quarta-feira, 6 de março de 2013

Filocalia Tomo I Volume 3 - Abade Filemon: Discurso muito útil


ABADE FILEMON

 

 

DISCURSO MUITO ÚTIL


Abade Filemon

 

 

Nosso bem-aventurado Abade Filemon que, dentre os Padres Teóforos levou ao mais alto grau a nepsis e o luto, viveu num tempo que sua história não registrou. O presente relato permite a quem quiser ver, que ele foi, mais do que todos, inteiramente devotado à piedade, à experiência, à hesíquia, à imitação fiel do grande Arsênio.

 

Por suas preces e suas súplicas, dia e noite, perseverante em sua cabana de asceta como na câmara alta da existência, lavando-se na fonte das lágrimas e dos gemidos, ultrapassando pelo amor a Deus não apenas o que está submetido ao mal como também o que provém da melhor parte, tanto o sensível como o inteligível, ele se apresentou surdo e mudo ao Senhor, conforme está escrito, e alcançou a bela iluminação da graça por meio da qual, no extremo da hesíquia e do silêncio e sob o efeito da irradiação solar, ele recebeu abundantemente o dom de examinar e de discernir, de ver e de prever. Testemunho fiel do que dizemos é o presente relato, no qual o ensinamento eminente da santa nepsis é transmitido à perfeição como uma vestimenta bordada tecida por Deus. Às vezes ele se volte para a ação, às vezes permanece na contemplação, pela longa experiência que, através das obras, complementa a própria fé. Assim se alguém quiser se despojar das manchas e do peso das vestes da paixão, se quiser se despojar do homem velho e se cobrir com a túnica luminosa da impassibilidade e da graça, que constitui o novo homem conforme a Jesus Cristo, pensando continuamente Nele e colocando todo seu labor para chegar ao objetivo de suas meditações, ele alcançará seu louvável desejo.

 

*

 

O Abade Filemon foi um desses grandes anacoretas que povoaram os desertos do Egito, do século IV ao VII, até a conquista árabe em 640. Ele próprio deve ter vivido no século VI. É o que nos deixa entender o “discurso” inserido na antologia filocálica – metade relato de sua vida, metade testemunho de sua experiência – que Diádoco de Foticéia menciona no passado mostrando um Egito no qual os monges, mesmo fugindo das heresias alexandrinas, iam e vinham à vontade e comunicavam com Constantinopla: o Islã ainda não chegara. É provável que esta transcrição  anônima dos gestos e ditos de Filemon tenha sido redigida a partir de testemunhos de seus discípulos pouco depois da sua morte, talvez no início do século VII. Seria assim um dos últimos testemunhos diretos dos Padres do deserto, ou ainda o testamento da anacorese egípcia.

 

Todas as aquisições da experiência eremítica, desde Evagro e Diádoco, estão aí reunidas: a hesíquia, a nepsis, a purificação do intelecto, e sobretudo a prece do coração, que Filemon denomina “meditação secreta”, formulando-a como “Senhor, tenha piedade”, ou “Senhor Jesus, tenha piedade”; porém, ele também nos transmite – e é um dos primeiros a faze-lo – a fórmula tradicional: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim”, a mesma herança que os Sinaítas receberam, guardaram e cultivaram.

 

Resta o que dificilmente poderia ser transmitido: o extremo rigor, a extrema delicadeza, a extrema liberdade da vida dos Padres do deserto. E nisto Filemon é exemplar: profundamente despojado, solitário e silencioso, capaz de mergulhar dia e noite nas preces canônicas de sua “liturgia” cotidiana como na prece do coração, ao mesmo tempo em que renunciava, por humildade, celebrar a eucaristia, embora fosse padre; mas também capaz de exortar longamente o monge que desejava segui-lo, de responder a todas as perguntas dos que vinham vê-lo, de trabalhar com suas mãos e de oferecer o fruto de seu trabalho no mercado. Em tudo isto Filemon não mostrava senão sua fraqueza, suas provações, sua confiança: “Eu não trago nada, dizia ele, senão a prece contínua”.

 

Com seu retiro, com seu silêncio, ele manteve sempre entre si e os demais uma treva, um espaço vazio, que pode revelar fora de toda paixão os dons mesmos do Deus vivo: o amor e a liberdade. O caminho do coração se abre ao intelecto em prece, à “meditação secreta”, e pode levar a este ponto de concentração e êxtase, onde, diz ele, “mesmo a carne é abrasada pelo Espírito", tornando-se a luz de Deus que se fez carne em Cristo. A partir daí, tudo foi dito. No próprio momento de passar pela recapitulação do Sinai e seguir o movimento que levará ao monte Athos, a experiência hesiquiasta aparece aqui em germe, tal como será.

 


SOBRE O ABADE FILEMON

DISCURSO MUITO ÚTIL

 

 

Conta-se do abade Filemon, o anacoreta, que ele havia se encerrado numa pequena gruta, afastada da comunidade dita “dos Romanos”, e que ali enfrentava os combates da ascese repetindo em seu coração, como um encantamento, aquilo que o grande Arsênio[1] dizia a si mesmo: “Filemon, por que você partiu?”.

 

Ele passou um longo tempo nesta gruta, fabricando cordas e tecendo bolsas, que entregava ao ecônomo, recebendo deste pãezinhos para sua alimentação. Pois ele não comia senão pão e sal. Ele não tomava nenhum cuidado com a carne[2], mas se consagrava à contemplação e penetrou na iluminação divina. Tendo alcançado a inefável mistagogia ele vivia alegre. Aos sábados e domingos ia à igreja, só e recolhido, e não permitia que ninguém dele se aproximasse, para manter em si sem falha a obra do intelecto. Na igreja, imóvel num canto, rosto contra a terra, ele derramava rios de lágrimas. Ele tinha em si um contínuo luto, a lembrança da morte e o exemplo dos santos Padres, em especial o de Arsênio, cujas pegadas se esforçava por seguir.

 

Quando estalou a heresia em Alexandria e na sua região, ele partiu e se colocou na comunidade vizinha da cidade de Nicanor. Paulino, o amado de Deus, o recebeu, consagrou a ele o lugar onde ele próprio se retirara e o estabeleceu na hesíquia total. Durante todo um ano ele só admitiu recebê-lo uma única vez. Ele próprio só o incomodava nos momentos em que lhe dava o pão de que necessitava. Pouco antes da Ressurreição de Cristo, no momento de sua visita, eles evocaram entre si o estado eremítico. Filemon, sabendo que este irmão, em sua grande piedade, desejava também este objetivo, separou para ele passagens de textos ascéticos, das Escrituras e dos Padres, e lhe mostrou por meio deles que é impossível agradar a Deus sem uma perfeita hesíquia, como disse Moisés[3], este Padre admirável, em seu amor pela sabedoria: “A hesíquia engendra a ascese; a ascese engendra as lágrimas; as lágrimas engendram o temor; o temor engendra a humildade; a humildade engendra a visão profética; a visão profética engendra o amor; o amor liberta a alma das enfermidades e das paixões. Então o homem sabe que ele não está longe de Deus”.

 

Então ele lhe disse: “É preciso purificar totalmente o intelecto e lhe dar um trabalho espiritual incessante por meio da hesíquia. Pois, assim como o olho se volta para as coisas sensíveis e admira aquilo que vê, também o intelecto puro se dirige às coisas inteligíveis[4], sai de si mesmo sob o efeito da contemplação espiritual, e retorna de seu êxtase com dificuldade. E na mesma medida em que se despoja e se livra das paixões por meio da hesíquia, ele se torna digno do conhecimento. O intelecto é perfeito quando ultrapassa o conhecimento dos seres e se une a Deus[5], a ponto de não mais suportar ser privado da dignidade real que adquiriu; então ele não é mais sacudido pelas concupiscências de baixo, ainda que lhe sejam oferecidos todos os reinos da terra”.

 

“Assim sendo, se você quiser alcançar todas as virtudes, não se preocupe com nenhum homem, fuja do mundo, siga de todo coração o caminho dos santos, tenha uma aparência negligente, uma vestimenta pobre, uma túnica humilde. Que seu comportamento seja simples, sua palavra constante, seu caminhar discreto, sua voz natural. Viva na pobreza, desprezado por todos. Sobretudo, guarde seu intelecto, mantenha a sobriedade e a vigilância, suporte com paciência todas as angústias e conserve firmes e intactos todos os bens que lhe forem dados. Enfim, mantenha-se rigorosamente atento a si mesmo[6], para não acolher nenhum dos prazeres que tentam penetrar em você contra sua vontade. Pois as paixões da alma são adormecidas pela hesíquia. Mas excitadas e exacerbadas elas se tornam naturalmente mais e mais selvagens, obrigam aos que as recebem a pecar e, como as feridas do corpo que coçamos e esfregamos, se tornam difíceis de curar. Uma razão preguiçosa pode ainda afastar de Deus o intelecto, quando os demônios a constrangem e persuadem os sentidos.”

 

“Guardar a alma constitui um grande combate e um grande temor. É preciso nos separar do mundo todo, afastarmos a alma de toda paixão pelo corpo, não possuirmos nem cidade, nem casa, nem nada de nosso, nem dinheiro, nem domínio, nem nos ocuparmos de nada, nem estarmos ligados a ninguém, é preciso ser ignorante das coisas humanas, humildes, compassivos, bons, doces, calmos, prontos a receber em nossos corações as marcas deixadas pelo conhecimento divino. Pois é impossível escrever sobre a cera sem primeiro apagar os sinais que nela se acham impressos; é isto que nos ensina o grande Basílio[7].”

 

“Este é o coro dos santos: totalmente separado da vida que levamos no mundo. Conservando límpido em si próprios o pensamento do céu, os santos receberam a luz das leis divinas. Eles brilharam através de suas obras e de suas palavras piedosas, mortificando por meio da temperança, do temor e do desejo por Deus seus membros que estavam sobre a terra[8]. Com efeito, graças à oração contínua e à meditação das divinas Escrituras, os olhos do intelecto e da alma se abrem e veem o Senhor dos Exércitos, e uma grande alegria e um desejo violento se apossam da alma abrasada e, quando a carne é também arrebatada pelo Espírito, o homem se torna inteiro espiritual. É por isso que aqueles que se abrem à bem-aventurada hesíquia, que levam a vida mais estrita e que se separam de todo conforto humano, conversam com toda pureza com o Mestre que está nos céus: a sós com o único.”

 

Ao ouvir essas palavras, este irmão amado por Deus, com a alma mortificada pelo desejo divino, foi com ele a Sceta, aonde os maiores dentre os santos Padres trilharam com sucesso o caminho da piedade. Eles permaneceram na comunidade de João Colobos, depois de entregar ao ecônomo da comunidade a responsabilidade de cuidar deles, pois desejavam viver apenas a hesíquia. Pela graça de Deus, eles viviam na total hesíquia, mas saiam discretamente aos sábados e domingos. Mas nos outros dias da semana cada um se aplicava pacientemente em fazer as orações e as liturgias. A liturgia do ancião era a seguinte: à noite e em paz ele cantava todo o saltério e as odes, e recitava uma passagem do Evangelho. Depois se sentava e dizia consigo mesmo: “Senhor, tem piedade”, com tanta tensão e durante tanto tempo quanto conseguia pronunciar estas palavras. Então ele adormecia um pouco e pela madrugada cantava a hora prima, sentava-se em seu banco, voltado para o oriente, e salmodiava seguindo a ordem do ofício, e novamente recitava de cor as passagens do Apóstolo e do Evangelho. Assim passava ele todo o dia, cantando e orando sem relaxar[9], nutrido pela contemplação das coisas do céu, a ponto de que muitas vezes seu intelecto se elevava na contemplação e ele já não sabia estar sobre a terra.

 

Vendo-o assim inflexivelmente voltado para o cumprimento dessas liturgias e totalmente transformado pelos pensamentos divinos, o irmão lhe disse: “O que tem você, Pai, velho como é, para se entregar desta maneira às pensa, mortificando e sujeitando seu corpo?[10]”. Ele lhe respondeu: “Creia-me, filho, foi Deus quem colocou em minha alma tamanho ardor e desejo pela liturgia, pois eu sou incapaz de chegar por mim mesmo ao fim desta tensão. O desejo por Deus e a esperança nos bens futuros são mais fortes do que a fraqueza do corpo”. Todo o desejo de seu intelecto estava assim transportado para o céu como que por asas, tanto na hora das refeições como em todos os outros momentos.

 

Um dia, um irmão que estava com ele lhe perguntou: “Qual é o mistério da contemplação?”. Vendo que ele desejava a prender e que tinha pressa, o ancião lhe disse: “Filho, digo-lhe naturalmente que, se o intelecto de um homem é puro no mais alto grau, Deus lhe revela as contemplações das próprias potências e das ordens litúrgicas”.

 

Ele então lhe perguntou: “Porque, Pai, você é cumulado de doçura pelo saltério, mais do que por toda a divina Escritura? E porque, quando você canta tranquilamente, você diz as palavras como se conversasse com alguém?”. Ele respondeu: “Filho, eu lhe digo: Deus imprimiu o poder dos salmos em minha pobre alma como no profeta Davi, e eu não posso evitar a doçura das contemplações de todas as espécies que existem neles. Pois eles abarcam por completo toda a divina Escritura”. Veja com quanta humildade ele se esforçou para revelar essas coisas para o bem daquele que o interrogou.

 

Um irmão chamado João veio do mosteiro dos Paraliotas[11] encontrar este santo Padre, o grande Filemon e, jogando-se aos seus pés, lhe disse: “Pai, que devo fazer para ser salvo? Pois vejo meu intelecto girar e errar por lugares onde ele não deveria”. Ele esperou um pouco, e respondeu: “Esta paixão é dos homens do mundo, ela persiste porque você ainda não adquiriu um desejo perfeito por Deus. O calor do conhecimento e do desejo de Deus ainda não penetrou em você”.

 

O irmão disse: “Pai, o que devo fazer?”. Ele lhe respondeu: “Fique retirado até alcançar em seu coração uma meditação secreta[12], que possa purificar de tudo isso seu intelecto”. O irmão, que não sabia do que falava o ancião, disse: “Pai, o que é a meditação secreta?”. Ele lhe respondeu: “Permaneça em retiro, seja sóbrio e vigilante, diga em seu intelecto: ‘Senhor Jesus Cristo, tenha piedade de mim’. Isto é o que o bem-aventurado Diádoco transmitiu aos seus discípulos[13]”.

 

O irmão se foi, e com a ajuda de Deus e das orações do Padre, alcançou a hesíquia e por algum tempo foi cumulado de doçura por essa meditação. Porém, de repente ela se afastou dele, e como ele já não conseguia cultivá-la com sobriedade e vigilância e orar, ele retornou ao ancião e lhe disse o que sucedera. Este lhe falou: “Veja, você acaba de conhecer o rastro da hesíquia e da prática e teve a experiência da doçura contida nelas. Guarde isto em seu coração todo o tempo. Comendo, bebendo, na companhia de outros, fora de sua cela, a caminho, que ela nunca o abandone: com o pensamento sóbrio e vigilante e com um intelecto firme e direito, reze sempre esta oração, cante e medite as preces litúrgicas e os salmos. Mesmo nas necessidades do corpo, não deixe seu intelecto parar de meditar e orar em segredo. Assim você poderá compreender as profundidades da divina Escritura e o poder oculto nela, e dar ao seu intelecto um trabalho contínuo, a fim de cumprir a palavra do Apóstolo que disse: ‘Orem sem cessar[14]’. Esteja rigorosamente atento e guarde seu coração para não acolher os maus pensamentos, ou não importa quais pensamentos vãos e inúteis. A todo o momento, em pé ou deitado, comendo ou bebendo, quando encontrar alguém, que em sua reflexão seu coração medite os salmos, ou que ele recite a prece: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim’. Mesmo quando você cantar em voz alta, vigie para não dizer as palavras com a boca enquanto os pensamentos vagam por aí”.

 

O irmão ainda lhe perguntou: “Em meus sonhos vejo muitas imagens vãs”. Mas o ancião lhe disse: “Não tema nem se inquiete. Mas antes de se deitar, faça muitas preces em seu coração e resista aos pensamentos, para não ser desviado pelas vontades do diabo, e para que Deus o acolha. Tanto quanto puder, só durma depois dos salmos e da sábia meditação[15]. Não seja negligente, e não permita que seu intelecto acolha pensamentos estranhos. Deite-se meditando nos pensamentos que teve durante a oração, a fim de que seu intelecto o guarde durante o sonho e que ao despertar ele converse com você[16]. Ainda antes de dormir, diga o Símbolo da fé ortodoxa. Pois glorificar a Deus corretamente é a fonte e a guarda de todos os bens”.

 

Ele ainda lhe perguntou: “Faça-me uma caridade, Pai. Diga-me, qual é a obra de seu intelecto? Ensine-me, para que também eu seja salvo”. O ancião lhe respondeu: “Porque você me interroga assim?”. Mas o irmão, levantando-se, abraçou os pés do santo e implorou-lhe que respondesse. Depois de algum tempo, este lhe disse: “Você ainda não pode possuir isto. Pois é preciso que você seja um homem que tenha entrado na posse dos bens da justiça para dar a cada sentido a obra que lhe cabe. Sem nos purificarmos totalmente dos pensamentos vãos do mundo, é impossível nos tornarmos dignos de tal graça. Por isso, se você deseja estes bens, mantenha no coração puro a meditação secreta. Se, com efeito, sua prece e sua meditação das Escrituras permanecerem contínuas os olhos de sua inteligência se abrirão, seu intelecto experimentará uma grande alegria e um desejo inefável e violento: mesmo sua carne será abrasada pelo Espírito, a ponto de que todo o seu ser se tornará espiritual. Então, quando Deus o julgar digno de orar dia e noite com um intelecto puro, longe de toda distração, não se prenda mais à sua própria regra, mas, tanto quanto puder, una-se primeiro a Deus. É ele quem iluminará seu coração sobre a obra espiritual que você deverá cumprir”.

 

Ele acrescentou o seguinte: “Um dia, um ancião se aproximou de mim e, como eu o interroguei sobre o estado de seu intelecto, ele me disse: Eu passei dois anos rezando a Deus de todo o meu coração pedindo-lhe sem descanso que me permitisse ter, impressa em meu coração, continuamente e sem distração, a prece que ele próprio transmitira a seus discípulos. Vendo minhas penas e minha paciência, o Senhor que tudo nos concede atendeu o meu pedido”.

 

Ele disse ainda: “Os pensamentos de vaidade que atravessam o intelecto são enfermidades da alma preguiçosa e negligente. Convém, portanto, conforme está escrito, que guardemos nosso intelecto com toda atenção[17], que cantemos com todo conhecimento, sem distrações, e que oremos com um intelecto puro. Eis por que, irmãos, Deus quer que mostremos o fervor com o qual nos voltamos para ele, primeiro nas penas, depois no amor e na oração contínua, e então ele próprio nos abrirá o caminho da salvação. Ora, é claro que para chegar ao céu não existe outro caminho do que a perfeita hesíquia, a fuga de todo mal, a aquisição dos bens, o amor perfeito a Deus e a união com ele na santidade e na justiça; se alguém chegar a isto, se elevará rapidamente ao coração celeste. Mas é absolutamente necessário que quem deseja se elevar a estas alturas mortifique seus membros que estão sobre a terra[18]. Com efeito, quando nossa alma se regozija na contemplação do bem verdadeiro, ela já não se volta para nenhuma das paixões que conduzem ao prazer. Mas, dando as costas a toda fruição do corpo, com um intelecto puro e sem manchas, ela recebe a graça de Deus”.

 

“Assim, estejamos atentos, submetamos nossos corpos às provações e purifiquemos nossas almas, a fim de fazermos de nossas almas a moradia de Deus e a fim de cumprirmos sem falta seus divinos mandamentos. E ele próprio, no futuro, nos ensinará a guardar com segurança suas leis, enviando-nos como raios de sol suas próprias energias, pela graça do Espírito Santo que ele depositou em nós. Pois é pelas penas e pelas provações que devemos purificar a imagem que fez de nós seres dotados de razão, capazes de receber a compreensão e a semelhança de Deus, trazendo em nós os sentidos puros e sem mancha, de certo modo forjados na fornalha das provas e transformados com vistas à dignidade real. Foi para que ela participasse de todos os bens que Deus criou a natureza humana capaz de contemplar pelo intelecto os coros dos anjos, os esplendores das Dominações, as Potestades e os Principados, os Exércitos, a luz inacessível e a glória que brilha acima de tudo”.

 

“Quando você conseguir alcançar com sucesso uma virtude, não se volte contra seu irmão pensando que você obteve aquilo em que ele foi negligente: este é o começo do orgulho. Com toda sua força, evite fazer o que quer que seja para agradar aos homens. Se você combate a paixão, não perca a coragem. Se a guerra persistir, não relaxe. Levante-se, atire-se diante de Deus e diga com todo o coração como o Profeta: ‘Senhor, julgue os que me ultrajam[19], pois eu nada posso contra eles’. E ele, vendo a sua humildade, lhe enviará depressa o seu socorro. Quando você caminhar na companhia de alguém, recuse qualquer conversa vã. Continue dando ao seu intelecto seu trabalho espiritual, a fim de que este se torne para ele um bom costume e o esquecimento dos prazeres do mundo, alcançando assim o porto da impassibilidade”.

 

Depois de ter instruído o irmão com estas e outras palavras, despediu-se dele. Pouco tempo depois, este voltou para conversar com ele, começando por esta questão: “Pai, que fazer? Durante minha liturgia noturna o sono me ataca e não me permite orar com sobriedade e vigilância, nem mesmo velar. Sinto vontade de fazer trabalhos manuais quando salmodio”. Ele respondeu: “Quando você orar com sobriedade e vigilância não realize trabalhos manuais. Mas se você for tomado de acídia, reaja um pouco ameaçando o pensamento, e atire-se ao trabalho manual”.

 

O irmão lhe disse ainda: “Você mesmo não é acossado pelo sono durante sua liturgia?”. Ele lhe respondeu: “Miseravelmente. Mas se o sono me ameaça um pouco, eu reajo e começo por dizer uma passagem do Evangelho de João, voltando para Deus o olhar do intelecto, e logo o sono se dissipa. Faço o mesmo com os pensamentos: quando eles chegam, vou ao seu encontro como um fogo, com lágrimas, e eles se dissipam. Você ainda não pode estar armado desta maneira, mas mantenha sempre a meditação secreta e as preces cotidianas formuladas pelos santos Padres, ou seja, as horas terceira, sexta, nona e as vésperas. E esforce-se por cumprir as liturgias noturnas, evitando com todas as suas forças de fazer o que seja para agradar aos homens, bem como evitando toda aversão aos seus irmãos. A fim de não se separar de Deus. Esforce-se por guardar seu intelecto sem distração e cuidadosamente voltado para os pensamentos interiores. Quando você estiver na igreja e for comungar os mistérios divinos[20] de Cristo, não tome nenhuma iniciativa antes de sentir em si mesmo a perfeita paz. Permaneça em pé no mesmo lugar e não saia daí até o fim. Considere que você está no céu e que vai ao encontro de Deus com os santos anjos e que vai recebê-lo em seu coração. Prepare-se com grande temor e tremor para não tomar parte indignamente das santas Potências”.

 

Depois de ter armado o irmão com estas palavras e tê-lo confiado ao Senhor e ao Espírito de sua graça[21], ele o despachou.

 

O irmão que vivia com ele contava também o seguinte: “Um dia, quando eu estava sentado perto dele, perguntei se ele havia sido provado pelas agressões dos demônios quando estava no deserto. Ele me disse: Irmão, perdoe-me. Se Deus permitisse que sobre você caíssem as tentações que eu recebi do diabo, receio que você não teria suportado tal amargor. Tenho setenta anos, ou quase isto. Passei a maior parte de minha vida entre tentações, morei em diferentes desertos na mais extrema hesíquia, fui tão provado e sofri tantas tentações que é inútil descrever seu amargor aos que ainda não receberam a experiência da hesíquia. Nas tentações, era assim que eu sempre agia: entregava toda minha esperança a Deus, com quem eu me engajara para renunciar ao mundo. Logo ele me livrava da angústia. É por isso, irmão, que eu já não me ocupo de mim mesmo: pois eu sei que ele se preocupa comigo, e assim suporto com  mais facilidade as provações que me sobrevêm. De mim, só trago uma coisa: a prece contínua[22]. Eu sei que os infortúnios cresce na medida em que quem os suporta recebe mais e mais coroas. Este é um pacto perante o justo Justo.

 

“Assim sendo, se você sabe disto, irmão, não caia na negligência. Você sabe que permanece combatendo em meio à batalha e que numerosos são os que combatem por nós o inimigo de Deus. Pois como seria possível que ousássemos encarar um adversário tão terrível de nossa raça, se a direita do Verbo de Deus não nos sustentasse com toda a sua força, envolvendo-nos e nos cobrindo de solicitude? Como poderia a natureza humana escapar das armadilhas que lhe coloca o inimigo? Com efeito, foi dito: ‘Quem abrirá suas vestes? Quem penetrará nas dobras de sua couraça? De sua boca saem chamas ardentes e brotam braseiros de fogo. Uma fumaça levanta-se de suas narinas, como cinzas fumegantes ou brasas de fogo. Seu sopro são brasas. Uma chama se ergue de sua boca. No seu pescoço reside sua força. Diante dele corre a perdição. Seu coração é duro como pedra, inflexível como uma bigorna. Ele faz o abismo ferver como uma chaleira. Ele agita o mar como se fosse um vidro de perfume. Ele conduz o cativo às profundezas abissais. Ele enfrenta tudo que se ergue, ele que reina sobre tudo o que existe nas águas[23]’. É contra ele que lutamos, irmão: este tirano com tanto poder, conforme descrito na Escritura. Mas àqueles que assumem a vida solitária como se deve é fácil vencê-lo, nada possuindo de seu, renunciando ao mundo, trabalhando as virtudes com sucesso, nelas conduzindo Aquele que combate por nós. Com efeito, diga-me: quem, depois de se ter aproximado do Senhor e de ter aberto seu intelecto ao temor de Deus, não foi transformado em sua natureza? E quem, depois de se ter iluminado sob a chama da lei e das obras de Deus, não viu cumulada de luz sua alma, e não a preparou assim para irradiar as reflexões e os pensamentos divinos? Este não a deixa estéril, pois ela agora traz a Deus consigo, Deus que leva o intelecto a buscar a luz insaciavelmente. Se esta alma não cessa de agir assim, o Espírito não permite que ela se esgote nas paixões. Ela agora é como um rei: ela opõe aos seus adversários seu sopro poderoso e terrível, despedaça inexoravelmente e jamais bate em retirada. Pela ação ela ergue as mãos para o céu e pela prece do intelecto ela obtém a vitória no combate”.

 

O mesmo irmão contava ainda: “O abade Filemon, além de outras virtudes, havia adquirido esta: ele jamais se permitia escutar propostas insignificantes. Se alguém, por desatenção, lhe falava de algo que não objetivava o bem da alma, ele simplesmente não lhe respondia. E se eu partisse para uma missão, ele não perguntava: ‘Porque você está partindo?’. Quando eu regressava, ele não indagava: ‘Porque você partiu?’, ou: ‘Como?’, ou: ‘O que você foi fazer?’. Um dia, precisei ir a Alexandria de barco, e de lá fui até a rainha das cidades[24] por negócios da igreja. Resolvido o assunto com os piedosos irmãos que lá se achavam, ali permaneci, sem enviar nenhuma notícia ao servidor de Deus. Depois de ter passado em Constantinopla por um tempo bastante longo, retornei a Sceta para junto de Filemon. Ele ficou feliz de me ver, me abraçou, fez uma oração e se sentou, mas não me perguntou nada e permaneceu mergulhado em sua contemplação”.

 

“Uma vez quis pô-lo à prova: passei muitos dias sem lhe levar o pão para comer. Mas ele não me procurou nem disse nada. Então fiz uma metanias e lhe disse: ‘Faça-me uma caridade, Pai, e me diga: você não ficou aflito por não ter eu lhe trazido o pão como de costume?’ Ele respondeu: ‘Perdoe-me, irmão. Se durante vinte dias você não me trouxesse o pão para comer, mesmo assim eu não lhe pediria. Pois, pelo tempo que suportasse minha alma, suportaria meu corpo”. A este ponto ele estava tomado pela contemplação do verdadeiro bem”.

 

Ele dizia: “Depois que cheguei a Sceta não mais permiti que meu pensamento deixasse a cela. Não pensei em outra coisa senão no temor a Deus e na geena no século por vir. Lembrei-me do julgamento que ameaça os pecadores, do fogo eterno e das trevas exteriores, e de como as almas dos pecadores serão separadas das dos justos, e de quais bens serão reservados aos justos, recebendo cada qual seu salário de acordo com o que fez[25]: um, pelo acúmulo de suas penas; outro, por sua compaixão e amor sem hipocrisia; outro, por sua pobreza e sua renúncia ao mundo inteiro; outro, por sua humildade e sua profunda hesíquia; outro, por sua extrema submissão; outro, por sua hospitalidade. Quando eu reflito sobre tudo isso, não deixo mais nenhum pensamento agir em mim e já não posso estar com os homens nem permitir que meu intelecto se ocupe deles, a fim de não me separar dos pensamentos mais divinos”.

 

Ele acrescentava a história de um eremita: “Ele alcançou a impassibilidade e recebia da mão de um anjo o pão que o alimentava. Mas, por sua negligência, ele perdeu esta honra. De fato, quando uma alma relaxa pouco a pouco a concentração e a tensão do intelecto a noite toma conta dela. Pois aonde não brilha Deus, tudo escoa nas trevas, e a alma já não é capaz de ver a Deus e de tremer às suas palavras. ‘Eu sou um Deus próximo, disse o Senhor, e não um Deus distante. Se um homem se esconde em segredo, não o verei? Será que eu não preencho o céu e a terra, diz o Senhor?’[26]”.

 

Ele evocava as lembranças de tantos outros que haviam passado pelas mesmas provas. Também lembrava a queda de Salomão, que depois de haver recebido tamanha sabedoria e ter sido glorificado por todos – pois era como a estrela da manhã que se levanta na aurora, iluminando todos os seres com a claridade de sua sabedoria – por um pequeno prazer perdeu sua glória[27]. Devemos, portanto, temer a negligência. É preciso orar continuamente[28], para que nenhum outro pensamento venha a nos separar de Deus nem tome lugar em nossa inteligência. Pois o coração puro inteiramente tomado pelo Espírito Santo vê como toda pureza, como num espelho, Deus por inteiro.

 

“Quando escutei estas suas palavras, disse o irmão, compreendi que por suas próprias obras as paixões da carne já não trabalhavam nele. Ele desejava absolutamente o melhor, a ponto de o vermos sempre transformado pelo Espirito, exalando suspiros inefáveis[29], voltado para si mesmo, pesando a si mesmo e lutando para que nele não entrasse fosse lá o que fosse para turbar a pureza de sua reflexão e que, contra sua vontade, pudesse lhe ser prejudicial”.

 

“Vendo isso tudo, disse o irmão que vivia com ele, eu o pressionava todo o tempo, excitado por imitar tantas marcas de virtude, e lhe fazia numerosas perguntas. Eu lhe dizia: ‘Como posso adquirir como você um intelecto puro?’. Ele respondia: ‘Vá, trabalhe penosamente. É preciso que o coração trabalhe e pene. Não é quando dormimos e estamos deitados que nos chega aquilo que é digno de nosso esforço e de nossas penas. Nem os bens terrestres vêm às pessoas sem penas. Quem quer alcançar o progresso espiritual deve antes de tudo renunciar à suas próprias vontades, ter em si constantemente o luto e a pobreza, não prestar atenção aos pecados dos outros mas apenas aos seus, chorar por eles dia e noite, e não ligar a ninguém por amizade. Pois a alma que é oprimida pelos infortúnios e mortificada pela lembrança de seus pecados anteriores morre para o mundo, e o mundo para ela[30]. Vale dizer que as paixões da carne não mais agem e que o homem está morto para as paixões. Pois quem renuncia ao mundo, que se une a Cristo e se consagra à hesíquia, este ama a Deus, guarda sua imagem e é rico em sua semelhança. Do alto, Deus lhe concede o dom do Espírito: ele se torna morada de Deus e não habitação de demônios, e em Deus ele obtém a experiência das obras justas. A alma purificada da existência e liberta das manchas da carne, nem possuindo mais crostas nem rugas[31], recebe a coroa da justiça e brilha com a beleza das virtudes’. Assim falava ele”.

 

“Pois naquele que, no início da renúncia, não traz o luto em seu coração, nele não existem nem lágrimas espirituais, nem memória do castigo sem fim, nem verdadeira hesíquia, nem prece constante, nem salmodia, nem meditação das divinas Escrituras: ele não tem o hábito desta ascese, que faz com que o intelecto, mesmo que ele não queira, o obrigue a praticá-la na continuidade da paciência. O temor a Deus domina seus pensamentos, mas ao mesmo tempo este homem repousa na amizade do mundo e não é capaz de adquirir a pura inteligência na oração. Pois a piedade unida ao temor de Deus purifica a alma das paixões, predispõe o intelecto para a liberdade, leva-o à contemplação natural, permite que ele se aplique à teologia que recebe como a própria imagem da beatitude, cujas garantias ele confia aos teólogos aqui de baixo, enfim, ele a guarda em paz”.

 

“Dediquemo-nos com todas as nossas forças ao trabalho ativo por meio do qual somos conduzidos à piedade, que é a pureza do intelecto, cujo fruto é a contemplação natural e teológica. Pois a ação é a via de acesso para a contemplação, como o afirmou uma inteligência penetrante e inteiramente teológica[32]. Portanto, se negligenciarmos a ação, ficaremos desprovidos de toda filosofia. Mesmo que alguém tenha alcançado o mais alto cume da virtude, ele precisará das penas da ascese para colocar um freio nos impulsos desordenados do corpo e guardar atentamente os pensamentos. Desta maneira dificilmente conseguiremos nos tornar morada de Cristo. Pois na medida em que aumenta em nós a justiça aumenta-nos também a coragem espiritual. E o intelecto que se tornou perfeito se une inteiramente a Deus, cercado do esplendor da luz divina, e descobre os segredos indizíveis dos mistérios. Ele então aprende em verdade onde está o entendimento, onde está a força, onde está a compreensão de todas as coisas, onde estão a longevidade e a vida, onde está a luz dos olhos e a paz[33]. Com efeito, enquanto ele estiver ocupado em combater as paixões, não terá tempo de usufruir destes bens. Pois as virtudes e os vícios tornam o intelecto cego[34]. Os vícios, para que ele não veja as virtudes; e as virtudes, para que ele não veja os vícios. Mas quando lhe é concedido colocar fim à guerra e se torna digno dos carismas espirituais, ele se torna inteiramente luminoso, permanece constantemente sob o efeito da graça, firme na contemplação espiritual. Este homem já não estará ligado às coisas aqui de baixo, mas terá passado da morte para a vida[35]”.

 

“Quem se aproxima da vida consagrada e que se dirige para Deus, deve ter o coração casto e a boca pura, a fim de que a palavra pura que sai de sua boca possa louvar a Deus condignamente. Pois s alma unida a Deus conversa com ele continuamente”.

 

“Irmãos, queiramos alcançar este cume de virtudes, não permaneçamos agarrados à terra por causa das paixões. Pois quem combate, que consegue se aproximar de Deus, que participa da santa luz, que é abençoado pelo desejo que sente por ela, desfruta no Senhor de uma alegria espiritual inconcebível. Como diz o salmo divino: ‘Deleite-se também no Senhor, e ele concederá os desejos do seu coração; ele fará sobressair a sua justiça como a luz, e o seu juízo como o meio-dia[36]’. De fato, qual desejo da alma é tão violento e insuportável quanto aquele que Deis concede à alma purificada de todo mal e que diz com o coração verdadeiramente voltado para ele: ‘Eu desfaleço de amor[37]’? Os relâmpagos da beleza divina são inteiramente indizíveis e inexplicáveis. A palavra não os descreve, os ouvidos não os recebem. Mesmo que pudéssemos invocar a beleza da estrela da manhã, o clarão da lua, a luz do sol, todas estas coisas nada são comparadas a esta glória, e estão tão distantes da verdadeira luz como uma noite profunda ou a mais espessa treva está do brilho puro do meio-dia. É isto que Basílio, tão admirável em seus ensinamentos, recebeu por experiência e ensinou, e nos transmitiu[38]”.

 

Tudo isto nos contou o irmão que com ele vivia. Mas quem não se admiraria deste traço dele, que nos dá outra grande prova de sua humildade? Muito depois que ele havia sido considerado digno do sacerdócio e alcançado os bens celestes por sua conduta e seu conhecimento, ele fugia da majestade das divinas hierurgias[39] a tal ponto que, durante a maior parte dos anos que durou o combate de sua ascese, ele jamais aceitou se aproximar da Santa Mesa. E ele ainda fugia da comunhão aos mistérios divinos. Ele vivia com tanto rigor que não comungava depois de ter conversado com os homens, mesmo que não tivesse dito nada de terrestre e que tivesse tido a conversa pelo bem daqueles que lhe pediam a palavra. Se ele tinha que comungar dos divinos mistérios, ele suplicava a Deus por preces, salmodias e confissões. Ele tremia à voz do padre, quando este chamava para a comunhão e exclamava: “Os santos dons para os santos”. Pois ele dizia que toda a igreja estava cheia com os santos e anjos e com o Rei dos Exércitos em pessoa, que celebrava misteriosamente e se transformava em nossos corações em corpo e sangue. Por isso, ele dizia: “É preciso ousar – com castidade e pureza, como se estivéssemos fora da carne, sem hesitar nem duvidar – entrar na comunhão dos puríssimos mistérios de Cristo, a fim de participar da iluminação que provém destes mistérios. Dentre os santos Padres são muitos os que veem os anjos que os guardam. É por isso que eles se mantém em silêncio, guardando-se, e não falam com ninguém”.

 

Ele ainda dizia que, se tivesse que vender ele próprio o trabalho de suas mãos, ele se colocaria, fazendo-se de louco, de medo que, a custa de falar e responder, proferisse uma mentira, ou um juramento, ou uma vanglória, ou qualquer outra espécie de pecado. Quem quisesse adquirir o fruto de seu trabalho recebê-lo-ia dele e lhe daria o quanto quisesse. Ele confeccionava coroas. E este homem verdadeiramente filósofo recebia com gratidão aquilo que lhe davam, sem dizer palavra.



[1] Cf. Sentenças dos Padre do Deserto, Arsênio 40.
[2] Cf. Romanos 13: 14.
[3] Segundo Hausherr, o monge Ammonas.
[4] Carta de Evagro erroneamente atribuída a são Basílio.
[5] Cf. Evagro, Centúria III, 49 e Carta 58.
[6] Cf. Gênesis 24: 6,
[7] Carta II, 2.
[8] Cf. Colossenses 3: 5.
[9] Cf. I Tessalonicenses 5: 17.
[10] Cf. I Coríntios 9: 27.
[11] Situado no litoral (paralia).
[12] Kryptè mélétè: a prece do coração.
[13] Diádoco de Foticéia, Cem capítulos, 59 e 61.
[14] I Tessalonicenses 5: 17.
[15] Nounéchès: intelectual.
[16] Cf. Provérbios 6: 22.
[17] Cf. Provérbios 4: 23.
[18] Cf. Colossenses 3: 5.
[19] Cf. Salmo 34 (35): 1.
[20] O sacramento da Eucaristia.
[21] Cf. Atos 20: 32.
[22] Cf. I Tessalonicenses 5: 17.
[23] 41: 5-26.
[24] Constantinopla.
[25] Cf. I Coríntios 3: 8.
[26] Jeremias 23: 23-24.
[27] Cf. I Reis 11: 1-11.
[28] Cf. I Tessalonicenses 5: 17.
[29] Cf. Romanos 8: 26.
[30] Cf. Gálatas 6: 14.
[31] Cf. Efésios 5: 27.
[32] Gregório de Nazianze, Discursos IV, 133.
[33] Cf. Baruq 3: 14.
[34] Cf. Evagro, Tratado Prático 62.
[35] Cf. João 5: 24.
[36] Salmo 36 (37): 4, 6.
[37] Cânticos 5: 8.
[38] São Basílio, Grande Regra 2.
[39] A celebração dos mistérios de Deus.

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