quarta-feira, 27 de abril de 2016

Higoumeno Simeão - A busca de Deus na Tradição Hesiquiasta



Eu gostaria de abordar de maneira simples o tema da hesíquia, a busca de Deus. Talvez seja importante, para começar, tentar dar uma tradução, uma definição da palavra hesíquia. Trata-se de uma palavra de origem grega que podemos traduzir como “paz, silêncio”, mas também como “tranquilidade do coração”. Vocês sabem como é difícil, a partir de um termo estrangeiro, dar uma tradução justa e é por essa razão que eu invoco diversos significados. Em todo caso, nesse termo que significa paz, silêncio, repouso, é preciso tomar cuidado para não deformar o sentido da tradução. Por exemplo, se utilizamos o sentido de “repouso”, não se trata de um repouso que evoque o sono. Não se trata de adormecer na tradição hesiquiasta. Veremos mais adiante que se trata, ao contrário, de uma tradição ativa e de vigilância.

Não pretendo dar um curso de história sobre as origens do Hesiquiasmo, mas gostaria de lembrar rapidamente como se desenvolveu a hesíquia. Como e onde ela nasceu? Pois bem, eu diria que nós a recebemos, como tantas outras coisas, diretamente da parte de Cristo. Podemos aprender a partir das atitudes de Cristo no Novo Testamento: uma curta passagem do Evangelho que nos mostra esse tipo de atitude nos permitirá compreender o que é a hesíquia.

Esse episódio é aquele que narra a entrada de Jesus na sinagoga de Nazaré, seu país de origem. Ali ele fala e é mal recebido. O final do relato nos diz o seguinte: “Eles todos se encheram de cólera na sinagoga depois de ouvirem essas coisas e, levantando-se, eles o expulsaram da cidade e o conduziram até o alto da montanha onde ela estava construída, a fim de atirá-lo lá de cima. Mas Jesus, passando no meio deles, se foi dali[1]”. A última frase desse texto é significativa. O hesiquiasta, aquele que busca viver na paz do coração, na quietude, encontra seu modelo nessa atitude de Cristo, que, agredido, contestado, violentado, pôde passar pelo meio da multidão sem nada dizer, sem mostrar nenhuma agressividade, porque ele possuía, evidentemente até a perfeição, um coração cheio de paz. Somente um coração silencioso, banhado na hesíquia, poderia responder à agressividade da massa.

A partir do estudo e da meditação sobre o modo de ser de Cristo durante sua vida, os cristãos, e em especial os primeiros monges, buscaram adquirir essa hesíquia, essa paz silenciosa, essa tranquilidade do coração. E podemos dizer que o movimento monástico, o ideal monástico, é totalmente ligado à tradição hesiquiasta. Às vezes ouvimos dizer, entre cristãos ortodoxos, que existem monges hesiquiastas e monges não hesiquiastas. Não me agrada fazer esse tipo de diferenciação. O monge, que é fundamentalmente um buscador de Deus – assim como outros buscam o ouro – deve obrigatoriamente passar por essa procura de paz, de silêncio, de abandono, que trazem consigo outras virtudes, como veremos mais adiante. Assim, eu não faço diferença entre monges hesiquiastas e não hesiquiastas. Para mim, são todos igualmente hesiquiastas.

Os primeiros monges foram também os primeiros eremitas; pois sabemos que o monaquismo nasceu no século IV depois que homens e mulheres, dos quais Santo Antônio foi o mais célebre, partiram para o deserto para buscar a Deus. Ali imediatamente se estabelece o objetivo da hesíquia: esse objetivo é a descoberta de Deus. Direi, antes, é o desejo de encontrar a Deus. O hesiquiasta é um homem que deseja, seu coração está cheio com o desejo de Deus, e, por causa disso, ele vai buscar um modo de libertar seu coração de suas paixões para encontrar a Deus. Os primeiros monges partiam para o deserto, o que é significativo. O deserto, sabemos, é um lugar de retiro, um lugar de silêncio. De certo modo ele se opõe à cidade turbulenta. Essa solidão e esse isolamento são desejados e serão um dos terrenos do hesiquiasta, do monge, para encontrar a Deus.

Não podemos encontrar a Deus no meio da agitação. O próprio Deus no-lo diz em certos textos do Antigo Testamento. Ele explica ao profeta Elias: “Eu não estou na tempestade, nem nos relâmpagos, nem no turbilhão do vento violento, mas na brisa suave que você sente[2]”. Deus só pode ser encontrado no silêncio e é preciso que o monge hesiquiasta parta para o deserto, ou que ele busque a solidão interior. Se eu falo em monge, é porque tudo isso proveio da tradição monástica, mas é evidente que cada um pode viver essa tradição hesiquiasta, se desejar encontrar a Deus. Um leigo pode ser um hesiquiasta e alguns leigos foram canonizados e reconhecidos como santos pela Igreja.

De início, o movimento monástico foi essencialmente eremítico, e os primeiros monges eram acima de tudo solitários. Em seguida aconteceu uma evolução que se deu muito rapidamente, privilegiando a vida em comunidade. Isso se deu notadamente ao redor de São Basílio, no século IV, de São Teodoro Estudita no século IX e muitos outros. Eles organizaram o monaquismo e propuseram as regras de conduta referentes ao modo de viver em comunidade nessa busca de Deus. Isso deu nascimento aos mosteiros que conhecemos e que sustentam essa tradição até hoje.

Vemos, assim, duas correntes: os eremitas, que retiravam verdadeiramente na distância e na total ou quase total solidão, e os monges que viviam em comunidade. Ambos tinham a mesma busca, e ambos passaram pela tradição da hesíquia, e não apenas pelo método. Eu sou reticente em empregar a expressão “método”, porque é preciso muita atenção para isto. A hesíquia não pode constituir um método, no sentido de técnica, como nos arriscamos a entender esse termo hoje em dia, e que é uma coisa ambígua. O homem moderno está como que perdido, e ele busca – e todos nós buscamos, desde que existimos sobre esta terra – ele busca como encontra a si mesmo. Ele esquece de que é se voltando para aquele que o criou, a saber, Deus, seu Criador, que ele poderá encontrar a si mesmo. Mas ele vive essa busca numa tal agitação, em tamanha desordem, que ele está disposto a experimentar não importa que meios para lograr se encontrar.

A hesíquia não é um método similar a um método para aprender inglês, ou como qualquer outro método existente que conduza necessariamente a um dado resultado, desde que bem aplicado. Não, a hesíquia não é dessa mesma ordem. A hesíquia é uma atitude, e não é porque o monge se retira para o deserto, não é porque o monge foge do mundo, não é porque o monge busca o silêncio, que ele vai encontrar a Deus. O método não é mágico. Ele é um suporte, mas necessita de uma tensão de amor, de um profundo desejo de encontro com Deus, e só então o método se colocará no lugar e no momento conveniente para que o monge comece a buscar viver essa hesíquia. Ele viverá no silêncio, como foi dito, num certo retiro, e irá orar. Ele utilizará aquilo a que chamamos de prece do coração, ou prece de Jesus. Essa forma de prece é completamente ligada à tradição hesiquiasta. Qual é essa oração? Nós repetimos usando um terço que temos sempre à mão: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim pecador”. Essa é a fórmula mais completa. Mas a oração pode ser simplificada, dizendo-se simplesmente “Senhor”, ou “Jesus”.

Os Gregos dizem Kyrie eleison, “Senhor, tem piedade”. É a mesma coisa, é a mesma fórmula, mais ou menos desenvolvida. Essa prece repetitiva que o monge utiliza tampouco constitui um meio para que, ao final de 200 ou 300 repetições, encontremos a Deus. Ela é simplesmente um grito de amor, pois quando amamos queremos chamar a pessoa amada por seu nome ou apelido. O amor, sabemos bem, passa pela palavra, mas pela palavra mais despojada. Quando um casal se encontra e decide se casar, sabemos que o efeito amoroso lhes dá uma possibilidade de encontro que passa pelas palavras. Cada qual quer dizer ao outro sem cessar que o ama, mas, quando reencontramos este casal ao fim da vida, ele já não dizem mais nada, e apenas olham um para o outro. O simples olhar lhes basta para manifestar esse amor, que agora é vivido em silêncio, na paz, num coração inteiramente despojado de tudo o que o torturava no início, provavelmente por causa da paixão.

O monge vive essa mesma coisa, à sua maneira, transpondo para si essa experiência. É preciso que ele se cale, é preciso que ele se dirija para o silêncio, e é preciso que ele repita esse nome de amor: “Jesus”. “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim”: trata-se de uma declaração de amor. Nós reconhecemos nosso Deus e lhe dizemos: “Tem piedade de mim”, não numa atitude miserabilista em que Deus tivesse pena de nós. Não se trata disso, de modo algum. Nós simplesmente reconhecemos, com toda humildade, que não sabemos amar. É por causa disso – por não sabermos amar, mas por queremos amar – que dizemos: “Tem piedade, tem piedade de mim, ajude-me a amar”. Pois se quisermos ser amorosos para com Deus, é preciso que ele, que nos criou e que é Amor, nos mostre esse Amor, nos torne parte dele e nos acolhe em si. Não existe outra fonte. Então o monge hesiquiasta se esforça ao longo de toda a sua vida em orar a Cristo, a esse Cristo que disse: “Orai sem cessar[3]”. E nós podemos lhe responder: “Mas como, Senhor, poderemos orar sem cessar?”.

O que significa esse convite à prece perpétua? Pois Cristo não disse: “Falem comigo sem parar”, mas, ao contrário, ele advertiu: “Em suas orações, não usem muitas palavras, como os pagãos: eles imaginam que falando muito eles serão melhor ouvidos[4]”. Como vocês sabem , nós lhe falamos muito, para pedir, pedir e pedir. Existem momentos em que ele deve colocar algodão nas orelhas, dizendo: “Porque ele não para de me pedir sempre seja lá o que for?”. Me parece que Cristo, nosso Deus, ao nos pedir que oremos sem cessar, nos convida antes a contemplá-lo, a desejá-lo: esta é a oração. Não se trata forçosamente de uma formulação exterior. É claro que pode existir uma formulação exterior, mas trata-se, sobretudo – e aqui eu volto ao que dizia no início – de uma atitude do coração: é preciso desejar o Senhor. É neste desejo que se instala a prece perpétua. A prece de Jesus, a prece do coração que utilizamos, nos ajuda a isso, por ser ela tão despojada. Ela se torna, na verdade, um hábito, um apelo interior ao qual nós devemos responder.

Frequentemente, quando chegam jovens monges ao meu mosteiro, eles me dizem: “Ensine-nos a orar”. Eles não sabem orar direito, e então eu sempre lhes dou um terço de oração. De resto, eles o recebem, diria eu, liturgicamente, quando tomam o hábito, e eu lhes digo: “Agora, comecem essa oração!”. Como se trata de jovens monges cheios de desejo, energia e ímpeto, eles pedem uma regra de oração forte, densa, para dizer o máximo possível. Então eu deixo que façam isso, e digo sim. Depois de quinze ou vinte dias eles vêm bater à minha porta e dizem: “Não estou conseguindo”. Eles não entenderam que não se trata de um método. Eles se cansam, se afadigam, e isso pode ser perigoso, repetindo essa invocação obstinadamente. Isso não tem nenhum interesse sobre o plano espiritual e pode representar um risco, sobre o próprio plano físico. Eles não compreendem que é preciso começar suavemente, mas tendo uma atitude de desejo por Deus.

De fato, talvez baste dizer simplesmente o Nome de Jesus. Vocês sabem como, nas tradições espirituais, o Nome tem importância. Assim, basta apenas dizer esse Nome e deixar fluir interiormente, suavemente, sem desejo de heroísmo. É preciso que nossa prece seja humilde se ela quiser ser verdadeira e hesiquiasta. A humildade é absolutamente indispensável. É preciso que, passo a passo, aprendamos a ser humildes. É bem evidente que nenhum homem sobre a terra é absolutamente humilde, nenhum. Somos todos aprendizes do amor e da humildade. Devemos aceitar isso, mas também é preciso lutar para adquirir o máximo possível dessa humildade que nos permitirá um verdadeiro encontro com Deus. Essa é outra atitude indispensável ao monge hesiquiasta: buscar a humildade, pedir a humildade a Deus.

Gostamos muito de um santo russo do século XIX, São Serafim de Sarov, um homem extremamente humilde. Um dia ele explicou a alguém que o procurava para saber como viver a hesíquia, como viver essa quietude em Deus, dizendo esta frase: “Se você tiver paz em seu coração [ou seja, se você for hesiquiasta] você salvará milhares de almas ao seu redor”. O que significa essa frase? É preciso compreendê-la. Se São Serafim disse: “Se você tiver paz em seu coração você salvará milhares de almas ao seu redor”, é porque ele passou por todo um caminho que será para nós como um exemplo. Ele nos mostrou por toda a sua vida que é preciso ser humilde, que é preciso aceitar que somos pequenos, que nada sabemos, que não conhecemos a Deus e, sobretudo, que não possuímos Deus, e que não devemos tentar possuí-lo, o que seria um erro fundamental. É preciso passar pela humildade, e São Serafim passou por ela. É preciso passar pelo abandono.

O que é a humildade senão a descoberta objetiva de que somos pobres, desprovidos e não amorosos? Isso pode nos conduzir ao desespero, o que não é um bom caminho. É preciso que essa descoberta na humildade nos conduza à paz. E o único caminho possível é o abandono nas mãos de Deus. Se eu descubro que sou pobre, não devo me desesperar nem me revoltar; essa não é uma boa solução. Pois se eu me desespero e me revolto, a quem faço referência? A mim, é claro, não ao meu Criador! Mas se sou capaz de ver humildemente minha fraqueza, se eu sei não me revoltar, se sei verdadeiramente me voltar para Deus, com toda confiança, dizendo-lhe: “Eu sou pequeno e pobre, mas você, que pode tudo, tome a mim na palma de sua mão e me guie...”, então, esse abandono, que é a segunda etapa – primeiro a humildade, depois o abandono – esse abandono vai me conduzir à quietude, à paz do coração, porque estarei enfim nas mão do Único, do Único que pode me dar essa paz, aquele que é amor, nosso Deus. Eis aí, pelo exemplo de São Serafim de Sarov, como é possível viver a tradição hesiquiasta.

Eu gostaria de terminar esta pequena exposição por um exemplo bíblico, mais precisamente evangélico, que vocês devem conhecer. Trata-se do episódio em que Jesus se encontra na casa de seus amigos Lázaro, Marta e Maria, judeus que amavam o Senhor e que o acolhiam com frequência. Nesse episódio não se fala muito de Lázaro, mas de suas irmãs Marta e Maria. Uma delas, Marta, atarefada, prepara o jantar, se agita, põe a mesa, enfim, tudo aquilo que podemos imaginar. A outra, Maria, está aos pés do Senhor, e apenas o olha e escuta. Então aquela que põe a mesa vem e diz a Jesus: “Diga a ela para que venha me ajudar”. E o Senhor responde: “Você se agita demais, e ela escolheu a melhor parte[5]”.

Dito de outra forma, nessa passagem evangélica, nessa experiência de Marta e Maria, Cristo nos ensina: “Atenção à agitação inútil”. Ele não quis dizer que essa agitação não era hospitaleira, ele não condenou aquela que preparava a refeição, mas disse simplesmente: atenção, Maria escolheu a melhor parte. Também nós, tentemos isso, pois no interior de cada um de nós vive uma Marta e uma Maria: tentemos escolher sempre a melhor parte.


Exposição do Higoumeno Simeão
(mosteiro Saint-Silouane, Saint Mars de Locquenay, Sarthe)
Ao Institut des Hautes Études Islamiques, Paris, 13 de Maio de 1995.
Revista Contacts, no. 173, 1996.



[1] Lucas 4: 28-30.
[2] Cf. I Reis 19: 11-13.
[3] Cf. Lucas 18: 1; também I Tessalonicenses 5: 17.
[4] Mateus 6: 7.
[5] Lucas 10: 38-42.

Nenhum comentário:

Postar um comentário