda de Deus, ele deixa aos poucos de esperar de si mesmo; se faz algum progresso, não vê nisso seu próprio sucesso, mas um efeito da misericórdia divina, que ele implora junto a Deus sem descontinuidade.

A prece incessante contribui para reforçar a fé; com efeito, aquele que ora sem cessar começa pouco a pouco a pressentir a presença de Deus. Essa percepção pode crescer paulatinamente e se consolidar até o ponto em que o olho do intelecto vê a Deus em Sua Providência, mais distintamente do que o olho sensível vê os objetos materiais desse mundo; por seu lado, o coração sente a presença de Deus. Que viu a Deus dessa maneira, e sentiu Sua presença, não pode deixar de crer Nele com uma fé viva que se traduz em ações.

A prece incessante destrói nossa astuciosa habilidade e a substitui pela esperança em Deus. Ela nos introduz numa santa simplicidade, desviando nosso espírito de todas as espécies de pensamentos, e impedindo-o de elaborar projetos para nós mesmos e para os outros, pois a prece mantém o espírito na pobreza e na humildade das odeias que constituem sua meditação.

Aquele que ora sem cessar se liberta progressivamente de sua disposição habitual aos sonhos, às distrações, às preocupações fúteis e aos cuidados de todo tipo; ele se liberta disso na mesma medida em que a santa e humilde meditação penetra mais profundamente em sua alma e aí se enraíza mais fortemente. Por fim, ele pode chegar ao estado de infância ordenado pelo Evangelho e se tornar um “louco em Cristo”, ou seja, perder a pseudo sabedoria desse mundo e receber de Deus o conhecimento espiritual.

A prece incessante suprime a curiosidade, a desconfiança, as suspeitas. Resulta daí que todos os homens começam a parecer bons; isso dá ao coração uma disposição confiante em relação aos homens, donde nasce o amor por eles.

Quem ora sem cessar permanece constantemente no Senhor, e conhece o Senhor como Senhor. Ele adquire o temor do Senhor; por meio desse temor, ele progride na pureza, e, através da pureza, chega ao amor divino. E o amor divino preenche seu templo com os dons do Espírito.

O ensinamento dos Padres: Isaías o Anacoreta

O santo abade Isaías o Anacoreta disse a respeito da meditação: “O homem rico e prudente oculta suas riquezas no interior de sua casa: um tesouro escondido no exterior se arrisca a ser pilhado por ladrões e a se desintegrar pelas forças da terra; da mesma forma, o monge humilde e virtuoso oculta suas virtudes, como o rico suas riquezas, e não realiza os desejos da natureza decaída. Ele se repreende a toda hora e se exercita na meditação secreta, conforme está dito na Escritura: “Meu coração se tornou ardente dentro de mim, e em minha meditação um fogo me abrasou[50]”. De que fogo a Escritura está falando? Trata-se de Deus, pois “nosso Deus é um fogo devorador[51]”. É pelo fogo que a cera se liquefaz, e por ele são consumidas as impurezas ruins da argila; da mesma forma, é pela meditação secreta que são consumidos os maus pensamentos e que as paixões são afastadas da alma; o intelecto é iluminado, o pensamento se aclara e se refina, a alegria inunda o coração. A meditação secreta fere os demônios e expulsa os maus pensamentos; graças a ela, o homem interior volta à vida. Deus dá firmeza àquele que se arma com a meditação secreta, os Anjos lhe dão sua força, os homens o louvam. A meditação secreta e a leitura fazem da alma uma morada trancada e protegida de todos os lados, uma coluna inquebrantável, um porto calmo e abrigado. Ela salva a alma, protegendo-a da indecisão. Os demônios se agitam e fervem quando um monge se arma com a meditação secreta sob a forma da Prece de Jesus: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador’, e quando ele busca na leitura feita num local retirado um estimulante para se exercitar na meditação. A meditação secreta é um espelho para o intelecto, uma lâmpada para a consciência. Ela consome a luxúria, adoça o furor, expulsa a cólera, desvanece a tristeza, afasta a insolência, suprime a acídia. Ela ilumina o intelecto e expulsa a preguiça. Graças a ela, produz-se um enternecimento do coração, e se estabelece o temor a Deus: então, a meditação traz as lágrimas. Por meio dela, o monge recebe uma humildade verdadeira, uma vigilância plena de ternura, uma prece sem perturbações. A meditação secreta é um tesouro da prece: ela expulsa os pensamentos, fere os demônios e purifica o corpo. Ela ensina a paciência e a abstinência; a quem a pratica, ela permite conhecer a geena. Ela mantém o intelecto ao abrigo dos devaneios e o faz refletir sobre a morte. Ela é plena de boas obras, ornada com todas as virtudes, e estranha a toda má obra[52]”.

O ensinamento dos Padres: Isaac o Sírio

Santo Isaac o Sírio disse: “Aquele cuja meditação está sem cessar orientada para Deus, afasta os demônios e arranca a semente de sua malícia. Revelações alegram o coração de quem vigia sem cessar sua alma. Aquele que volta o olhar de seu intelecto sobre si mesmo, nele vê a aurora do Espírito. Aquele que repele com desgosto toda forma de vagabundagem mental (de distrações) vê o Mestre na cela interior de seu coração [...]. Se você é puro, o céu estará dentro de você, e você poderá ver em si mesmo os Anjos e sua luz, e com eles, e neles, seu Mestre [...]. O tesouro do homem humilde está dentro dele, e é o Senhor [...]. As paixões são repelidas e desenraizadas por uma incessante meditação em Deus; ela é a espada que as extermina. Quem deseja ver a Deus dentro de si mesmo, deve se esforçar por purificar seu coração lembrando-se sempre e sempre de Deus; dessa maneira, com a claridade dos olhos de seu intelecto, ele verá o Senhor a toda hora. O que acontece com o peixe fora d’água acontece ao intelecto quando esse abandona a lembrança de Deus e erra pelas lembranças do mundo [...]. Temível aos demônios e agradável a Deus e aos Seus Anjos, é o homem que dia a dia, e com zelo ardente, busca a Deus em seu coração e desenraiza as sugestões do inimigo[53]”. “Sem a prece incessante, não é possível se aproximar de Deus[54]”.

O ensinamento dos Padres: João Cassiano

São João Cassiano o Romano escreveu: “A oração praticada por meio desse pequeno versículo[55] deve ser constante, a fim de que as tentações não nos derrubem, e que na prosperidade estejamos protegidos da presunção. Que a meditação desse curto versículo, repito, gire em seu peito sem cessar. Não deixe de repeti-lo, qualquer que seja a atividade ou a obediência com que você se ocupe, ou ainda se estiver em viagem. Não a interrompa quando for se deitar, quando se alimentar ou quando estiver satisfazendo suas necessidades corporais. Esse exercício do coração se tornará para você uma regra salutar; não apenas ele o protegerá contra todos os ataques dos demônios, como ainda, depois de haver purificado todas as paixões do corpo, ele lhe permitirá ter invisivelmente visões celestiais e o conduzirá a uma prece mais elevada da qual é impossível falar e da qual poucos têm um conhecimento fundamentado na experiência. Esse pequeno versículo afastará de você o sono e, depois que você tiver assimilado esse exercício que não se deixa explicar pela palavra, você se habituará a praticá-lo mesmo dormindo. Quando você acordar, esse versículo será a primeira coisa que virá ao seu espírito; acordado, ele precederá todo pensamento; ao se levantar do leito, ele o manterá ocupado até que você comece suas genuflexões; ele o acompanhará em seu trabalho ou ocupação; ele o seguirá todo o tempo. Medite esse versículo segundo as prescrições do legislador (ou seja, Moisés, o legislador dos judeus), quando você estiver sentado em casa ou quando estiver na estrada, quando for se deitar e quando se levantar. Escreva-o nos batentes e nas portas de sua boca; escreva-o sobre as paredes de sua casa e no santuário interior do seu peito, de tal modo que, quando você se prosternar para a oração, ele seja para você uma palavra pronta, e que, quando você se erguer para fazer tudo o que é necessário à vida, ele seja para você uma prece fácil e incessante[56]”.

O ensinamento dos Padres: João Crisóstomo

São João Crisóstomo disse: “Irmãos, eu lhes suplico, não permitam jamais que se interrompa a realização dessa regra de oração, ou que ela seja negligenciada [...]. Comendo ou bebendo, sentados ou trabalhando, quer viajando, quer em outra qualquer atividade, o monge deve dizer sem cessar: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim’. Dessa maneira, o Nome do Senhor Jesus, descendo às profundezas do coração, domará a serpente que ocupa esses pastos, salvará a alma e a fará reviver. Permaneça sem cessar no Nome do Senhor Jesus a fim de que seu coração absorva o Senhor e que o Senhor absorva seu coração, e que os dois se tornem um[57]”.

O ensinamento dos Padres: Abade Filemon

Um irmão perguntou a santo Filemon: “Pai, o que significa a ‘meditação secreta’?”. O ancião respondeu: “Vá, seja vigilante em seu coração e diga sobriamente em pensamento, com temor e tremor: ‘Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim’[58]”.

Por que a prece incessante ou a lembrança incessante de Deus são chamadas de “meditação”? Porque os ascetas, sobre cuja atividade desceu o orvalho da graça divina, encontraram na repetição de uma prece breve um profundo e inesgotável sentido espiritual que atrai e aumenta sem cessar sua atenção por causa de sua novidade espiritual. Assim, para eles, um verso curto se tornou a fonte de uma vasta ciência, a “ciência das ciências”, e essa repetição se tornou, no sentido próprio, uma instrução e uma meditação.

Unir vida e oração

Os ensinamentos dos santos Padres estavam de acordo com suas vidas. Não apenas todos os seus atos e suas palavras, mas ainda todos os seus pensamentos estavam consagrados a Deus. Daí provém essa abundância de dons do Espírito que observamos neles. Nós, ao contrário, não tomamos cuidado com os nossos atos: não agimos em conformidade com os mandamentos de Deus, mas seguimos impensadamente o primeiro impulso dos sentidos, o primeiro pensamento que se apresenta. Em nossas palavras, somos ainda mais negligentes do que nas ações. Quanto aos pensamentos, não lhes prestamos a menor atenção: eles se dispersam em todas as direções. Nós nos oferecemos por inteiro em sacrifício à vaidade. Nosso intelecto se encontra numa disposição contrária à de um intelecto protegido pela meditação[59]. Ele se assemelha a um quarto em que as portas estão plenamente abertas, sem nenhuma supervisão e onde qualquer um que queira pode entrar e sair trazendo ou levando o que bem entender.

Irmãos, ponhamos fim a essa maneira de viver desatente e estéril. Imitemos as obras dos santos Padres, dentre outras a lembrança de Deus, que eles conservavam sem cessar no espírito. Jovem, semeie em si com cuidado as sementes das virtudes; habitue-se com paciência e perseverança a todos os exercícios e esforços ascéticos agradáveis a Deus; habitue-se também à lembrança de Deus e encerre seu intelecto na santa meditação. Se você perceber que ele se volta com frequência para pensamentos diferentes e vãos, não ceda ao desencorajamento. Persiga com constância sua ascese: “Esforce-se por elevar seu pensamento, disse são João Clímaco, ou, mais exatamente, a encerrá-lo dentro das palavras da oração. Se, por causa do seu estado de infância, ele escapar (de seu aprisionamento nas palavras da prece), conduza-o de novo até lá. A instabilidade (uma mobilidade perpétua) é própria do intelecto; mas Aquele que a tudo estabeleceu pode lhe dar a estabilidade. Se você perseverar incansavelmente nesse combate, Aquele que colocou limites ao mar do seu intelecto virá também a você e lhe dirá durante a oração: ‘Até aqui virás, mas não mais longe’[60]”.

Vista do exterior, a meditação parece ser uma atividade estranha, seca e enjoativa; mas, na realidade, ela é uma obra muito frutífera, uma tradição eclesial preciosa, uma instituição divina, um tesouro espiritual, a riqueza dos Apóstolos e dos santos Padres que a receberam e a transmitiram por ordem do Espírito Santo. Você não é capaz de imaginar as riquezas que herdará no momento em que tiver adquirido o costume de se lembrar constantemente de Deus. “As coisas que Deus preparou para os que o amam não subiram [ao intelecto e] ao coração [do iniciante][61]”, não apenas no mundo futuro como desde já nesse século[62], no qual eles podem saborear previamente a felicidade do século por vir. “Prepare-se, disse são João Clímaco, por meio de uma prece incessante realizada no secreto da alma, para se manter orando, e você fará então rápidos progressos[63]”.

Quando a prece invade a tudo

A seu tempo, a meditação invadirá toda a sua existência; ela o tornará, por assim dizer, embriagado, como se você pertencesse a esse mundo mas ao mesmo tempo não pertencesse a ele, como um estrangeiro; pertencendo a ele pelo seu corpo, mas não lhe pertencendo por seu espírito e seu coração. Quem está embriagado pelo vinho sensível não se lembra de si mesmo, ele esquece suas aflições, sua classe, sua nobreza e seus bens; quem está inebriado pela meditação divina se torna reservado, insensível à concupiscência terrestre, à glória terrestre, a todas as vantagens e privilégios terrestres. Seu pensamento está constantemente junto a Cristo, que age por meio da meditação como por um perfume secreto: “para uns [como] um odor de morte, que traz a morte, mas para outros [como] um odor de vida, que dá a vida[64]”. A meditação destrói no homem o interesse pelo mundo e pelas paixões, aviva nele seu interesse por Deus, por tudo o que é espiritual e santo, pela bem-aventurada eternidade. “O que existe para mim no céu?”, exclama aquele que está embriagado pela meditação. “Terei eu desejado outra coisa, senão a Ti, sobre a terra? Tudo o que quero é poder me unir a Ti sem cessar, por uma prece sem distração. Alguns desejam a riqueza, outros a glória, mas, para mim, minha alegria consiste em unir-me a Deus e em colocar somente Nele a esperança de minha impassibilidade[65]”.

Como orar

De início, é preciso articular as palavras da meditação com os lábios e a língua, pronunciando-as com a voz baixa, pausadamente, com toda a atenção possível, encerrando, segundo o conselho de são João Clímaco mais acima, o intelecto nas palavras da fórmula de meditação. Pouco a pouco, a prece oral se transformará em prece do intelecto, e depois em prece do coração. Mas para que se opere essa transformação, muitos anos serão necessários. Não devemos procurar a prece prematuramente, mas que ela se realize por si mesma, ou, mais exatamente, que Deus a conceda no tempo que só Ele conhece, segundo a idade espiritual do asceta e as circunstâncias de sua vida. A ascese humilde contenta-se em ser considerada digna de se lembrar de Deus, vendo isso como uma grande benesse do Criador para com sua pobre e fraca criatura – o homem. Este se considera indigno da graça; ele não procura descobrir de que modo ela opera nele, pois sabe que, segundo o ensinamento dos santos Padres, tal curiosidade se origina da vanglória, da qual provêm a ilusão e as quedas; ele sabe que essa busca é em si mesma uma sedução, porque, apesar de todos os esforços mais intensos, a recepção da graça depende unicamente de Deus[66]. Ele está ávido em descobrir em si seu estado de pecado, e de se tornar capaz de chorar sobre si mesmo. Ele se abandona à vontade do Deus bondoso e misericordioso que sabe a quem é útil conceder Sua graça, e a quem é mais benéfico adiar sua chegada. Muitos, depois de receber a graça, caíram na negligência, no orgulho e na autossuficiência; por causa de sua falta de razão, a graça concedida a esses não serviu senão para agravar sua condenação. Bem-aventurada a disposição do monge que, dedicando-se a qualquer ascese que seja, o faz com completo desinteresse, tendo fome e sede apenas de cumprir com a vontade de Deus, e que se entrega com toda confiança e simplicidade, rejeitando suas próprias concepções, seu poder e sua vontade, à decisão de nosso Senhor e de nosso Deus misericordioso, que deseja que todos os homens sejam salvos e alcancem o conhecimento da verdade. A Ele a glória, pelos séculos, dos séculos. Amém.



III
DA PRECE DO INTELECTO, DO CORAÇÃO E DA ALMA


Àquele que se dedica com perseverança e piedade a uma prece atenta, pronunciando as palavras em voz alta ou sussurrando-as, segundo as circunstâncias, e encerrando seu intelecto nas palavras, àquele que, no momento da prece, afasta todos os pensamentos e todas as imaginações, não apenas os que são manifestamente maus e vãos, como também os que parecem ser bons, a esse homem o Senhor misericordioso concederá, a seu tempo, a prece do intelecto, do coração e da alma.

Saber esperar

Irmão, não será útil a você receber prematuramente a prece do coração movida pela graça. Não será útil sentir prematuramente a doçura espiritual. Se você as receber antes da hora, sem ter antes aprendido com quanta reverência e prudência é preciso manter o dom da graça divina, você poderá utilizá-la para o mal, para se prejudicar e até para perder sua alma[67]. Por outro lado, é impossível experimentar, por seus próprios esforços, a oração do intelecto e do coração dadas pela graça, pois somente a Deus cabe unir o intelecto ao coração e à alma, dissociados que foram pela queda. Mas, se tentarmos imprudentemente descobrir por nossos próprios esforços aquilo que só pode ser concedido por Deus, penaremos em vão. E seremos felizes se o prejuízo se limitar a uma perda de tempo e penas!

A ilusão

Frequentemente, aqueles que perseguem com orgulho os estados próprios à natureza renovada do homem sofrem um grande desastre da alma, que os santos Padres chamam de “ilusão”. E é lógico: pois o ponto de partida de onde eles começam sua atividade é falso em si. Como, então, não serão más as consequências de um mau começo? Essas consequências, chamadas de ilusão, possuem diversos aspectos e graus. A ilusão costuma se ocultar, mas às vezes ela se manifesta. Muitas vezes ela coloca o homem num estado de desequilíbrio risível e lamentável. E não é raro que ela conduza ao suicídio e à ruína definitiva da alma[68].

Compreensível para muitos em suas consequências evidentes, a ilusão deve ser estudada, aprendida desde sua origem, a partir do pensamento errôneo e de todos os desregramentos da alma. No pensamento errôneo se encontra já todo o edifício da ilusão, assim como na semente está em potência a planta que irá brotar assim que ela for semeada na terra.

Santo Isaac o Sírio escreveu: “Diz a Escritura: ‘O Reino de Deus não virá ostensivamente[69]’. Aqueles que fazem esforços ascéticos com tal disposição estão expostos ao orgulho e à queda. Quanto a nós, fixaremos nosso coração nas obras do arrependimento e numa vida agradável a Deus. Os dons do Senhor virão por si sós, desde que o templo do coração seja puro e não profanado. Assim portanto, eu digo que a Igreja não admite que busquemos os dons elevados de Deus avidamente. Aqueles que o fizeram caíram no orgulho. Não é um sinal de amor a Deus, mas uma enfermidade da alma. E como poderíamos nós solicitar os sublimes dons de Deus, quando o divino Paulo se glorifica de seus sofrimentos e reconhece como dom mais elevado de Deus o ter participado dos sofrimentos de Cristo?[70]”.

Confiar-se a Deus

Em sua ascese de oração, confie-se inteiramente a Deus: sem Ele, não podemos realizar o menor progresso. Cada passo que nos faz avançar nessa ascese é um dom de Deus. Renuncie a si mesmo e abandone-se a Deus para que ele faça com você o que quiser. Pois Ele, que á a própria Bondade, deseja lhe dar “o que não subiu[71]” ano nosso espírito e ao nosso coração; Ele quer lhe dar bens tão grandes, que nem nosso intelecto, nem nosso coração podem, em seu estado atual de queda, conceber. Não é possível, de modo algum, a quem não é puro, fazer a menor ideia dos dons espirituais de Deus, nem pela imaginação, nem por uma comparação com os estados de alma mais agradáveis que um homem possa conhecer. Com simplicidade e fé, deposite em Deus todos os seus cuidados. Não obedeça às insinuações do Maligno, que já no Paraíso dizia aos nossos ancestrais: “Sereis como deuses[72]”. Agora, ele lhe sugere que você se esforce de uma maneira inoportuna e orgulhosa para adquirir os dons espirituais da prece do coração; esses dons, repito, não são concedidos por Deus em um tempo e um lugar determinados. Esse lugar é o receptáculo inteiro – corpo e alma – purificados das paixões.

Rejeitar os ídolos

Tenhamos o cuidado de libertar o templo – a alma e o corpo – dos ídolos, dos sacrifícios oferecidos aos ídolos, daquilo que é sacrificado aos ídolos e de tudo o que pertence à idolatria. Assim como o santo profeta Elias conduziu todos os sacerdotes e profetas de Baal até a torrente do Quichon e os deixou para morrer[73], também nós devemos mergulhar no pranto do arrependimento e, nessa bem-aventurada torrente, levarmos à morte os príncipes que constrangem nosso coração a oferecer sacrifícios ao pecado, bem como a todas as desculpas por meio das quais justificamos e perdoamos tais sacrifícios. Assim lavaremos o altar e tudo o que o cerca com nossas lágrimas; dobraremos e triplicaremos as abluções; com efeito, a impureza da alma exige, para ser lavada, lágrimas abundantes. Que o altar seja erigido com pedras em nome do Senhor – com sentimentos trazidos unicamente do Evangelho; que aqui não haja espaço para os sentimentos do homem velho, por inocentes e nobres que possam parecer. Então o Altíssimo fará descer seu fogo sobre nossos corações, e deles fará templos de oração movidos pela graça. Conforme foi dito por Seus lábios divinos: “Minha casa será chamada de casa de oração[74]”.

Jejum e vigília

Para começar, devemos vigiar as paixões do corpo, o uso dos alimentos e nossas tendências à impureza, as quais, em larga medida, resultam dos excessos na alimentação. Esforcemo-nos com sabedoria para regrar nossa condição física, dando ao nosso corpo alimento e sono suficientes para que ele não se enfraqueça e se mantenha capaz de esforços ascéticos, mas também dando-lhe suficientemente pouco para que ele traga constantemente a morte em si e não renasça para os movimentos pecaminosos. Segundo a observação dos Padres, no que diz respeito ao uso dos alimentos e ao sono, o hábito adquirido desempenha um papel considerável; por isso é muito importante se acostumar desde logo a usar dessas coisas com moderação e, se possível, pouco.

Isaac o Sírio

A respeito do jejum e da vigília, santo Isaac o Sírio se expressou da seguinte maneira: “Aquele que, durante toda sua vida, amou se dedicar a essas duas virtudes, se tornará amigo íntimo da castidade. Assim como a origem de todos os males consiste em encher o ventre e amolecer no sono, pois essas coisas inflamam a paixão carnal, do mesmo modo o caminho divino e o fundamento de todas as virtudes se encontra no jejum, na vigília e na vigilância durante o serviço divino, enquanto que o corpo deve ser crucificado por toda a noite e privado da doçura do sono. O jejum é a proteção de todas as virtudes, o começo da ascese, a coroa dos que vivem em continência, a beleza da virgindade e do sacrifício, a luz da castidade, o começo da vida cristã, a mãe da prece, a fonte da castidade e da sabedoria, o mestre da hesíquia. Assim como o desejo da luz se segue à cura dos olhos, o desejo pela prece se segue ao jejum feito com discernimento. Quando alguém começa a jejuar, seu espírito deseja conversar com Deus. O corpo de quem jejua já não suporta passar toda a noite no leito. Quando o selo do jejum é colocado sobre os lábios de um homem, seu espírito medita pensamentos cheios de compunção, seu coração se torna uma fonte de oração, seu rosto traz a marca das lamentações, os pensamentos vergonhosos se afastam. Não vemos mofa em seus olhos: ele é inimigo das frivolidades e das conversas vãs. Jamais se viu um homem que jejua com discrição ser subjugado por um mau desejo. O jejum praticado com discrição é o grande templo de todas as virtudes. Quem o negligencia, verá todas as virtudes abaladas. O jejum é o mandamento dado desde o começo à nossa natureza para que ela seja protegida quando do consumo de alimentos; por ter violado o mandamento do jejum, o primeiro homem criado caiu. Daí se originou a catástrofe, e daí ao contrário os ascetas iniciam sua marcha com temor a Deus, a partir do momento em que começam a observar a lei divina”.

Quem se entrega a um sono excessivo e à satisfação de seu ventre não pode deixar de se macular com pensamentos passionais. Enquanto o corpo e a alma são agitados por esses movimentos, enquanto o intelecto se deleita com coisas carnais, o homem permanecerá inapto para os movimentos novos e desconhecidos que o Espírito Santo, com sua sombra, desperta nele.

Silêncio e solidão

Na mesma medida em que o jejum é necessário para quem deseja praticar a oração mental e nela progredir, também lhe será necessário a hesíquia (silêncio) e uma grande solidão; de modo geral, ele deverá evitar o mais possível as idas e vindas. Se você vive num mosteiro, saia o menos possível; quando se ausentar, retorne o mais depressa que puder; quando estiver numa vila ou cidade, vigie com cuidado seus sentidos para não ver nem ouvir algo que possa ser nocivo à alma, a fim de não receber de improviso uma ferida mortal. Uma vez no mosteiro, conheça apenas a igreja, o refeitório e sua cela; não vá às celas dos outros irmãos senão por razões imperiosas e, se for possível, não vá nunca; frequente a cela de seu mestre e pai espiritual, se tiver a felicidade de encontrar um em nossa época. E então, faça-o oportunamente e quando necessário, e não por ócio ou vontade de tagarelar. Habitue-se a ficar em silêncio e se calar, para que possa guardar a hesíquia mesmo quando estiver entre as pessoas. Fale o menos possível, e só em caso de extrema necessidade. Para quem é habitualmente disperso, guardar a hesíquia é uma prova difícil de suportar; mas todo homem que deseja se salvar e progredir na vida espiritual deve, sem falta, suportar esse sofrimento e se habituar à solidão e à hesíquia. Depois de um esforço de curta duração, a hesíquia e a solidão serão ardentemente buscadas por causa dos frutos espirituais que logo provará a alma do hesiquiasta prudente.

No tempo em que santo Arsênio o Grande ainda se encontrava no mundo, ele orava para que Deus lhe ensinasse como se salvar. Então, ele ouviu uma voz que lhe dizia: “Arsênio, fuja do comércio dos homens, e serás salvo”. Ele se dirigiu a Sceta, no Egito, onde monges de grande santidade levavam a vida ascética, e novamente orou a Deus: “Ensina-me a me salvar”. Outra vez ele ouviu a voz: “Arsênio, foge, cala-te e vive na hesíquia; essas são as raízes da vitória sobre o pecado”.

Santo Isaac o Sírio disse a respeito de santo Arsênio o Grande: “Calar-se ajuda a hesíquia, de que modo? Quando vivemos num mosteiro com muitas pessoas, não podemos evitar os encontros com os outros. Arsênio, esse homem igual aos anjos, tampouco podia evitar isso, e, no entanto, ele amava a hesíquia mais do que tudo. Não é possível não nos encontrarmos com os padres e irmãos que vivem conosco: esses encontros acontecem inesperadamente, mesmo quando estamos na igreja ou em outro lugar. Quando Arsênio, esse homem digno de todos os louvores, viu isso e compreendeu que enquanto ele vivesse perto de habitações humanas (ainda que em Sceta, no Egito, um lugar habitado por monges perfeitos), seria impossível evitar, na maior parte dos casos, os contatos de pessoas que viviam no mundo e com os monges que habitavam a região, ele aprendeu com a graça esse meio: guardar constantemente o silêncio. Se, por necessidade, ele abria a porta de sua cela a determinadas pessoas, esses se consolavam apenas com a visão de seu rosto, pois a necessidade de uma conversação com ele não se fazia sentir”.

O mesmo santo Isaac diz: “Mais do que tudo, devemos amar guardar silêncio: isso nos aproxima do fruto. A língua não é capaz de descrever os bens que nascem do fato de não falar. Para começar, forcemo-nos a manter essa atitude; depois, desse silêncio nascerá alguma coisa que nos conduzirá ao silêncio propriamente dito. Possa Deus lhe conceder sentir essa coisa que é gerada pelo silêncio. Se você adotar essa maneira de viver, eu já não posso descrever quão grande luz o iluminará. Não imagine, caro irmãos, que o admirável Arsênio – de quem se conta que quando os padres e irmãos vinham vê-lo, ele os recebia em silêncio e os deixava ir sem lhes ter dirigido sequer uma palavra – agia assim só porque lhe convinha; ele o fazia porque desde o começo ele se impôs à força esse comportamento. Com o tempo, uma certa doçura nasce no coração daquele que o pratica, mas é pela força que se ensina o corpo a permanecer na hesíquia. Essa maneira de viver suscita em nós abundantes lágrimas e uma contemplação maravilhosa”.

Jejum e estabilidade

Em outro discurso, santo Isaac diz: “Depois de longo tempo sendo testado à direita e à esquerda, e de ter examinado a mim mesmo muitas vezes nos dois modos de vida descritos mais abaixo, depois de ter recebido do adversário (o diabo) inumeráveis ferimentos, e de ter sido gratificado com grandes e misteriosas proteções, fui instruído pela graça de Deus e adquiri, ao cabo de anos de experiência, o seguinte conhecimento. O fundamento de todas as virtudes, a libertação da alma do cativeiro do Inimigo e a via que conduz à luz e à vida divinas estão reunidos nas duas práticas seguintes: o recolhimento sobre si mesmo num dado lugar, e o jejum constante. Isso significa: fixar para si mesmo, com sabedoria e discrição, uma regra de abstinência para o ventre, e permanecer constantemente num dado lugar sem abandoná-lo, consagrando-se a uma incessante meditação de Deus. Daí provêm a submissão dos sentidos, a vigilância do intelecto, o domínio das paixões violentas que se desencadeiam no corpo, a doçura dos pensamentos, a vinda de ideias luminosas, o zelo pelo cumprimento das virtudes, das altas e sutis concepções, as lágrimas incontidas em todas as ocasiões e a lembrança da morte; daí, essa castidade pura que se mantém afastada de todo fantasma que tenta seduzir o intelecto; daí, uma perspicácia e uma precisão no discernimento das coisas que estão distantes (ou seja, do bem e do mal, que podem estar muito longe das consequências de uma ação qualquer); daí, as profundas concepções místicas que o intelecto apreende pela força da Palavra de Deus, daí os movimentos interiores que se produzem na alma, a capacidade de discernir entre os espíritos decaídos e os poderes santos, entre as visões autênticas e os devaneios enganadores; daí, o temor de se perder pelos caminhos do imenso oceano do pensamento, temor esse que expulsa a negligência e a inconsequência; daí, o zelo inflamado que pisoteia todo perigo, que se eleva acima de todo medo, esse ardor que despreza todos os desejos e os arranca do espírito, que apaga a lembrança de tudo o que é transitório, de tudo o quer pertence a esse mundo e a esse século. Em resumo, daí provém a liberdade do homem verdadeiro, a alegria e a ressurreição da alma, seu repouso bem-aventurado com Cristo no Reino dos céus”.

“Assim, se alguém negligencia essas duas práticas, saiba que não apenas está se privando de tudo o que foi dito, mas que ele ainda abala, ao desprezar essas duas virtudes, os fundamentos de todas as demais virtudes. Da mesma forma como essas duas virtudes são o princípio e a cabeça da ação divina na alma, a porta e a via para Cristo, quando as observamos e perseveramos nelas, assim, inversamente, quem as abandona e se afasta delas desemboca em dois comportamentos que lhes são opostos, a saber, a contínua vagabundagem do corpo e a uma gulodice desavergonhada. Esses dois comportamentos são as causas daquilo que é oposto ao que foi enumerado mais acima, e eles preparam na alma um terreno propício paras as paixões”.

Malefícios da falta de estabilidade

“A primeira dessas causas tem sobretudo como efeito liberar os sentidos, que haviam sido submetidos, dos laços que os mantinham retidos. O que acontece então? Daí provêm os encontros inesperados e inconvenientes, próximos de quedas; o levantamento de fortes ondas; uma violenta excitação provocada pela visão que inflama o corpo e o domina; situações nas quais se cai facilmente em pensamentos; pensamentos passionais que não se pode dominar e que atraem as quedas; o esfriamento do fervor pela obra de Deus, um progressivo enfraquecimento do amor pela hesíquia e, por fim, o abandono completo do modo de vida antes escolhido; a renovação das más ações esquecidas e o aprendizado de novas e desconhecidas até então, em razão das incessantes ocasiões que se apresentam aos nossos olhos sem que o queiramos, e de mil maneiras, enquanto peregrinamos de país em país e de uma terra a outra. As paixões que a graça de Deus havia mortificado na alma e apagado de nosso espírito pelo esquecimento, recomeçam a se animar e a submeter a alma com sua atividade. Eis aí – e eu não enumero todo o resto em detalhe – o que se produz no monge a primeira das causas, ou seja, a vagabundagem do corpo, consequência da recusa em suportar pacientemente a opressão da hesíquia”.

Malefícios da gulodice

 “Quais consequências arrasta consigo a segunda causa, ou seja, quando começa a atividade dos porcos? No que consiste ela, essa atividade de porcos, senão em deixar sem regra o ventre, senão em se locupletar constantemente e sem horas fixas, ao inverso do que se passa entre os seres racionais? O que resulta daí? Um peso na cabeça, um considerável sobrecarga do corpo e um enfraquecimento das espáduas. Isso produz inevitáveis ausências do ofício divino; então vêm a preguiça, que impede de fazer as prosternações durante o cumprimento da regra de oração; a indiferença em relação às genuflexões habituais; o obscurecimento e a dormência do espírito; a opacidade do intelecto, a perda de sua capacidade de julgamento em razão de sua confusão e de um obscurecimento inabitual dos pensamentos; uma pesada e espessa escuridão que se estende sobre toda a alma; uma grande acídia durante as obras de Deus, durante a leitura, em razão da incapacidade de saborear a doçura da Palavra de Deus; o abandono dos exercícios mais necessários; um intelecto que não se pode deter e que plana por sobre toda a terra; a acumulação de abundantes humores em todos os membros; os sonhos impuros durante a noite, que apresentam à alma imagens inconvenientes e cheias de concupiscência, realizando na própria alma seus desejos impuros. O leito desse maldito, suas vestes e seu corpo ficam manchados pela abundância de um corrimento vergonhoso que se derrama dele como de uma fonte. E isso não acontece apenas de noite, mas também de dia: seu corpo secreta impurezas constantemente e com isso mancha seu pensamento. Assim, em razão dessas circunstâncias, o homem perde a esperança de guardar sua castidade: com efeito, a doçura desse comichão produz por todo seu corpo um aquecimento insuportável; diante de si se desenham sedutoras imagens mentais que representam alguma beleza, excitando-o a todo instante e empurrando seu intelecto a se unir a elas (às imagens mentais dessa beleza). Ninguém duvida de que ele se unirá a elas, pensado nelas e as desejando, em decorrência da ofuscamento de sua capacidade de julgamento. É disso que falava o Profeta: “Tal foi a recompensa de tua irmão Sodoma que se deleitava comendo pão até a saciedade, etc.[75]”.

“O que segue foi dito por um grande sábio: ‘quando um homem se nutre buscando o deleite do corpo, ele mergulha sua alma numa grande luta. Mesmo que ele volte a si um dia e deseje se conter e se moderar, ele não o conseguirá, por causa do excessivo ardor dos movimentos de seu corpo, devido à violência e à potência das excitações e das seduções produzidas por aqueles que mantiveram cativa sua alma por meio de seus desejos’. Vê você a sutileza das forças opostas a Deus? O mesmo sábio diz ainda: ‘o deleite do corpo na época da malemolência e do verdor da juventude faz com que a alma se torne rapidamente vítima das paixões; a morte a estrangula, e assim ela cai sob o julgamento de Deus’. Ao contrário, a alma que se recorda constantemente de suas obrigações, repousa em sua liberdade; suas preocupações diminuem; ela não se preocupa com nada temporal, mas se ocupa das virtude, dominando as paixões e guardando as virtudes; aos pouco ela faz progressos e se encontra numa alegria livre de preocupações, numa vida boa, num porto sem perturbações. O desfrute corporal não apenas reforça as paixões e lhes permite dominar a alma, como ainda destrói seu fundamento. Além disso, ela excita o ventre à glutoneria e às sensações indecentes e sensuais. Essas incitam a tomar alimento prematuramente. Quem é vencido por elas não é capaz de suportar a mais leve fome (e assim manter o controle sobre si), pois se tornou prisioneiro das paixões”. Todos os santos Padres são da mesma opinião, mas não os citaremos aqui, para não estendermos demasiado nosso discurso.

A luta contra a cólera

Tendo protegido do exterior nossa vida, abstendo-nos de todo excesso e deleite no comer e no beber, tendo-a protegido também pela solidão que depende de nós, ou seja, permanecendo, sem se ausentar, no mosteiro, e evitando ter contatos tanto dentro como fora dele, cuidemos agora das paixões da alma. Segundo o mandamento do Senhor[76], antes de tudo prestemos atenção à cólera que se origina do orgulho. Perdoemos a nossos pais e nossos irmãos, próximos ou distantes, vivos ou mortos, todas as ofensas e todas as injúrias que nos tenham feito, como se ela não fossem difíceis de suportar. O Senhor nos ordenou: “Quando estiverdes rezando, perdoai tudo o que tiverdes contra alguém, para que o Pai de vocês que está no céu também vos perdoe os pecados. Mas, se vós não perdoardes, o vosso Pai que está no céu não perdoará os vossos pecados[77].

O amor aos inimigos

Antes de tudo, ore por seus inimigos e bendiga-os[78], como sendo instrumentos da Providência divina: eles lhe foram dados em castigo por seus pecados durante sua breve vida sobre a terra, a fim de libertá-lo do castigo merecido nos tormentos eternos do inferno. Quando você agir assim, quando for capaz de amar a seus inimigos e de orar por eles para que lhes sejam concedidos todos os bens, os temporais e os eternos, somente então Deus virá em seu auxílio, e você vencerá pela prece todos os seus adversários, seu intelecto penetrará no templo do seu coração para aí adorar o Pai em Espírito e Verdade[79]. Mas se você deixar seu coração endurecer pela amargura, e se, em seu orgulho, justificar sua cólera, então o Senhor seu Deus se afastará de você e Satanás virá pisoteá-lo. Ele o manchará com todos os pensamentos e sentimentos impuros, e você não terá forças para resistir-lhe[80]. Mas se o Senhor conceder colocar como fundamento de sua ascese de oração a bondade, o amor, a ausência de julgamento dos outros e um perdão cheio de misericórdia por eles, você vencerá seus adversários com facilidade e rapidez, e então poderá alcançar a prece pura.

A cadeia das paixões

Saiba que as paixões e todos os espíritos decaídos estão ligados entre si por uma afinidade e uma união muito estreitas. Essa afinidade, essa união – é o pecado. Se você se submeter a uma paixão, pela sujeição a essa única paixão você será igualmente dominado por todas as outras. Se você permitir que um único espírito do mal o faça prisioneiro por uma conversa com os pensamentos que ele lhe sugere e pela sedução desses pensamentos ou desses devaneios, você se tornará escravo de todos os espíritos. Depois de tê-lo vencido, eles o entregarão de um para outro como um prisioneiro[81]. Isso é o que ensinam os santos Padres, e também a experiência o ensina. Observe a si mesmo, e você verá que se se deixar vencer voluntariamente em qualquer matéria, logo, em outros domínios onde você não pensou ser derrotado, você será vencido contra sua vontade; e isso durará enquanto você não recuperar sua liberdade por meio de um profundo arrependimento.

Recusa do diálogo com os pensamentos

Tendo colocado como fundamento de sua ascese na oração a ausência de cólera e o amor e a bondade para com o próximo conforme o Evangelho, afaste com resolução todo diálogo com os pensamentos passionais e todo delírio sonhador. Quando os encontrar, não importa quais sejam, diga: “Eu me abandonei inteiramente à vontade de Deus; por isso, não tenho nenhuma necessidade de discutir, de fazer suposições, de adivinhar previamente, pois o Senhor está próximo. Não se inquiete com nada, me ordena o Espírito Santo junto com todos os que creem verdadeiramente em Cristo, mas em todas as coisas dê a conhecer a Deus as suas necessidades por meio de orações, de súplicas e de ações de graças[82]”.

‘Sejam sábios e sóbrios’, vale dizer, afastem a saciedade e o deleite, afastem os pensamentos e os devaneios enganosos, ‘e dediquem-se à prece, e entreguem a Ele (a Deus) todos os cuidados, pois é ele quem cuida de vocês[83]’. ‘Eu desejo que os homens’, vale dizer os cristãos que se aperfeiçoam na ascese e na oração, ‘orem em todo lugar, elevando as mãos puras’, com o intelecto e o coração purificados das paixões, cheios de humildade e de amor, ‘sem cólera nem conflitos’, vale dizer, isentos de toda malícia contra o próximo, estranhos a todo comércio com os pensamentos passionais e ao deleite dos devaneios[84]. Deteste ‘todo caminho de injustiça’, e se oriente ‘por todos os mandamentos do Senhor[85]’. O “caminho de injustiça” consiste no diálogo com os pensamentos e os devaneios. Quem afasta esse diálogo e esse devaneio consegue seguir todos os mandamentos de Deus, pode realizar Sua vontade no seio de seu coração[86], ligando-se constantemente ao Senhor pela prece, dando asas à sua prece, pela humildade e pelo amor. ‘Vós que amais o Senhor, detestais o mal[87]’, nos exorta o Espírito Santo.

Influência do sangue sobre a alma

Quem pratica a oração deve absolutamente aprender a conhecer o efeito das paixões e dos espíritos decaídos sobre seu sangue. Não é sem razão que a Escritura diz que não apenas ‘a carne’, mas ainda ‘o sangue, não podem herdar o reino de Deus[88]’. Deus reprova não apenas as sensações carnais grosseiras do homem velho, como também as sensações mais sutis, às vezes extremamente sutis, que provêm dos movimentos do sangue. Essa questão necessita de parte do asceta uma atenção tanto maior na medida em que a sutil influência das paixões e dos espíritos sobre o sangue não se tornam discerníveis senão quando o coração sente em si a ação do Espírito Santo.

A sensação se explica pela sensação: tendo adquirido uma sensação espiritual, o asceta descobre subitamente e com toda clareza a ação do sangue sobre sua alma. Ele descobre o modo como as paixões e os espíritos, agindo sobre a alma por meio do sangue da maneira mais sutil, a retém escrava. Ele capta isso e se convence que toda influência do sangue sobre a alma (seja grosseira ou sutil) é abominável diante de Deus; com efeito, essa influência constitui um sacrifício maculado pelo pecado e que não é digno de penetrar no domínio espiritual e de ser contado no número das influências e das sensações espirituais.

Até a aparição das energias do Espírito no coração, a fina influência do sangue permanece, ou bem totalmente incompreensível, ou no mínimo pouco compreensível, e pode mesmo ser tomada pela ação da graça, se não for acolhida com a prudência que convém. Enquanto não formos purificados e renovados pelo Espírito, essa prudência consiste em não reconhecer como correta nenhuma sensação, nenhum sentimento do coração, exceto o de arrependimento, a salutar aflição pelo pecado misturada com a esperança na misericórdia de Deus. Da natureza decaída, Deus não aceita senão uma oferenda do coração, um de seus sentimentos e de seus estados: “O sacrifício agradável a Deus é o espírito quebrantado; ao coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus[89]”.

As paixões agem sobre o sangue

A ação do sangue sobre a alma é bastante evidente quando a paixão da cólera e os pensamentos ligados a ela agem sobre o sangue, em especial nas pessoas irascíveis. Em que estado de frenesi chega o homem que é presa da cólera! Ele perde todo o controle de si mesmo; ele cai sob o domínio da paixão, sob o império dos espíritos sedentos de sua ruína e que desejam sua perda, servindo-se dele como de uma arma para cumprir seus malefícios; ele fala e age como se estivesse privado de razão. A influência do sangue sobre a alma é igualmente evidente quando o sangue se inflama sob o efeito da luxúria. A influência das outras paixões sobre o sangue não é tão aparente, mas nem por isso deixa de ser real. O que é a tristeza, a acídia, a preguiça? São as diversas influências dos pensamentos pecaminosos sobre o sangue. A avareza e a cupidez possuem incontestavelmente uma influência sobre o sangue; o deleite produzido pelos fantasmas das riquezas, o que são, senão o jogo sedutor, enganador e pecador do sangue?

Insaciavelmente sedentos pela perda do homem, os maus espíritos agem sobre nós não apenas por pensamentos e imagens mentais, mas ainda por diversos molestamentos. Eles entram em contato com nossa carne, nosso sangue, nosso coração e nosso intelecto, tentando por todos os meios possíveis derramar ali seu veneno[90]. Devemos dar provas de prudência e de vigilância, mas também é preciso um conhecimento claro e detalhado do caminho espiritual que conduz a Deus. Sobre essa via, existe um grande número de ladrões, assaltantes e assassinos. À vista desses inumeráveis perigos, chamemos por nosso Senhor e supliquemos-Lhe com incessantes lágrimas para que Ele próprio nos conduza pelo caminho estreito e doloroso que conduz à Vida. As diversas ebulições do sangue que se produzem sob a ação dos diferentes pensamentos e imagens mentais demoníacos, são produzidos pela espada inflamada que, no momento de nossa queda, foi dado ao Querubim decaído, e que ele faz girar dentro de nós, interditando-nos a entrada do paraíso místico dos pensamentos e dos sentimentos espirituais[91].

Perigos da vaidade

Devemos prestar uma atenção toda especial à energia da vaidade, cuja influência sobre o sangue é muito difícil de detectar e de compreender. A vaidade é quase sempre acompanhada de uma fina volúpia, e traz ao homem um sutil gozo pecaminoso. O veneno desse deleite é de tal finura que muitos tomam o gozo provocado pela vaidade e pela volúpia por uma consolação da consciência, e mesmo por um efeito da graça divina. Seduzido por essa gozo, o asceta entra pouco a pouco num estado de ofuscamento; tomando esse ofuscamento por um estado produzido pela graça, ele cai progressivamente sob o império total do Anjo decaído, que se reveste constantemente do aspecto de um Anjo de luz; então o asceta se torna um instrumento, um apóstolo dos espíritos reprovados. Nesse estado livros inteiros foram escritos, louvados por um mundo ofuscado e lidos com interesse e entusiasmo por aqueles que não estavam purificados de suas paixões[92].

Esse gozo pseudo-espiritual não é outra coisa do que o deleite produzido por uma mistura sutil de vaidade, orgulho e volúpia. Ora, não é esse gozo a parte que cabe ao pecador: o que lhe cabe são o pranto e o arrependimento. A vaidade corrompe a alma exatamente da mesma maneira como a paixão carnal corrompe a alma e o corpo. A vaidade torna a alma inapta para os movimentos espirituais; esses só começam quando os movimentos passionais da alma, detidos pela humildade, se acalmam. É por isso que os santos Padres recomendam como atividade geral a todos os monges, e em especial aos que se dedicam à prece e que desejam progredir nela, o santo arrependimento, pois ele se opõe diretamente à vaidade e traz para a alma a pobreza de espírito.

A partir do momento em que nos dedicamos seriamente ao arrependimento, observamos a influência da vaidade sobre a alma, muito semelhante à da paixão carnal. A paixão faz com que desejemos uma união ilícita com o corpo de outra pessoa; naqueles que estão submetidos a essa paixão, mesmo q eu não seja pelo deleite dos pensamentos e dos devaneios impuros, ela altera todos os sentimentos do coração, ela muda as disposições da alma e do corpo. Por sua vez, a vaidade incita a se apoderar de maneira fraudulenta da glória humana. Tocando o coração, ela comunica ao sangue um movimento desordenado e agradável; por meio desse movimento ela modifica toda a disposição do homem e, provocando nele uma união com o Espírito grosseiro e tenebroso do mundo, ela o separa do Espírito de Deus. Em relação à verdadeira glória, a vaidade é como a fornicação. Diz santo Isaac o Sírio: “Ela atira um olhar fornicador sobre a natureza das coisas[93]”.

A que ponto a vaidade mergulha o homem nas trevas, e o quanto ela torna difíceis sua aproximação com Deus e sua união com Ele, atesta-o o Senhor: “Como podem vós crer”, disse ele aos fariseus vaidosos que buscavam os elogios e os aplausos uns dos outros e da cega sociedade humana, “vós que tirais vossa glória uns dos outros e que não buscais a glória que somente de Deus provém?[94]”.

A orgulhosa avidez em buscar prematuramente aquilo que acontecerá a seu tempo, de que falam são João Clímaco e são Nilo de Sora, permite caracterizar exatamente a paixão da vaidade que é inevitavelmente acompanhada de um movimento específico do sangue. Os pensamentos vaidosos aquecem o sangue e o colocam em movimento; a vaidade, por seu lado, reforça e multiplica os devaneios sedutores e a alta opinião que a pessoa tem de si mesma, aquilo que o Apóstolo chama de “estar inchado com um orgulho vão pelo pensamento carnal[95]”.

A maturidade é necessária

De tudo o que foi dito, podemos facilmente reconhecer qual a idade que melhor convém para praticar a prece do intelecto e do coração. Para isso, é a idade madura a mais favorável, quando já se apaziguaram naturalmente os excessos da juventude. Os jovens não estão descartados, desde que possuam as qualidades da maturidade, e sobretudo se possuírem um guia. Mas para atingir a maturidade não basta somente o número de anos transcorridos desde o nascimento ou desde a entrada para o mosteiro; a maturidade deve decorrer sobretudo de um prolongado exame de si mesmo, exame que não deve ser feito arbitrariamente, mas no Senhor Jesus Cristo, graças à luz do Evangelho onde estão descritos o homem novo e todas as diversas enfermidades do homem velho, e graças também ao estudo dos escritos dos santos Padres da Igreja ortodoxa do Oriente que nos ensonam a nos servir das luzes do Evangelho, sem nos enganarmos.

Examinar a si mesmo

Quando um homem penetra em si mesmo, ele conhece a si mesmo, reconhece suas paixões, sua ação multiforme, os meios de lutar contra elas e sua própria impotência, então quanto mais ele se esforça para se desembaraçar de suas particularidades pecaminosas implantadas pela queda e adquirir aquelas indicadas pelo Evangelho, mais sólidas se tornam as fundações sobre as quais ele ergue o edifício de sua prece. Ele não deve se apressar quando começa sua escavação; ao contrário, deve cuidar para que sejam bem profundas e sólidas. É pouco, aprender a conhecer as paixões e suas numerosas ramificações pela leitura dos santos Padres: é preciso saber ler no livro vivo da alma e adquirir a respeito um conhecimento espiritual.

Isso leva tempo

É evidente que são necessários muitos anos para que esse exercício dê frutos, sobretudo em nossa época, quando é raro e difícil receber qualquer conhecimento espiritual de um homem, quando é preciso, ao contrário, folhear os livros para adquirir todos os conhecimentos nesse domínio para em seguida descobrir, ainda nos livros, a ordem e a gradação dos conhecimentos, das práticas e dos estados espirituais. Aqueles que não vigiaram suficientemente a solidez das fundações constatarão a seguir diversos defeitos na sua construção, rachaduras e outras deteriorações, e muitas vezes acabarão por assistir o lamentável desabamento de todo o edifício. Irmãos, não nos apressemos: seguindo o conselho do Evangelho, escavemos, aprofundemos, coloquemos como fundação pedras duras e pesadas. A escavação e o aprofundamento são a exploração minuciosa do coração; quanto às pedras, endurecidas pelo tempo e pela prática, elas representam o exercício dos mandamentos evangélicos.

Vitória sobre as distrações

Quando o asceta cristão domina, na medida de suas forças, os movimentos do sangue, e restringe sua influência sobre a alma, movimentos espirituais começam pouco a pouco a surgir nela. Sutis intuições dos mistérios divinos começam a se manifestar ao intelecto e o incitam a examinar atentamente; ele se afasta de sua vagabundagem em todas as direções e se concentra em si mesmo[96]; o coração começa a entrar em “simpatia” com o intelecto num sentimento de grande enternecimento. Graças às influências espirituais, as influências do sangue sobre a alma são definitivamente superadas; o sangue volta ao cumprimento de sua função normal no seio do composto corporal, deixando de servir (por encontrar sua destinação original) de instrumento do pecado e dos demônios. O Espírito Santo aquece o homem espiritualmente, cobrindo de orvalho e de frescor sua alma até então familiarizada apenas com as diversas ebulições do sangue[97]. Quando se ergue o Sol de Justiça, as feras espirituais se retiram aos seus covis, e o asceta sai das trevas e do cativeiro nos quais o retinham o pecado e os espíritos decaídos para cumprir seu trabalho espiritual e progredir até o ocaso de sua vida terrestre, até sua passagem para a vida eterna que não conhece crepúsculo[98].

A oração mental

Graças à ação bem-aventurada do Espírito Santo no homem, um silêncio inabitual começa a reinar sobre ele; ele morre para o mundo, para suas alegrias vãs e pecaminosas, e deixa de estar a seu serviço. O cristão se reconcilia com tudo e com todos por meio de um estranho raciocínio espiritual, humilde e ao mesmo tempo elevado, desconhecido e inacessível ao homem carnal e psíquico. Ele começa a sentir uma compaixão por toda a humanidade e por cada homem em particular. Depois a compaixão amadurece em amor. A seguir, quando ele ora, sua atenção se reforça; as palavras da prece começam a produzir uma impressão forte e inabitual sobre sua alma, a comovê-lo profundamente. enfim, pouco a pouco, o coração e a alma por inteiro entram em união com o intelecto e, seguindo-se à alma, o próprio corpo é arrastado. Essa prece é chamada:
- mental (ou espiritual), quando é pronunciada pelo intelecto com uma profunda atenção e com a “simpatia” do coração;
- do coração, quando é pronunciada pelo intelecto e o coração unidos, quando o intelecto de certo modo desce até o coração e, de suas profundezas, eleva sua prece;
- da alma, quando ela acontece com toda a alma, com a participação do próprio corpo; quando rezamos com todo nosso ser, ou seja, quando todo o nosso ser se torna uma só boca que pronuncia a prece.

Em seus escritos, os santos Padres muitas vezes reúnem sob uma mesma denominação a prece mental, a do coração e a da alma; outras vezes, eles as distinguem. Assim, são Gregório o Sinaíta diz: “Ore sem cessar, com seu intelecto ou com sua alma”. Mas hoje, quando o ensinamento ministrado a esse respeito por mestres vivos se tornou muito raro, é útil conhecer essa distinção. Em alguns, age primeiramente a oração mental, em outros a do coração, em outros, enfim, a da alma, conforme o dom recebido por cada um do Doador de todos os bens, tanto dos bens naturais como daqueles da graça. Às vezes, no mesmo asceta, age tanto uma como outra forma de oração. Esse tipo de oração costuma ser acompanhada por lágrimas. Então o homem conhece em parte no que consiste a bem-aventurada impassibilidade. Ele começa a experimentar um sentimento de pureza e, a partir dessa pureza, a sentir um vivo respeito por Deus. Esse respeito fará com que desapareça a pesandez da carne com a vinda de um estranho temor, até então desconhecido pelo homem, provocado por uma clara sensação de se encontrar na presença de Deus, como diante Dele próprio.

O lugar do arrependimento

O cristão entra agora numa vida nova e numa nova ascese que corresponde ao estado renovado de sua alma: o leite que tomava até então já não lhe serve como alimento. Todas as suas atividades convergem daqui por diante para uma só: o bem-aventurado e constante arrependimento. Que compreender, compreenda: ele acaba de receber o ensinamento mais necessário, o mais salutar e importante, ainda que, por si sós, essas palavras que o expressam sejam tão simples. Poêmio o Grande descreveu esse estado em sua resposta à questão: “Como deve se comportar o hesiquiasta atento?”. Ele disse: “Como um homem afundado na lama até o pescoço, com um pesado fardo sobre a nuca, e que clama por Deus: ‘Tem piedade de mim’[99]”.

Uma profunda aflição – a do espírito humano quando é levado às lágrimas pelo Espírito Santo – é a companheira inseparável no caminho da prece do coração; um sentimento espiritual de respeito por Deus, de piedade e de humilde enternecimento do coração acompanha a prece da alma. Entre os cristãos perfeitos, esses dois sentimentos se transformam em amor. Mas também esses pertencem à categoria dos sentimentos produzidos pela graça. Eles são dons de Deus, concedidos a seu tempo, estranhos a seu tempo, estranhos mesmo para a compreensão de quem luta espiritualmente em seu domínio, mesmo quando luta corretamente. A prece do coração age sobretudo quando invocamos o Nome do Senhor Jesus; os que possuem o dom da prece do coração oram pela prece da alma quando leem as preces escritas ou os salmos.

O homem unificado

Deus prescreveu a prece mental, do coração e da alma no Antigo e no Novo Testamentos. “Amarás ao Senhor teu Deus”, ordena Deus, “com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu espírito e com toda a tua força. Esse é o primeiro mandamento[100]”. É evidente que não podemos cumprir o mais elevado de todos os mandamentos senão pela prece do intelecto, do coração e da alma. Graças a ela, o homem que ora se liberta de toda criatura e, por inteiro, de todo seu ser, se dirige para Deus. Ao se encontrar nesse impulso em direção a Ele, e se reúne subitamente consigo mesmo e se vê curado pelo toque do dedo de Deus. O intelecto, o coração, a alma e o corpo, até então divididos pelo pecado, se unificam subitamente no Senhor. De fato, a união acontece Nele e é realizada por Ele; ela consiste simultaneamente na união do homem consigo mesmo e com seu Senhor.

Os dons do Espírito

Depois da união, ou concomitantemente a ela, aparecem os dons espirituais. Ou, mais exatamente: a própria união é um dom de Deus. O primeiro dos dons espirituais por meio dos quais se produz essa maravilhosa união, é a paz de Cristo[101]. Seguindo-se a essa paz, vem todo o coro dos dons de Cristo, e dos frutos do Espírito Santo, que o Apóstolos enumerou assim: caridade, alegria, longanimidade, bondade, misericórdia, fidelidade, doçura, temperança[102]. A prece do homem curado, unificado, interiormente pacificado, é livre de pensamentos passionais e de fantasmas demoníacos. A espada inflamada do Querubim decaído cessa de agir; o sangue, reprimido pela força do Alto, cessa de ferver e se agitar. Esse mar se torna imóvel; o sopro dos ventos – os pensamentos e os fantasmas demoníacos – já não tem poder sobre ele. A prece livre de pensamentos e de fantasmas é chamada de ‘pura[103]’, sem distrações. O asceta que atingiu essa prece pura começa a consagrar a ela cada vez mais tempo, às vezes sem se dar conta disso. Toda sua vida, toda sua atividade se transforma em oração. A qualidade dessa prece, nos dizem os Padres, conduzirá inevitavelmente à quantidade. Quando se apodera do homem, a prece o transforma progressivamente e o torna espiritual por causa de sua união com o Espírito Santo, como diz o Apóstolo: “Quem se une ao Senhor se torna um só espírito com o Senhor[104]”. Ao amigo íntimo do Espírito são revelados os mistérios do Cristianismo.

A paz de Cristo

Cheia de graça, a paz de Cristo que introduz o asceta na prece pura é completamente diferente da disposição psicológica habitualmente calma e pacífica dos homens; quando ela se estabelece no coração, ela amarra os movimentos tempestuosos das paixões, ela suprime o temor, não por afastar o que é temível, mas por nos colocar num estado de felicidade e de coragem em Cristo, graças ao qual aquilo que é terrível deixa de sê-lo, como disse o Senhor: “Eu vos deixo minha paz, eu vos dou a minha paz; não como o mundo a dá, eu a dou a vós. Que vosso coração não se perturbe, nem se alarme[105]”. A paz de Cristo traz consigo uma grande força espiritual, e atira aos seus pés todo sofrimento e toda tribulação terrestres. Essa força provém do próprio Cristo: “Tereis essa paz em mim. No mundo havereis de sofrer. Mas tende coragem! Eu venci o mundo[106]”.

Invocado pela prece do coração, Cristo faz descer ao coração uma força espiritual chamada de “paz de Cristo”; ela não pode ser captada pela inteligência, nem expressa em palavras, mas apenas pela experiência bem-aventurada. “Que a paz de Deus”, diz o Apóstolo aos cristãos, “que ultrapassa toda inteligência, guarde vossos corações e vossos pensamentos em Jesus Cristo[107]”. Tal é a força da paz de Cristo: ela ultrapassa toda inteligência. Isso significa que ela está acima de toda inteligência criada: da inteligência do homem, da dos Anjos de luz e da dos anjos decaídos. Enquanto operação divina, ela reina soberanamente, divinamente, sobre os pensamentos e os sentimentos do coração. Quando ela aparece, todos os pensamentos demoníacos e todos os sentimentos provocados por eles fogem, mas os pensamentos humanos e o coração se colocam sob sua santa proteção. A partir daí, ela se torna seu rei e os protege, ou seja, ela os guarda fora do alcance do pecado, em Cristo Jesus. Em outros termos, ela mantém os pensamentos na esfera do ensinamento evangélico e ilumina a inteligência dando a ela uma explicação mística desse ensinamento; quanto ao coração, ele se alimenta do “pão supra substancial” que desce do céu e dá a vida aos que dele comungam[108].

A paz de Cristo unifica o homem

Quando age com força, a santa paz faz descer o silêncio sobre a inteligência e atrai para si o corpo e a alma, para que também eles possam aí experimentá-la. Então cessa todo movimento do sangue e toda influência que ele possa ter sobre a alma, e uma grande paz se instala. Por todo o homem sopra uma brisa leve[109], e um misterioso ensinamento se faz ouvir. Protegido e guardado pela santa paz, o cristão se torna inacessível aos inimigos espirituais: ele está unido à paz de Cristo e se deleita com ela; assim embriagado, ele esquece não somente os gozos pecaminosos, como ainda os gozos terrestres em geral, tanto do corpo como da alma. Ó bebida salutar! Que divina medicina! Que bem-aventurada embriaguez! E é bem assim: por qual outra maneira, com efeito, poderia começar a renovação do homem, senão pela percepção, dada pela graça, da paz que reúne novamente na unidade as partes integrantes do homem, divididas pelo pecado? Sem esse dom prévio, sem essa reunificação consigo mesmo, poderia o homem se tornar apto para qualquer estado espiritual, divino, produzido pelo Espírito Santo? Poderia um vaso quebrado conter alguma coisa sem antes haver sido reparado?

A paz de Cristo, como de resto todos os dons da graça, começa a se fazer sentir sobretudo durante a operação, pois durante essa atividade o asceta se torna preparado pela piedade e pela atenção para receber as impressões divinas. Por conseguinte, tendo se tornado por assim dizer o bem próprio do cristão, a paz o acompanha constantemente, o incita a todo tempo e em todo lugar à prece realizada em sua cela interior, revelando de longe os inimigos e os caluniadores espirituais, afastando-os e derrubando-os com seu braço poderoso.

O profeta Isaías anunciou a grandeza desse dom espiritual – a paz de Cristo –, sua manifestação no povo de Deus, no novo Israel – ou seja, dentre os cristãos –, seu poder para curar as almas e para mantê-las com saúde, e sua origem no Deus-Homem que a concede como uma esmola. “Deus poderoso”, diz o Profeta a respeito do Senhor encarnado, “Mestre poderoso, Príncipe da Paz, Pai do século futuro: pois eu farei vir a paz sobre os príncipes”, sobre os cristãos que progrediram, que venceram as paixões e que por isso merecem ser chamados de príncipes, “a Ele a paz. Vasto será o império, e haverá uma paz sem fim para o trono de Davi e seu reino; Ele o estabelecerá e o sustentará pelo direito e pela justiça, desde agora e para sempre; o amor cioso do Senhor de Sabaó fará isso[110]”. “Em seus dias se levantará a justiça e a paz em abundância[111]”; “o Senhor abençoará seu povo (os cristãos) dando-lhe a paz[112]”, “os mansos herdarão a terra, e experimentarão as delícias de uma imensa paz[113]”.

A paz é um critério

Assim como o Espírito Santo anunciou o Filho[114], do mesmo modo a atividade do Espírito Santo no homem – a paz de Cristo – anuncia que os pensamentos do homem penetraram no domínio sagrado da Justiça e da Verdade divinas, e que seu coração recebeu o Evangelho: “A misericórdia e a verdade se reencontraram, a justiça e a paz se abraçaram[115]”. A paz de Cristo no homem é o sinal de que ele permanece nos mandamentos de Cristo, longe da desorientação e da cegueira espirituais; ao contrário, uma perturbação, ainda que ligeira, quaisquer que sejam as justificativas, é o sinal seguro de que houve um desvio do estreito caminho de Cristo, e de que estamos sobre o caminho largo que conduz à perdição[116].

Não julgar

Não condene o ímpio, nem aquele que é manifestamente um malfeitor: “Que ele esteja em pé ou caia, isso cabe ao seu mestre[117]”. Não odeie a quem o calunia, nem a quem o injuria, nem o assaltante, nem o assassino: eles o crucificam à direita do Senhor, segundo uma misteriosa disposição dos julgamentos de Deus; assim, com toda consciência e convicção, você poderá dizer ao Senhor durante sua prece: “Eu recebi o que mereço. Lembre-se de mim, Senhor, em seu reino”. Compreenda, depois das aflições que o afligiram, sua inexprimível alegria, sua eleição por Deus, e ore com uma prece ardente por esses benfeitores graças aos quais lhe foi concedida essa graça, por cuja mãos você foi arrancado do mundo e levado à morte por Ele, por cujas mãos você foi elevado até Deus. Sinta por eles uma compaixão semelhante à que Deus sente em relação à humanidade afundada no pecado, Ele que entregou Seu Filho em sacrifício redentor por sua criatura hostil, mesmo sabendo que na sua grande maioria, os homens escarneceriam dessa Vítima e a desprezariam.

Essa misericórdia, que vai até o amor pelos inimigos, que se expressa através de orações por eles acompanhadas de lágrimas, conduz a um conhecimento vívido da Verdade. A Verdade é a Palavra de Deus, o Evangelho; a Verdade é Cristo. o conhecimento da Verdade introduz na alma a justiça divina, depois de ter expulsado daí a justiça humana decaída e corrompida pelo pecado; a justiça divina dá testemunho de sua entrada na alma pela paz de Cristo. Essa paz torna o homem ao mesmo tempo templo e sacerdote do Deus Vivo: “O lugar onde Ele reside é a paz, e sua morada está em Sião. Ali Ele partiu a força do arco, do escudo, da espada e da guerra[118]”.

O testemunho dos Padres

Os maiores dentre os mestres do monarquismo trataram da bem-aventurada unificação do homem consigo mesmo sob o efeito da paz de Cristo. São João Clímaco disse: “Eu clamei de todo meu coração, vale dizer, com meu corpo, minha alma e meu espírito: pois onde esses dois últimos estiverem reunidos, Deus estará no meio deles[119]”. Santo Isaac de Sceta escreveu: “Se, a exemplo das virgens sábias, você sabe que sua lâmpada está cheia de azeite, você poderá também penetrar na câmara nupcial sem ser obrigado a permanecer fora. Se você sente que seu espírito, sua alma e seu corpo estão perfeitamente unificados e que ressuscitarão imaculados no dia de nosso Senhor Jesus Cristo, se sua consciência não o acusa nem o condena, se você se tornou uma criança conforme a palavra do Senhor, que disse: “Deixai as crianças, e não a impeçais de vir a mim, pois o Reino dos céus pertence aos que a elas se assemelham[120]”, então, em verdade, você se tornou a esposa [de Cristo] e o Espírito Santo repousa em você, mesmo que você ainda habite esse corpo[121]”. Por sua vez, santo Isaac o Sírio escreve: “Não compare os que realizam sinais, milagres e grandes prodígios no mundo com os que vivem o hesiquiasmo com conhecimento. Ame a inatividade da hesíquia mais do que saciar os famintos do mundo e mais do que conduzir os numerosos povos pagãos a adorar a Deus. Mais vale para você se livrar das cadeias do pecado do que libertar escravos de sua servidão. Mais vale para você estabelecer a paz com sua alma a fim de criar a harmonia na tríade que existe dentro de você – falo do corpo, da alma e do espírito – do que pacificar com seu ensinamentos aqueles que divergem em suas opiniões[122]”.

A santa paz consiste na imobilidade do intelecto que provém da realização dos mandamentos do Evangelho, de que fala santo Isaac o Sírio nos seu 56º Discurso ascético. São Gregório o Teólogo e são Basílio o Grande a sentiram, e depois disso se retiraram para o deserto. Ali eles se ocuparam de seu homem interior; tendo-o conformado por inteiro ao Evangelho, eles foram admitidos à contemplação dos mistérios do Espírito. É evidente que o intelecto adquire essa imobilidade ou ausência de vagabundagem dos pensamentos (a supressão das distrações) depois de sua união com a alma. Sem isso ele não pode se impedir de planar e se dispersar em todas as direções. Quando, sob a ação da graça divina, o intelecto se une ao coração, ele recebe o poder da prece de que fala são Gregório o Sinaíta: “Se Moisés não tivesse recebido de Deus o bastão do poder, ele não teria ferido o faraó do Egito; da mesma forma, o intelecto, se não tiver em mãos o poder da prece, não poderá derrotar o pecado e as forças adversas[123]”.

Testemunho de são Serafim de Sarov

Em seu Instruções Espirituais, o hieromonge Serafim de Sarov expõe o ensinamento relativo à paz de Cristo com notável clareza e grande simplicidade; ali ele sublinha a excelência e a importância desse dom. tudo provém diretamente da santa experiência do coração: “Quando o intelecto e o coração estão unidos na prece, e os pensamentos da alma não estão mais dispersos, o coração se enche de calor espiritual no qual a luz de Cristo começa a brilhar, enchendo de paz e de alegria o homem interior por inteiro[124]”.

“Nada é melhor do que possuir a paz de Cristo; contra ela se destroem todos os ataques dos espíritos que estão nos ares e sobre a terra. Sinais de um homem sábio: ele mergulha seu intelecto no interior e concentra sua atividade em seu coração. Então a graça divina o cobre com sua sombra e ele permanece numa disposição interior pacífica e mais do que pacífica; numa disposição pacífica, ou seja, com boa consciência; numa disposição mais do que pacífica, pois seu espírito contempla a graça do Espírito Santo, segundo a palavra de Deus: “O lugar onde Ele reside, aí é a paz[125]”. Quando um homem se encontra numa disposição pacífica, ele colhe como com uma colher[126] os dons espirituais. Quando o homem entra num estado de paz, ele pode derramar sobre outros a luz do conhecimento”.

“Essa paz, nosso Senhor Jesus Cristo a deixou aos seus discípulos antes de Sua morte como um tesouro precioso, ao dizer: “Eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz[127]”. Devemos concentrar todos os nossos esforços, nossos desejos e nossas ações na aquisição da paz divina, e clamar sempre com a Igreja: “Senhor nosso Deus, dai-nos a paz.”[128]”.

“Por todos os meios possíveis, é preciso tentar conservar a paz da alma e não se deixar perturbar por ofensas; para tanto, devemos a todo custo nos esforçar por conter a cólera e para proteger, por meio da atenção, nosso intelecto e nosso coração de todo movimento inconsiderado. É preciso suportar as ofensas com equidade de alma, e se acostumar a vê-las como se não fossem conosco, mas com outra pessoa. Essa prática pode trazer o silêncio ao coração do homem e fazer daí a própria morada de Deus”.

“Vemos na Vida de Païssios o Grande como podemos vencer a cólera. Ele pediu ao Senhor Jesus Cristo, que lhe aparecera, para que o libertasse da cólera. Cristo lhe respondeu: “Se você quiser vencer a cólera e o enfurecimento, não deseje nada, não odeie nem despreze ninguém[129]”. Para conservar a paz da alma, é preciso afastar de si a acídia e se esforçar por ter um espírito alegre e não triste, segundo as palavras do Eclesiástico: “A tristeza destruiu a muitos, e não existe utilidade nela[130]”. Para conservar a paz da alma, é preciso a todo custo evitar julgar os outros. É pela ausência de julgamento e pelo silêncio que se conserva a paz da alma: quando o homem se encontra em semelhante disposição, ele recebe revelações divinas[131]”. “O Reino de Deus [...] é a justiça, a paz e a alegria no Espírito Santo. Aquele que serve a Cristo dessa maneira á agradável a Deus[132]”.

Paz e humildade

A paz de Cristo é a fonte da prece incessante, da prece cumprida no intelecto, no coração, na alma e no espírito, da prece movida pela graça – da prece que jorra de todo o ser humano sob a ação do Espírito Santo. A paz de Cristo é a fonte de onde provém constantemente a bendita humildade de Cristo, essa humildade que ultrapassa a inteligência humana. Não estaremos enganados se afirmarmos que a prece movida pela graça consiste na humildade inspirada pela graça, e que a humildade inspirada pela graça é a prece incessante.

Os Padres falam da humildade

Achamos indispensável expor aqui a estreita ligação que une a prece à humildade. O que é a humildade: “A humildade, dizem os Padres, é divina e insondável[133]”. É a mesma coisa que disse o Apóstolo: “A paz de Deus que ultrapassa toda inteligência[134]”. Podemos, portanto, definir corretamente a humildade assim: a humildade é a misteriosa atividade da insondável paz de Deus, captada além de todo conceito apenas por uma experiência bem-aventurada. Para formular essa definição de humildade, guiamo-nos pelo Senhor, que disse: “Vinde a mim, vós que estais fatigados e carregados, e eu vos darei meu repouso. Tomem sobre vós meu jugo e aprendei comigo, que sou manso e humilde de coração; então encontrareis o repouso para vossas almas[135]”.

João Clímaco

Comentando essas palavras, são João Clímaco diz: “Aprendam, não de um Anjo, nem de um homem, nem de um livro, mas de mim, ou seja, de minha presença em vocês, de minha iluminação e de minha operação em vocês, que sou manso e humilde de coração, de pensamento e de espírito, e encontrarão repouso para suas almas, pois se libertarão das lutas e dos pensamentos passionais[136]”. Essa instrução é eficaz, pois ela procede da experiência e é inspirada pela graça!

Mais adiante, ainda no mesmo Degrau da humildade, são João Clímaco enumera diversas características da humildade que podem ser conhecidas e apreendidas não apenas pelo possuidor desse tesouro espiritual mas também por seus amigos sinceros no Senhor, pois ele acrescenta: “O possuidor dessa grande riqueza (a humildade) possui em sua alma sinais característicos (graças aos quais ele pode saber que se tornou possuidor da humildade), muito superiores aos que foram mencionados mais acima. Pois todos aqueles, com exceção desse, podem ser percebidos por observadores externos. Você reconhecerá sem risco de erro que essa santa realidade (a humildade) está presente, se constatar em si mesmo uma abundância de luz inefável e um indizível desejo de orar[137]”.

O homem humilde visto por santo Isaac o Sírio

À questão: “Quais são os sinais distintivos da humildade?”, santo Isaac o Sírio respondeu: “A elevação da alma provoca sua dissipação, obrigando-a a planar (por causa dos fantasmas que ela provoca), pois então ela se deixa transportar sobre as nuvens de seus pensamentos e assim ela percorre toda a criação. Ao contrário (ao inverso da elevação) a humildade reúne a alma na hesíquia; graças à humildade, a alma se concentra sobre si mesma. Assim como a alma é desconhecida e invisível para os olhos do corpo, também o homem humilde passa desapercebido, embora se encontre no meio dos homens. Assim como a alma está escondida no interior do corpo, subtraída aos olhos dos homens e aos contatos com eles, também o homem verdadeiramente humilde não apenas não deseja ser visto nem reconhecido pelos homens em razão de seu isolamento de todos e de sua pobreza em todos os domínios, como ainda ele desejaria desaparecer até aos seus próprios olhos e mergulhar no interior de si mesmo, vivendo e permanecendo na hesíquia, tendo esquecido completamente seus pensamentos e seus sentimentos de antes, e se tornando, por assim dizer, como alguém que não está na criação e que não chegou ainda a existir[138], desconhecido até para sua própria alma. Esse homem está oculto e separado do mundo na medida em que ele permanece inteiramente em seu Mestre[139]”.

Que estado é esse, senão aquele produzido pela prece movida pela graça, pela prece do intelecto, do coração e da alma? Podemos permanecer no Senhor de outra forma que não nos unindo a Ele pela prece pura? No mesmo Discurso se encontra a resposta de santo Isaac à questão: “O que é a prece?”, quando ele responde: “A prece é a abolição do pensamento e sua separação de tudo o que é daqui de baixo, enquanto o coração volta inteiramente o seu olhar para o futuro esperado”.

Humildade e prece

Assim, portanto, a verdadeira prece e a verdadeira humildade não são elas a mesma coisa no que se refere às suas operações a aos seus efeitos? A prece é a mãe das virtudes e a porta que conduz a todos os dons espirituais. Por meio da prece atenta, cuidadosamente cumprida com paciência e perseverança, adquirimos tanto a prece movida pela graça como a humildade inspirada pela graça. Seu doador é o Espírito Santo, seu doador é Cristo; como não seriam elas nesse ponto semelhantes, sendo sua origem única? Como, provindo dessa origem, não seriam todas as virtudes unidas entre si por uma concórdia e uma harmonia notáveis? Elas aparecem de súbito no cristão quando Cristo penetra em sua câmara interior para prestar atenção às lamentações daquele que se encontra fechado aí e para retirar a causa desse lamento.

“A prece é a mãe das virtudes, disse são Marcos o Asceta, ela as coloca no mundo por sua união com Cristo”. São João Clímaco chamou a prece de “mãe das virtudes[140]”, e a humildade de “destruidora das paixões[141]”.

A unificação do homem

Precisamos explicar e tornar mais compreensível a união entre o intelecto, a alma e o corpo, para aqueles que não tiveram ainda a experiência, a fim de que a possam reconhecer quando, pela misericórdia de Deus, ela começar a se realizar neles. Essa união é totalmente real e perceptível: ela não é absolutamente produto da imaginação ou qualquer coisa que não se fundamenta em mais do que uma impressão enganosa. Podemos, numa certa medida, explicá-la a partir do estado oposto no qual nos encontramos habitualmente, todos nós. O estado inverso – a divisão do intelecto, da alma e do corpo, e sua atividade não concordante que se transforma frequentemente em antagonismo recíproco – é a consequência amarga da queda de nossos ancestrais[142].

O estado de queda

Quem não constata em si essa atividade discordante? Quem não percebe uma luta interior e o tormento que ela provoca? Quem não reconhece nessa luta, nesse tormento – muitas vezes insuportáveis – nossa enfermidade, o indício, a prova convincente de nossa queda? Nosso intelecto ora ou se encontra em meditação numa disposição piedosa, mas em nosso coração e em nosso corpo se agitam diversos desejos impuros, diversas pulsões passionais; elas atraem com força o intelecto para que ele se desvie de seu exercício, e, na maior parte das vezes, o fazem com sucesso. Os próprios sentidos corporais, em especial a vista e o ouvido, agem contra o intelecto: fornecendo a ele continuamente impressões do mundo material, o empurram para a distração e a dispersão.

Mesmo o corpo ora

Mas quando, durante a prece, graças à inefável misericórdia de Deus, o intelecto entra em união com o coração e com a alma, então a alma começa, primeiro aos pouco e depois por inteiro, a se voltar, junto com o intelecto, para a prece. Para terminar, nosso próprio corpo corruptível se voltará, ele também, para aprece, ele que foi criado com o desejo de Deus, mas que, em consequência da queda, foi contaminado com o desejo próprio dos animais. Então os sentidos corporais se mantêm inativos: os olhos olhas mas não veem; ou ouvidos ouvem, mas ao mesmo tempo não escutam[143]. Então o homem é tomado por inteiro pela prece: mesmo suas mãos e seus pés, seus dedos, tudo participa, de uma maneira inefável mas completamente real e perceptível, da prece, e tudo se enche de uma força que a palavra humana não pode explicar.

Quando a prece expulsa os pensamentos

Quando o homem se encontra num estado de paz em Cristo e de prece, ele se torna inacessível a todo e qualquer pensamento pecaminoso – esse homem para quem, antes, cada encontro com o pecado representava uma derrota certa. A alma sente que um inimigo se aproxima dela; mas a força da oração que a preenche não permite que o inimigo se aproxime mais e que profane o templo de Deus. Aquele que ora sabe que o inimigo veio, mas não sabe com qual pensamento (passional), nem com que forma de pecado. São João Clímaco diz: “Quando o maligno se afasta de mim, eu já não percebo[144], e nem sei como ele veio, nem porque veio, nem como partiu; eu permaneço sem nenhuma impressão, pois agora estou unido a Deus, e com Ele permanecerei para sempre[145]”.

Quando o intelecto está unido à alma, é útil se dedicar à lembrança de Deus, em particular à Prece de Jesus: os sentidos corporais podem então permanecer inativos, e isso contribui de modo considerável para atingir uma profunda concentração e para obter os frutos que daí resultam. Não apenas podemos, como devemos fazer uma leitura orante dos Salmos e de outras orações quando o intelecto e a alma estão unidos, pois essa união reforça consideravelmente a atenção. Mas como, durante a Salmodia, todo tipo de pensamento se apresenta ao intelecto, ele não consegue ficar ao abrigo da dispersão, senão durante uma prece curta e uniforme. É preciso também unir o intelecto com a alma quando lemos a santa Escritura e as obras dos santos Padres: a leitura se tornará bem mais frutífera. “Pedimos ao intelecto, diz são João Clímaco, a cada vez que ele ora (e também quando se aplica à leitura, pois essa alimenta a oração e constitui um ramo da prece e da atividade espiritual) que ele manifeste a força que lhe foi dada por Deus: estejamos atentos[146]”.

É preciso perseverar

Irmão, se você ainda não sentiu a união entre o intelecto, a alma e o corpo, então aplique-se à prece dita com atenção, unindo seu intelecto à prece oral e, em determinados momentos também à prece vocal. Persevere nos mandamentos do Evangelho; lute contra as paixões com paciência e longanimidade; não caia na acídia e não perca a coragem quando for vencido por pensamentos e sentimentos pecaminosos; mas, por outro lado, tampouco se deixe vencer voluntariamente. Se você cair, levante-se; se cair de novo, levante-se outra vez – até que você aprenda a andar sem tropeçar. O cálice da impotência tem sua utilidade; até um certo ponto a Providência divina permite que ele seja apresentado ao asceta para purificá-lo do orgulho, da cólera, do azedume, da condenação dos, da soberba e da vanglória. É particularmente importante despistar em si a atividade da vanglória, e domá-la. Enquanto ela agir, o homem não estará apto para entrar no domínio da vida espiritual aonde se chega pela vitória sobre as paixões, a apatheia dada pela vinda da paz de Cristo.

Quando reina a paz

Se, ao contrário, você sentir que seu intelecto se uniu à sua alma e ao seu corpo, que você não está dividido pelo pecado, mas que forma um todo bem unificado, e que a santa paz de Cristo reina em você, guarde então esse dom de Deus com o maior cuidado possível. Que a prece e a leitura dos livros santos se torne sua principal ocupação; deixe para os demais afazeres uma importância secundária; quanto aos negócios mundanos, mantenha-se indiferente em relação a eles e, se puder, não se misture com eles em absoluto.

A paz, enquanto sopor do Espírito Santo, é delicada – ela abandona imediatamente a alma que se conduz inconsideradamente na sua presença, que se afasta da piedade, que trai sua lealdade por indulgência para com o pecado e que se deixa cair no relaxamento. Ao mesmo tempo a paz de Cristo, a prece movida pela graça se afasta da alma indigna e então, como feras famintas, as paixões irrompem nela e começam a despedaçar a vítima que se ofereceu espontaneamente, entregue a si mesma por Deus, que se retirou dela[147].

O que provoca a perda da paz

Se você come até a saciedade, em especial se você se embriaga, a santa paz deixará de operar em você. Se você se encolerizar, sua ação se interromperá por um longo tempo. Se você se permitir ser insolente, ela cessará de agir. Se você se ligar a qualquer coisa terrestre, se tiver uma paixão por um objeto, por qualquer trabalho manual, ou uma ligação particular com uma pessoa, infalivelmente a santa paz se retirará de você. Se você se permitir deleitar-se com pensamentos voluptuosos, ela o abandonará por um longo tempo, por muito tempo, pois ela não suporta o mau odor do pecado, em especial o da fornicação e o da vanglória. Você a buscará, mas não a encontrará. Você irá chorar sua perda; mas ela não dará atenção ao seu pranto, para que você aprenda a apreciar o justo valor do dom de Deus e a guardá-lo com o cuidado e a piedade que lhe é devido.

Como lutar

Odeie tudo o que o puxa para baixo, para as distrações, para o pecado. Crucifique-se na crua dos mandamentos evangélicos; permaneça sempre pregado nela. Recuse com coragem e vigor todos os pensamentos e todos os desejos pecaminosos; corte as preocupações mundanas; cuide para viver em si o Evangelho cumprindo prontamente todos os mandamentos. Na hora da prece, crucifique-se novamente, crucifique-se sobre a cruz da prece. Afaste de si todas as lembranças, mesmo as mais importantes, que surgem em você durante a oração – ignore-as. Não “teologize”, nem se deixe arrastar no exame de pensamentos brilhantes, novos e fortes, se eles começarem a proliferar subitamente em você. O silêncio sagrado que a percepção da grandeza de Deus faz vir sobre o intelecto no momento da prece, dá testemunho de Deus com mais força e elevação do que qualquer palavra. “Se você orar verdadeiramente, você é teólogo[148]”, dizem os Padres.

Você possui um tesouro! Os ladrões invisíveis o sabem: eles se dão conta quando perdem sua influência sobre você[149]. Eles ficam ávidos por roubar-lhe o dom de Deus. Eles são hábeis; eles possuem uma rica experiência e são engenhosos em fazer o mal. Seja atento e prudente. Guarde e desenvolva em você o sentimento do arrependimento; jamais se satisfaça com seu estado, mas veja-o como um meio para adquirir o verdadeiro arrependimento. A pobreza espiritual conservará em você o dom da graça, o protegerá contra todas as armadilhar e todas as seduções do Inimigo: “ao coração contrito e humilhado Deus não desprezará”, nem o entregará ao Inimigo, privando-o da salvação e da graça. Amém.



[1] Mateus 26: 30.
[2] Cf. João 11: 41-42.
[3] Atos 16: 26.
[4] I Samuel 1: 13.
[5] Hebreus 13: 15.
[6] CF. Efésios 5: 19.
[7] I Coríntios 14: 8-9.
[8] Do homem interior.
[9] Discursos ascéticos, 40.
[10] Cf. João 4: 24.
[11] Pedro Damasceno, Da terceira contemplação, in Filocalia, Tomo III, Vol. 2.
[12] Cf. Vida, in Menologion, 24 de Maio. A Montanha Admirável é o monte Samandag, na Turquia;
[13] Cf. Discursos ascéticos, 31.
[14] Cf. a Vida desse santo.
[15] Cf. a Vida manuscrita de santo Hilário de Souzdal.
[16] Cf. Livro de Orações, primeira oração matinal: “Ao despertar eu te dou graças, ó santa Trindade...”.
[17] Cf. ibid., sexta prece matinal: “Nós Te bendizemos, ó Deus Altíssimo...”.
[18] Simeão o Novo Teólogo, Método para a santa prece e a atenção, A terceira prece, in Filocalia, Tomo V.
[19] São Gregório o Sinaíta, Da hesíquia e de duas maneiras de orar, 8, in Filocalia, Tomo IV.
[20] Jeremias 48: 20.
[21] I Coríntios 2: 2.
[22] Colossenses 2: 3.
[23] Lucas 21: 36.
[24] Lucas 21: 36.
[25] Cf. Mateus 25: 32.
[26] I Pedro 4: 7; 5: 8-9.
[27] I Tessalonicenses 5: 17.
[28] Filipenses 4: 6.
[29] Colossenses 4: 2.
[30] I Timóteo 2: 8.
[31] I Coríntios 6: 17.
[32] Lucas 18: 7-8.
[33] Discursos ascéticos, 21.
[34] Cf. o Euchologion, o livro que contém o ritual da profissão monástica do “pequeno hábito”. Ao entregar o terço ao noviço, o superior lhe ordena dizer sem cessar a Prece de Jesus; ao receber o terço, o noviço se compromete a cumprir essa ordem.
[35] CF. Atos 1: 14.
[36] Isaías 56: 7.
[37] Isaac o Sírio, op. cit., 21.
[38] Cf. Atos 6: 2-4.
[39] Santo Antônio o Grande, Obras, PG 60, 1080.
[40] A Escada Santa, IV, 19.
[41] Cf. João Cassiano, Conferências, X, 10.
[42] Cf. Vida de são Dositeu, in Doroteu de Gaza, Obras espirituais. Tb. Menologion, 19 de Fevereiro.
[43] Cf. A oração das Horas, ofício das Completas.
[44] Cf. Apophtegmas, a partir de um manuscrito do bispo Inácio.
[45] Cf. Discurso ascético, 52.
[46] Cf. Da hesíquia e das duas maneiras de orar, 2, in Filocalia, tomo IV.
[47] Cf. João 11: 39, 43-44.
[48] Cf. Isaac o Sírio, op. cit., 72.
[49] A Escada Santa, XX, 7.
[50] Salmo 38: 4.
[51] Hebreus 12: 29.
[52] Apophtegmas, série alfabética, letra I.
[53] Discursos ascéticos, 8.
[54] Ibid., 69.
[55] Salmo 69: 2 (mencionado mais acima).
[56] Conferências, X, 10.
[57] São João Crisóstomo, cit. Calixto e Inácio Xantopouloi, Centúria Espiritual, 21, in Filocalia,, Tomo IV.
[58] Abade Filemon, Discurso muito útil, in Filocalia, Tomo II.
[59] Cf. o ensinamento de santo Isaías o Anacoreta, que compara a alma guardada pela meditação a uma casa trancada e protegida de todos os lados.
[60] Jó 38: 11.
[61] I Coríntios 2: 9.
[62] Cf. Marcos 10: 30.
[63] Op. cit., XXVIII, 34.
[64] II Coríntios 2: 16.
[65] A escada santa, XXVIII, 27; cf. Salmo 72: 25, 28.
[66] Cf. santo Isaac o Sírio, Discursos ascéticos, 55.
[67] Santo Isaac o Sírio, Discursos ascéticos, 5: “Não devemos buscar prematuramente aquilo que nos ultrapassa, a fim de que o dom de Deus não seja dissipado em razão da rapidez com a qual o obtivemos. Tudo o que é adquirido facilmente também se perde facilmente; mas o que se adquire com dor no coração é a seguir guardado com cuidado”.
[68] Cf. Simeão o Novo Teólogo, Método para a santa prece e a atenção, in Filocalia, tomo V.
[69] Lucas 17: 20.
[70] Op. cit., 55.
[71] I Coríntios 2: 9.
[72] Gênesis 3: 5.
[73] Cf. I Reis, 18.
[74] Mateus 21: 13; cf. Isaías 56: 7.
[75] Ezequiel 16: 49.
[76] Cf. Mateus 5: 22.
[77] Marcos 11: 25-26.
[78] Cf. Mateus 5: 44.
[79] Cf. João 4: 24.
[80] Cf. Marcos o Asceta, Discurso, VII, Sobre o jejum e a humildade.
[81] Cf. Isaías o Anacoreta, Coletânea ascética, Logos 8, 1. Esse monge, que era profundamente interiorizado, dizia: “Às vezes eu me vejo como um cavalo que erra sem cavaleiro; quem o encontra, monta; quando um o deixa, outro o pega e, da mesma maneira, se apossa dele”.
[82] Filipenses 4: 5-6.
[83] Cf. I Pedro 4: 7; 5: 7.
[84] Cf. I Timóteo 2: 8.
[85] Cf. Salmo 118: 128.
[86] Cf. Salmo 39: 9.
[87] Salmo 96: 10.
[88] I Coríntios 15: 50.
[89] Salmo 50: 19.
[90] Cf. São João de Carpathos, Capítulos de Exortações, 87, in Filocalia, tomo I.
[91] Segundo a explicação dada por São Macário o Grande, Homilias espirituais XXXVII, 5, e por São Marcos o Asceta, Discurso, VI.
[92] Essa passagem coloca em evidência a ilusão ante a qual sucumbem os representantes dos numerosos movimentos “espiritualistas” que se desenvolvem hoje em dia à margem e fora da Tradição da Igreja.
[93] Discursos ascéticos, 56.
[94] João 5: 44.
[95] Colossenses 2: 18.
[96] “Antes de tudo [de todos os bens espirituais] o Senhor liberta o intelecto das distrações”. Calixto e Inácio Xanthopoulos, op. cit., 24.
[97] Cf. Diálogo entre São Máximo o Capsocalyvita e São Gregório o Sinaíta, in Filocalia, Tomo V.
[98] Cf. Salmo 103: 22-23.
[99] Apoftegmas, Poêmio.
[100] Marcos 12: 30; Deuteronômio 6: 5.
[101] Cf. Barsanulfo e João de Gaza, Correspondência, Resp. 93; são Gregório Palamas, Carta à monja Xênia.
[102] Gálatas 5: 22-23.
[103] Cf. Santo Isaac o Sírio, op. cit., 15.
[104] I Coríntios 6: 17.
[105] João 14: 27.
[106] João 16: 33.
[107] Filipenses 4: 7.
[108] CF. João 6: 33.
[109] Cf. I Reis 19: 12.
[110] Isaías 9: 6-7, texto eslavônico.
[111] Salmo 71: 7.
[112] Salmo 28: 11.
[113] Salmo 36: 11.
[114] Cf. João 16: 14.
[115] Salmo 84: 11.
[116] Cf. Mateus 7: 13. Barsanulfo e João de Gaza, Correspondência, Resposta 24.
[117] Romanos 14: 4.
[118] Salmo 75: 3-4.
[119] Escada Santa, XXVIII, 64; Salmo 118: 145; Mateus 18: 20.
[120] Mateus 19: 14.
[121] Abade Isaías, Coletânea ascética, Logos 19.
[122] Discursos ascéticos, 56.
[123] Filocalia, Tomo IV, capítulo 114.
[124] Instruções, 11, Sobre a prece.
[125] Salmo 75, 3.
[126] Refere-se à colher utilizada na comunhão durante a Divina Liturgia.
[127] João 14: 27.
[128] Isaías 26: 12.
[129] Vida de Païsios o Grande, Menologion, 19 de Junho.
[130] Eclesiástico 30: 25.
[131] Instruções, 3 e 4.
[132] Romanos 14: 17-18.
[133] Doroteu de Gaza, Obras Espirituais, Instruções, II, Sobre a humildade.
[134] Filipenses 4: 7.
[135] Mateus 11: 28-29.
[136] Escada Santa, XXV, 3.
[137] Ibid. XXV, 27.
[138] Quando, no impulso da oração, o homem sai do mundo criado sem ainda alcançar o Ser divino, ele se encontra num estado intermediário – entre a existência criada e o Ser incriado – própria dos que se arrependem. (N.T.)
[139] Discursos Ascéticos, 48.
[140] Daqueles que pensam que a justificação provém das obras, cap. 35, in I, Tomo I.
[141] Cf. Escada Santa, XXVIII e XXV.
[142] São Simeão o Novo Teólogo define esse estado de nossa natureza como “seu despedaçamento”. Cf. Catequeses, 3.
[143] Cf. São Simeão o Novo Teólogo, Catequeses, 10.
[144] Salmo 100: 4.
[145] A Escada Santa, XXIX, 9.
[146] Ibid., XXVIII, 41.
[147] CF. Salmos 103, 29 e 21,
[148] São Nilo o Sinaíta, Capítulos sobre a prece, 60.
[149] “Quando o Senhor libertou os cativos de Sião, parecíamos sonhar: a nossa boca se encheu de riso, e a nossa língua de exultação. Até entre as nações se dirá: “O Senhor fez maravilhas com eles!” (Salmo 125: 1-2). Nos Salmos, o termo “Nação” designa, em seu sentido místico, os demônios. O asceta reconhece que está liberto da escravidão dos demônios quando seu intelecto não mais se deixa arrastar pelos pensamentos e imagens que eles lhe sugerem, quando ele começa a orar uma prece pura, sempre unida a uma consolação espiritual. Também os demônios reconhecem essa libertação: “Até entre as nações se dirá: “O Senhor fez maravilhas com eles!”.


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