I.
Preliminares
Estarão os Cristãos, enquanto Cristãos, obrigados a crer na
Imortalidade da alma humana? E o que exatamente significa a imortalidade no
universo Cristão do discurso? Essas questões, de modo algum, são meramente
retóricas. Etienne Gilson, em seu Gifford
lectures, sentiu-se compelido a expor o seguinte argumento: “No seu todo, o
Cristianismo sem a imortalidade da alma não é completamente inconcebível – a
prova está em que isso foi concebido. Ao contrário, o que é absolutamente
inconcebível é um Cristianismo sem a Ressurreição do Homem”. Um aspecto
impactante da história da doutrina primitiva do Cristianismo sobre o Homem está
em que muitos escritores importantes do século II negaram enfaticamente a
imortalidade (natural) da alma. E isso parece não ter sido uma opinião
excepcional ou extravagante de alguns escritores apenas, mas antes o
ensinamento comum daquele tempo. Tampouco foi essa convicção completamente
abandonada posteriormente. O Bispo Anders Nygren, em seu famoso livro Den kristna karlakstanken genm tiderna, louva
os Apologistas do século II precisamente por sua corajosa posição e vê nela uma
expressão do verdadeiro espírito Evangélico. A principal ênfase, que na opinião
de Nygren deve se manter ainda e sempre, está mais na “Ressurreição do corpo” do que na “Imortalidade da alma”. Um erudito Anglicano do século
XVII, Henry Dodwell (1641-1711), publicou em Londres um curioso livro com o
desconcertante título: An Epistolary
Discourse, proving, from the Scriptures and the First Fathers, that the Soul is
a Principle naturally Mortal; but immortalized actually by the Pleasure of God,
to Punishment; or to Reward, by its Union with the Divine Baptismal Spirit.
Wherein is proved, that None have the Power of giving this Divine Immortalizing
Spirit, since the Apostles, but only the Bishops (1706).
A argumentação de Dodwell é frequentemente confusa e complicada. O
maior valor do livro, por sua vez, estava na sua imensa erudição. Dodwell,
provavelmente pela primeira vez, coletou um enorme volume de informações das
antigas doutrinas Cristãs a respeito do Homem, ainda que nem sempre as tenha
utilizado com propriedade. E ele estava quase certo em sua alegação de que o
Cristianismo não se referia a uma “imortalidade” natura, mas antes a uma
Comunhão sobrenatural da alma para com Deus, “o único que possui a Imortalidade[1]”.
Não é de espantar que o livro de Dodwell tenha provocado uma violenta
controvérsia. Uma acusação formal de heresia foi levantada contra o autor.
Mesmo assim, ele conseguiu alguns aliados fervorosos. E um escritor anônimo,
“um Presbítero da Igreja da Inglaterra” publicou dois livros a respeito,
apresentando um cuidadoso estudo das evidências Patrísticas de que “o Espírito
Santo (era) o Autor da Imortalidade, ou a Imortalidade (era) uma Graça peculiar
ao Evangelho (e) não um ingrediente natural da Alma”, e de que “a Imortalidade
(era) preternatural em relação às almas humanas, o Dom de Jesus Cristo,
instituído pelo Espírito Santo no Batismo”. O que constituiu o principal
interesse nessa controvérsia foi que a tese de Dodwell sofreu oposição
especialmente dos “liberais” da época, tendo sido seu maior oponente o famoso
Samuel Clarke, de Saint James, Westminster, um seguidor de Newton e
correspondente de Leibnitz, notório por suas crenças e ideias pouco ortodoxas,
um típico homem do Latitudinarianismo[2]
e do Iluminismo. Tratava-se de uma situação inusitada: a “imortalidade”
contestada por um “Ortodoxo” e defendida por um Latitiduinário. Com efeito, era
bem isso que se poderia esperar. A crença numa imortalidade natural era um dos poucos “dogmas” do
Deísmo iluminista daquele tempo. Um homem do Iluminismo poderia facilmente
desprezar as doutrinas da Revelação, mas não poderia aceitar nenhuma dúvida a
respeito da “verdade” da Razão. Gilson sugeria que “o que conhecemos pelo nome
da doutrina Moralista do século XVII consistia originalmente num retorno da
posição dos Primeiros Padres, e não, como se crê usualmente, numa manifestação
de um espírito libertino. Enquanto colocação geral, isso é insustentável. A
situação no século XVII era muito mais complexa e confusa do que aparentemente
supõe Gilson. Mesmo assim, no caso de Dodwell (e outros), a suposição de Gilson
é plenamente justificada. Havia um óbvio “retorno às posturas dos Primeiros
Padres”.
II.
A
Alma enquanto “criatura”
São Justino, em seu Diálogo com
Trifão, conta a história de sua conversão. Em sua busca pela verdade,
primeiro ele recorreu aos Filósofos, e por algum tempo esteve plenamente
satisfeito com os ensinamentos Platônicos. “A percepção das coisas incorpóreas
me subjugou, e a teoria Platônica das ideias deu asas à minha mente”. Então ele
encontrou um mestre Cristão, um respeitável ancião. Dentre as questões que
foram levantadas no decurso de suas conversações, estavam aquelas a respeito da
natureza da alma. O Cristão afirmava que não deveríamos considerar a alma como
sendo imortal. “Pois, caso o fosse, seríamos obrigados a dizer que ela tampouco
teria tido começo[3]”.
Essa, naturalmente, era a tese dos Platônicos. Ora, somente Deus é
“não-nascido” e imortal, e é por essa mesma razão que Ele é Divino. Por sua
vez, o mundo “começou”, e as almas fazem parte dele. “Talvez tenha havido um
tempo em que elas não existiam”. Portanto, elas não seriam imortais, “uma vez que
o mundo apareceu para nós como tendo um começo”. A alma não é a vida em si, ela
apenas “participa” da vida. Somente Deus e vida, a alma não vai além de ter vida. “Pois o poder de viver não é
um atributo da alma, mas de Deus”. De resto, Deus concede vida às almas
“conforme Seu agrado”. Todas as coisas criadas “possuem a natureza de se
deteriorarem, e são feitas de modo a se apagarem e deixarem de existir”. Essas
criaturas são “corruptíveis”. As principais demonstrações clássicas da
imortalidade, derivadas do Fedon e do
Fedro, são recusadas e refutadas, e
seus pressupostos básicos abertamente rejeitados. Como notou o Professor A. E.
Taylor, “para a mente Grega, aqanasia
ou ajqarsia normalmente significavam
praticamente a mesma coisa que “divindade”, e incluíam concepções como não-gerado
e indestrutível”. Dizer que “a alma é imortal” equivaleria para um Grego a
dizer que ela é “incriada”, isso é, eterna e “divina”. Tudo o que possui um
começo deve ter um fim. Em outras palavras, para um Grego a “imortalidade” da
alma implicaria imediatamente sua “eternidade”, ou seja, sua eterna
“pré-existência”. Apenas aquilo que não tem começo pode durar para sempre. Os
Cristãos não podiam concordar com essas assertivas “filosóficas”, na medida em
que acreditavam na Criação, e desse modo tiveram que negar a “imortalidade” (no
sentido Grego do termo). A alma não constitui um ser independente e
autogovernado, ela é uma criatura, e
sua existência é devida a Deus, o Criador. De acordo com isso, ela não pode ser
“imortal” por natureza, isso é, por
si mesma, mas apenas “ao agrado de Deus”, isso é, pela graça. O argumento “filosófico” a respeito da “imortalidade”
(natural) estava baseado na “necessidade” da existência. Ao contrário, afirmar
que o mundo é criado equivale a
enfatizar, primeiramente, sua contingência
radical, e mais precisamente, uma contingência na ordem da existência. Em outras palavras, um mundo criado é um mundo
que poderia perfeitamente nunca ter
existido. Isso equivale a dizer que o mundo é, acima de tudo e
inteiramente, ab oleo[4],
e em nenhum sentido um se? Como
coloca Gilson, “existem alguns seres que são radicalmente diferentes de Deus,
no mínimo pelo fato de que, ao contrário Dele, poderiam não existir, e porque
ainda poderão, a qualquer tempo, deixar de existir”. “Poderão deixar”,
entretanto, não significa necessariamente “irão (verdadeiramente) deixar”. São
Justino não era um “condicionalista”, e seu nome foi invocado pelos defensores
de uma “imortalidade condicional” praticamente em vão. “Eu não disse, de fato,
que toda alma morrerá...”. Toda a argumentação era polêmica, e seu objetivo era
o de enfatizar a crença na Criação. Encontramos o mesmo raciocínio em outros escritos
do século II. São Teófilo de Antioquia insistia no caráter “neutro” do Homem.
“Por natureza”, o Homem não seria nem “imortal”, nem “mortal”, mas “capaz de
ambas as coisas”, dektikon amjoterwn.
“Porque se Deus tivesse feito o Homem imortal desde o início, Ele o teria feito
Deus”. Se no começo o Homem tivesse escolhido as coisas imortais, em obediência
ao mandamento de Deus, ele teria sido recompensado com a imortalidade e teria
assim se tornado Deus, um “Deus adotivo”, deus
assumptus, Qeos anadeicqeis[5].
Taciano foi ainda mais longe. “A alma em si não é imortal, ó Gregos, mas
mortal. Mas a ela é possível não morrer[6]”.
O pensamento dos primeiros Apologistas não estava livre de contradições, e nem
sempre foi expresso com precisão. Mas a principal alegação sempre foi clara: o
problema da imortalidade humana tinha que ser encarado no contexto da doutrina
da Criação. Podemos dizer também: não apenas como um problema metafísico, mas
enquanto problema religioso acima de tudo. A “Imortalidade” não é um atributo
da alma, mas algo que, em última instância, depende da relação verdadeira que o
homem tem com Deus, seu Mestre e Criador. Não somente o destino derradeiro do
Homem só pode ser alcançado na Comunhão com Deus, como a própria existência do
Homem e sua “sobrevivência”, ou duração, dependem da vontade de Deus. Santo
Irineu prossegue dentro dessa tradição. Em sua disputa com os Gnósticos, ele
tinha um motivo especial para enfatizar o caráter criado da alma, ela não
provinha de um “outro mundo” isento de corrupção; ela pertencia exatamente a
este mundo criado. Foi colocado, diz Santo Irineu, que, para que a alma tenha
existência ela deve ser “incriada”, pois de outro modo ela teria que morrer com
o corpo. Ele rechaça esse argumento. Enquanto criaturas, as almas “duram tanto
quanto Deus quer que elas durem” – perseverant
autem quoadusque eas Deus et esse, et perseverare voluerit. A palavra perseverantia corresponde aqui
obviamente ao Grego diamonh. Santo
Irineu utiliza quase que as mesmas frases de São Justino. A alma não é vida em
si; ela participa da vida, concedida por Deus. Somente Deus é Vida, e Ele é o único
Doador da Vida[7].
Mesmo Clemente de Alexandria, apesar de seu Platonismo, lembrava ocasionalmente
que a alma não era imortal “por natureza”. Santo Atanásio pretendeu demonstrar
a imortalidade da alma com argumentos que podem ser rastreados até Platão, mas
ele insistia fortemente que todo o criado é “por natureza” instável e está
exposto a destruição[8].
Mesmo Santo Agostinho estava consciente da necessidade de qualificar a
imortalidade da alma: Anima hominis
immortalis est secundum quendam modum suum; non enim moni modo sicut Deus[9].
“Conforme a transitoriedade dessa vida, podemos dizer que ela é mortal[10]”.
São João Damasceno dizia que mesmo os Anjos não são imortais por natureza, mas
apenas pela graça[11],
e provava isso mais ou menos do mesmo modo que os Apologistas[12].
Encontramos a mesma colocação enfática na correspondência sinodal de São Sofrônio,
Patriarca de Jerusalém (634), que foi lida e recebida favoravelmente no Sexto
Concílio Ecumênico (681). Na última parte dessa correspondência, Sofrônio
condena os erros dos Origenistas, a pré-existência da alma e a apokatastasis, e estabelece claramente
que “os seres intelectuais” (ta nohta),
embora não morram (qnhskei de oudamws),
tampouco são “imortais por natureza”,
mas apenas pela graça de Deus[13].
Podemos acrescentar que ainda no século XVII essa tradição antiga não estava
esquecida no Oriente, e temos também uma interessante notícia de uma disputa
contemporânea entre dois Bispos Gregos de Creta, exatamente a respeito dessa
questão: em que medida a alma é imortal “por natureza”, ou “pela graça”. Podemos
concluir: quando discutimos o problema da Imortalidade de um ponto de vista
Cristão, devemos ter em mente a natureza criada da alma. A própria existência
da alma é contingente, ou seja, é como se ela fosse “condicional”. Ela é
condicionada pelo fiat criador de
Deus. Vale dizer, ela tem uma existência que lhe foi concedida, isso é, uma existência que não está necessariamente
implicada na sua “essência”, mas que não é necessariamente transitória. O fiat
criador foi um ato livre, mas definitivo, de Deus. Deus criou o mundo
simplesmente para a existência: ektide gar eis to einai panta[14].
Não há previsão de que esse decreto criador seja revogado. A fisgada da
antinomia está exatamente nisso: o mundo possui um começo contingente, mas não
um fim. Ele permanece pela vontade imutável de Deus.
III.
O
Homem é mortal
No pensamento atual, a “imortalidade da alma” costuma ser de tal modo
enfatizada que a mais básica “mortalidade do homem” é deixada de lado. Apenas
nas filosofias “existencialistas” recentes somos novamente fortemente lembrados
de que a existência do homem permanece intrinsecamente sub specie mortis. A morte é uma catástrofe para o homem. Ela é seu
“último” (ou melhor, definitivo)
inimigo – escatos ecqros[15].
“Imortalidade” é, obviamente, um termo negativo;
ele é correlativo do termo “morte”. E aqui encontramos mais uma vez o
Cristianismo num conflito aberto e radical com o “Helenismo”, e em primeiro
lugar com o Platonismo. W. H. V. Reade, em seu livro recente, The Christian Challenge do Philosophy,
confronte habilmente duas colocações: “E o Verbo se fez carne e habitou entre
nós[16]”,
e “Plotino, o filósofo de nosso tempo, parecei se envergonhar por ser de carne[17]”.
Reade prossegue: “Quando a mensagem do Natal e o breve sumário de Porfírio
sobre o credo de seu mestre são colocados em comparação direta, parece não
restar dúvida de que ambos são totalmente incompatíveis; de que nenhum Cristão
pode ser Platônico, e nenhuma Platônico, Cristão; a respeito desse fato
elementar os Platônicos estavam perfeitamente conscientes; mas devo acrescentar
que, infelizmente, os Cristãos parecem não terem se dado conta desse fato”. Por
séculos, até a nossa época, o Platonismo foi a filosofia favorita dos sábios
Cristãos. Não é nosso propósito aqui explicar o modo como isso aconteceu. Mas
essa infeliz confusão (para não dizermos mais) resultou numa confusão posterior
no pensamento moderno a respeito da imortalidade e da morte. Podemos utilizar
ainda a antiga definição de morte: trata-se da separação da alma em relação ao
corpo – yucis cwrismos apo swmatos[18].
Para um Grego, tratava-se de uma libertação,
de um “retorno” à esfera nativa dos espíritos. Para um Cristão era uma catástrofe, a frustração da existência
humana. A doutrina Grega da Imortalidade jamais poderia resolver o problema
Cristão. A única solução adequada havia sido oferecida pela mensagem da
Ressurreição de Cristo e pela promessa de uma Ressurreição Geral dos mortos. Se
nos voltarmos novamente para a antiguidade Cristã, encontraremos esse ponto
claramente estabelecido desde uma data muito recuada. São Justino foi
especialmente enfático a esse respeito: “pessoas que dizem não haver
ressurreição dos mortos, e que suas almas, após a morte, são levadas ao céu,
não são Cristãos de modo algum[19]”.
O autor desconhecido do tratado Sobre a
Ressurreição (tradicionalmente atribuído a São Justino) coloca o problema
com muita precisão: “Pois o que é o homem senão um animal racional, composto de
corpo e alma? Será a alma por si só o homem? Não, ela é a alma do homem. Será o
corpo por si só o homem? Não, mas ele é chamado de corpo do homem. Se nenhum
desses dois são em si o homem, ao contrário, aquilo que é formado por ambos é
chamado de homem, e Deus chamou o homem à vida e à ressurreição. Ele chamou,
não uma parte, mas o todo, que é composto de corpo e alma[20]”.
Atenágoras de Atenas desenvolve o mesmo argumento sem seu admirável tratado Sobre a ressurreição dos mortos. O homem
foi criado por Deus com um propósito definido, para a existência perpétua:
“Deus concedeu existência e vida, não à natureza da alma em si, nem à natureza
do corpo em separado, mas ao homem, composto de corpo e alma, de maneira que,
com as mesmas partes com que ele é composto, tendo nascido e vivido, eles possam
alcançar, depois do término de sua vida, seu fim comum; a alma e o corpo,
compondo no homem uma entidade viva”.
Já não haveria um homem, argumenta Atenágoras, se a completude dessa estrutura
fosse rompida, pois nesse caso a identidade do indivíduo seria rompida também.
A estabilidade do corpo, sua continuidade dentro de sua natureza própria, deve
ter seu correspondente na imortalidade da alma. “A entidade que recebe o
intelecto e a razão é um homem, e não apenas uma alma. Por conseguinte, o homem
deve permanecer para sempre composto de corpo e alma”. De outro modo não
haveria um homem, mas apenas partes de um homem. “E isso é impossível, caso não
exista a ressurreição. Pois, se não houver
ressurreição, a natureza do homem enquanto homem não poderá continuar”. O
pressuposto básico dessa argumentação é de que o corpo pertence intrinsecamente
à totalidade da existência humana. Assim sendo, o homem, enquanto homem,
cessaria de existir, se a alma tivesse que permanecer para sempre
“desincorporada”. Isso é exatamente o oposto do que os Platônicos sustentam. Os
Gregos sonhavam mais com uma completa e definitiva desencarnação. Receber um
corpo era precisamente a maldição da alma. Para os Cristãos, por outro lado, a
morte não constituía um fim normal para a existência humana. A morte do homem é
considerada anormal, uma falha. A morte do homem é “o salário do pecado[21]”.
Trata-se de uma perda e de uma corrupção. E desde a Queda o mistério da vida foi
deslocado pelo mistério da morte. Tão misteriosa quanto a “união” da alma com o
corpo de fato é, a consciência imediata do homem testemunha a completude
orgânica de sua estrutura psico-física. Anima
autem et Spiritus pars hominis esse possunt, homo autem nequaquam, disse
Santo Irineu[22].
Um corpo sem uma alma é um cadáver, e uma alma sem um corpo é um fantasma. O
homem não é um fantasma sem corpo, e um cadáver não é uma parte do homem. O
homem não é um “demônio sem corpo”, simplesmente confinado na prisão do corpo.
É por isso que a “separação” da alma e do corpo consiste na morte do homem em si, na descontinuidade de sua
existência, de sua existência enquanto
homem. Consequentemente, a morte e a corrupção do corpo são uma espécie de
desvanecimento da “imagem de Deus” no homem. Um homem morto não é plenamente
humano. São João Damasceno, em um de seus gloriosos hinos dos Ofícios
memoriais, diz o seguinte: “Eu soluço e me lamento, quando contemplo a morte, e
vejo nossa beleza, moldada segundo a imagem de Deus, jazer desfigurada num
sepulcro, desonrada e desprovida de forma”. São João fala, não do corpo do
homem, mas do próprio homem. “Nossa beleza à imagem de Deus”, não consiste no
corpo, mas no homem. Ele é de fato uma “imagem da insondável glória de Deus”,
ainda que “marcada pelo pecado”. E, na morte, revela-se que o homem, essa “estátua
racional” moldada por Deus – para usarmos a frase de São Metódio[23]
– não passa de um cadáver. “O homem não passa de ossos secos, mau odor e comida
de vermes”. Podemos falar do homem como sendo “uma hipóstase em duas
naturezas”, e não apenas de, mas em duas naturezas. E na morte essa
hipóstase humana se rompe, e já não existe homem ali. A partir de então, o
homem espera pela “redenção de seu corpo[24]”.
Conforme diz São Paulo em outra parte, “porque não queremos ser despojados da
nossa veste, mas revestir a outra por cima desta, e assim, aquilo que é mortal
seja absorvido pela vida[25]”.
O aguilhão da morte está precisamente em que ela é “o salário do pecado”, isso
é, a consequência de uma relação distorcida com Deus. Não se trata de uma
imperfeição natural, nem de um impasse metafísico. A mortalidade do homem
reflete o distanciamento do homem em relação a Deus, que é o único Dispensador
da Vida. E, nesse distanciamento de Deus, o homem simplesmente não pode
“perdurar” como homem, não pode permanecer inteiramente humano. O status da
mortalidade é essencialmente “sub-humano”. Enfatizar a mortalidade do homem não implica
oferecer uma interpretação “naturalística” da tragédia humana, mas, ao
contrário, significa traçar a condição humana até sua derradeira raiz religiosa.
A ênfase da teologia Patrística estava precisamente em seu interesse na
mortalidade humana, e, por conseguinte, na mensagem da Ressurreição. A miséria
da existência no pecado não era de modo algum subestimada, mas interpretada,
não apenas em categorias éticas e morais, mas em categorias teológicas. O fardo
do pecado consistia não só em autoacusações da consciência humana, não apenas
na consciência da culpa, mas na extrema desintegração do complexo total da
natureza humana. O homem decaído já não era um homem, ele se encontrava
existencialmente “degradado”. E o sinal dessa “degradação” estava na
mortalidade humana, na morte do homem. Ao se separar de Deus, a natureza humana
se torna deslocada, como se estivesse fora do tom. A própria estrutura do homem
se torna instável. A “união” entre a alma e o corpo se torna insegura. A alma
perde sua força vital, já não é capaz de impulsionar o corpo. O corpo se torna
um túmulo e uma prisão para a alma. E a morte física se torna inevitável. O
corpo e a alma já não estão, podemos dizer, assegurados e ajustados entre si. A
transgressão do mandamento Divino “restabeleceu o homem no estado da natureza”,
como coloca Santo Atanásio – eis to kata fusin epestreyen. “Tendo sido feito
a partir do nada, em sua própria existência ele sofre, no devido tempo, a
corrupção de acordo com a justiça total”. Pois, tendo sido feita a partir do
nada, a criatura passa a existir sobre um abismo de nada, sempre prestes a cair
nele[26].
“Pois é necessário que ele morra, sendo como água derramada sobre a terra, que
não pode ser outra vez ajuntada[27]”.
O “estado de natureza” de que fala Santo Atanásio, é o movimento cíclico do
Cosmo, no qual o homem decaído está enredado sem esperança, e esse enredamento
significa a sua degradação. Ele perdeu sua posição privilegiada na ordem da
Criação. Mas essa catástrofe metafísica consiste justamente na manifestação de
sua relação rompida com Deus.
IV.
“Eu
sou a Ressurreição e a Vida”
A Encarnação do Verbo foi uma manifestação absoluta de Deus. E acima
de tudo foi uma revelação da Vida. Cristo é o Verbo da Vida – o logos ths zwhs[28].
A Encarnação em si foi, num certo sentido, um reavivamento do homem, como que
uma ressurreição da natureza humana. Na Encarnação, a natureza humana não foi
simplesmente ungida com um superabundante influxo de Graça, mas foi assumida
numa unidade íntima e “hipostática” com a própria Divindade. Nesse reerguimento
da natureza humana a uma comunhão perene com a Vida Divina, os Padres da Igreja
primitiva viram unanimemente a própria essência da salvação: “É salvo aquilo
que está unido a Deus”, disse São Gregório de Nazianze. E o que não estava
unido não poderia ser salvo de modo algum[29].
Esse foi o tema central por toda a teologia primitiva – em Santo Irineu, Santo
Atanásio, os Capadócios, São Cirilo de Alexandria, São Máximo o Confessor.
Entretanto, o clímax da Vida Encarnada foi a Cruz, a morte do Senhor Encarnado.
A Vida se revelou plenamente através da morte. Esse é o mistério paradoxal da
fé Cristã: a vida por intermédio da morte, a vida desde o sepulcro e a partir
dele, o mistério do sepulcro vivificador. E os Cristãos só renascem para a vida
real e eterna através de sua morte batismal e de seu sepultamento em Cristo: eles
são regenerados com Cristo na fonte batismal[30].
Essa é a lei invariável da verdadeira vida. “Aquilo que você semeia não volta à
vida, a não ser que morra[31]”.
A salvação se completou no Gólgota, não no Tabor, e a Cruz de Jesus já havia
sido mencionada no Tabor[32].
Cristo tinha que morrer, de modo a
conceder a vida abundante a toda a humanidade. Não foi pela necessidade do
mundo. Foi, podemos dizer, pela necessidade do Amor Divino, uma necessidade de
ordem Divina. E nós falhamos em compreender esse mistério. Por que deveria a
verdadeira vida ser revelada através da morte do Único que era, Ele próprio, “a
Ressurreição e a Vida”? A única resposta é que a Salvação teria que
constituir-se numa vitória sobre a morte e a mortalidade do homem. O último
inimigo do homem era precisamente a morte. A Redenção não consistia apenas no
perdão dos pecados, nem era ela uma reconciliação do homem com Deus. Ela era a
libertação do pecado e da morte. “A penitência não liberta do estado da
natureza (no qual o home foi mergulhado pelo pecado), ela apenas descontinua o
pecado”, diz Santo Atanásio. Pois o homem não apenas pecou, ele “caiu na
corrupção”. Porém, a misericórdia de Deus não permitiu que “a criatura, feita
racional e participando do Verbo, prosseguisse até a ruína e retornasse à
não-existência por causa da corrupção”. Por isso o Verbo de Deus desceu e se
tornou homem, assumindo nosso corpo, “para que, tendo o homem se voltado para a
corrupção, Ele pudesse reconduzi-lo à incorrupção, e erguê-lo da morte pela
apropriação de seu corpo e pela graça da Ressurreição, banindo dele a morte,
como quem retira uma palha do fogo[33].
Assim é que, de acordo com Santo Atanásio, o Verbo se tornou carne, a fim de
abolir a “corrupção” da natureza humana. Mas a morte foi vencida, não pela
aparição da Vida num corpo mortal, mas pela morte voluntária da Vida Encarnada.
O Verbo se tornou encarnado com vistas à morte na carne, enfatiza Santo
Atanásio. “Foi para aceitar a morte que Ele recebeu um corpo[34]”.
Ou, para citarmos Tertuliano, forma
moriendi causa nascendi est[35].
A razão definitiva para a morte de Cristo deve ser encontrada na mortalidade do
homem. Cristo sofreu a morte, mas passou por ela e superou a mortalidade e a
corrupção. Ele reviveu a própria morte. “Ele destruiu a morte com a morte”. A
morte de Cristo foi assim, podemos dizer, como que uma extensão de Sua
Encarnação. A morte na Cruz foi efetiva, não enquanto morte de um Inocente, mas
na medida em que foi a morte do Senhor Encarnado. “Precisávamos de um Deus
Encarnado, de um Deus que pudesse ser levado à morte, para que pudéssemos
viver”, para usarmos a surpreendente e ousada
frase de São Gregório
de Nazianze – edehqhmen Qeou
sarkomenou kai nekroumenou[36].
Não foi um homem que morreu na Cruz. Em Cristo não havia uma hipóstase humana.
Sua personalidade era Divina, ainda que encarnada. “Pois Aquele que sofreu não
era um homem comum, mas Deus feito homem, combatendo a batalha do sofrimento”,
diz São Cirilo de Alexandria[37].
Podemos dizer corretamente que Deus morreu na Cruz, mas em Sua própria
humanidade (a qual era, contudo, “consubstancial” à nossa). Essa foi a morte
voluntária Daquele que era Ele próprio a Vida Eterna. Uma morte humana, de
fato, uma morte “conforme e humanidade”, e ainda assim uma morte dentro da
hipóstase do Verbo, do Verbo Encarnado. Portanto, uma morte ressuscitadora. “Eu
tenho um batismo com o qual serei batizado[38]”.
Foi a morte na Cruz, e o derramamento de sangue – “o batismo do martírio e do
sangue, com o qual o próprio Cristo foi batizado”, conforme sugeriu São
Gregório de Nazianze[39].
A morte na Cruz foi um batismo de sangue, e ela constitui a verdadeira essência
do mistério redentor da Cruz. O batismo é uma purificação. E o Batismo na Cruz
é como se tivesse sido a purificação da natureza humana, que seguia o caminho
da restauração na Hipóstase do Verbo Encarnado. É como se a natureza humana
fosse lavada no sangue sacrificial derramado da Cordeiro Divino, e, em primeiro
lugar, uma limpeza do corpo: não apenas uma lavagem dos pecados, mas uma
limpeza das enfermidades humanas e da própria mortalidade. Tratava-se da
purificação com vistas à ressurreição por vir: uma limpeza de toda a natureza
humana, de toda a humanidade, na pessoa de seu novo e místico Primogênito, o
“Último Adão”. Tal foi o batismo de sangue de toda a Igreja, e, de fato, de
todo o mundo. “Uma purificação, não para uma pequena parcela do mundo humano,
não por um curto período de tempo, mas para todo o universo e por toda a
eternidade”, para citarmos ainda uma vez São Gregório de Nazianze[40].
O Senhor morreu na Cruz. Foi uma morte verdadeira. Porém, não foi uma morte
total, como é a nossa, simplesmente porque foi a morte do Verbo Encarnado, uma
morte dentro da indivisível Hipóstase da Verbo feito homem, a morte da
humanidade “enipostatizada”. Isso não alterou o caráter ontológico da morte,
mas mudou seu significado. A “União Hipostática” não foi rompida nem destruída
pela morte, e dessa maneira a alma e o corpo, embora separados um do outro,
permaneceram unidos através da Divindade do Verbo, do qual nenhum dos dois se
afastou. Essa foi a “morte incorrupta”, e desse modo a “corrupção” e a
“mortalidade” foram superadas nela, e com isso começou a ressurreição. A própria
morte do Encarnado revelou a ressurreição da natureza humana[41].
“Hoje celebramos a festa, porque nosso Senhor foi pregado na Cruz”, na sentença
incisiva de São João Crisóstomo[42].
A morte na Cruz é uma vitória sobre a morte, e não apenas por ter sido seguida
da Ressurreição. Ela foi em si uma vitória. A Ressurreição apenas revelou e
estabeleceu a vitória conquistada na Cruz. Ela já se realizara com a dormição
do Deus-homem. “Tu morreste e me reviveste”. Como coloca São Gregório de
Nazianze: “Ele deixou Sua vida, mas tinha o poder de tomá-la de volta; e o véu
se rasgou, pois as misteriosas portas dos Céus se abriram; as pedras se
romperam, os mortos despertaram (...) Ele morreu, mas deu a vida, e com Sua
morte destruiu a morte. Ele foi sepultado, mas voltou a viver. Ele desceu ao
Hades, mas de lá trouxe as almas[43]”.
Esse mistério da Cruz ressuscitadora é comemorado especialmente no Sábado
Santo. Esse é o dia da descida ao Hades. E a descida ao Hades é, desde logo, a Ressurreição
dos mortos. Pelo simples fato de Sua morte, Cristo se fez acompanhar pelos que
partiram. Essa foi uma nova extensão da Encarnação. O Hades não passa da
escuridão e da sombra da morte, mais o lugar de uma angústia mortal do que o
lugar de tormentos penais, um “sheol” escuro, um lugar de desencarnação
e descorporificação desesperançadas, iluminado fracamente pelos raios oblíquos
de um Sol não nascido, pelas esperanças e a expectativas não cumpridas. É como
se fosse uma espécie de enfermidade ontológica da alma, a qual, na separação da
morte, perdeu a faculdade de ser a verdadeira enteléquia[44]
de seu próprio corpo – a desesperança de uma natureza decaída e ferida. Não se
trata de um “lugar”, mas de um estado espiritual: “os espíritos aprisionados[45]”.
Foi a essa prisão, a esse “Inferno” que Cristo o Salvador desceu. Em meio à
escuridão da pálida morte brilhou a luz inesgotável da Vida, da Vida Divina. A “descida
ao Inferno” constituiu a manifestação da Vida no meio da desesperança da
dissolução mortal, a vitória sobre a morte. “Não foi por causa de qualquer
fraqueza natural do Verbo que o habitava, que morreu o corpo, mas para que, por
meio dele, pudesse a morte ser derrotada pelo poder do Salvador”, diz Santo Atanásio[46].
O Sábado Santo é mais do que a véspera da Páscoa. Ele é o “Sabbath bendito”, “Sanctum
Sabbatum” – requies Sabbati magni, nas palavras de Santo Ambrósio. “Esse
é o Sábado bendito, o dia do repouso, quando o Filho Unigênito de Deus descansou
de todos os seus feitos[47]”.
“Eu sou o primeiro e o último, Eu sou o que Vive, e estava morto; mas vede, Eu
estou vivo para todo o sempre. Amém. E eu tenho as chaves da morte e do Hades[48]”.
A esperança Cristã na imortalidade está enraizada e assegurada nessa vitória de
Cristo, e não em algum tipo de doação “natural”. E isso significa também que
essa esperança está baseada num evento histórico, isso é, na auto-revelação
histórica de Deus, e não numa disposição estática ou constitutiva da natureza
humana.
V.
O Último Adão
A realidade da morte não foi propriamente abolida, mas revelou-se sua
impotência. “É verdade que ainda morremos – diz São Joao Crisóstomo – mas já não
permanecemos na morte, e isso não é morrer (...) o poder e a própria realidade
da morte consiste apenas nisso, em quem um homem morto não tem a possibilidade
de voltar à vida; mas se, após a morte, ele for reavivado e, mais do que isso,
receber uma vida melhor, então ele não terá morrido, mas simplesmente
adormecido[49]”.
Ora, na frase de Santo Atanásio, “tal como uma semente lançada à terra, não perecemos
ao morrer, mas, tendo sido semeados, renascemos[50]”.
Isso constitui a cura e a renovação da “natureza” humana, e por isso todos irão
renascer, todos serão reavivados e restaurados na plenitude de sua existência
natural, agora transformada. Doravante, toda desincorporação será temporária. O
escuro vale do Hades foi abolido pelo poder da vivificadora Cruz. A potencialidade
inerente da morte pela desobediência foi revelada e efetivada no primeiro Adão.
No segundo Adão, a potencialidade da imortalidade, pela pureza e a
obediência, foi sublimada e realizada na impossibilidade da morte. Esse
paralelo já havia sido estabelecido por Santo Irineu. Sem a esperança na
Ressurreição Geral, a crença em Cristo seria vã e sem propósito. “Mas agora
Cristo levantou-se da morte e se tornou as primícias de todos os que estão
adormecidos[51]”.
A Ressurreição de Cristo é um novo começo. Trata-se de uma “nova criação”
– h kainh ktiisis. Podemos mesmo dizer
que é um começo escatológico, um passo definitivo na história da
Salvação. Mas ainda temos que fazer uma clara distinção entre a cura da
natureza e a cura da vontade. A “natureza” é curada e restaurada de certo modo
compulsoriamente, pelo poder do Deus onipotente e por sua invencível graça. A totalidade
dessa cura é como que “forçada” à natureza humana. Pois em Cristo toda a
natureza humana (a “semente de Adão”) é plena e completamente curada de sua
incompletude e mortalidade. Essa restauração será efetivada e revelada em toda
sua extensão no devido tempo, na Ressurreição Geral, na ressurreição de todos,
tanto dos justos como dos ímpios. E ninguém, até onde chega a natureza, pode
escapar desse mandamento real de Cristo, ou escusar-se ao invencível poder da
ressurreição. Mas a vontade do homem não pode ser curada da mesma
maneira incoercível. A vontade do homem deve volta-se para Deus por si mesma.
Deve haver uma resposta de amor e de adoração, livre e espontânea, uma “conversão
livre”. A vontade do homem só pode ser curada no contexto do “mistério da
liberdade”. Somente por meio desse esforço livre pode o homem entrar nessa nova
e eterna vida que é revelada em Cristo Jesus. Uma regeneração espiritual só
pode ser forjada em perfeita liberdade, numa obediência de amor, por uma
autoconsagração e uma autodedicação a Deus, em Cristo. Essa distinção foi
estabelecida com grande insistência por Nicholas Cabasilas em seu memorável
tratado A Vida em Cristo: a Ressurreição é a “retificação da natureza” –
h anastasis jusews estin epanorqwsis
– e isso é concedido gratuitamente por Deus. Mas o Reino dos Céus, a visão
beatífica e a união com Cristo, pressupõem do desejo – trojh estin ths qelhsews
– e, dessa forma, só estão disponíveis para aqueles que esperaram, amaram e
desejaram essas coisas. A imortalidade será concedida a todos, assim como todos
podem desfrutar da Divina providência. Não depende de nossa vontade se vamos ou
não renascer após a morte, assim como não dependeu de nós o termos nascido. A morte
e a ressurreição de Cristo trouxeram imortalidade e incorrupção para todos
igualmente, porque todos possuímos a mesma natureza que o Homem Cristo Jesus.
Mas ninguém pode ser obrigado a desejar. Assim, a Ressurreição e um dom comum concedido
a todos, mas a beatitude será dada a apenas alguns[52].
Novamente: o caminho da vida é o caminho da renúncia, da mortificação, do auto-sacrifício
e da auto-oblação. É preciso morrer para si, para viver em Cristo. Cada um
deve, livre e pessoalmente, associar-se a Cristo, o Senhor, o Salvador e o
Redentor, na confissão da fé, na escolha do amor, num voto místico de entrega e
dedicação. Quem não morre com Cristo não pode com Ele. “A menos que, por nossa
livre escolha, aceitemos morrer em Sua paixão, Sua vida não virá a nós[53]”.
Não se trata de uma mera regra ascética ou moral, de uma simples disciplina. Essa
é a lei ontológica da existência espiritual, é a lei da própria vida. Pois apenas
em comunhão com Deus e através da vida em Cristo pode a restauração da
totalidade humana ter significado. Para os que vivem na escuridão total, que
deliberadamente se confinaram “fora de Deus”, a própria Ressurreição pode parecer
mais como desnecessária e sem motivação. Mas ela virá, como “ressurreição do
julgamento[54]”.
E nela se completará a tragédia da liberdade humana. Aqui ainda estamos no
limiar do inconcebível e do incompreensível. A apokatastasis da natureza
não abole a vontade livre, e a vontade deve ser movida desde dentro pelo amor. São
Gregório de Nissa tinha um claro entendimento a esse respeito. Ele anteviu uma
espécie de conversão universal das almas após a morte, quando a Verdade
de Deus se revelar e se manifestar com evidência definitiva e convincente,
quase obrigatória. É nesse ponto que que as limitações do pensamento
Grego ficam óbvias. Para este, a evidência aparecia como a razão decisiva, ou o
motivo da vontade, como se o “pecado” não passasse de uma “ignorância”. O pensamento
Helenístico teve que passar por sua longa e difícil experiência de ascetismo,
de autoexame e autocontrole ascéticos, para poder se libertar desse
intelectualismo naïve e ilusório, e descobrir o abismo escuro da alma
decaída. Apenas em São Máximo, depois de alguns séculos de preparação ascética,
poderemos encontrar uma nova, mais profunda e remodelada interpretação da apokatastasis.
São Máximo não acreditava na conversão inevitável das almas obstinadas. Ele supunha
uma apokatastasis da natureza, isso é, uma restituição de todos os seres
a uma integridade de natureza, uma manifestação universal da Vida Divina, que
será evidente para todos. Mas aqueles que deliberadamente desperdiçaram suas
vidas na terra em desejos carnais, “contra a natureza”, serão incapazes de
desfrutar dessa bênção eterna. O Verbo é a Luz que ilumina as mentes naturais
dos fiéis, mas, como o fogo ardente do julgamento, th kausei ths krisews,
Ele pune aqueles que, através de suas vidas na carne, penderam para a escuridão
noturna dessa vida. A distinção se dá entre epignwsis
e meqexsis[55].
“Conhecer” não é o mesmo q eu “participar”. Deus estará realmente em todos, mas
estará presente apenas nos Santos, “com graça” (dia
thncarin); nos que forem reprovados, Ele estará presente “sem graça” (para thn carin). E os ímpios ficarão
separados de Deus por causa de sua falta de uma resoluta opção pelo bem. Estamos
aqui diante da mesma dualidade entre natureza e vontade. Na ressurreição toda a
criação será restaurada, isso é, será levada à perfeição e à estabilidade
definitiva. Mas o pecado e o mal estão enraizados na vontade. O pensamento
Helenístico concluiu daí que o mal é instável e que, por causa disso, ele
deverá inevitavelmente desaparecer. Pois nada pode ser perpétuo, a menos que
esteja enraizado num decreto Divino. A inferência Cristã é exatamente o oposto.
Existe uma inércia e uma obstinação da vontade, e essa obstinação permanecera
sem cura mesmo na “Restauração universal”. Deus jamais violenta o homem, e a comunhão
com Deus não pode ser forçada aos obstinados. Na frase de São Máximo, “o
Espírito não produz uma resolução indesejada, mas transforma um propósito
escolhido em theosis[56]”.
Vivemos num mundo transformado: ele foi transformado pela Ressurreição
redentora de Cristo. A vida foi dada, e ela deve prevalecer. O Senhor Encarnado
é verdadeiramente o Segundo Adão e Nele toda a nova humanidade será inaugurada.
Não apenas está assegurada uma “sobrevivência” definitiva, como também a
realização total do propósito criador de Deus. O homem foi criado “imortal”.
Ele não pode cometer um “suicídio metafísico” último e lançar a si mesmo para
fora da existência. Mesmo a vitória de Cristo não forçou a “Vida Eterna” às existências
“fechadas”. Pois, como disse Santo Agostinho, para a criatura, “existir não é o
mesmo que viver[57]”.
VI.
“E Vida Eterna”
Existe uma tensão inevitável entre as concepções Cristãs a respeito do
que “é dado” e do que “é esperado”. Os Cristãos esperam “pela Vida no mundo que
virá”, mas eles não estão menos conscientes da Vida que já veio: “pois
a Vida se manifestou, e nós a vimos, e disso damos testemunho, e lhes mostramos
a Vida eterna, que está com o Pai e se manifestou a nós[58]”.
Isso não constitui apenas uma tensão no tempo – entre o passado, o
presente e o futuro. Trata-se de uma tensão entre destino e decisão.
Talvez se possa dizer: a Vida eterna foi oferecida ao homem, mas ele
precisa recebê-la. Para o indivíduo, a realização do “destino” depende
de uma “decisão da fé”, que não é uma “conscientização” apenas, mas uma “participação”
desejada. A vida Cristã se inicia com um novo nascimento, pela água e pelo
Espírito. E, em primeiro lugar, é preciso um “arrependimento” – h metanoia - uma mudança interior, íntima e
resoluta. O simbolismo do Santo Batismo é complexo e multifacetado. Mas acima
de tudo ele é um simbolismo de morte e ressurreição, da morte e ressurreição de
Cristo[59].
Trata-se de uma ressureição sacramental com Cristo, pela participação em Sua
morte, um reerguimento com Ele e Nele para uma nova e eterna Vida[60].
Os Cristãos ressuscitam junto com Cristo precisamente por meio do sepultamento:
“se morremos com Ele, com Ele viveremos[61]”.
Cristo é o Segundo Adão, mas os homens devem renascer e serem incorporados a
Ele, para poderem participar dessa nova Vida que é Ele. São Paulo fala de uma “semelhança”
na morte de Cristo[62]
- sumjutoi (...) tw omoiwmati tou qanatou autou. mas essa
"semelhança" vai além de uma parecença. Ela é mais do que um simples
sinal ou uma lembrança. O sentido dessa semelhança, para o próprio São Paulo,
está em que, em cada um de nós, Cristo pode e deve ser “formado[63]”.
Cristo é a Cabeça, todos os fiéis são Seus membros, e Sua vida se atualiza
neles. Esse é o mistério do Cristo Total – totus Christus, Caput et Corpus.
Todos somos chamados, e cada qual é capaz de crer, e de ser reavivado pela fé e
o batismo, para viver com Ele. O Batismo é, assim, uma “regeneração”, uma anagennhsis, um nascimento novo, espiritual e
carismático. Conforme diz Cabasilas, o Batismo é a causa da vida beatífica em
Cristo, não meramente da vida[64].
São Cirilo de Jerusalém explica de maneira lúcida a verdadeira realidade de
todo o simbolismo batismal. É verdade, diz ele, que na fonte batismal morremos
(e somos sepultados) apenas “por imitação”, apenas, digamos, “simbolicamente” –
dia sumbolou – e não renascemos de um
sepulcro real. Porém, “se a imitação está numa imagem, a salvação é bem real”. Pois
Cristo foi de fato crucificado e sepultado, e realmente levantou-se do túmulo. A
palavra Grega é ontws. ela é mais forte
do que simplesmente alhqws, “verdadeiramente”.
Ela enfatiza o significado último da morte e da ressurreição de Cristo. Ela foi
uma nova conquista. A partir dela Ele nos deu a chance, na participação “imitativa”
de Sua Paixão – th mimhsei (...) koinwnhsantes – para adquirimos a salvação “realmente”.
Não se trata apenas de uma “imitação”, mas de uma “similitude” – to onoiwma. “Cristo foi realmente crucificado
e sepultado, mas a você é concedido ser crucificado, sepultado e ressuscitar
com Ele em similitude”. Em outras palavras, no batismo o homem desce “sacramentalmente”
às trevas da morte, mas ele renasce outra vez com o Senhor renascido e passa da
morte para a vida. “E a imagem se completa em você, pois é você a imagem de
Cristo”, conclui São Cirilo. Em outras palavras, somos postos juntos por Cristo
e em Cristo; daí advém a possibilidade real de uma “semelhança” sacramental[65].
São Gregório de Nissa se ocupa desse mesmo ponto. Existem dois aspectos no batismo.
O batismo é um nascimento e uma morte. O nascimento natural é o começo da
existência mortal, que começa e termina em corrupção. O outro, o novo nascimento,
precisa ser descoberto, e ele irá iniciar para a vida eterna. No batismo “a
presença do poder Divino transforma aquilo que nasceu com uma natureza corruptível,
num estado de incorrupção[66]”.
Ela é transformada ao seguir e imitar; e assim, aquilo que havia sido
prefigurado pelo Senhor é agora realizado. Apenas seguindo a Cristo é possível
passar através do labirinto da vida e sair dele. “Pois ao inescapável guarda da
morte, que mantém prisioneira a humanidade entristecida, eu chamo de labirinto”.
Cristo escapou daí após três dias morto. Na fonte batismal, “se cumpre a
imitação de tudo o que Ele fez”. A morte é “representada” pelo elemento água. E,
assim como Cristo renasceu da morte, também o recém batizado, unido a Ele
segundo a natureza corporal, “imita a ressurreição ao terceiro dia”. Trata-se
apenas de uma “imitação” – mimhysis –
não de uma “identidade”. No batismo o home não renasce verdadeiramente, mas ele
se livra do mal natural e da inescapabilidade da morte. Nele é cortada a “continuidade
do vício”. Ele não ressuscita, porque não morreu, mas ainda permanece nessa
vida. O batismo apenas prefigura a ressurreição; no batismo se antecipa a graça
da ressurreição final. O batismo é o início, arch,
e a ressurreição é o final e a consumação, peras;
e tudo o que acontecerá na grande Ressurreição tem já seu início e causa no batismo.
Podemos dizer que o batismo é uma “ressurreição homiomática[67]”.
Devemos ressaltar que São Gregório enfatizava especialmente a necessidade de conservar
e de se agarrar à graça batismal. Pois no batismo não é apenas a natureza, mas
também a vontade, que é transformada e transfigurada, tornando-se livre a longo
do processo. E se a alma não foi lavada e purificada pelo livre exercício da
vontade, o batismo se mostra infrutífero. A transfiguração não é realizada, a nova
vida não se consuma. Isso não subordina a graça batismal à licença humana; a
graça de fato desce. Mas ela não pode ser forçada a alguém que é livre e feito
à imagem de Deus; ela deve ser correspondida e corroborada pela sinergia entre
amor e vontade. A graça não reaviva nem faz brilhar as almas fechadas e obstinadas,
aquelas almas “verdadeiramente mortas”. É preciso que haja resposta e cooperação.
Isso acontece porque o batismo é a morte sacramental com Cristo, uma
participação em Sua morte voluntária, em seu amor sacrificial; e isso só pode
se cumprir em liberdade. Assim, no bat8ismo a morte de Cristo na Cruz se
reflete como se fosse uma imagem viva e sacramental. O batismo é, em primeiro
lugar, uma morte e um nascimento, um sepultamento e um “banho de regeneração”, “um
tempo de morte e um tempo de nascimento[68]”,
para citarmos São Cirilo de Jerusalém. O mesmo é verdade para todos os
sacramentos. Todos os sacramentos foram instituídos para permitir aos fiéis “participarem”
da morte redentora de Cristo, para assim ganhar a graça de Sua ressurreição. Nos
sacramentos, o caráter único e universal da vitória e do sacrifício de Cristo são
apresentados e enfatizados. Essa era a ideia central de Nicolas Cabasilas em
seu tratado A Vida em Cristo, no qual se encontra sintetizada
admiravelmente toda a doutrina sacramental da Igreja do Oriente. “Somos
batizados exatamente para que morramos com Sua morte e renasçamos com Sua
ressurreição. Somos ungidos com o crisma para que possamos partilhar de Sua
unção real de deificação (theosis). E quando somos alimentados com o
santíssimo Pão e quando bebemos do Divino Cálice, partilhamos da mesma carne e
do mesmo sangue que o Senhor assumiu, e assim nos unimos a Ele, que se encarnou
por nós, morreu e ressuscitou (...) O Batismo é um nascimento, e o Crisma é a
causa de atos e movimentos, e o Pão da vida e o Cálice de ação de graças são o
verdadeiro alimento e a verdadeira bebida[69]”.
Em toda a vida sacramental da Igreja a Cruz e a Ressurreição são “imitadas” e
refletidas em múltiplos símbolos. todo esse simbolismo é realista. Os símbolos
não apenas nos lembram algo no passado, algo que aconteceu. O que teve lugar “no
passado” foi o começo daquilo que “dura Eternamente”. Sob todos esses “símbolos”
sagrados, e neles próprios, a Realidade derradeira está de fato revelada e
expressa. Esse simbolismo hierático culmina no augusto Mistério do Santo Altar.
A Eucaristia é o coração da Igreja, o Sacramento da Redenção em sentido eminente.
É mais do que uma “imitação”, do que uma “comemoração” simplesmente. Trata-se
da própria Realidade, até então velada, e que é rebelada no Sacramento, como
diz Cabasilas, “e não é possível ir além, nem nada existe que possa ser acrescentado”.
Esse é o “limite da vida” – zwhs to peras. “Depois da Eucaristia não existe mais
nada a se esperar, mas temos que permanecer aqui e aprender como podemos
preservar esse tesouro até o fim[70]”.
A Eucaristia é a própria Última Ceia, reapresentada por assim dizer uma
e outra vez, embora jamais repetida. Pois cada nova celebração não apenas “reapresenta”,
mas em verdade constitui a mesma “Ceia Mística” que foi celebrada pela
primeira vez (e para sempre) pelo próprio Divino Altíssimo Sacerdote, como uma
antecipação e uma iniciação voluntárias ao Sacrifício sobre a Cruz. E o
verdadeiro Celebrante de cada Eucaristia é sempre o próprio Cristo. São João Crisóstomo
é bastante enfático a esse respeito: “Acreditem, portanto, que ainda agora é
aquela mesma Ceia, na qual Ele próprio estava sentado. Pois esta, sob todos os aspectos,
não é diferente daquela[71]”.
“Aquele mesmo que operou essas coisas naquela Ceia, é o mesmo que as opera
agora. Estamos apenas presentes dentre seus ministros. Aquele que as santifica
e transmuta é o Mesmo. Essa mesa é a mesma que aquela, e nada lhe falta. Pois não
é que Cristo operou então, e agora opera o homem, mas é Ele quem opera em ambas
as ocasiões. Essa é a mesma Câmara Alta aonde estavam todos então[72]”.
Tudo isso é de uma importância básica. A Última Ceia foi a oferta do
sacrifício, do sacrifício da Cruz. A oferenda continua ainda, cristo ainda age
como o Alto Sacerdote nessa Sua Igreja. O Mistério é o mesmo, o Sacerdote é o
mesmo, a Mesa é a mesma. Para citarmos Cabasilas mais uma vez: “Ao oferecer e
sacrificar a Si mesmo de uma vez por todas, Ele não encerrou Seu Sacerdócio,
mas exerceu Seu ministério por nós, no qual Ele é nosso advogado perante Deus
eternamente[73]”.
E o poder ressuscitador e o significado da morte de Cristo estão plenamente
manifestados na Eucaristia. Trata-se da “medicina da imortalidade e de um antídoto,
para que possamos não morrer, mas viver para sempre em Jesus Cristo”, para
citarmos a famosa frase de Santo Inácio[74].
É o “Pão celestial e o Cálice da vida”. Esse Sacramento tremendo é para o fiel a
verdadeira “Núpcia da Vida Eterna”, exatamente porque a morte de Cristo foi em
si a Vitória e a Ressurreição. Na Eucaristia o começo e o fim estão amarrados:
as memórias do Evangelho e as profecias da Revelação. Trata-se de um sacramentum
juturi porque constitui uma anamnese da Cruz. A Eucaristia é uma
antecipação sacramental, uma prefiguração da Ressurreição, uma “imagem da
Ressurreição” – o tupos ths
amnasyasews, conforme a prece
de consagração de São Basílio. Ela ainda não passa de uma “imagem”, não porque
seja um mero signo, mas porque a história da Salvação continua, e é preciso
olhar para a frente “para ver a vida do século futuro”.
VII.
Conclusão
Os Cristãos, enquanto Cristãos, não estão obrigados a nenhuma doutrina
filosófica sobre a imortalidade. Mas eles são compelidos a acreditar na
Ressurreição Geral. O homem é uma criatura. Sua própria existência é uma dádiva
de Deus. Sua existência é contingente. Ele existe pela graça de Deus. Mas Deus criou
o homem para a existência, isso é, para um destino eterno. Esse destino pode
ser adquirido e consumado apenas em comunhão com Deus. O rompimento dessa comunhão
frustra a existência humana, mas mesmo assim o homem não deixa de existir. A morte
e a mortalidade do homem são sinais de uma comunhão rompida, o sinal do isolamento
do homem, de seu distanciamento da fonte e da meta de sua existência. Mas,
mesmo assim, o fiat criador continua a operar. A comunhão é restaurada
na Encarnação. A vida se manifesta outra vez na sombra da morte. O Encarnado é
Vida e Ressurreição. O Encarnado é o Conquistador da morte e do Hades. E Ele
constitui as primícias da Nova Criação, as primícias para todos os que estão
adormecidos. A morte física do homem não é apenas um “fenômeno natural”
irrelevante, mas um sinal fatídico da tragédia original. Uma “imortalidade” de “almas”
desincorporadas não resolve o problema humano. Uma “imortalidade” num mundo sem
Deus, uma “imortalidade” sem Deus ou “fora de Deus”, equivaleria à danação
eterna. Os Cristãos, enquanto Cristãos, aspiram a algo maior do que uma imortalidade
“natural”. Eles aspiram a uma comunhão eterna com Deus, ou, para usarmos a ousada
expressão dos primeiros Padres, a uma theosis. Não existe nada de “naturalista”
ou de panteísta a respeito do termo. Theosis significa nada mais do que
uma comunhão íntima das pessoas humanas com o Deus vivo. Estar com Deus significa
habitar Nele e partilhar de Sua perfeição. “Assim o Filho de Deus se tornou o
filho do homem, para que o homem possa se tornar filho de Deus[75]”.
Nele, o homem está para sempre unido a Deus. Nele temos a Vida Eterna. “E nós
que, com a face descoberta, refletimos como num espelho a glória do Senhor,
somos transfigurados nessa mesma imagem, cada vez mais resplandecente pela ação
do Senhor, que é Espírito[76]”.
E ao final, para toda a criação, o “Sábado Santo”, o verdadeiro “Dia do
descanso”, o misterioso “Sétimo dia da criação” será inaugurado, na
Ressurreição Geral e no “Mundo que há de vir”.
[1] I
Timóteo 6: 16.
[2]
Latitudinarianismo é a doutrina esposada por teólogos, estudiosos e clérigos
ingleses da Universidade de Cambridge que também eram anglicanos moderados. Em
particular, eles acreditavam que aderir a doutrinas muito específicas,
liturgias muito determinadas e formas organizacionais rígidas, como faziam os
puritanos era desnecessário e poderia ser até prejudicial: "a sensação de
se ter instruções especiais de Deus faz os indivíduos menos acessíveis à
moderação e à transigência, ou à própria razão". Assim, os latitudinários
apoiavam um protestantismo de amplas bases.
[4]
Ab oleo: expressão figurada que
indica algo que foi criado a partir de algum trabalho. Ou seja, “o mundo é,
acima de tudo e inteiramente, ab oleo
(vale dizer, criado), e em nenhum sentido um se (ou seja, ele não existe por si).
[5] Ad Autolycum II, 24, 27.
[6] Oratio ad Graecos, 13.
[7] Adversus haereses II, 34.
[9] Epist. VFF ad Hieronymun.
[10] In Jo. Tr. 23, 9; cf. De Trinitate, I.9.15, e De Civ. Dei, 19.3: mortalis in quantum mutabilis.
[12] Dial. c. Manich., 21.
[13] Mansi, XI, 490-492; Aligne, LXXXVII, 3, 3181.
[14] “Ele
criou tudo para a existência...” (Sabedoria 1: 14.
[15] I
Coríntios 15: 26.
[16]
João 1: 14.
[17]
Porfírio, Vida de Plotino, I.
[18]
Nemésio, De natura hominis, 2.
[19] Diálogos, 80.
[20] Sobre a Ressurreição, 8.
[21]
Romanos 6: 23.
[22] Adv. Haereses, V, 6.1.
[25]
II Coríntios 5: 4.
[26] De incarnatione, 4 e 5.
[27]
II Samuel 14: 14.
[28] I
João 1: 1.
[29] Epist. 101 ad Cledonium.
[30]
Cf. Romanos 6: 3-5.
[31] I
Coríntios 15: 36.
[32]
Cf. Lucas 9: 31.
[33] De Incarnatione, 6-8.
[34] Ibid., 44.
[35] De carne Christi, 6.
[36] Orat. 45, in S. Pascha, 28.
[37] Catech. 13, 6.
[38]
Lucas 12: 50.
[39] Orat. 37, 17.
[40] Orat. 45, 13.
[41]
São João Damasceno, De fide Orth., 3:
37; cf. Homil. in Magn. Sabbat., 29.
[42]
In crucem et latronem, hom. 1.
[43] Orat.
41.
[44]
Enteléquia: realização plena e completa de uma tendência, potencialidade ou
finalidade natural, com a conclusão de um processo transformativo até então em
curso em qualquer um dos seres animados e inanimados do universo.
[45] I
Pedro 3: 19.
[46] De
inc., 26.
[47] Hino,
Vésperas do Domingo de Páscoa, rito Oriental.
[48]
Apocalipse 1: 17-18.
[50] De
Inc., 21.
[51] I
Coríntios 15: 20.
[52] De
Vita in Christo II, 86-96.
[53]
Santo Inácio, Magnes, 5.
[55]
Conhecimento e participação.
[56] Quaest.
Ad Thalass., 6.
[57] De
Genest ad litt., I, 5.
[58] I
João 1: 2.
[59]
Romanos 6: 3-4.
[60] Colossenses
2: 12; Filipenses 3: 10.
[61]
II Timóteo 2: 11.
[62]
Romanos 6: 5 – “Se permanecermos completamente unidos a Cristo com morte
semelhante à dele, também permaneceremos com ressurreição semelhante à dele”.
[63]
Gálatas 4: 19.
[64] De
vita in Christo II, 95.
[65] Mystag.
2: 4-5, 7; 3: 1.
[66] Orat.
Cat., 33.
[67] Orat.
Cat., 35.
[69] De
vita II, 3, 4, 6, etc.
[70] De
vita IV, i, 4, 15.
[71] In
Matt., hom, 50, 3.
[72] Ibid.,
hom. 82, 5.
[73] Expla.
Div. Liturg., c. 23.
[75]
Santo Irineu, Adv. Haeres., III, 10.2.
[76]
II Coríntios 3: 18.
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