segunda-feira, 30 de setembro de 2024

São Paísios o Athonita - Conselhos Espirituais

 

São Paisios o Athonita

Conselhos Espirituais



PRIMEIRA PARTE

A GUERRA DOS PENSAMENTOS

 

“Quando o homem vê tudo com bons pensamentos, ele é purificado e recebe a graça de Deus. Com pensamentos maus, o homem condena a si próprio e desencaminha os outros, fazendo com que a Graça divina não os alcance, e permitindo que o diabo venha e faça suas más obras contra nós e em nós.”

 

 

Capítulo I

Pensamentos bons e malignos[1]

 O poder dos bons pensamentos

 

 - Geronta, no Velho Testamento, no Livro dos Macabeus IV, está escrito: “Os pensamentos devotos não desenraizam as paixões, mas antagonizam com eles[2]”. O que isso significa?

 - As paixões estão profundamente enraizadas em nós, mas os pensamentos bons e devotos nos ajudam a não nos tornarmos escravos deles. Quando um homem só conduz bons pensamentos à sua mente, e estabelece um estado forte e saudável, as paixões permanecem adormecidas, quase como se não existissem. Em outras palavras, os pensamentos devotos não desenraizam as paixões todas juntas, mas as combatem e podem derrotá-las. Penso que o autor está descrevendo o que os Sete Jovens, sua mãe Santa Salomona e seu mestre São Eleazar, eram capazes de suportar, por possuírem pensamentos bons e devotos[3], indicando assim com precisão a extensão do poder dos bons pensamentos.

 Um bom pensamento equivale a uma longa vigília! Trata-se de algo muito poderoso. Similar a certas armas capazes de interceptar um míssil ainda em sua base, utilizando raios laser e impedindo-o de ser lançado, o bom pensamento é capaz de antecipar e imobilizar os pensamentos malignos ainda no “aeroporto” do diabo, de onde seriam lançados. É por isso que você deve se esforçar ao máximo – antes de que o tentador tenha a chance de plantar maus pensamentos em sua mente – para plantar bons pensamentos e transformar seu coração num jardim florido, de modo a que sua oração seja enriquecida pela fragrância divina de seu coração.

 Quando guardamos o menor ressentimento, um pequeno mau pensamento a respeito de qualquer pessoa, qualquer disciplina ascética que pratiquemos, como o jejum, as vigílias, etc., se tornam vãs. Que utilidade terão essas disciplinas ascéticas, se a pessoa não lutar de modo a prevenir e rejeitar os pensamentos malignos? Por que não esvaziar primeiro o recipiente cheio de qualquer resíduo impuro de azeite, que só serve para fazer sabão, antes de nela colocar o bom azeite; por que misturar o bom azeite com um resíduo imundo?

 Um simples pensamento puro e bom possui mais poder do que todo exercício ascético. Por exemplo, uma pessoa boa é tentada pelo demônio e desenvolve pensamentos impuros, e se empenha em vigílias e jejuns de três dias para se afastar desses pensamentos impuros. Mas um simples pensamento puro e bom que ele coloca em sua mente pode fazer mais efeito do que as vigílias e os jejuns; ele pode ser de um auxílio mais positivo para o jovem na superação de seu problema.

 - Geronta, quando você fala em “pensamento puro”, você se refere a algo específico ou a coisas mais gerais?

 - Eu estou me referindo a assuntos gerais. Pois quando o homem é capaz de ver todas as coisas com bons pensamentos, ele se purifica e se enche da graça de Deus. Com maus pensamentos tendemos a condenar e caluniar os outros, impedindo a chegada da divina Graça, e então o diabo vem com sua obra maligna em nós e sobre nós.

 - Em outras palavras, Geronta, damos ao diabo o direito de nos atacar apenas por condenarmos a alguém?

 Sim. Tudo começa com os bons pensamentos. É isso que eleva uma pessoa e a torna melhor. Devemos buscar o ponto em que nos tornemos capazes de ver todas as coisas com pureza. É o que disse Cristo: “Não julgueis pelas aparências, mas com correto discernimento[4]”. Tendo adquirido isso, o homem pode buscar o ponto em que seja capaz de ver todas as coisas com olhos espirituais, não com os olhos físicos. Todas as coisas podem ser então justificadas, no bom sentido do termo.

 Devemos evitar cuidadosamente as mensagens malignas do demônio, para não poluirmos o Templo do Espírito Santo[5], e assim banirmos a Graça de Deus, trazendo escuridão espiritual para nossa alma. Quando o Espírito vê nosso coração em estado de pureza, Ele vem e habita em nós, porque Ele ama a pureza – e é por isso que ele que Ele se manifesta como uma pomba.

 

 

A pior enfermidade: os maus pensamentos

 

- Geronta, eu fico ansioso e não consigo dormir quando tenho um problema para resolver.

Seu problema básico é o grande número de pensamentos. Se você não tivesse todos esses pensamentos, você seria capaz de realizar muito mais das obras que você assumiu para si em sua vida espiritual. Eis uma maneira de evitar todos esses pensamentos: quando você pensa em algo, digamos, que será preciso fazer amanhã, diga para si mesmo: “Essa tarefa não é para hoje, pensarei nela amanhã”. Do mesmo jeito, quando você precisa tomar uma decisão, não se preocupe com qual será o modo de tomar a melhor decisão, e pare de procrastinar. Tome uma decisão a assuma; então deixe que Deus cuidará do resto. Tente evitar ser demasiado meticuloso e acadêmico a respeito de muitos detalhes, que apenas confundem a mente. Faça o que estiver ao seu alcance com philotimo[6], simplicidade, e, acima de tudo, com grande confiança em Deus. Dessa maneira “obrigamos” a Deus, por assim dizer, a nos ajudar, quando colocamos em suas mãos nossas esperanças e nosso futuro. Mesmo uma pessoa saudável se torna inútil com muitos pensamentos rondando sua mente. Se a pessoa está doente e sofrendo, é justificável que tenha pensamentos preocupantes. Mas quando se é saudável, e ainda assim sobrevém a confusão e o sofrimento a partir de pensamentos sinistros, isso requer uma camisa de força! Ser saudável e ainda assim atormentar-se com pensamentos é uma terrível doença!

 Em nossos tempos, uma das maiores enfermidades são os pensamentos vãos das pessoas que vivem no mundo. As pessoas conseguem ter tudo de bom na vida, exceto bons pensamentos. Elas se atormentam simplesmente por não conseguir encarar as coisas de modo espiritual. Por exemplo, alguém resolve ir a algum lugar, mas por causa de um pequeno problema no carro acaba se atrasando ao seu destino. Se ela tiver um bom pensamento, ela dirá: “Talvez nosso Deus Benevolente me tenha concedido esse atraso para prevenir um possível acidente” Como posso agradecê-lo por isso, ó Deus?”. E assim ela agradece a Deus pelo atraso. Ao contrário, se ela não tiver um bom pensamento, ela não irá encarar o incidente de maneira espiritual; ela irá amaldiçoar e culpar a Deus: “Que azar, que atraso inútil! Onde está Deus nessas horas?”.

 Quando aceitamos seja lá o que aconteça com um pensamento bom e positivo, somos ajudados; quando fazemos o contrário, somos atormentados e nos descosemos emocional e fisicamente quando os pensamentos maus e negativos prevalecem. Uma vez, anos atrás, estávamos num caminhão que possuía alguns bancos no baú da carroceria, viajando de Ouranoupolis (Chalkidiki) para Thessaloniki. O interior do baú era uma confusão: roupas, caixotes de laranja, peixes, caixotes sujos e vazios de peixes que retornavam, estudantes da Escola Athonias[7], alguns sentados e outros em pé, monges, leigos... Veio um senhor e sentou-se ao meu lado. Ele era um pouco robusto e, como estava apertado, começou a reclamar em voz alta: “Que situação!”. Um pouco adiante estava um monge rodeado por caixotes. A ponto de que só víamos sua cabeça. A tantas, enquanto o caminhão sacolejava ao longo da trilha de carroças, o monge teve que permanecer em pé, segurando-se nos caixotes vacilantes para não cair. Ao mesmo tempo, o outro senhor continuava reclamando por estar um pouco apertado no seu assento. Então eu lhe falei: “como você continua a reclamar, vendo o que esse monge tem que suportar?”. E perguntei ao monge: “Como está indo, meu Pai?”. Com um sorriso, ele respondeu: “Geronta, isso aqui é bem melhor do que o inferno!”. Um homem estava atormentado, embora pudesse estar sentado, enquanto o outro estava contente de pé, virtualmente soterrado pelos caixotes. E foi uma viagem de duas horas, não um passeio curto. O senhor só pensava no conforto que ele teria se estivesse viajando de ônibus, enquanto o monge pensava nos sofrimentos do inferno, e estava feliz por viajar num baú imundo. “Chegaremos ao nosso destino em duas horas, e iremos embora, enquanto os coitados no inferno sofrerão para sempre. Acima de tudo, aquilo é o inferno, não uma acomodação desconfortável. Glória a Deus, está bem melhor aqui!”.

 - Geronta, como você explica os diferentes graus de confiança de dois noviços para com seu Ancião?

Pensamentos. As pessoas podem desenvolver um criticismo em relação a tudo e a todos. Se um homem não possui bons pensamentos e não remove o interesse próprio e o desejo de suas atividades, vale dizer, se continua a agir egoistamente, ele não poderá ser ajudado nem mesmo por um santo. Um santo Ancião, mesmo Santo Antônio, junto com todos os santos, não serão de auxílio para num homem egoísta. Nem o próprio Deus pode ajudar essa pessoa, ainda que Ele muito o queira. Quando alguém ama a si próprio e é egoísta, ele interpreta tudo de acordo com seu ego interior. Algumas pessoas interpretam as coisas de modo carnal ou pecador, outras de qualquer maneira como seu ego queira, e gradualmente essas interpretações se tornam como uma segunda natureza para elas. Não importa como você aja, elas ficarão escandalizadas.

 Existem algumas pessoas que voam se você lhes dê atenção, se disser a elas uma palavra corajosa e amável. Mas se você não prestar atenção a elas, elas se entristecem profundamente e têm uma reação extrema, que provém do tentador, do diabo. Ou elas veem alguma atividade acontecendo, e dizem: “Aha! É isso que deve estar acontecendo!”. Mais tarde elas se convencem de que isso realmente aconteceu. Ou elas veem alguém pensativo e imaginam que esse alguém deve ter algo contra elas. Quando na verdade o outro está pensativo simplesmente porque está preocupado com uma questão pessoal.

 Há algum tempo, alguém veio a mim e disse: “Por que (fulano) costumava falar comigo e agora não mais? Foi por alguma coisa que eu disse?”. Então eu disse a ela sem rodeios: “Olha, talvez ele tenha te visto mas não tenha percebido, ou tenha algo em mente, como um amigo doente que precisa de médico, ou das providências que precisa tomar para uma viagem, e assim por diante”. De fato, a outra pessoa estava preocupada com um amigo enfermo que necessitava cuidados. Mas, como a pessoa esperava uma atenção exclusiva e seu amigo não parou para falar com ela, ela permitiu que uma série de maus pensamentos entrassem em sua mente.

 

 Bons pensamentos conduzem à saúde espiritual

 

- Geronta, quais são as características de um pensamento fraco?

 - O que você quer dizer com isso? É a primeira vez que ouço falar nisso.

 - Geronta, você disse isso a respeito de alguém que tenha um pensamento sinistro, ou que entenda mal o comportamento de outra pessoa.

 - E eu chamei isso de pensamento fraco?

 - Eu me lembro de uma pessoa que queria ficar consigo e se tornar noviço sob sua direção, e você lhe disse: “Não posso mantê-lo comigo, porque você tem pensamentos fracos”.

 - Não foi isso que eu quis dizer. Eu disse a ele: “Não posso tomá-lo como noviço, porque você não tem saúde espiritual”. E ele me perguntou: “O que você quer dizer com saúde espiritual?”. “Você não tem bons pensamentos”, eu disse, “Como homem, eu possuo minhas faltas, e como monge por todos esses anos, eu devo ter desenvolvido algumas virtudes. Se você não possui bons pensamentos, você será prejudicado tanto por minhas faltas, como por minhas virtudes”. Podemos dizer de uma criança, que ela tem o pensamento fraco por ser imatura, mas você não pode dizer isso de uma pessoa crescida.

 - Todas as pessoas crescidas, Geronta, são maduras?

 - Algumas, por causa de sua mente, de seu modo de pensar, não são maduras. E eu não me refiro a pessoas que são mentalmente alteradas e não compreendem. Mas quando alguém não se comporta, nem age com simplicidade, seus pensamentos se voltam para o mal, e ela interpreta tudo de maneira errada. Essa pessoa não possui saúde espiritual, e não pode ser ajudada pelo bem; inclusive, ela é atormentada pelo bem.

 - Geronta, se vemos que algo não está certo no mosteiro devemos tentar encontrar o responsável?

 - Primeiro verifique se você não é o responsável. É o melhor a fazer.

 - Mas, Geronta, e se outros dão ocasião a dúvidas?

 - E quantas vezes não foi você a dar ocasião? Se você pensar nisso. Você se dará conta de que está cometendo um erro em lidar assim com esse tipo de situação.

 - Mas, e quando dizemos: “Isso é claramente algo que a Irmã Fulana fez”, seria esse um pensamento sinistro?

 - Você tem certeza de que isso foi feito pela Irmã?

 - Não, mas ela fez coisas similares em outras ocasiões.

 - Então, uma vez mais é um pensamento sinistro e inapropriado, uma vez que você não pode estar certo a respeito de quem fez isso. E, ainda que tenha sido feito pela Irmã, ninguém sabe como nem porque ela cometeu isso.

 - Geronta, o que fazer quando vejo que determinada Irmã tem uma paixão específica?

 - Você é a Abadessa? A Abadessa tem a responsabilidade sobre isso; é tarefa dela examinar as paixões de todas as Irmãs. E por que você examinaria as paixões de outra Irmã? Infelizmente, vocês ainda não aprenderam a trabalhar espiritualmente sobre si próprias. Se vocês quiserem trabalhar espiritualmente sobre si mesmas, não examinem o que estão fazendo aquelas que estão ao seu redor; ao contrário, tenham bons pensamentos a respeito do bom e do mau que vocês veem nas outras. Independentemente da razão pela qual alguém faz alguma coisa, você deve colocar um bom pensamento em sua mente. Um bom pensamento contém amor; ele desarma a outra pessoa e a faz comportar-se apropriadamente.

 Lembra-se do incidente com aquelas monjas que confundiram um ladrão com um pai espiritual? Quando se revelou que ele era um ladrão, elas continuaram pensando que ele era um louco de Jesus Cristo e que apenas se passava por ladrão, e continuaram a reverenciá-lo. No final, elas salvarão a ele e a seus companheiros[8].

 - Geronta, quando uma Irmã mente para mim...

 - E se ela se sentiu forçada por você a mentir, ou se ela esqueceu, ou se o que ela disse não foi mentira? Por exemplo, a monja responsável pela hospitalidade, sabendo que há salada na cozinha, pede salada à cozinheira, que replica: “Não tenho salada alguma”. Se a monja responsável pela hospitalidade não tiver bons pensamentos, ela pensará: “Ela está mentindo”. Mas, se ela tiver bons pensamentos, ela dirá: “Pobre monja, ela está tão ocupada com seu trabalho, que esqueceu-se de que há um pouco de salada na cozinha”. Ou ela pode pensar: “Talvez ela esteja guardando a salada para outra pessoa”. Você não tem saúde espiritual, e é por isso que você pensa do seu jeito. Se você tivesse saúde espiritual, você veria como puro mesmo o impuro. Somente reconhecendo o valor do fruto, você saberá o valor do adubo, porque é o adubo que ajuda o fruto a crescer.

 Quem quer que tenha bons pensamentos, esse terá também saúde espiritual, e todo o mal poderá ser transformado em bem. Lembro-me, durante a ocupação alemã, as crianças fisicamente fortes comiam com grande apetite um pedaço de bobota[9], e permaneciam com saúde. Em contraste, as crianças fracas, que comiam pão com manteiga, tendiam a ficar doentes porque não tinham uma constituição forte. Algo similar acontece na vida espiritual. Alguém que possui bons pensamentos, ainda que atingido injustamente, dirá: “Deus permitiu isso para me redimir de minhas faltas passadas. Glória a Deus!”. Por outro lado, alguém que não tenha bons pensamentos imaginará estar sendo ferido, mesmo que estiver sendo cuidado. Veja o exemplo do bêbado. Se ele for mau, destruirá tudo durante sua bebedeira. Se for bom, pôr-se-á a chorar e a perdoar a todos, vivos e mortos. Havia um bêbado que dizia: “Eu ofereço um balde cheio de moedas de ouro a qualquer um que me inveje!”.

  

Quem tem bons pensamentos vê o bem em todas as coisas

 Algumas pessoas me dizem estar escandalizadas por verem tantas coisas erradas na Igreja. Eu digo a elas que, se perguntarem a uma mosca: “Existem muitas flores nessa área?”, ela dirá: “Não sei de flores, mas existe por aí grande quantidade de lixo, onde você encontrará toda comida que queira”. E fará uma lista de todas as sujeiras disponíveis. Agora, se você perguntar a uma abelha: “Você viu muito lixo nessa área?”, ela responderá: “Lixo? Não, nada; o lugar está todo cheio de flores perfumadas”. E passará a nomear todas as flores do jardim ou do prado. Veja, a mosca só sabe onde está o lixo, enquanto a abelha sabe onde encontrar os lírios e jacintos...

  Eu entendo que algumas pessoas se parecem com abelhas, outras se parecem com moscas. As que se parecem com moscas veem o mal em todas as circunstâncias e se preocupam com isso; elas não veem o bem em parte alguma. Mas aquelas que se parecem com as abelhas só veem o bem em tudo o que as rodeia. A pessoa estúpida pensa estupidamente e toma tudo ao contrário, enquanto que a pessoa que possui bons pensamentos, não importa o que veja ou o que lhe digam, mantém um pensamento bom e positivo.

 Certa vez um estudante universitário chegou à minha Kalyvi[10], e bateu à aldrava da porta. Eu estava lendo as cartas que recebera, nesse momento, mas decidi me levantar a ver no que ele desejava. “O que você quer, meu filho?”, perguntei. “É essa a Kalyvi do Pai Paisios?”, ele perguntou, acrescentando: “Eu gostaria de ver o Pai Paisios”. “Essa é sua Kalyvi, mas ele não está aqui. Saiu para comprar cigarros”, eu lhe disse. “Creio que talvez ele tenha ido ajudar alguém”, respondeu ele, com um bom pensamento. “Ele foi comprar cigarros para si próprio”, disse eu. “Ele fumou todos os que havia e estava desesperado por um cigarro. Ele me deixou sozinho aqui, e não sei quando voltará. Se ele demorar demais, eu vou embora”. Os olhos úmidos do rapaz mostravam sua emoção, e mais uma vez ele expressou um bom pensamento: “Nós atormentamos o Pai Paisios...”. “Por que você quer vê-lo?, perguntei. “Eu queria receber sua bênção”, disse ele. “Que espécie de bênção você espera receber dele, tolo! Ele está desencaminhado; eu o conheço bem. Não há Graça nele. Não perca seu tempo esperando por seu retorno. Ele chegará resmungando; talvez até esteja bêbado, porque ele bebe demais”. Apesar de tudo, o jovem continuava a ter bons pensamentos. Finalmente, eu lhe disse: “Eu vou esperar por ele um pouco mais, o que quer você que eu lhe diga?”. “Eu tenho uma carta para lhe entregar”, disse ele, “mas esperarei, para poder receber sua bênção. Você vê? Não importa quantas coisas negativas eu relatava, ele a tudo tomava com bons pensamentos. Quando eu lhe falei da necessidade de cigarros, seus olhos se encheram de lágrimas. “Quem sabe”, pensou, “ele não terá saído para ajudar alguém”. Existem pessoas bem-educadas e que sabem analisar as coisas, mas que, mesmo assim, não possuem os bons pensamentos desse jovem estudante! Você demole seu pensamento, e ele imediatamente cria um pensamento melhor e chega a uma conclusão melhor ainda. Eu fiquei maravilhado com ele. Foi a primeira vez que vi uma coisa dessas!

  

Pensamentos de um homem santificado e de um homem ardiloso

 - Geronta, alguém que foi santificado é capaz de perceber um homem ardiloso?

 - Sim, ele pode discernir o homem ardiloso, assim como pode discernir a santidade do Santo. Ele vê o mal, mas, ao mesmo tempo, vê o homem interior e percebe se o mal vem do tentador, o diabo, procedente do exterior. Vendo com os olhos de sua alma, ele amplia suas próprias faltas, enquanto diminui as faltas dos demais. E, principalmente, ele vê todas essas faltas em verdade, não falsamente. Ele é capaz de discernir que algumas dessas faltas podem mesmo ser crimes; mas ele encontrará alguma justificativa, no bom sentido do termo, para os esquemas ardilosos do homem mau, que ele não despreza ou considera ser inferior. Ele pode mesmo considerar o homem mau como sendo melhor do que ele próprio, e irá conscientemente tolerá-lo, por muitas razões. Por exemplo, ele reconhece a natureza criminosa do mal, mas pensa eu o homem que se tornou criminoso o fez por não ter recebido ajuda; ele pode inclusive pensar que ele próprio poderia se tornar criminoso [nas mesmas circunstâncias], se Deus não o tivesse ajudado. E assim ele recebe mais Graça. Ao contrário, o homem ardiloso, ao ver a santidade de alguém, não vê os bons pensamentos em seu coração, assim como o próprio diabo não os conhece.

 Aquele que faz um trabalho espiritual apurado justifica os demais, mas nunca a si mesmo. E, quanto mais ele avança espiritualmente, mais se liberta, mas ama a Deus e as outras pessoas. Assim, ele não consegue compreender o que significa o mal, porque tem sempre bons pensamentos em relação aos demais, pensa sempre com pureza e vê todas as coisas sob uma luz santificada e espiritual. Essa pessoa se beneficia até mesmo com a queda de outrem, que ela utiliza como um breque para si mesma, evitando se desencaminhar pelas mesmas faltas. Ao contrário, aquele que não foi purificado internamente pensa de forma ardilosa, e vê todas as coisas através do brilho fosco da malícia. Mesmo as boas coisas são poluídas por sua malícia. Essa pessoa não se beneficia com as virtudes dos outros, porque está obscurecida pela escuridão do mal destruidor dos homens, e interpreta as virtudes através de seu próprio vocabulário de ardis. Ele está sempre em aflição, e aflige os demais com suas sombras espirituais. Se ele deseja se libertar, ele deve entender que precisa de purificação, tanto da mente como do coração, que lhe trarão a claridade espiritual.

 - Geronta, o que acontece quando uma pessoa ora é maliciosa, ora boa?

 - Nesse caso, a pessoa transita por incomensuráveis influências e mudanças. O homem é mutante. Pensamentos maliciosos podem provir do temperamento, do diabo, e às vezes o próprio homem pensa maliciosamente. Muitas vezes o diabo cria as condições que conduzem o homem aos maus pensamentos. Certa vez um Arquimandrita veio à minha Kalyvi pela primeira vez, mas não consegui recebê-lo. Da segunda vez em que veio, não pude atendê-lo por estar seriamente doente, e pedi a ele que voltasse em outra hora para que pudéssemos conversar. Então ele teve maus pensamentos, de que eu não queria vê-lo, que eu tinha algo contra ele; sendo assim, ele voltou para seu Mosteiro queixando-se. Tudo isso procedeu do maligno.

  

Os pensamentos de uma pessoa revelam seu estado espiritual

 - Geronta, como é possível que a mesma coisa seja interpretada de modo diferente por suas pessoas?

 - Todos os olhos veem com igual claridade? Para que alguém veja com clareza, ele precisa ter os olhos da alma em condição saudável, pois só assim conseguirá ter pureza interior.

 - Geronta, por que uma pessoa vê um acontecimento como uma bênção, enquanto outra o vê como um desgraça?

 - Cada pessoa interpreta os acontecimentos de acordo com seu próprio pensamento. Qualquer coisa pode ser vista sob seu aspecto bom ou sob seu aspecto ruim. Eu escutei a respeito do seguinte acontecimento: Num mosteiro situado próximo a uma área desabitada, havia o costume de celebrar as Vésperas e as Matinas à meia-noite, de forma a permitir que os moradores das casas próximas – que foram sendo construídas ao redor do mosteiro ao longo do tempo – pudessem comparecer aos ofícios da igreja. Certa vez um jovem monge foi ao ofício e, tendo deixada aberta sua cela, uma mulher entrou nela. Quando ele soube do fato, ficou confuso e preocupado, porque isso seria considerado uma coisa muito ruim! “Minha cela foi conspurcada!”. Ele pegou álcool, espalhou pelo chão e pôs fogo, para desinfetá-la. E quase incendiou todo o mosteiro. Ele queimou o piso de sua cela, mas não o pensamento de sua cabeça. Ele deveria ter queimado o pensamento, pois era ali que o diabo estava atuando. Se ele tivesse tido um bom pensamento, ele diria que a mulher penetrou na sua cela por devoção, para receber uma bênção, para receber uma graça, a fim de vencer alguma batalha espiritual em sua casa, com mais fervor; dessa maneira, ele teria se transformado espiritualmente, e teria glorificado a Deus.

 O estado espiritual de uma pessoa é indicado pela qualidade de seus pensamentos. As pessoas julgam as coisas de acordo com o conteúdo espiritual de seu coração. Se elas não tiverem um conteúdo espiritual, chegarão a conclusões erradas e farão mal a outras pessoas. Por exemplo, alguém que está prestando caridade à noite, para não ser visto, jamais pensará mal se encontrar outra pessoa à noite pelas ruas. Mas a pessoa que passa suas noites em pecado, ao encontrar alguém tarde da noite, dirá: “Quem sabe no que esse mau indivíduo andará gastando seu tempo?”, porque ele próprio experimenta a mesma coisa. Ora, se algum barulho provém do andar de cima, a pessoa de bons pensamentos dirá: “Eles estão orando e fazendo prostrações”. Mas a pessoa com maus pensamentos dirá: “Eles dançaram a noite inteira”. Se se ouve uma melodia, o primeiro pensará: “Que linda salmódia”, enquanto o segundo dirá: “Que espécie de som é esse?”.

 Lembra-se como se dirigiram a Cristo os dois ladrões que foram crucificados junto com ele? Ambos viram Cristo na Cruz, sentiram a terra tremer e tudo o mais. Mas, quanta diferença entre os pensamentos de um e de outro! Aquele à esquerda blasfemou e disse: “Se é o Cristo, salva-te, e a nós também[11]”, enquanto o da direta disse: “Recebemos o que merecemos por nossos atos. Mas esse homem não fez nada que o condenasse[12]”. Assim, um foi salvo, enquanto o outro se perdeu.

  

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 PRIMEIRA PARTE

A GUERRA DOS PENSAMENTOS

 

“Quando o homem vê tudo com bons pensamentos, ele é purificado e recebe a graça de Deus. Com pensamentos maus, o homem condena a si próprio e desencaminha os outros, fazendo com que a Graça divina não os alcance, e permitindo que o diabo venha e faça suas más obras contra nós e em nós.”

 

 Capítulo II

Pensamentos blasfemos

  

Quais são os pensamentos blasfemos

 - Geronta, ainda não entendi quais são os pensamentos blasfemos.

 - Quando chegam à mente imagens inapropriadas a respeito de Cristo, da Panaghia, dos Santos, de alguma coisa santa ou sagrada, ou mesmo sobre nosso Pai espiritual e coisas assim, esses pensamentos são blasfemos. Eles não devem sequer ser proclamados em voz alta.

 - Nem mesmo para nosso Pai espiritual?

 - Para ele, é suficiente dizer: “Pensamentos blasfemos vieram à minha mente, a respeito de Cristo, ou do Espírito Santo, ou da Panaghia, ou dos Santos, ou sobre você, meu Pai Espiritual”. Todos esses pensamentos blasfemos e pecaminosos são obra do diabo; eles não são nossos. É por isso que não devemos nos afligir com eles; não precisamos nos estressar com os pecados do diabo. Quando eu era um monge noviço, durante algum tempo, o diabo me impingiu esses pensamentos blasfemos, mesmo quando eu estava na igreja, e eu me afligia muito a respeito. Qualquer coisa que eu ouvisse dizer por outras pessoas, fossem juramentos ou maldições, o diabo levava à minha mente como se fossem sobre os Santos. Meu Pai Espiritual me disse: “Esses pensamento são do diabo. O fato de que alguém se aflige com esses pensamentos impuros que lhe surgem à mente sobre as coisas sagradas e santas, basta para provar que eles não lhe pertencem, mas que vêm do exterior”. Porém, eu continuei a ser afligido por eles. Eu frequentava a Capela de São João o Precursor, e seu ícone exalava uma fragrância quando eu o reverenciava. Quando esses pensamentos começaram a me assaltar, eu voltei à Capela e, mais uma vez, a fragrância emanou do ícone! Um dia, durante a Divina Liturgia, no Hino Trisságio I, eu cantava tranquilamente o Trisságio de Neleos[13]. Então eu vi uma besta enorme e feroz.com uma cabeça de cão, que entrava pela porta da Litía[14]. Saíam chamas de sua boca e de seus olhos! Ele se voltou e fez dois gestos de ameaça contra mim, porque eu estava cantando o “Santo Deus, Santo Poderoso, Santo Imortal, tem piedade de nós”. Eu me voltei para o lado para ver se alguém também via a besta, mas ninguém a via, só eu. Depois disso, eu disse o que me acontecera ao meu Pai Espiritual. E ele me falou: “Aí está, você o viu. É ele. Agora, pare de se preocupar e se endireite”.

 - Geronta, alguém é capaz de distinguir sempre quando um pensamento é blasfemo?

 - Se a pessoa usar o cérebro que Deus lhe deu, sim. Por exemplo, as pessoas me dizem: “Geronta. Como é possível que exista o inferno? Se nós nos preocupamos com uma pessoa que está na prisão, quanto mais devermos nos preocupar com alguém que está no inferno!”. Mas isso é uma blasfêmia, porque essas pessoas se apresentam como sendo mais justas do que Deus. Deus sabe o que faz. Você se lembra do incidente mencionado por São Gregório o Dialogista?

 Certa vez o Bispo Fortunato expulsou um demônio de uma mulher possuída. O demônio circulou pela cidade disfarçado de mendigo, reclamando do Bispo e dizendo: “Aquele Bispo impiedoso me expulsou”. Alguém chegou-se a ele e disse: “Isso não está certo; como um Bispo pode fazer algo tão injusto? Venha à minha casa, pobre homem”. O diabo entrou na casa desse homem e logo disse: “Estou com frio; coloque lenha na lareira”. O home colocou mais lenha e reacendeu o fogo. Finalmente, quando do fogo estava alto, o diabo penetrou em seu filho, e a pobre criança se atirou ao fogo, queimando-se. Só então o desafortunado homem compreendeu o que o Bispo havia expulsado, e quem ele havia trazido à sua casa. O Bispo Fortunatus sabia muito bem o que estava fazendo, quando expulsou aquele demônio[15].

  

De onde vêm os pensamentos blasfemos

 - Geronta, pode nos falar alguma coisa a respeito da “boa indiferença”?

 - A “boa indiferença” só é necessária quando alguém é muito sensível e o tagalaki[16] o atormenta com diversos pensamentos. Então é benéfico se tornar um pouco insensível, no bom sentido do termo, e não analisar demasiado certas coisas. Mais do que isso, essa “indiferença abençoada” é necessária a alguém que, embora normalmente indiferente a muitas coisas, se torna demasiado sensível a respeito de uma determinada coisa, algo que o diabo desenvolveu nele de modo a destruí-lo. Nesse caso será útil desenvolver essa boa indiferença” por algum tempo. Isso irá requerer uma cuidadosa observação. Ele deverá confessar seus pensamentos ao Pai Espiritual, que o observará atentamente; de outro modo, ele pode se rebaixar gradualmente, chegar ao outro extremo e se tornar completamente indiferente.

 - Geronta, quando me sinto triste, eu tenho pensamentos blasfemos; por que isso acontece?

 - É o seguinte. Quando o tagalaki o vê triste, ele tira proveito da situação e lhe oferece um “docinho” mundano, um pensamento pecaminoso. Assim que você cai pela primeira vez, ele o conduzirá a ais tristeza, e você não terá forças para resistir. É por isso que você nunca deve permanecer num estado de tristeza, mas lutar para fazer algo espiritual que o ajudará a sair do estado de desolação.

 - Geronta, eu me sinto perturbado por alguns pensamentos...

 - Isso vem do diabo, do tentador. Esteja em paz e não dê atenção a ele. Você é sensível. O Diabo está tirando vantagem da sua sensibilidade; ele está fazendo com que você perscrute certas coisas, de modo a que sua mente se cole a elas e que você fique atormentado sem nenhum bom motivo. O diabo pode levar a você pensamentos impróprios a respeito da Abadessa, ou mesmo em relação a mim. Não dê atenção a eles. Se você der atenção, mesmo ao menor pensamento blasfemo, ele o atormentará de modo a alquebrar seu espírito. Você precisa de uma “boa indiferença”.

 O diabo costuma atormentar com pensamentos blasfemos aqueles que são muito devotos e sensíveis. Ele aumenta sua queda, de maneira a afligi-los; e, se ele não consegue levá-los ao desespero, até o ponto em que cometam suicídio, ele tenta ao menos induzi-los a alguma doença mental de modo a torná-los inúteis. E, se mesmo isso ele não consegue, ele se diverte impondo a eles alguma forma de depressão ou melancolia.

 Eu conheci alguém que discutia constantemente. As pessoas me diziam: “Ele está possuído por um demônio”. Eu disse: “Esse não é um hábito de alguém que está possuído”. Como fiquei sabendo mais tarde, essa pessoa não estava em falta de coisa alguma que pudesse lhe causar ser possuído por um demônio. Ele simplesmente crescera como órfão, e tinha muita sensibilidade; mas ele também tinha pensamentos sinistros e imaginações confusas, que o diabo explorava para levar a ele pensamentos blasfemos. Dessa maneira, quando o diabo lhe inspirava tais pensamentos, ele resistia cuspindo neles. Outra pessoa que visse esse comportamento assumia que ele estava possuído pelo demônio. Para ele, era uma vergonha ter tal sensibilidade, assim como para os outros, dizer que ele estava possuído!

 Muitas vezes os pensamentos blasfemos provêm da malícia do diabo. Às vezes, especialmente depois de uma vigília, quando a pessoa está cansada e incapaz de resistir, o diabo leva a ela pensamentos blasfemos, e então, visando confundi-la e levá-la ao desespero, começa a lhe dizer: “Nem mesmo o diabo poderia causar semelhantes pensamentos! Você já não pode mais se salvar...”. O diabo envia pensamentos blasfemos até a respeito do Espírito Santo, e então diz que esse pecado não poderá ser perdoado, e assim por diante.

 - Geronta, pode um pensamento blasfemo nos atingir por nossa própria culpa?

 - Sim, o próprio homem é capaz de fazer com esses pensamentos cheguem à sua consciência. Quando não há sensibilidade, os pensamentos blasfemos procedem do orgulho, de julgar os demais, e assim por diante. Por esse motivo, quando você desleixa de uma disciplina ascét8ca e começa a ter pensamentos blasfemos ou de descrença, saiba que sua disciplina ascética (jejuns, vigílias, etc.) foram prejudicadas pelo orgulho. A mente né rebaixada pelo orgulho; a descrença começa e a pessoa se vê desprovida da Graça de Deus. Ora, quando alguém está preocupado com questões de doutrina, sem possuir as necessárias qualificações e a preparação espiritual, ele é acossado por pensamentos blasfemos.

  

O desprezo pelos pensamentos blasfemos

 - Geronta, Abba Isaac disse que ele superou as paixões através da humildade, e não através do desprezo[17]. O desprezo pelas paixões e o desprezo pelos pensamentos blasfemos são a mesma coisa?

 - Não, o desprezo pelas paixões traz em si orgulho, autoconfiança e, pior do que tudo, autojustificação. Em outras palavras, você justifica a si próprio e não reconhece sua paixão. É como se você dissesse: “Essa paixão não é minha, ela não está ligada a mim”, e a partir daí você deixa de lutar para se livrar dela. Mas os pensamentos blasfemos devemos desprezar e rejeitar, porque, como eu disse, eles não são nossos, mas pertencem ao diabo.

 - Quando alguém finge diante dos outros ter uma determinada paixão, a gula, por exemplo, ela está escarnecendo o diabo?

 - Ele está fingindo o bom fingimento; mas não está escarnecendo o diabo. Você escarnece o diabo quando ele lhe traz pensamentos blasfemos e você continua a cantar.

 - Como pode alguém dissipar um pensamento blasfemo que lhe chega durante o serviço da Igreja?

 - Cantando. “Abrirei minha boca e o Espírito há de me inspirar...[18]”. Você não está familiarizado com esse hino? Não fique remexendo o pensamento: despreze-o. Quando alguém discute tais pensamentos durante a hora de oração, é como o soldado que desmonta uma granada de mão enquanto escreve seu relatório ao oficial.

 - E se o pensamento persistir?

 - Se ele persistir, você deve estar ciente de que em algum lugar dentro de você ele estabeleceu uma fortaleza. A solução perfeita é a seguinte: despreze o diabo, porque ele está tutelando você em artimanhas. Nesse momento, é melhor nem dizer a Prece de Jesus, porque dessa maneira mostramos que estamos seriamente preocupados com o problema, e o diabo, vendo que ele nos perturbou, dominará esse ponto fraco e começará um constante bombardeio com pensamentos blasfemos. É melhor cantar durante algum tempo. Você vê, mesmo as crianças, quando querem escarnecer outra criança, cantam aquele “lalala...” familiar. Também nós devemos fazer a mesma coisa com o diabo. Mas cantamos hinos, não canções. A Salmódia é uma prece dirigida a Deus, mas é também uma rejeição de desprezo em relação ao diabo. Assim o diabo é atingido dos dois lados, e logo abandonará a rinha.

 - Quando estou em semelhante estado, Geronta, eu não consigo me obrigar a cantar hinos, e tenho dificuldade até mesmo em tomar a Santa Comunhão.

 - Isso é muito perigoso! O diabinho está realmente impondo um bloqueio a você. Você deve cantar e receber a Santa Comunhão, porque esses pensamentos não são seus. Seja obediente, pelo menos nisso: cante o Axion Estin[19], de modo a que o diabinho receberá o que merece e irá embora. Já não lhe contei a história que aconteceu com um certo monge?

 Ele chegou à Montanha Santa com a tenra idade de doze anos. Ele era um órfão que perdera o terno amor de sua mãe natural e que devotara todo seu amor à Panaghia.  Ele a sentia como se fosse sua mãe. Se você pudesse ver a terna devoção com que ele beijava os Ícones! Mais tarde, o diabo explorou esse amor e começou a lhe trazer pensamentos blasfemos. O pobre menino já não reverenciava os santos ícones. Seu Ancião, percebendo isso. Tomou-o pela mão e o colocou diante do ícone da Panaghia com Jesus Cristo, e ordenou-lhe que os beijasse diretamente na face, e não nas mãos; e imediatamente o diabo se retirou. De certo modo, é impudente beijar a Panaghia ou o Cristo na face, mas o Ancião orientou o jovem noviço a fazê-lo a fim de dissipar os pensamentos perturbadores.

  

Quando é por nossa falta que temos pensamentos blasfemos

 - Geronta. Quando sou atacado por pensamentos blasfemos sem meu consentimento, estarei eu em falta?

 - Se você ficar perturbado com isso e não aceitar o pensamento, não é nada.

 - Geronta, quando é por falta, que alguém tem pensamentos blasfemos?

 - Se a pessoa não se perturbar com esses pensamentos e perder tempo discutindo isso, então a falta é dela. E, quanto mais ela aceitar o pensamento blasfemo, mas ela será atormentada pelo diabo. Pois quando um pensamento blasfemo entra na mente de alguém e ele o acolhe para examiná-lo, na verdade ele se expôs a algum tipo de influência diabólica.

 - E como afastar esses pensamentos, Geronta?

 - Se a pessoa fica perturbada quando eles chegam, e não os examina, eles vão embora sozinhos, porque não são alimentados. Uma árvore que não é regada morrerá com o tempo. Mas a partir do momento em que alguém se agrada desses pensamentos, mesmo por pouco tempo, ele fornece alimento a eles. Irrigando o velho “eu”, e os pensamentos inapropriados só poderão ser eliminados com grande dificuldade.

 - Geronta, às vezes eu aceito esses pensamentos blasfemos; eu dou meu consentimento e então me dou conta do que aconteceu, e não consigo dissipá-los.

 - Sabe o que acontece com você? Por um momento, você se distraiu e sua mente saiu vagando por aí. Você sonhou acordado com a boca aberta. Então o diabinho veio e jogou um doce na sua boca, e você começou a saboreá-lo. Você provou de sua doçura e agora já não quer atirá-lo fora. Mas você deve se livrar dele imediatamente, assim que sentir seu gosto açucarado, ou seja, assim que perceber a tentação.

 - Geronta, o que acontece quando um pensamento blasfemo chega e eu o aceito por um momento antes de dissipá-lo?

 - É o mesmo caso do diabo que lhe deu um doce; antes de chupá-lo, cuspa de sua boca. Mas você deve cuspi-lo desde o começo. Caso contrário, o diabo será mais esperto do que você no começo com o doce, e então enchê-lo-á de veneno e escarnecerá de você.

  

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PRIMEIRA PARTE

A GUERRA DOS PENSAMENTOS

 Capítulo III

Sobre acreditar nos pensamentos

  

Acreditar nos pensamentos é o começo do erro.

 - Geronta, quando estou com raiva, eu me torno como uma tempestade que ruge, incapaz de me controlar.

 - Por que você não consegue se controlar?

 - Porque eu acredito no meu pensamento.

 - Bem, nesse caso você tem sua própria crença, seu próprio “credo”! Seu egoísmo é sua falta. Não justifique seu pensamento. Quando um pensamento tolo chegar a você, afaste-o de si e não o aceite.

 - E como saberei quando um pensamento meu é tolo?

 - Bem, se você não souber, pergunte à Abadessa, e atire-o fora imediatamente, obedecendo a qualquer instrução espiritual que ela lhe dê. Quando uma pessoa espiritual acredita em seus pensamentos, esse é o começo do erro. Sua mente se obscurece com o orgulho e é prontamente levada ao erro. É melhor ser louco, porque, ao menos, essa é uma circunstância atenuante.

 - Existe alguma possibilidade de obter ajuda de outros, Geronta?

 - Para que uma pessoa receba ajuda quando se encontra nesse estado, ela primeiro deve ajudar a si mesma. Ela deve entender que acreditar em seus pensamentos, que, diga-se, lhe dizem que ela é a melhor, que é santa e assim por diante, é um erro categórico. Esse tipo de pensamento não pode ser removido nem com um revólver, na medida em que a pessoa se agarra a ele tenazmente. A pessoa deve ser humilde, se quiser avançar. Às vezes me chamam para rezar nessas circunstâncias. E o que eu rezo? Na medida em que uma pessoa abriga em sua alma o pavio do diabo, ele sempre poderá ater-lhe fogo. É como alguém que segura dinamite em suas mãos e pede aos demais que o ajudem a não se explodir.

 - Geronta, eu me tornei rabugento e ríspido.

 - Quem disse isso de você? Talvez os seus pensamentos? Eu o observo desde a Montanha Santa. Você não se tornou rabugento e ríspido. Mas se você chegou a acreditar no pensamento que o envolveu, então você pode perder a cabeça. Não acredite nos seus pensamentos, nem quando eles dizem que você é terrível, nem quando dizem que você é santo.

  

Acreditar nos pensamentos acarreta problemas psicológicos

 - Geronta, quando alguém crê que todos parecem estar pensando ou falando de si, como isso pode ser dissipado?

 - Isso provém do diabo, que tenta fazê-lo enfermo. A pessoa deve ser indiferente a esse tipo de pensamentos, não acreditando nele. Por exemplo, se alguém que é propenso à suspeição vê um conhecido falando baixo com outra pessoa, ele pode pensar: “Ele está falando sobre mim; eu nunca esperaria isso dele!”. Claro está que os dois não falavam sobre ele. Se essa tendência não é verificada, ela pode levar a terríveis consequências. Ele pensa estar sendo observado, que está sendo perseguido. Ainda que haja alguma evidência de que outros estejam prestando atenção nele, ele deve se dar conta de que isso está sendo urdido pelo inimigo para convencê-lo. Como o diabo sabe combinar essas coisas!

 Conheci um jovem que era muito inteligente, mas que começou a acreditar em pensamentos que lhe sobrevieram, e que diziam que ele não era muito equilibrado mentalmente. Ao aceitar esses pensamentos, que lhe eram induzidos pelo diabo, ele se tornou vítima de muitos complexos. Chegou mesmo a tentar o suicídio, acarretando muita tristeza e desgosto aos seus pais. Enquanto que Deus lhe concedera muitas habilidades e talentos, o inimigo tornava tudo isso inútil, causando tormento a ele e aos demais. Não posso compreender por que as pessoas aceitam esses pensamentos diabólicos; elas tornam sua própria vida miserável, reclamando amargamente de Deus, que tanto nos ama e beneficia. Nada do que você diga a essas pessoas parece ajudá-las. Se elas não pararem de acreditar nos pensamentos que o inimigo lhes impõe à alma, elas apenas continuarão a se desgastar.

 - Uma pessoa sensível é interiormente fraca, doente?

 - Não, a philotimo e a sensibilidade são dons naturais, mas, infelizmente, o diabo consegue manipulá-las. O diabo consegue fazer com que uma pessoa sensível exagere as coisas até o ponto de se tornar incapaz de suportar as dificuldades, ou então fazer com que ela suporte por algum tempo, para então enfraquecê-la, desanimá-la e acabar por torná-la inútil. Se a pessoas administrar e utilizar bem sua sensibilidade herdada, ela se tornará celestial. Mas se ela permitir que o diabo a explore, irá desperdiçá-la; ora, se uma pessoa não dá bom uso aos seus dons e talentos, o diabo saberá explorá-los para seus próprios propósitos. Assim, os dons de Deus são jogados fora. Ao invés de mostrar gratidão a Deus por esses dons, a pessoa as toma erradamente; uma pessoa sensível que acredita nos seus pensamentos pode mesmo ir parar numa instituição psiquiátrica. É por isso que o diabo procura as pessoas sensíveis.

 Outras colocam na cabeça, ou melhor, o diabo as convence de que herdaram um peso, e tenta persuadi-las de que existe algo de errado com elas. Ele as aterroriza a fim de torná-las perplexas, inutilizando-as sem razão nem causa. Ainda que alguma coisa tenha sido herdada, ela pode ser superada com a Graça de Deus. Lembra-se de São Cipriano[20], que de feiticeiro chegou a Hierarca e Mártir da Igreja? Outro exemplo é Moisés o Etíope[21], notório ladrão que se tornou um grande e refinado asceta dentre os Doutores da Igreja. Ele atingiu grandes alturas espirituais! Quando ele visitou São Macário do Egito e lhe perguntou: “O que devo fazer? O mundo me perturba e não consigo encontrar a paz”, Macário lhe respondeu: “Moisés, Moisés, você é demasiado sensível; vá para Petra na Arábia[22], para conseguir expulsar de si o mundo[23]”. Moisés excedia em sensibilidade espiritual até mesmo a Santo Arsênio o Grande, que era uma pessoa culta e bem-educada de uma família aristocrática, enquanto Moisés era um ladrão e assassino. Veja o que a Graça de Deus é capaz de fazer. Mas, naturalmente, é preciso muita humildade.

  

As manias começam com pensamentos

 - Geronta, por que algumas pessoas se irritam tão facilmente?

 - Diga-me, o que o irrita?

 - Tudo me irrita.

 - Nesse caso, tudo de ruim lhe acontecerá. Vermes nas suas frutas e vagens, cabelo no seu pão, e por aí vai.

 - É exatamente isso que acontece, Geronta!

 - Glória a Deus! Você percebe o quanto Deus está fazendo para você superar seu problema?

 - Geronta, mas esse problema não começa pelo pensamento? Digamos que encontremos um cabelo em nosso pão. Podemos simplesmente atirá-lo fora.

 - Isso é uma bênção! Se fosse comigo, eu consideraria uma bênção. Oh, eu lembro certa vez no Monte Sinai, quando eu estava indo a certo lugar junto com outro monge, e eu deia ele duas peras. Mas percebi que ele não as comeu. Ele queria lavá-las primeiro, e seguiu segurando-as nas mãos, para que não fosse contaminadas por algum micróbio em seu bolso. Seu irmão, que tinha oito filhos, costumava me dizer: “Ele usa mais sabão para lavar suas mãos do que nós usamos para dar banho em oito crianças!”. Mas veja o que aconteceu com ele. No Monte Sinai era uso assinalar a cada monge um Beduíno que o acompanhasse e providenciasse alimento e coisas assim. O Beduíno que caiu com nosso monge arisco era o menos limpo de todos. Ele era realmente imundo; ele e suas roupas cheiravam mal. Ele teria que ser deixado na água por uma semana para ficar limpo. Suas mãos eram tão sujam que teriam que ser lixadas para ficar limpas.  Toda vez que ele trazia a bandeja com alimentos para o monge, seus dedos mergulhavam dentro da comida. “Vá embora, vá embora!”, gritava o monge a cada vez que o Beduíno de aproximava dele. Ao final é claro, o pobre monge não permaneceu mais do que duas semanas no Mosteiro do Monte Sinai.

 Lembro-me também que no Cenóbio tínhamos um monge que fôra policial nos seus tempos de leigo. Eles o fizeram leitor, porque ele era educado. Ele permaneceu no mosteiro por muitos anos, até que começou a ficar desgostoso com certas coisas. Ele nunca tocava nas maçanetas! Ele tentava abrir a porta com o pé, ou girar a maçaneta com o cotovelo, limpando-a depois com álcool. Mesmo a porta da igreja, ele abria com o pé. Depois de velho, Deus permitiu que seu pé desenvolvesse gangrena, especificamente aquele que ele utilizava para abrir portas. Eu servia de auxiliar de enfermeiro, quando ele veio pela primeira vez ao hospital do mosteiro com o pé envolto em bandagens. O enfermeiro ordenou-me que retirasse as bandagens, enquanto ele ia providenciar novas. Quando as retirei, cheguei a engasgar. O pé estava coberto de pequenos vermes. “Vá até o mar e lave, e livre-se desses vermes, e só depois volte para trocar as bandagens”. Eu estava desorientado vendo a condição daquele pé, o grau de sua punição. O enfermeiro me perguntou: “Sabe a causa dessa aflição?”. “Sim, é porque ele abria as portas com o pé”, respondi.

 - E, Geronta, ele continuou a abrir as portas com o pé?

 - Sim, com seu pé! E ele tornou-se um monge bem velhinho.

 - E no final, ele acabou por entender?

 - Não sei. Depois disso, eu fui para o Mosteiro de Stomion em Konitsa. Não sei como ele morreu. Mas no Cenóbio do Monte Athos alguns dos jovens monges comeriam os restos dos pratos dos monges mais velhos como se fosse uma bênção. Eles juntavam as sobras porque elas eram abençoadas. Outros beijavam as maçanetas tocadas pelos anciãos. Enquanto que aquele monge que se incomodava com tudo mal encostava o bigode nos ícones quando se inclinava para reverenciá-los. Imagine o que o pobre bigode havia de sofrer com todo o álcool que lhe poria!

 - Geronta, quando algo assim acontece com as coisas sagradas, não é uma irreverência?

 - É claro; as coisas começam assim, e depois se encaminham para outros desdobramentos. Esse mesmo monge chegou ao ponto de não mais beijar os ícones temendo que os outros monges que os reverenciavam pudessem estar doentes!

 - Em outras palavras, se alguém quer evitar desgostar-se, deve evitar ficar cheio de dedos ou de prestar atenção a essas coisas?

 - As pessoas não veem a quantidade de lixo que vem misturado com a comida que elas põem na boca! Ainda que alguém desenvolva uma fobia em relação a cair enfermo, Cristo ajudará se a pessoa faz o sinal da cruz com fé. Muitas pessoas, com diversas doenças, vinham à minha Kalivi. Algumas pessoas simples se persignavam quando eu lhes oferecia um copo que eu tinha para tomar água. Outras ficavam com medo até de tocar o copo. Certa vez, uma pessoa de alta posição veio me ver. Ele tinha tanto medo que germes que ele chegara a desbotar suas mãos, de tanto lavá-las com álcool desinfetante. Ele chegava a esfregar álcool desinfetante nos pneus de seu carro. Eu senti pena por ele. Você sabe o que é possui ruma alta posição, ao mesmo tempo em que se é assim? Eu lhe dei alguns loukoumi, e ele não quis aceitar porque eu os havia tocado. Mas, mesmo que eles estivessem na caixa, ele não os teria pegado, pensando que outra pessoa os tinha posto na caixa primeiro com suas próprias mãos. Eu peguei um loukoumi, esfreguei-o no seu sapato e o comi. Eu fiz várias coisas do tipo, para ajudá-lo a se libertar, ainda que um pouco, desse sentimento de desgosto.

 Hoje veio a mim uma mulher hipocondríaca. Ela não quis receber a bênção ao entrar, para não se expor a algum tipo de germe. E ao sair, depois de tudo o que eu disse para ajudá-la, ela ainda não quis receber a bênção. “Eu não vou beijar sua mão, Geronta, porque tenho medo de pegar germes”, disse ela a mim. O que se pode dizer? Essas pessoas tornam suas vidas miseráveis.

  

Aqueles que sofrem de doenças imaginárias

 Uma enfermidade maior do que o medo de germes é quando alguém imagina ter algum tipo de doença. Esse pensamento debilitante cria ansiedade, preocupação, perda de apetite, insônia, necessidade de tomar remédios, e, ao final, uma doença de fato, quando no princípio a pessoa estava bem. Estar doente e procurar tratamento é compreensível; mas estar saudável e se imaginar doente, e acabar por ficar doente por isso, não faz sentido. Por exemplo, quando alguém está realmente forte de corpo e espírito e começa a se acreditar doente e incapaz de fazer alguma coisa, por acreditar nos seus pensamentos, que lhe dizem que ele não está bem, acabando por definhar tanto física como espiritualmente. Não é que ele esteja mentindo. Se uma pessoa acredita que de fato existe alguma coisa de errado com ela, ela entra em pânico, fica alquebrada e não tem forças para fazer seja lá o que for. E assim ela se torna inútil sem motivo.

 Algumas pessoas chegam à minha Kalivi totalmente destruídas. “Algo em minha mente me diz que eu tenho AIDS”, elas dizem, e acreditam nisso. Eu pergunto a elas: “Aconteceu tal e tal coisas?”, e elas respondem: “Não”. “Então não se preocupe, examine-se com um médico para se livrar desse pensamento negativo”. Diante desse conselho, algumas reagem: “Mas, e se eu for ao médico e descobrir que de fato tenho AIDS?”. Algumas não seguirão meu conselho e continuarão a se atormentar. Em contraste, aquelas que me ouvem e se fazem examinar descobrem que não estavam de fato doentes, e suas vidas mudam, e elas se restabelecem. As outras se põem de cama e chegam a recusar comer. Pode ser que você tenha AIDS, mas para Deus esse não é um grande problema. Se você tentar viver mais espiritualmente, se arrepender e se confessar, se receber a Santa Comunhão e tudo o mais, você obterá auxílio.

 - Como alguém começa a se imaginar doente?

 - A pessoa começa gradativamente a cultivar essa imaginação. Muitas vezes existe uma causa física, mas é raro que seja grave. Então a imaginação se junta a isso e aumenta o problema. Quando eu estava no Mosteiro de Stomion, eu conheci um pai de família que pensava ter tuberculose. Ele sequer permitia à sua esposa que se aproximasse dele. “Não se aproxime, você vai pegar a doença também!”, dizia ele a ela. A pobre mulher tinha que pendurar uma cesta com comida na ponta de um bastão e dar a ele de longe. Ela estava devastada. Seus filhos só podiam vê-lo à distância. É claro que não havia nada de errado com ele, mas como ele nunca tomava sol e estava constantemente na cama, coberto, ele se tornou amarelo e passou a acreditar que estava com tuberculose. Eu fui à sua casa. Quando ele me viu, disse: “Monge, não se aproxime, eu tenho tuberculose, você pode pegá-la de mim e transmiti-la a todo o Mosteiro”. “Quem lhe disse que você tem tuberculose?”, perguntei. Sua esposa trouxe-me algumas nozes doces. Então eu disse a ele: “Agora abra sua boca e seja obediente”. Ele abriu a boca sem saber o que eu faria. Eu coloquei a noz em sua boca, a retirei e a comi. “Pare! Pare! Você vai ficar doente!”, gritou ele. “Você não tem nenhuma doença contagiosa”, eu lhe disse. “Se você tivesse, acha que eu seria louco para fazer isso? Levante-se e vamos para fora”. Eu ordenei à sua esposa: “Jogue tudo fora, os remédios, os cobertores...”. Ele se levantou e eu o levei para fora. Depois de três anos fechado em seu quarto, ele via o mundo exterior com um estranho olhar. Mais tarde ele retornou ao trabalho e a vida voltou ao normal. Quando cultivamos esses pensamentos, eles podem se tornar devastadores, de fato!

  

Tudo pode ser superado pela obediência

 - Geronta, como pode alguém ser ajudado quando imagina haver algo de errado consigo?

 - Para ser ajudado, é preciso ter um Pai Espiritual, alguém em quem se confia e obedece. A pessoa deve compartilhar seus pensamentos com seu guia espiritual e receber a orientação apropriada. “Não dê atenção a isso, procure por aquilo”, e assim por diante. Se ela não confiar e não obedecer, ela não será capaz de dispensar os pensamentos negativos. Você sabe o que é receber um pedido de ajuda de alguém que não quer ser ajudado?

 Um jovem, que vivia uma vida desregrada, que tinha doenças psicossomáticas e a alma atormentada, veio a mim com os olhos injetados de sangue pelo excesso de fumo, e pediu minha ajuda. Ele exibia ainda uma falsa piedade e me pediu que lhe desse um ícone do iconostase, como uma bênção, enquanto entrava na minha Kalivi com um cigarro nas mãos. Eu lhe disse, “Veja, seus olhos estão vermelhos como os de um cachorro com raiva. Nem mesmo os anciãos podem fumar nessa Kelli.[24] Eu queimo incenso aqui”. Ele continuou como se nada tivesse acontecido, pedindo minha ajuda e sem fazer nada para abandonar suas fixações e hábitos. “Por que você não me cura?”, perguntou. Ele queria se curar mediante alguma maneira mágica, sem que ele próprio fizesse qualquer esforço. Então eu lhe disse: “Você não precisa de um milagre. Você não está realmente doente; você simplesmente pensa que está e acredita em seus próprios pensamentos”. Se ele apenas houvesse obedecido, teria recebido algum auxílio. Eu já observei que aqueles que ouvem e obedecem podem progredir e se curar. Suas famílias podem ser felizes e viver em paz.

 Certa vez um padre veio ao mosteiro, e pediram-lhe que cantasse, mas ele recusou. “Por que você não canta?”, perguntaram-lhe. “Porque o salmo diz ‘Sejam elevados louvores a Deus em alta voz, com uma espada de dois gumes nas mãos’[25]”. Ele temia a espada quando elevasse sua voz ao cantar, e assim insistia que essa era uma coisa ruim a ser cantada. Os outros tentaram dissuadi-lo disso, mas ele não mudava de ideia. O que se podia fazer com ele? Ainda que o que ele tenha dito fosse certo, e outros o tivessem dissuadido, e ele os houvesse obedecido, isso lhe traria alguma Graça, uma Graça significativa, devido à sua humilde obediência.

 Quantas pessoas se atormentam por anos porque se fiam em seus próprios pensamentos e não escutam os demais! Não importa o que você diga a eles, eles tomam tudo ao contrário. E não é como se alguém primeiro acreditasse em seu próprio pensamento e que o mal parasse por aqui, mas, ao contrário, o mal prossegue. E isso pode conduzir a uma doença mental. Por4 exemplo, alguém está construindo uma casa de forma errada, e as pessoas avisam: “Como você pode construir uma casa assim? Ela irá desabar e matá-lo”. Se ele ouvir esse conselho desde o começo, ele poderá corrigir o problema e construir direito. Mas se ele prossegue e constrói de forma errada, poderá ainda desmontá-la e começar novamente? As pessoas continuam a dizer que a construção está errada e que a casa irá cair e matá-lo; também ele percebe o perigo de que a casa possa cair, mas teimosamente pensa consigo que já gastou muito dinheiro e muito trabalho duro na construção; e assim ele não corrige o erro. No fim, a casa cai e o esmaga.

 - Uma pessoa assim pode ser ajudada?

 - Se ele quiser, ele pode ser ajudado. Mas se você lhe diz que algo não está certo e ele se justifica, como poderá ser ajudado? Digamos que um jovem seja diabético e, por não se dar conta da seriedade de sua doença, imagina que não há nada de grave com ele. O doutor lhe diz: “O açúcar é nocivo, e você deve fazer dieta”. Se ele seguir esse conselho, ele não terá problemas. Mas, se ele disser: “Ainda que eu esteja diabético, continuarei a comer doces, porque quando o faço me sinto bem e aquecido, e posso dormir sem cobertas em minha cama; eu posso mesmo sair para fora quando neva”. Ora, como pode alguém se comunicar efetivamente com essa pessoa, que insiste em acreditar apenas nos seus próprios pensamentos?

 - Geronta, é natural para uma pessoa jovem acreditar em seus próprios pensamentos?

 - Uma pessoa jovem que acredita em seus próprios pensamentos tem em si muito egoísmo.

 - Com poderá ela se dar conta disso?

 - Bem, por exemplo, se ela recordar alguns incidentes de sua infância que indicam o grau de egoísmo que ela possui na sua juventude, ela pode ser capaz de entender isso. Certa vez eu observei duas crianças. Uma tomou um travesseiro e o levantou sobre a cabeça de uma maneira natural. A outra pegou um travesseiro e fingiu erguê-lo sobre sua cabeça como se ele fosse um pesado saco de cimento. Esse gesto indica um toque de egoísmo. Mas quando essa criança amadurecer um pouco e entender que sua ação resultou do egoísmo, e confessá-lo, a Graça de Deus virá ajudá-la e redimi-la. De fato, Deus é Bom e Justo e deseja ajudar a todos!

 - Geronta, quando eu consigo perceber o desenvolvimento futuro de algo dentro de mim, dada minha experiência prévia, haverá nisso o pecado da autoconfiança?

 - Não tire conclusões por si próprio. Quando Cristo o convidou, Pedro andou sobre as águas. Mas, assim que seu próprio pensamento lhe disse que ele afundaria, ele começou de fato a afundar[26]. Cristo concedeu. Se você pensa que vai afundar, afunde.

 E você pode ver um homem humilde, capaz até de fazer milagres, mas que não confia nos seus próprios pensamentos. Na Jordânia, havia um padre, muito simples, que fazia milagres. Ele lia orações sobre pessoas e animais com enfermidades, e todos se curavam. Mesmo os muçulmanos o procuravam, e ele os curava. Ele tinha o hábito de tomar um pouco de água ou chá com um pedaço de pão seco antes de celebrar a Divina Liturgia, e não comia mais nada o resto do dia. Quando o Patriarca ouviu falar que esse padre comia antes da Divina Liturgia, ele o denunciou ao Patriarcado. O padre foi chamado sem saber o motivo. Ele aguardou numa sala com outras pessoas. Estava muito calor lá fora, e haviam fechado as cortinas, mas um raio de sol penetrava por um pequeno rasgo.  O humilde padre pensou que o raio de luz fosse um varal e, como estava muito encalorado, tirou sua batina e pendurou-a no raio de luz. Todos os que estavam sentados na sala e viram isso ficaram pasmados. Eles correram e disseram ao Patriarca: “O padre que come antes da Divina Liturgia pendurou sua batina num raio de luz!”. O Patriarca chamou-o ao seu escritório e começou a interrogá-lo: “O que você está fazendo? Está tudo bem com você? Com que frequência você celebra a Divina Liturgia? Como você prepara a Divina Liturgia?”. E ele respondeu: “Bem, eu leio o Ofício de Matinas, faço um certo número de prostrações, então preparo alguma coisa para comer e beber, e então começo a Divina Liturgia”. “Por que você faz isso?”, perguntou o Patriarca. E vele respondeu: “Bem, se eu como e bebo antes da Divina Liturgia, ao receber a Santa Comunhão e consumir os Santos Dons ao final, nosso Senhor Jesus Cristo estará por cima. Mas, se eu comer depois da Divina Liturgia, Cristo estará por baixo”. Ele fazia isso com um bom pensamento e razão! Mas então o Patriarca lhe disse: “Não, esse procedimento está errado. Você deve primeiro celebrar a Divina Liturgia, consumir os Santos Dons, e só depois comer alguma coisa”. Ele fez uma prostração diante do Patriarca, e aceitou seu conselho.

 O que eu quero dizer é que, ainda que o padre tivesse recebido a Graça de fazer milagres, ele, não obstante, aceitou o conselho do Patriarca e não insistiu na sua própria vontade. Ao contrário, se ele se fiasse em seus próprios pensamentos, ele poderia dizer algo como: “Eu leio oração sobre pessoas e animais e os curo; por que você está me dizendo isso agora? Meu modo de pensar é melhor; caso contrário, meu alimento ficará por sobre Cristo”.

 Eu cheguei à conclusão de que a obediência é muito útil. Mesmo que alguém tenha um mínimo de inteligência, se for obediente, poderá se tornar um filósofo. Seja uma pessoa inteligente ou não, saudável de corpo e espírito ou não. Se ela for atormentada por pensamentos, ela se libertará pela obediência. A obediência é redenção.

 O maior egoísmo consiste em seguir os próprios pensamentos e não pedir orientação nem guia a ninguém, conduzindo a si próprio para a destruição. A pessoa pode ser extremamente esperta e astuta, mas se for voluntariosa, autoconfiante e presumida, estará constantemente atormentada. Começará a ficar confusa, e criará muitos problemas para si. Para encontrar o caminho, é preciso abrir o coração para um Pai Espiritual e pedir ajuda humildemente. Naturalmente, algumas pessoas, ao invés de buscar um Pai Espiritual, optam por procurar um psicanalista. Se o psicanalista for uma pessoa espiritual, ele recomendará ao seu paciente que procure um Pai Espiritual. Caso contrário, ele simplesmente prescreverá alguma medicação para o caso. Mas pílulas não são capazes de resolver o problema. A ajuda espiritual é necessária para lidar apropriadamente com o problema específico, melhorando a condição de quem busca e prevenindo seu sofrimento.

  

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PRIMEIRA PARTE

A GUERRA DOS PENSAMENTOS

 Capítulo IV

A luta contra os pensamentos

  

A vida espiritual é baseada nos pensamentos

 - Geronta, eu li que durante a guerra com a Itália os Gregos primeiro tentaram destruir as fortificações do inimigo, para só então começar a ofensiva.

 - É isso que faz o diabo também. Assim como o inimigo que, antes de partir para a ofensiva com a infantaria, utiliza a força aérea para bombardear as fortificações e destruí-las, também o diabo irá primeiro bombardear a pessoa com pensamentos antes de atacá-la diretamente. Ele não atacará até ter conseguido destroçar os pensamentos do homem, porque uma pessoa pode se defender com bons pensamentos, que são as trincheiras protetoras fundamentais.

 Um pensamento sinistro é uma substância estranha que a pessoa deve tentar rejeitar. Essa é uma batalha que todos nós temos poder para enfrentar. Ninguém pode se justificar dizendo-se fraco e incapaz de sustentar tal refrega. Não se trata de ferramentas pesadas que a pessoa pode não ter capacidade de erguer e trabalhar por ter as mãos fracas e trêmulas. Não creio que seja muito difícil ver e considerar as coisas de maneira positiva. Por exemplo, por que deveria eu examinar as peculiaridades das outras pessoas? É muito possível que o que alguém esteja fazendo não seja próprio de si, mas seja algo que ele faz intencionalmente para humilhar a si mesmo.

 - Geronta, eu estou preocupado porque tenho constantemente pensamentos sinistros. Eu luto, mas não consigo me endireitar.

 - Ser capaz de reconhecer quais pensamentos não são puros, preocupar-se com eles e lutar para dispersá-los, é um progresso em si. Se você quiser progredir espiritualmente, quando o diabo o atacar com pensamentos sinistros e tentar puxá-lo para si, gire a direção para longe dele e ignore-o. tente ter bons pensamentos a respeito das Irmãs maiores e menores[27], que sustentam suas lutas internas sem estardalhaço, porque o diabo está tentando distrair seus pensamentos de maneira a atrasar seu progresso espiritual. Se você não persistir nesses pensamentos, você dará um grande passo espiritual. Toda a vida espiritual está baseada em pensamentos. O progresso na vida espiritual depende dos nossos pensamentos.

 - Geronta, como eu posso ser ajudada na luta contra os pensamentos sinistros?

 - Através da vigilância e da prece incessante. Se você for vigilante, estará atenta aos bons pensamentos. Por exemplo, você olha para um copo ou uma taça, e se lembra do Cálice sagrado da Última Ceia, de Cristo, etc.; enquanto que, se você não estiver vigilante, sua mente poderá se distrair na consideração de coisas não espirituais, e mesmo de coisas amaldiçoadas. Por essa razão, tente não reunir pensamentos inúteis, que você mais tarde terá que lutar para dispersar. Concentre-se e diga a Prece de Jesus. E, se sua mente divagar, chame-a de volta uma e outra vez. Não permita que sua mente divague. Porque, mesmo que a mente não esteja sempre preocupada com coisas malignas, mas meramente com coisas neutras, também essas, não obstante, irão neutralizar a mente com distrações inúteis e desnecessárias. De fato, os pensamentos criados por essas distrações podem ser mais insidiosas do que os maus pensamentos, porque nós não os reconhecemos imediatamente, para poder dispersá-los.

 - Geronta, meus pensamentos me dizem: “Você não fez nenhum progresso em todos esses anos no Mosteiro”.

 - Diga-me, o que mais seus pensamentos lhe dizem? Parece-me que você dá muita atenção ao diabo que assopra coisas ao seu ouvido para que você se perca. Por que você acredita no mal? Por que você se confunde? Fique em paz. Você se preocupa em vão e se atormentas sem razão alguma. O demônio apresenta as coisas de um maneira confusa e emaranhada. Ele nubla sua mente com pensamentos pessimistas para que você perca tempo e se distraia da prece e da atenção nas suas tarefas diárias. Ainda que você esteja apenas um pouco confuso, mas o suficiente para não sentir vontade de lutar contra ele, só isso já basta para que ele se alce a um nível mais alto. Quando você trabalhar sozinho, tente seguir essa regra: cante salmos, doxologias e aprece do coração, silenciosa ou verbalizada, a fim de evitar a murmuração dos pensamentos. Em outras palavras, tente voltar seus pensamentos para Deus. Uma vez que o diabo muda o objeto dos nossos pensamentos para nos enganar, por que não fazermos nós a mesma coisa? Eu já lhe disse isso. Quando eu estou conversando com alguém e estou prestes a lhe dizer algo útil para ele, aparece alguém para interromper, ou algum ruído nos distrai, ou algo me obriga a parar. Se o diabo tentador dispõe tais maquinações contra nós, por que não enganá-lo com nossos próprios mecanismos de defesa? Você deve permanecer inteligentemente vigilante, para enganar o diabinho.

 - Geronta, eu ando perturbado pela tristeza, pela apatia... Vivo atormentado com isso.

 - Esse é o martírio antes do martírio! Você está colocando muita confiança em si mesmo. Autoconfiança. Alguns pensamentos sinistros se entrincheiraram em você, e é por isso que você fica atormentado. Você deve pensar retamente. Você deve remover o maquinário obsoleto da sua fábrica mental, e instalar máquinas novas e boas. O melhor negócio que alguém pode fazer é estabelecer uma fábrica de bons pensamentos na mente. Por exemplo, quando você olha para uma pessoa como uma alma, como um anjo, você pode ascender angelicamente aos Céus, e sua vida se torna uma celebração. Mas, se você a olha de modo carnal, você desce ao inferno.

 - Geronta, em certas ocasiões, quando eu penso em coisas boas e positivas, logo aparece um pensamento sinistro para destruir tudo. É possível que eu não o esteja fazendo de coração?

 - O objetivo é fazer isso de coração e, se você tiver um pensamento sinistro, dizer, “esse pensamento é estranho; devo enviá-lo para longe; já assinei a ordem de despejo, agora ele não está mais em minha mente”.

 - Geronta, quando eu fiz um grande esforço para expulsar um mau pensamento, como é possível que ele retorne?

 - Sim, o objeto pode ter sido bem trabalhado, mas o diabinho não morreu. O diabo nunca morre. Um velho monge costumava dizer, “se você chutar um cachorro duas vezes, ele irá embora. Mas o diabo não vai embora: ele persiste em seus ataques, aqui, ali, em toda parte! Eu acendo uma vela para os Santos em minha Kelli para fazê-lo ei embora, e os demônios me perguntam se a acendi para eles. ‘Seu lixo, por que eu acenderia uma vela para vocês? Eu a acendi para os Santos.’ E eles dizem: ‘Sim mas fomos nós que o fizemos acendê-la’.”

 - Geronta, quando uma infelicidade acontece com alguém, e essa pessoa começa a dizer, “ó Senhor, por que isso aconteceu comigo?”, essa pessoa pode ser ajudada?

 - Como pode ela ser ajudada? A primeira coisa que uma pessoa deve fazer é interpretar tudo com pensamentos bons e positivos; somente assim ela pode ser ajudada. Algumas pessoas possuem uma boa máquina, muitos prerrequisitos para uma vida espiritual, mas sua direção falha e a conduz a uma falsa direção. Se ela virar o volante na direção dos bons pensamentos, ela poderá seguir retamente na boa direção.

  

Cultivando os bons pensamentos

 - Geronta, os bons pensamentos vêm por si sós, ou é preciso que eu os cultive?

 - Você deve cultivá-los. Observe a si mesmo, pesquise e, quando o inimigo lhe enviar maus pensamentos, tente expulsá-los e substituí-los por bons pensamentos. Quando você luta dessa maneira, a disposição de sua alma será cultivada e se tornará positiva e boa. Então Deus, vendo sua boa disposição, condescenderá em ajudá-lo, e os maus pensamentos não encontrarão lugar para morar. Os maus pensamentos serão expulsos e você passará naturalmente a ter bons pensamentos. Você irá adquirir um hábito em relação ao que é bom, e a própria bondade entrará em seu coração, e então você poderá providenciar hospitalidade em seu coração para o próprio Jesus Cristo. mas isso não acontece de uma hora para outra; leva tempo, e exige uma constante luta da alma até que receba a coroa da vitória. Eventualmente a guerra terminará bem, porque essas batalhas resultam de nosso estado interior desordenado, que é explorado pela propaganda dos inimigos.

 - Geronta, isso significa que aqueles que têm bons pensamentos adquiriram esse estado espiritual através da luta?

 - Depende. Algumas pessoas possuem bons pensamentos desde o começo de sua vida espiritual, e assim podem avançar prontamente. Outras, ao contrário, embora possam ter bons pensamentos no início, não continuam cuidadosos e vigilantes, e começam a ter pensamentos maus. Outros ainda começam tendo maus pensamentos, mas, sendo acurados observadores de si próprios, e vendo quantas vezes caíram, perdem sua autoconfiança e começam a ter bons e positivos pensamentos. Outras pessoas podem ter tanto bons quanto maus pensamentos. Outras possuem mais bons pensamentos, enquanto outras possuem mais maus pensamentos.

 Por exemplo, alguém que se vai tornar monge, dependendo do meio e das condições em que tenha vivido antes, poderá ter tanto bons como maus pensamentos. Ele poderá ter de dez a vinte porcento de maus pensamentos, ou até oitenta porcento. Mas, quando ele começa o trabalho interior, observando-se e expulsando os maus pensamentos, ele irá cultivar os bons pensamentos. Seguindo essa regra e esse esforço, depois de um período de tempo, ele alcançará um estágio em que só terá bons pensamentos. O tempo em que ele teve maus pensamentos no mundo determinará o tempo necessário para expulsá-los. Depois disso, gradualmente, mesmo os bons pensamentos deixarão de vir, e ele atingirá o vazio. Então ele passará por um período em que não terá nem bons, nem maus pensamentos. Essa fase traz uma certa inquietude na alma, e a pessoa começa a se perguntar: “O que está havendo? O que acontece? Eu tinha maus pensamentos, e eles se foram, e vieram os bons pensamentos. Agora não tenho, nem bons, nem maus pensamentos”. Depois desse vazio, sua mente se enche com a Graça divina, e começa a divina iluminação.

 - Geronta, qual é a natureza desse preenchimento?

 - Você não pode descrever o brilho do sol para quem sequer viu as estrelas. Se a pessoa chegou a ver as estrelas, você consegue ao menos descrever a ela algo da natureza do sol.

 - Geronta, o que pode nos ajudar a conseguir esse vazio de que você fala?

 - O estudo espiritual, a prece incessante, o silêncio, a disciplina ascética com philotimo. Uma alma que luta encarniçadamente contra os maus pensamentos pode atingir um estágio mais avançado do que outra que teve ainda que poucos maus pensamentos. Vale dizer, no começo, a pessoa pode ter tido noventa maus pensamentos e apenas dez bons, mas, devido à sua luta encarniçada, ela pode alcançar uma estado melhor do que o de uma pessoa que tivesse noventa bons pensamentos e apenas dez maus.

  

A purificação da mente e do coração

 - Geronta, como alguém adquire a purificação da mente e do coração?

 - Eu lhe disse que para purificar a mente e o coração você não deve aceitar os ardilosos pensamentos apresentados pelo demônio, nem ter seus próprios pensamentos ardilosos. Você deve tentar ter bons pensamentos todo o tempo, para evitar ser escandalizado facilmente, vendo as faltas dos outros com leniência e amor. Quando os bons pensamentos são multiplicados, a pessoa se limpa espiritualmente e se comporta com devoção autêntica, ela se torna pacífica e vive como se estivesse no Paraíso. Caso contrário, ela vê a tudo com suspeita e sua vida se torna um inferno. Ela própria transforma sua vida num inferno.

 Devemos trabalhar para adquirir a purificação. Devemos reconhecer nossa miséria, mas isso ainda não é o suficiente. Se pararmos de aceitar os pensamentos ardilosos, e se não fizermos nada ardilosamente, mas, ao contrário, se tivermos apenas bons pensamentos a respeito do que nos dizem e do que vemos, então nossa mente e nosso coração serão purificados. Claro, o tentador continuará a nos enviar, de tempos em tempos, mensagens telegráficas traiçoeiras. Mesmo que nos afastemos de nossos próprios pensamentos, as tentações do diabo persistirão; mas elas não se cravarão em nós se nosso coração for puro.

 - Geronta, a oração auxilia na purificação da mente?

 - Apenas a oração não é suficiente. Não existe benefício em queimar quilos de incenso enquanto oramos, se nossa mente estiver cheia de maus pensamentos em relação aos outros. As mensagens telegráficas malignas são transmitidas da mente para o coração e transformam a pessoa num animal. Deus quer que tenhamos um coração puro[28], e nosso coração é lavado quando não permitimos que maus pensamentos em relação aos demais se instalem em nossa mente.

 - Geronta, a pessoa deve primeiro ter bons pensamentos, para então Deus ajudá-la?

 - Uma pessoa merece a ajuda divina apenas se tiver bons pensamentos. Com os bons pensamentos, ela purifica o coração maligno, porque é do coração que procedem todas as coisas más[29]. E é do que abunda no coração que a boca está cheia[30]. E, com certeza, Deus nos recompensará pelos bons pensamentos que tivermos.

  

Não devemos ser suspeitosos

 - Geronta, o que poderá me ajudar a afastar minhas suspeitas?

 - Será que as coisas são sempre como as vemos? Se você costumeiramente vê as coisas de modo negativo, coloque um grande ponto de interrogação antes de qualquer pensamento seu, e espalhe bons pensamentos em relação aos demais, para evitar cometer erros no seus juízos. É melhor se colocar dois pontos de interrogação, e melhor ainda se forem três. Isso acalmará e beneficiará você, e também beneficiará os outros. Caso contrário, com pensamentos sinistros você verá tudo embaçado, confuso e triste, e terá um prejuízo espiritual. Mas quando você confronta o que vê, com bons pensamentos, depois de um tempo descobrirá que, de fato, as coisas são como você as viu, com seus bons pensamentos. Eu vou lhe contar um incidente, para lhe mostrar o que um pensamento sinistro é capaz de fazer.

 Um dia, um monge veio à minha Kalyvi e me disse: “O ancião Caralampos é um feiticeiro, eu o vi praticando magia!”. “Que coisa tola para se dizer! Você devia ter vergonha de si mesmo”, eu lhe respondi. “De fato, eu o vi uma noite de luz cheia, pingando alguma coisa de um vidro junto aos arbustos, e dizendo ‘m, m, mmm...’”. Noutro dia em fui até o Ancião Caralampos e perguntei a ele: “Ancião Caralampos, como está você? Está tudo bem com você? Alguém o viu pingando algo de um vidro nos arbustos e fazendo um som “mmm...”. “Oh, havia alguns lírios muito bonitos entre os arbustos, e eu resolvi aguá-los”, ele explicou, “e, enquanto o fazia. Eu cantava para cada um deles ‘Alegra-te, ó noiva sem noivo’!” Vê, era isso que ele estava fazendo. E, no entanto, o outro monge tomou-o por feiticeiro.

 Eu vejo muitos leigos que possuem pensamentos bons, maravilhosos! Outros são atormentados com coisas que não apenas não existem, como ainda que o diabo nem imaginaria! Certa vfez, quando choveu depois de uma longa estiagem, eu senti tanta gratidão por Deus que sentei-me em minha Kalyvi, dizendo repetidamente: “Ó Deus, estou tão agradecido, eu lhe agradeço um milhão, um bilhão de vezes...”. Do lado de fora, sem saber o que se passava, um leigo me ouviu. Mais tarde, quando ele me viu, ele disse: “Padre, estou chocado. Eu o ouvi contando ‘um milhão, um bilhão’, e pensei comigo, ‘o que estará o Padre Paisios contando?’. Veja, o que eu poderia responder a ele? Eu estava expressando minha gratidão a Deus pela chuva maravilhosa, e ele imaginou que eu estava contando dinheiro. E, se fosse alguma outra pessoa, ele poderia ter pensado em me roubar o dinheiro, e me bateria se não encontrasse nada para levar.

 Em outra ocasião, alguém com um filho doente veio me ver. Eu o levei à Capela para conversarmos. Depois de ouvir seu problema, num esforço para ajudá-lo, eu lhe disse: “Você mesmo pode fazer algo para ajudar seu filho. Como você não costuma fazer prostrações, nem jejum, nem tem dinheiro para oferecer à caridade, você deve dizer a Deus, ‘meu Deus, nada tenho para sacrificar pela saúde do meu filho, mas tentarei cortar meu hábito de fumar’”. O pobre homem ficou comovido, e me prometeu que faria isso. Eu fui até a porta para abrir-lhe, e ele deixou seu isqueiro e os cigarros na Capela, debaixo do ícone de Cristo, sem que eu percebesse. Depois dele, um jovem entrou na Capela para conversar comigo; ao sair, ele começou a fumar. Eu tive que lhe dizer, “Será permitido fumar na Capela?”. Aparentemente ele viu o isqueiro e os cigarros deixados pelo pai do menino doente, e imaginou que eu fumava. Eu o deixei ir com esse pensamento negativo. E afinal, mesmo que eu fumasse, eu haveria de fumar na Capela? Você percebe o que significa ter pensamentos negativos?

 - Geronta, quanto prejuízo faz à alma ser suspeitoso, desconfiado?

 - O prejuízo é proporcional ao grau de suspeita e de desconfiança. Suspeita e desconfiança trazem consigo sentimentos de fraqueza e rebaixam os espíritos.

 - E qual é a cura?

 - Bons pensamentos.

 - Geronta, quando uma pessoa reconhece ter cometido um erro devido aos seus pensamentos suspeitosos, isso constituirá uma ajuda para ela?

 - Se a pessoa cometeu o erro uma vez, é compreensível. Mas se ala comete o mesmo erro duas vezes, ela será grandemente prejudicada. A guarda contra a suspeita requer atenção, porque ainda que uma coisa em mil não seja o que imaginamos, ainda assim seremos prejudicados. Quando eu estava ainda no Cenóbio, um velho monge, Pai Doroteu, estava fritando abóboras. Um dos Irmãos o viu colocando as abóboras na frigideira, e veio me contar: “Pai Doroteu está fritando um grande pargo vermelho!”. Mas eu lhe disse, “Não é possível que o Pai Doroteu esteja fritando peixe durante o jejum da Quaresma”. “Eu vi com meus próprios olhos ele fritando um grande pargo vermelho!”, insistiu ele. O Pai Doroteu havia chegado à Montanha Santa com quinze anos, e era como uma mãe para todos nós. Se ele visse um monge cair doente, ele se aproximaria dele, dizendo: “Venha, eu tenho um segredo para lhe contar”, e lhe daria um pouco de sésamo com nozes picadas, ou algo do gênero. A mesma coisa ele fazia com os monges idosos. Mais tarde eu fui até o Pai Doroteu, e vi que, na verdade, ele estava fritando abóboras para a enfermaria!

 - Geronta, e o que acontece quando a suspeita sobre alguém se prova acertada?

 - Ainda que o pensamento se prove acertado, significa isso que tais pensamentos serão sempre verdadeiros? E como você poderá saber se não foi Deus que permitiu que tal pensamento se mostrasse certo, para testar você e lhe dar uma lição espiritual de humildade?

 Certamente, devemos ser cuidadosos para não levarmos os demais a conclusões erradas. Por exemplo, alguém pode ter pensamentos sinistros a seu respeito, apenas por ser rancoroso; mas pode ser que você tenha lhe fornecido a causa, pelo seu próprio comportamento. Mas ainda que você seja cuidadoso em não causar, ainda assim alguém pode pensar mal a seu respeito e ter pensamentos negativos sobre você, e, nesse caso, você deve dar glória a Deus e orar por essa pessoa.

  

Conversando com os pensamentos

  - Geronta, quando um pensamento de orgulho vem a mim, eu sofro com isso.

 - Você o carrega consigo?

 - Sim.

 - Por que você o leva consigo? Você deve fechar-lhe a porta. Você se prejudica mantendo-o do lado de dentro. O pensamento chega como um ladrão – você lhe abre a porta, deixa-o entrar, começa uma conversa com ele, e então ele o rouba. Você já entabulou uma conversa com um ladrão? Não apenas você não fala com ele, como também não lhe abre a porta para que entre. Você pode não falar com ele, mas, em primeiro lugar, por que deixá-lo entrar? Deixe-me dar-lhe um exemplo. Não estou dizendo que você tenha esse tipo de pensamentos, mas digamos que lhe venha a ideia de se tornar Superiora. Assim que esse pensamento chegar a você, diga para si mesma: “Ah, então você quer se tornar Superiora? Pois bem, comece a ser a Superiora de si mesma”. Desse modo você cortará imediatamente qualquer conversação. Afinal de contas, será que somos obrigados a conversar com o diabo? Veja, quando o diabo veio tentar a Cristo, Ele lhe disse, “Fora daqui, Satanás”. Uma vez que o próprio Cristo mandou o diabo embora, quem somos nós para conversar com ele?

 - Geronta, é ruim examinar um pensamento sinistro para verificar de onde ele vem?

 - O ruim é que você não estará conversando com o pensamento, como acha que está, mas com o diabo. Você poderá passar um tempo agradável, mas depois ficará atormentado. Jamais inicie uma conversa com tais pensamentos. Pegue uma granada de mão e atire-a contra o inimigo que tenta matá-lo. Demora dois ou três minutos para que a granada exploda. O mesmo acontece com os pensamentos sinistros; eles não poderão prejudicá-lo se você os expulsar imediatamente. Mas algumas vezes você pode não estar vigilante, sem dizer a Prece de Jesus, e então não terá como se defender. A mensagem do diabo chega de fora, você a recebe, a lê, relê, acredita nela e a arquiva. Esses arquivos serão apresentados pelo diabo no Dia do Juízo para conseguir sua condenação.

 - Quando o ataque de um pensamento sinistro constitui um pecado?

 - Quando o pensamento chega e você o expulsa imediatamente, isso não é um pecado. Quando ele chega e você conversa com ele, é um pecado. Ele chega, você o aceita e o afasta. Isso é meio pecado, porque o prejuízo alcançou você, uma vez que o diabo poluiu sua mente. Em outras palavras, é como se o diabo chegasse para você, e você lhe dissesse, “Bom dia, como vai você? Sente-se, vou lhe trazer uma bebida. Ah, mas você é o diabo? Então vá embora”. Uma vez que você percebeu que se tratava do diabo, por que o deixou entrar? Você o tratou bem, e agora ele quer voltar.

  

Consentindo os pensamentos

 - Geronta, por que eu tanho tantos maus pensamentos agora que estou no mosteiro, se quando eu estava no mundo isso não acontecia? Sou eu que os permito?

 - Não, abençoada criança! Deixe-os vir, mas mande-os embora. Os aviões pedem sua permissão quando voam sobre o mosteiro e arruínam sua paz e quietude? O mesmo acontece com esses pensamentos. Não perca a esperança. Esses pensamentos são sugestões do diabo. São como pássaros migrantes que são bonitos de ver quando passam nos céus. Mas, quando eles pousam e fazem ninhos na sua casa, e começam a ter filhotes, eles sujam tudo e se tornam uma incomodação.

 - Mas por que, Geronta, esses pensamentos chegam a mim?

 - Esse é o trabalho do tentador, do diabo. Mas dentro de você ainda existe um pouco de sedimento; a purificação ainda não está completa. Na medida em que você não aceita esses pensamentos, você não se torna responsável. Deixe que os cachorros continuem a latir. Mas não joguem muitas pedras neles. Se você o fizer, eles continuarão a latir, e com as pedras que você atirar construirão um mosteiro, uma casa, ou algo assim... E será muito difícil para você demoli-la.

 - Em outras palavras, Geronta, quando de fato damos consentimento a esses pensamentos?

 - Quando você se delicia com eles como se fossem um doce. Você deve lutar para não se deliciar com esses pensamentos açucarados por fora, mas venenosos por dentro, que a levarão ao desespero. Ter maus pensamentos que passam por nós não é motivo de preocupação; somente os anjos, que são perfeitos, não têm maus pensamentos. Há motivo para se preocupar, quando uma pessoa deixa uma parte de seu coração para fazer uma pista de pouso, e aceita os diabinhos que chegam por aí. Se isso acontece mais de uma vez, corra para a Confissão, destrua o campo de pouso, na mente e no coração, e plante árvores frutíferas, para que seu coração se torne outra vez o Paraíso.

  

***

  

SEGUNDA PARTE

JUSTIÇA E INJUSTIÇA

 “Se todos os homens fossem injustos comigo,

isso seria uma bênção!

Digo sinceramente. As mais doces alegrias espirituais que senti,

foram devidas às injustiças que sofri.”

Capítulo I

A aceitação da injustiça

               

A atitude correta diante da injustiça

 - Geronta, quando me sinto injustiçado, meu coração se torna endurecido.

 - Para que seu coração não se endureça, nunca pense que as outras pessoas estão em falta, ou quanto alguém está em falta, mas no quanto você mesmo está em falta. Veja, quando uma pessoa está em desacordo com outra, cada uma delas pensa que está certa, e que tem mais direitos do que a outra pessoa, e assim elas prosseguem em constante desavença. Por exemplo, elas vão à polícia e cada uma diz: “Ele me bateu”, sem revelar o quanto ela bateu no outro, e exige punição.

 Se apenas nos lembrarmos de que Cristo sofreu a maior injustiça de todas, aceitaremos com alegria toda injustiça que cometem contra nós. Embora fosse Deus, Ele desceu à terra desde o infinito amor, e aceitou ser confinado ao útero da Panaghia por nove meses. Dos quinze aos trinta anos, Ele trabalhou como carpinteiro no meio dos judeus. Mesmo as ferramentas que ele usava naqueles dias eram muito rudimentares, e era preciso trabalho duro para transformar peças brutas de madeira em mobiliário. É difícil para nós imaginarmos o quanto era difícil o ofício de carpinteiro naqueles tempos. E, depois disso, Jesus suportou três anos de provações, viajando e pregando de pés descalços. Ele curou os enfermos, restaurou a vista ao cegos com saliva e lama, e ainda assim eles lhe pediam que Ele lhes mandasse sinais e milagres. Ele expulsou demônios dos possessos, mas o povo ingrato acusou-O de estar possuído por demônios! E, apesar de que tantos tenham falado e profetizado a seu respeito, e depois de ter realizado tantos milagres, no final Ele foi escarnecido e crucificado.

 É por isso que os que sofrem injustiça são os mais amados por Deus. Como pessoas injustiçadas, elas carregam o próprio Cristo injustiçado em seu coração, e se alegram no exílio ou na prisão como se estivessem no Paraíso, porque, onde Cristo está, aí é o Paraíso.

 - Geronta, é possível a alguém carregar tamanho peso?

 - Deus nunca o carrega além das suas forças. As pessoas decaídas sobrecarregam os outros com pesos que não se pode suportar. O Deus Benevolente muitas vezes permite que as pessoas boas sofram nas mãos de gente má, para que elas possam obter as bênçãos dos Céus.

 - Geronta, as reclamações estão relacionadas com a ingratidão?

 - Sim. É muito comum que alguém não se dê conta de quanto cuidado lhe é dispensado, e passe a reclamar de ser injustiçado e maltratado. Se a pessoa não vigia a si mesma, quando ela comete um erro e lhe dizem que tome cuidado, ela pode facilmente se sentir injustiçada, e se tornar ainda mais insolente. Por exemplo, uma Irmã pode usar demasiado pesticida, queimando as oliveiras. Alguém a adverte disso, mas, ao invés de reconhecer sua falta e pedir desculpas, ela se sente injustiçada e começa a reclamar. “Foram malvados comigo. Se a lagarta viesse e destruísse as árvores, ninguém diria nada, mas como fui eu a causa de sua destruição, estão gritando comigo. Ó Senhor, só você me entende!”. E as lágrimas correm. Ela pode até sentir uma certa alegria, pensando na recompensa que terá por ter sido injustiçada, e assim expressar sua gratidão a Cristo! Isso constitui um falso entendimento da situação, um erro muito sério.

  

A alegria de aceitar a injustiça

 - Geronta, quando eu aceito com alegria uma reprimenda por um erro que cometi, é porque eu tenho sentimentos puros?

 - Veja, se você causou dano e as pessoas o repreendem, e você não reclama, mas, ao contrário, se alegra, dizendo, “Glória a Deus, eu precisava dessa reprimenda”, você tem apenas metade da alegria. Mas, se você não causou nenhum dano e é injustamente repreendido, e se o aceita com bons pensamentos, então sua alegria será completa. Não digo que você deva procurar por reprimendas injustas, porque dessa maneira o diabo vai envolvê-lo no pecado do orgulho, mas que você deve aceitar a injustiça quando ela vem a você naturalmente, e se alegrar com isso.

 Existem quatro estágios no confronto com a injustiça. Digamos que alguém o acusa injustamente. Se você estiver no primeiro estágio, você ataca de volta. Se você estiver no segundo estágio, você irá se sentir triste por dentro, mas saberá controlar-se e nada dizer. No terceiro estágio, você não se sentirá abalado pela injustiça. Mas no quarto estágio, você experimentará uma grande alegria, uma felicidade espiritual extraordinária. Quando alguém é acusado e prova não ter sido sua a falta, ele é justificado e se sente satisfeito. Nesse caso, ele sente uma alegria mundana. Mas se ele confronta a injustiça espiritualmente, com bons pensamentos, e sem tentar provar sua inocência, ele experimentará uma felicidade espiritual. Isso acontece quando ele sente uma consolação divina no coração, e se move no reino da doxologia, glorificando a Deus. Você tem ideia da alegria que sente a alma quando é acusada e não tenta se justificar, para que as pessoas digam “Bravo!”, ou “Desculpe-nos”? Ela se alegra mais por ter sido acusada do que por ser justificada. Aqueles que buscam essa condição espiritual agradecem aos que os acusaram, pela alegria que isso trouxe às suas vidas e também pela vida eterna que lhes assegurou. Quão diferente é a alegria espiritual da mundana!

 Na vida espiritual, as coisas são ao contrário quando você é deixado no fim da fila, você se sente bem, e quando você deixa esse lugar para outra pessoa, você se sente mal. Quando você aceita uma injustiça e está preparado para justificar seu vizinho, você aceita o próprio Cristo no seu coração, Cristo que também foi acusado e injustiçado. Quando isso acontece, Cristo não pode ser retirado de seu coração, e o enche de paz e felicidade. Tente isso, filho, e experimentará essa grande alegria! Aprenda a ser feliz com essa alegria espiritual, não com a alegria mundana, e cada dia se transformará numa Páscoa.

 Não há maior alegria do que a que você sente quando aceita a injustiça. Eu gostaria que todo mundo fosse injusto comigo! Eu posso lhe dizer honestamente que a alegria espiritual mais doce que eu já experimentei foi quando aceitei a injustiça. Você não sabe como fico feliz quando alguém me diz que eu errei! “Glória a Ti, ó Deus!”, eu digo, “eu obterei uma recompensa por isso, enquanto que, se alguém me chamar de santo, eu estarei em débito”. Não há nada mais doce do que suportar a injustiça.

 Certa manhã, na minha Kalyvi, alguém bateu à porta. Eu olhei pela janela pela janela porque não tive tempo de abrir a porta. Vi um jovem com o rosto iluminado e percebi que ele tivera experiências espirituais, pois a Graça de Deus em sua face o denunciava. Por essa razão, ainda que eu estivesse ocupado, interrompi o que estava fazendo, abri a porta e o convidei a entrar. Ofereci-lhe água e comecei a lhe perguntar sobre sua vida, vendo que ele tinha um conteúdo espiritual. Então lhe perguntei, “O que você faz para viver, jovem?”. “O que faço para viver?”, ele respondeu. “Eu cresci na prisão, e passei a maior parte da minha vida ali. Agora eu tenho vinte e seis anos”. “E o que você fez para ser posto na prisão, jovem?”, indaguei. “Quando eu era jovem, me entristecia com as pessoas que sofriam. Eu conheci todo esse povo sofredor, não apenas na minha paróquia, como de outras paróquias. Como o padre e o conselho da paróquia estavam constantemente reunindo fundos para construções, galpões, para reparos diversos, eles acabavam por negligenciar as famílias pobres. Eu não julgava se tais projetos eram necessários ou não, eu apenas via que havia muitas pessoas desafortunadas e com necessidades. Eu passei a roubar em segredo o dinheiro dos diferentes projetos. Eu consegui bastante dinheiro, mas não todo. Eu comprava comida e outras coisas, que deixava na porta das pessoas pobres sem que me vissem. Então eu ia diretamente à polícia e confessava, “Eu roubei o dinheiro da Igreja e o gastei”, sem mais dizer; eu não queria que qualquer pessoa fosse acusada injustamente. Eles me batiam, me ofendiam, e eu ficava em silêncio. Então eles me colocavam na cadeia por algum tempo. Isso continuou por anos. Toda a cidade, de uns trinta mil habitantes, e outras cidades vizinhas, me conheciam e me ridicularizavam como um notório ladrão. Eu ficava quieto e sentia uma alegria interior. Houve uma vez em que me trancaram na cadeia por três anos. Algumas vezes eles me prendiam injustamente por algum tempo, e quando pegavam o verdadeiro ladrão, me soltavam. Se não encontrassem o culpado, eu ficava na cadeia cumprindo a pena. É por isso que lhe digo, Padre, que a maior parte da minha vida eu passei na cadeia”. Eu o ouvi atentamente, e lhe disse: “Jovem, embora isso pareça bom para mim, não é bom, e você não deve voltar a fazê-lo. Ouça o que direi. Você fará o que vou lhe dizer?”. Ele respondeu: “Sim, Padre”. “Eu quero que você volte para sua cidade, ou para outra cidade onde eu conheça pessoas que o ajudarão a se estabelecer. Ali você irá trabalhar e ajudar as pessoas pobres tanto quanto puder, com seu salário. Isso tem muito valor. Mas, mesmo quando alguém não tem o que dar aos pobres, mas sente compaixão genuína por eles em seu coração, essa é uma oferenda superior, porque ele tem a caridade em seu coração. Pois, se ele tivesse o que dar, ele sentiria alegria, mas, como não tem, sente dor no coração” Ele prometeu seguir meu conselho e partiu alegremente.

 Sete meses depois, eu recebi uma carta sua da prisão de Korydallos, na qual ele escreveu: “Reverendo Padre, certamente você ficará surpreso de receber uma carta minha dessa prisão, depois do conselho que me deu para que eu reformasse minha vida e da promessa que lhe fiz. Quero que saiba que estou cumprindo uma sentença prisional que eu já havia cumprido. Aconteceu um erro. Graças a Deus que não existe justiça humana, caso contrário as pessoas espirituais se veriam privadas de suas recompensas celestiais”. Quando eu li as últimas palavras dessa carta, fiquei maravilhado com esse jovem, que tomou tão a sério a vida espiritual e compreendeu o sentido profundo da vida! Ladrão, em nome de Cristo! Ele tinha Cristo em seu coração. Ele não conseguia se conter, com a alegria que experimentava. Ele possuía uma loucura divina em si e experimentava uma celebração espiritual.

 - Geronta, ele recebia essa alegria do ridículo das pessoas?

 - A alegria provinha da injustiça. Ele era um homem mundano, que não lera as Vidas dos Santos nem os escritos dos Santos Padres. Ainda que ele tenha sido injustamente acusado, preso e ridicularizado como o ladrão da cidade, ele manteve o silêncio e encarou a tudo de um modo espiritual! Ele era um jovem que não procurava se estabelecer, mas apenas ajudar os demais! Ladrões notórios raramente são encarcerados, enquanto que esse jovem foi preso duas vezes pelo mesmo roubo, e foi enjaulado injustamente por outros roubos, até que encontraram o verdadeiro ladrão. Mas a alegria que esse jovem experimentou não poderia ser encontrada em toda a população daquela cidade. Trinta mil pequenas alegrias, toda a população da cidade, não alcançariam aquela enorme felicidade.

 É por isso que eu digo que um homem espiritual simplesmente não tem tristezas. Quando seu amor aumenta e seu coração é agraciado com a divina paixão, não há lugar para angústia ou tristeza. O grande amor por Cristo ultrapassa a dor e os sofrimentos causados pelo povo.

  

As recompensas pelas injustiças

 - Geronta, quando eu sou injustamente por alguma coisa que uma Irmã disse a meu respeito, eu não consigo suportar e fico fria em relação a ela.

 - Espere um minuto! O que a Regra da Igreja diz a esse respeito? Como classificamos isso? Como você pode ser mais ajudada? Vamos assumir que as coisas sejam como você diz, e que você não cometeu falta. Pois bem, se você tivesse sido injustamente acusada, então você se beneficiaria espiritualmente. A outra pessoa, caso tenha dito algo contra você para justificar-se, será mais tarde censurada por sua consciência; ela se arrependerá, e olhará para você com mais amor. Isso significa duas ou três coisas ao mesmo tempo. Desse modo você terá tido a oportunidade de ser enriquecida e se tornar uma senhora nobre, não uma cigana das ruas. Uma vez que Deus lhe dá a oportunidade de se tornar uma pessoa nobre, capaz de dar a outras pessoas, por que você desejaria permanecer como uma cigana?

 - Geronta, meu pensamento insiste que eu deveria perguntar à Irmã de que maneira ela interpretou meu comportamento e assumiu que eu era culpada.

 - Sem dúvida é esse o caso, porque o diabo não suporta ver você receber uma recompensa celestial. Ele pressiona você a buscar justificação para si e expulsar Cristo de si mesma.

 - Geronta, de tempos em tempos, quando cometo um erro, eu gostaria de receber um pequeno perdão das outras pessoas.

 - Por que, você quer se justificar? Digamos que elas o fizesse. Espiritualmente, você ganha ou perde com isso?

 - Eu perco.

 - Se você possuísse uma loja, você gostaria de ter perdas ou ganhos?

 - Ganhos.

 - Então, se você não quer ter perdas em seus negócios mundanos, quão mais cuidadoso não deverá ser para não se prejudicar espiritualmente! As pessoas do mundo buscam ganhos materiais e evitam as perdas; será correto que as pessoas espirituais desdenhem os ganhos espirituais? Mas, mesmo que as pessoas do mundo desperdicem seu dinheiro, elas estarão perdendo apenas coisas materiais, enquanto que nós, quando não aceitamos a injustiça, perdemos coisas espirituais e celestiais. Aqui se consome de tudo. Por que negociar o espiritual com o terrestre? Ademais, o infeliz povo desse mundo ignora a vida espiritual, enquanto que nós estamos cientes dele; esposamos a vida monástica para ganhar os Céus, e ainda que tenhamos iniciado num lugar, terminaremos em outro. É muito desgostoso ver uma pessoa do mundo executada, presa ou simplesmente perseguida injustamente. Mas nós, monges e monjas, devemos procurar essas coisas e suportá-las por amor a Cristo. devemos buscar a desonra, a rejeição, o insulto, porque eles trazem benefícios às nossas almas. Por exemplo, um pai de família tem necessidades, e tenta se justificar porque está pensando em como sua família sobreviverá se ele perder sua reputação e falir. Por essa razão, as pessoas do mundo têm uma desculpa, mas nós, monges e monjas, não.

 Quando somos acusados e aceitamos essa injustiça, de fato, ganhamos. Por exemplo, eu sou falsamente acusado de haver cometido um crime, e sou preso injustamente? Isso é ótimo. Minha consciência está limpa, uma vez que eu não cometi tal crime e, acima de tudo, eu recebo uma recompensa celestial. Pode haver maior benevolência? Eu não reclamo a Deus; ao contrário, eu glorifico a Deus, “Como posso agradecer-te, meu Senhor, por não ter cometido esse crime? Se eu o tivesse feito, eu estaria pronto a carregar o fardo do remorso”. É por isso que a prisão pode se tornar um Paraíso. Alguém me acusou injustamente? “Glória a Ti, Senhor! Talvez eu esteja pagando por um pecado, pois, também eu acusei alguém alguma vez”. Fui insultado injustamente? “Glória a Ti, Senhor! Eu o aceito por amor a Ti, pois também Tu foste golpeado e esbofeteado por mim”.

  

O Tesouro nos Céus

 - Geronta, eu fico triste quando os outros não pensam bem de mim.

 - O que você me conta é ótimo! A partir de agora, você irá orar para que os outros não tenham uma boa opinião a seu respeito, pois isso será para seu benefício, minha criança. Deus providencia para que pessoas pensem mal de nós ou para que nos digam palavras perturbadoras que nos ajudem a redimir algum débito ou pecado, ou para acrescentar ao nosso tesouro nos Céus. Eu não consigo entender o que você imagina que seja a vida espiritual. Você ainda não se deu conta do que vem para seu benefício espiritual, e espera ser pago inteiramente aqui; você não deixa nada para os Céus. Por que você vê as coisas dessa maneira? O que você tem lido? Você leu o Evergetinos[31]? Não fala ele do que se deve fazer? Você lê o Evangelho? Leia-o todos os dias.

 - Geronta, quando faço algo de bom, fico triste se os outros não o apreciarem.

 - Mas o que você quer, a aprovação de Cristo ou das outras pessoas? Não receberá você uma bênção maior pelo reconhecimento de Cristo? em que o auxiliará obter o reconhecimento das pessoas? Se as pessoas reconhecerem o bem que você fez, espere para ouvir na próxima vida: “Você já recebeu sua recompensa em vida[32]”. Devemos nos alegrar quando os outros não reconhecem nossos esforços e não nos retribuem, porque então esses esforços entrarão na conta de Deus, e Ele nos retribuirá com uma recompensa eterna. Uma vez que essa recompensa existe, devemos reservar algumas dracmas para o Tesouro de Deus. Devemos aceitar a injustiça como uma grande bênção, porque esse é um meio para obtermos as bênçãos espirituais.

 - Geronta, quando alguém aceita a injustiça, não por pensar no Julgamento futuro, mas apenas por considerar como uma boa coisa, isso está certo?

 - Bem, isso não conduzirá à mesma coisa? Claro, devemos tomar cuidado para não fazê-lo apenas para ser uma boa pessoa, como o fazem os Europeus. Devemos estar conscientes de que fomos criados à imagem de Deus e que estamos destinados a crescer na semelhança de nosso Criador. Se essa motivação está colocada então a pessoa está se movendo na direção certa. Caso contrário corre-se o perigo de cair no humanismo[33] dos Europeus.

  

A santa hipocrisia

 - Geronta, quantos anacoretas[34] vivem no Monte Athos?

 - Eu não sei. Alguns dizem que são sete. De alguns anos para cá está sendo muito difícil encontrar um local quieto e viver asceticamente. É por isso que alguns Padres, quando ainda havia mosteiros idiorrítmicos[35] na Montanha Santa, procuraram outros caminhos para viver asceticamente. Por exemplo, eles podem dizer: “Não me sinto em paz no mosteiro; irei a algum mosteiro idiorrítmico para trabalhar e ganhar algum dinheiro”, e os Padres acreditarão nele. Eles, de fato, seguem para um mosteiro assim e trabalham por três ou quatro meses, e depois exigem um alto pagamento. Quando isso lhes é negado, eles dizem: “É indigno ficar aqui; vou embora”. Recebem algum pão seco e se vão, buscando alguma caverna remota onde se escondem e vivem asceticamente. Os outros pensam que ele se foi para trabalhar em outro mosteiro. E, quando os Padres perguntam naquele mosteiro a respeito de tal ou qual monge, receberão como resposta: “Sim, ele esteve aqui, uma pessoa muito peculiar. Ele queria receber dinheiro e pediu um alto pagamento. Um monge exigir pagamento! Que tipo de monge é ele?”. Como resultado, esses anacoretas recebem uma bênção por seus trabalhos ascéticos e pela condenação dos demais, e até de ladrões. Pois os ladrões ouvirão que esses anacoretas receberam dinheiro e irão procurá-los. Depois de torturá-lo para encontrar o dinheiro, nada encontrarão e o deixarão a sós.

 - Geronta, como posso imitar a virtude de uma Irmã se ela a esconde?

 - Ela seria louca se não a escondesse. Os Santos colocam mais esforço em esconder suas virtudes do que em adquiri-las. Você sabe o que fazem os loucos de Cristo? Primeiramente, eles escapam da hipocrisia do mundo e penetram no reino da verdade evangélica. Mas isso ainda não é suficiente para eles, e eles avançam a um outro patamar, conhecido como a santa hipocrisia pelo amor a Cristo. tendo alcançado isso, eles já não se perturbam, não importa o que façam com eles, ou o que digam deles. Mas, para alcançar esse estado, é preciso um grande trabalho de humilhação. Enquanto que um leigo ficaria ofendido se fosse dito algo negativo a seu respeito, ou se não fosse elogiado por algo que fez, esses anacoretas ficam realmente alegres quando pensam mal deles.

 Antigamente, havia alguns Padres que pretendiam estar possuídos por um demônio, para esconder sua virtude e dar causa a outros de mudar o alto conceito que tinham deles.  Quando eu estava no mosteiro de Philoteou, que nessa época era idiorrítmico[36], havia ali um Padre que antes levara uma vida ascética em Vigla[37]. Assim que os Padres de lá se deram conta de sua avançada vida ascética, ele pediu a bênção de seu Pai espiritual e se foi. Ao partir, ele disse. “Estou cansado de comer pão seco amanhecido nesse lugar. Vou para algum mosteiro iddiorrítmico onde eu possa comer carne e viver como um ser humano normal. Eu seria louco se ficasse aqui”. Então ele foi para o mosteiro de Philoteou e fingiu ser possuído por demônios. Seus antigos colegas monges ouviram dizer que ele estava possuído por demônios, e disseram, “Que vergonha, o pobre colega foi possuído. Não admira que isso acontecesse com ele, porque nele nos deixou porque estava cansado de comer pão seco amanhecido, e se foi para um mosteiro iddiorrítmico para comer carne”. Mas o que ele realmente fez?

 Por mais de vinte e cinco anos, ele nem cozinhou, nem dormiu. Por toda a noite, ele andava pelos corredores com uma lanterna e permanecia acordado. Quando ficava cansado, ele se encostava na parede, e, quando começava a cochilar, punha-se de pé recitando a prece de Jesus, “Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim”. Então ele continuava a oração em sua mente. Algumas vezes sua voz estremecia com uma violenta explosão da Prece de Jesus, alta o bastante para ser ouvida. E, quando ele encontrava outro Padre, dizia: “Ore, ore por mim, para que o demônio me deixe”. Assim, todos os consideravam possuído por um demônio. Um jovem noviço me disse um dia: “Lá vai o possesso...”, mas eu lhe respondi: “Não o chame assim, ele é um monge virtuoso que finge estar possesso”. Depois disso, o jovem passou a reverenciá-lo. Quando ele morreu, os Padres o encontraram segurando um pedaço de papel que continha o nome de cada monge, e ao lado um apelido sarcástico para cada um, prevenindo assim que, mesmo na morte, lhe dirigissem bons pensamentos. Apesar disso, suas relíquias exalaram uma fragrância maravilhosa. Você vê, ele tentou se esconder, mas a Graça de Deus o revelou.

 Por essa razão, não devemos tirar conclusões sobre as pessoas pelas aparências, especialmente se não for possível discernir o que realmente se esconde dentro dela.

 

***

 

SEGUNDA PARTE

JUSTIÇA E INJUSTIÇA

 Capítulo II

Desculpas afastam a Graça Divina

  

Desculpas impedem o crescimento espiritual

 - Geronta, quando as pessoas dizem “Não há desculpa” na Sagrada Escritura, o que elas querem dizer?

 - Isso significa que, num certo sentido, não existe justificativa para nenhuma desculpa.

 - Geronta, quando eu tento me justificar com desculpas, mais tarde me dou conta de que isso não beneficiou nenhum monge ou monja.

 - Não apenas as desculpas não beneficiam monjas e monges, como elas nada têm a ver com a vida espiritual. Eu devo entender que, quando tento me justificar com desculpas, estou num estado mental errado. Eu corto minha comunicação com Deus e perco a divina Graça, porque a divina Graça não chega para quem se encontra num estado desviado. A partir do momento em que uma pessoa justifica o injustificável, ela se separa de Deus. Uma forma de isolamento se interpõe entre o homem e Deus. Pode uma corrente elétrica passar por um isolamento? Não. Isolamento. Isolamento entre Deus e o homem. Não há barreira mais forte à Graça de Deus do que as desculpas! É como construir um muro, separando-se de Deus; ao criar desculpas para si, a pessoa corta todas as suas ligações com Deus.

 - Geronta, você costuma dizer: “Tentemos ao menos alcançar uma base espiritual”. O que é essa base espiritual?

 - É o humilde reconhecimento de que erramos, sem a tentativa consciente de nos justificarmos quando a falta é nossa e somos repreendidos. Mas quando a pessoa não se levanta para se defender, mesmo sendo injustamente acusada, então ela conquista um grau excelente. Aquele que se justifica com desculpas deixa de progredir na vida espiritual, e é incapaz de encontrar qualquer lugar interior. Deus não nos condena pelos erros que cometemos, mas não devemos tentar nos justificar quando erramos, considerando isso como se fosse algo natural.

 - Geronta, se me dizem que eu faltei em algo, mas não consigo entender a natureza de minha falta, devo indagar a respeito, para tomar mais cuidado numa próxima vez, ou devo ficar em silêncio?

 - Se você pensar que esteve em falta 25%, quando de fato sua falta foi de apenas 5%, não receberá você um benefício espiritual? Seja “generoso” quando sopesar suas faltas; você não irá querer se diminuir espiritualmente. Esse é o trabalho espiritual que você deve fazer: procure e reconheça seu erro, e vigie-se da próxima vez; você pode se justificar, mas não encontrará paz.

 - Geronta, quando alguém tem o costume de se justificar com desculpas, mas depois reconhece seu erro e deplora sua atitude, há nisso algum benefício?

 - Pelo menos ele ganhou uma valiosa experiência, e, se utilizar essa experiência, irá se beneficiar disso. E, se Deus puder dizer, “Uma vez que ele reconheceu seu erro e se arrependeu, eu lhe darei alguma coisa”, então, é claro, ele receberá algo de outro Tesouro, o Tesouro do arrependimento.

  

As desculpas provêm do egoísmo

 - Geronta, quando eu não desculpo os outros por alguma ação que eles cometam, isso significa que eu tenho um coração duro?

 - Você não desculpa os demais, mas desculpa a si mesmo? Da próxima vez o próprio Cristo não o desculpará. É muito possível que o coração do homem se torne duro como uma pedra em certos momentos, quando age com malevolência, e que outras ocasiões ele se torne suave, quando age por amor. Você deve procurar obter um coração maternal. Veja, uma mãe perdoa tudo, e às vezes finge nem ver certas coisas.

 Quem faz seu trabalho espiritual corretamente encontra desculpas para todos os outros, para justificar suas falhas, mas nunca justifica a si mesmo, ainda que esteja certo. Ele sempre diz ser vergonhoso que não faça o melhor em todas as oportunidades que se apresentam a ele. Por exemplo, ele vê alguém roubando e pensa, “Se eu não fosse ajudado por Deus, eu estaria agora roubando ainda mais do que ele. Deus me ajudou, e em troca eu me arrogo todos os Seus dons. Eu sou o maior ladrão. A diferença é que seu roubo é visível, enquanto o meu ninguém vê”. Assim, ele condena a si mesmo e julga seu irmão humano com leniência. Ou então, quando ele vê uma falha em outra pessoa, seja séria ou trivial, ele a desculpará com pensamentos bons e positivos. Ele pensa nas suas muitas faltas, que são evidentes para todos. Pois, se alguém se observa com cuidado e honestamente, encontrará muitas coisas erradas em si próprio, e dessa maneira ele poderá facilmente justificar o outro. Quantas coisas reprováveis não fazemos! “Não se lembre dos pecados de minha juventude, nem minhas transgressões, Senhor![38]”.

 - Geronta, quando me solicitam ajuda e eu me prontifico de bom grado, mas causo algum prejuízo devido à minha pressa, eu me justifico, caso seja repreendido.

 - Você fez algo bom, mas no processo você também causou algum dano. Aceite a reprimenda pelo pequeno dano, a fim de receber a recompensa total no Paraíso. O diabo é muito ardiloso. E ele conhece seu negócio: afinal, ele tem milhares de anos de experiência. Assim, ele tenta você para que se justifique, a fim de despojá-lo de todo benefício espiritual pelo bem que você fez. Quando você vê alguém que está esgotado e suando enquanto carrega nos ombros uma carga pesada, e você corre para ajudá-lo, pois bem, isso consiste numa inclinação natural de sua parte. Você viu o peso que ele estava carregando e foi movido pelo philotimo para ajudá-lo. Mas, para ser capaz de sustentar uma reprimenda feita injustamente a você por alguém, isso implica “carregar” um peso espiritual imenso. Ora, se buscamos imediatamente nos justificar quando outros nos criticam, isso mostra que ainda estamos carregando ativamente em nós as disposições mentais mundanas.

 - Geronta, por que recorremos a desculpas?

 - Devido ao egoísmo. A desculpa é uma queda; ela afasta de nós a Graça de Deus. Não apenas não devemos nos desculpar, como devemos acatar a injustiça feita contra nós. É a autojustificação que nos distancia do Paraíso. Não é o que aconteceu a Adão? Deus perguntou a ele: “Você comeu da árvore proibida?”. Ao invés de responder, “Sim, Senhor, eu desobedeci ao seu mandamento e pequei; perdoe-me”, ele tentou justificar sua desobediência: “A mulher que você me deu ofereceu-me o fruto, e eu o comi”. Essa resposta é como se ele dissesse: “Você quer me culpar pela minha transgressão, mas foi você quem criou Eva!”. Nesse caso, é claro que Adão não precisava ter obedecido a Eva. Deus fez a mesma pergunta a ela, e ela respondeu: “A serpente me enganou, e eu comi”. Se Adão tivesse dito, “Senhor, eu pequei, me perdoe”, e se Eva dissesse, “Eu pequei, Senhor”, tudo estaria certo. Mas eles recorreram a desculpas.

 - Geronta, onde está a falta quando alguém não compreende o quão erradas são essas desculpas?

 - No que consiste a falta? Na verdade, devemos nos perguntar quem está em falta!  Quando alguém tenta se justificar o tempo todo, imaginando que os demais não o compreendem, que os outros são injustos e que ele é a única vítima sofredora, essa pessoa está fora de controle. E, sabe que acontece uma coisa estranha nessas ocasiões? Enquanto a própria pessoa falha e é injustiçada, ela dirá, “Normalmente, eu aceitaria a injustiça, mas não quero que outra pessoa seja condenada”. Em outras palavras, ela tenta se justificar por meio de um pretenso amor, supostamente para trazer à razão a outra pessoa, que ela imagina que a injustiçou, salvando-a assim do seu pecado! Ou ela pode estar imaginando uma quantidade de explicações para supostamente prevenir mal-entendidos que poderiam levar a outra pessoa ao pecado! Você vê quão ardiloso é o diabo? Vê como é refinado seu trabalho?

  

Quem se desculpa não pode ser ajudado espiritualmente

 - Eu vejo que hoje, jovens e velhos, tendem a justificar todas as coisas com uma racionalização quase satânica. Tudo é interpretado por eles como sendo do diabo, e assim eles se veem fora da realidade. A autojustificação é uma interpretação satânica da realidade.

 - E como pode, Geronta, que algumas pessoas sejam capazes de contar cada palavra dita a elas?

 - Oh, é uma coisa terrível tentar uma conversação com uma pessoa acostumada a desculpar a si própria. É como falar com alguém possuído! Aqueles que se justificam com desculpas – Deus me perdoe – têm no diabo seu guia. São pessoas atormentadas, que não têm paz no coração. Elas refinaram essa autojustificação ao nível de uma ciência. Em outras palavras, assim como um ladrão não dorme toda a noite, esquematizando como será seu próximo roubo, essas pessoas estão constantemente pensando em como justificar suas faltas e iniquidades. Assim como algumas pessoas pensam em maneiras de fazer o bem, ou serem humildes, elas, ao contrário, imaginam modos de desculpar o indesculpável. Elas se tornam advogados! Você não chega a lugar algum com elas; é como se estivesse conversando com o próprio diabo. Oh, como eu passo mal com essa gente!

 Eu estive conversando com um deles por longo tempo. “O que você está fazendo não é certo; você precisa prestar atenção nisso; você não está fazendo as coisas direito; você deveria agir assim e assim...”. Mas ele tinha uma resposta para tudo, sempre uma desculpa; e, ao final, ele disse: “Você não me disse o que devo fazer!”; “Meu bom homem, o que estivemos nós falando todo esse tempo? Nós apontamos suas faltas, as coisas em que você não estava certo; mas você continuou produzindo excusas. Por três horas, você me esgotou! Como pode me dizer agora que eu não lhe disse o que fazer?”. Podemos apresentar a ele uma lista de exemplos, para fazê-lo entender que ver as coisas por esse prisma é indicação de um egoísmo satânico, que ele está de fato aceitando influências demoníacas, e que, se ele não mudar, estará perdido; e, no final, ele diz: “Você não me disse o que fazer!”. Não é de enlouquecer? Bem, se você não se preocupar, você pode dar de ombros e dizer, “Deixe...”. Mas se você se preocupar, você irá quase explodir. Eu considero abençoadas as pessoas que conseguem ficar indiferentes.

- Mas, certamente, Geronta, você jamais gostaria de ficar indiferente.

 - Pelo menos as pessoas indiferentes não sofrem tamanha angústia em vão. Sofrer por alguém que está aflito, isso tem sentido e fim. Mas se queimar, literalmente, tentando instruir uma pessoa em todos os detalhes, para depois ouvir, “Você não me disse o que devo fazer”, e ainda vê-lo desculpar o indesculpável, isso torna a pessoa um demônio! É terrível! Se a pessoa ao menos pensasse no esforço – para não falar na dor – que dispendemos para ajudá-la, ela poderia mudar um pouquinho. Ela vê nossos esforços empáticos, sua preocupação em ajudá-la, sua agonia com a situação dela... e nada disso a toca, ela não se comove com nada!

 - Quando alguém erra e inventa desculpas, e apontamos seu erro, e ele continua a argumentar que não eram desculpas, é possível corrigir essa pessoa?

 - Como poderá ela ser corrigida? Ela sabe que se trata de uma falta, porque isso a atormenta, mas, por causa do egoísmo, ela não quer admiti-lo. É uma coisa terrível!

 - Sim, mas além disso ela diz, “Você não está me ajudando; eu quero que você me ajude, mas você não conversa comigo, e me despreza”.

 - Também isso provém do egoísmo. É como se nela dissesse, “Não é minha falta, a falha é sua se eu não estou fazendo direito!”. É assim que a coisa termina. Deixe-a só; não se envolva mais com ela, pois ela não quer ser ajudada. Tampouco o Pai Espiritual, o Abade ou a Abadessa têm qualquer responsabilidade sobre essa alma. Trata-se de um egoísmo satânico, não humano. O egoísmo humano é quando alguém não tem humildade ao dizer, “Padre, abençoa-me, eu errei”, mas ao menos não tenta se justificar. Aquele que se justifica quando está errado transforma seu coração num refúgio demoníaco. Se ele não destruir esse ego satânico, irá de uma falta a outra, e estará constantemente afligido pelo egoísmo, sem benefício algum. E, se a pessoa não perceber o quão prejudicial é essa justificação, talvez ela consiga uma circunstância atenuante. Mas se ela sabe, ou outros lhe dizem, então não há circunstância atenuante.

 É preciso muito cuidado quando você tenta ajudar alguém que costuma arrumar desculpas para si próprio, porque às vezes o que acontece é isso: uma vez que ele arruma desculpas para si mesmo, isso significa que ele é muito egoísta. Assim, quando você suas faltas, ele simplesmente dirá mais mentiras e dará mais desculpas, para provar isso ou aquilo, para não se sentir ofendido. Então, quando você mostra para ele o que ele está fazendo, ainda que seja para ajudá-lo, você faz dele um mentiroso e um egoísta ainda maior. A partir do momento em que você notar que ele continua com as escusas, pare de tentar provar seja á o que for a ele. Apenas ore a Deus para que o ilumine.

  

Se você não ficar se explicando, Deus irá justificá-lo

 - Geronta, quando alguém me censura, muitas vezes eu sinto que devo dar alguma explicação, e digo, “Sim, é verdade, mas...”.

 - Por que você acrescenta esse “mas”? Esse “mas” é sem... sal; ele distorce tudo. Melhor dizer: “Peço sua bênção; com suas orações eu serei mais atento da próxima vez”.

 - Geronta, se alguém chega a uma conclusão errada sobre mim a respeito de alguma coisa que fiz, é necessário explicar minhas ações?

 - Se você possuir força espiritual – ou seja, humildade – aceite que você esteve em falta, e não diga nada. Deixa que Deus o justifique. Se você não falar, Deus falará. Veja, quando José foi vendido como escravo por seus irmãos, ele não disse: “Eu sou seu irmão, eu não sou um escravo; meu pai me amou mais do que a todos os meus irmãos”. Ele nada disse, e mais tarde Deus falou e o fez rei. O que você acha? Deus não informou quando foi preciso? Se Deus indicar a verdade para seu benefício, tudo estará bem. Quando alguém se engana a seu respeito, pense que a pessoa não faz isso por maldade, mas porque é assim que ela vê as coisas. Mais tarde, se ela não for maldosa, Deus irá informá-la, ela entenderá a injustiça e se arrependerá. Somente se houver maldade Deus não dirá nada, porque a frequência em que Deus atua é a da humildade e do amor.

 - Geronta, é bom pedir uma explicação depois de um desentendimento?

 - Sua mente ficou perturbada com isso? Surgiram-lhe maus pensamentos?

 - Não.

 - Se seus pensamentos não se inquietaram, não é necessário que outros lhe deem explicações. Mas se seus pensamentos se perturbaram, é bom que haja uma explicação, para que adiante eles não se voltem para o mal.

 - Geronta, e quando você não explica as coisas para se justificar, mas apenas diz como você confrontou a situação, porque agiu assim, etc.?

 - Isso não é necessário. É mais simples dizer, “Perdoe-me”, sem mais explicações. A menos que alguém lhe peça explicações, c aso em que, humildemente, você pode explicar o que aconteceu.

 - Em outras palavras, Geronta, quando devemos dar explicações?

 - Quando se tratar de um desentendimento que envolve outras pessoas é imperativo dar explicações para auxiliar um assunto específico. Ou quando alguém é sensível, um pouco egoísta, e ficará magoado se não falar; então é melhor que ele fale porque agiu assim.

 - Algumas vezes, Geronta, não conseguimos distinguir entre uma justificação e uma explicação.

 - A autojustificação não traz paz e serenidade à alma, enquanto a explicação traz conforto e paz.

  

Aquele que se examina com cuidado não precisa de desculpas

 - Geronta, por que motivo que, mesmo quando eu reconheço minha fraqueza, ainda permaneço propenso a me desculpar?

 - Você não reconheceu suas fraquezas, e é por isso que você arruma desculpas. Se você de fato as reconhecesse, você não ficaria se desculpando. Nós amamos a nós mesmos; não queremos dificuldades, não queremos o trabalho duro. Muitas vezes desejaríamos adquirir riquezas sem trabalhar arduamente. Deveríamos pelo menos reconhecer que, ao confrontar as coisas por meio de desculpas, não estamos no caminho reto – e então, nos tornaríamos mais humildes. Mas não temos nem trabalho, nem consciência.

 - Pode alguém se estudar e se examinar, e ainda assim sentir necessidade de se justificar?

 - Qualquer um que estude a si mesmo de forma apropriada não precisará se justificar. Mas veja, existem pessoas inteligentes e astutas que acabam por cometer grandes tolices. Pois ainda subsiste o anseio pela conveniência pessoa. “O que é conveniente para mim, ou o que serve aos meus desejos?”.

 - Geronta, a pessoa que se justifica, ela não percebe suas faltas na luta espiritual?

 - Não importa no que ela faça, ela será enganada pelo diabo, e justificará qualquer coisa: auto desejo, obstinação, egoísmo, mentiras.

 - Essa pessoa não poderia ser ajudada ao se ver espelhada nos escritos dos Padres da Igreja, e, em particular, na Santa Escritura?

 - Para quem pensa corretamente, espiritualmente, todos os problemas se resolvem através da Sagrada Escritura e os escritos dos Santos Padres. Isso acontece quando a pessoa vê as coisas com clareza. Mas, para alguém que não está trabalhando espiritualmente, e cuja alma não está purificada, mesmo a Santa Escritura é incapaz de ajudá-la, porque ela interpreta tudo erradamente. Para essa pessoa, é melhor contar seus pensamentos ao seu Pai Espiritual e não tentar interpretar por si mesma aquilo que ela lê. Por exemplo, se ela lê qualquer coisa do Antigo Testamento, ela pode facilmente interpretar errado e se enganar.

 Eu já percebi como certas pessoas extraem coisas das verdades espirituais que leem, e interpretam essas coisas da maneira como é conveniente para elas. Não se trata de um entendimento intelectual daquilo que leram, mas de reinterpretarem intencionalmente de modo a justificar a si mesmas. Isso é uma coisa terrível! Também já notei que mesmo a orientação espiritual que lhes é dada, raramente é acolhida apropriadamente. Suponhamos que eu relate um incidente, para dar um exemplo. Enquanto eu estou tentando enfatizar uma coisa específica, algumas pessoas podem tentar isolar um único aspecto de todo o incidente para justificar alguma falta, alguma lacuna de si mesmas, de modo a confortar suas paixões e sua consciência. Elas não percebem que a pessoa à qual me referi como exemplo merece a atenção pelas coisas erradas, e que por isso terminou assim e assim, e preferem raciocinar desse modo: “Se existem pessoas num estado espiritual tão lamentável, até que eu não estou tão mal assim”. E assim elas justificam a si mesmas. As justificativas do diabo são intermináveis.

  

Criar desculpas não produz a paz

 Quem quer que produza desculpas não encontrará a paz ou a consolação. Aquele que justifica a si mesmo, será que se sente justificado por si? O eu, sua consciência, não o justifica, e assim ele não encontra repouso. Isso mostra que ele está em falta. Como Deus lida com esses assuntos? Ele concedeu ao homem o dom da consciência, um bem temível! As pessoas podem adquirir o que quiserem pela crueldade contra os demais, por meio de ardis ou de lisonjas, mas elas não encontrarão repouso. É através dessa ausência de repouso que as pessoas podem julgar se estão ou não no caminho certo.

 Quando alguém aceita uma injustiça, é como receber uma riqueza espiritual, e ela se alegra. Ao contrário, quando ela se justifica, é como gastar parte de sua riqueza sem ter alegria. O que eu quero dizer é que a pessoa ofendida não obtém a consolação espiritual que receberia se não tentasse se justificar. Imagine então quando a pessoa comete uma falta e ainda assim tenta se justificar! Elas obtém apenas ira de Deus, tentando ficar com algo que não lhes pertence; elas desperdiçam a riqueza que lhes foi dada. Pode obter repouso, aquele que desperdiça?

 Ao se justificar, a pessoa se torna cega. Mesmo que tenha matado alguém, o diabo arrumará uma justificativa para tanto. Ele segredará à pessoa: “Como você aguentou isso por tanto tempo? Você deveria tê-lo matado antes”. E a pessoa pode até esperar uma recompensa de Cristo pelos pouco anos em que aturou o outro. Vê a que ponto tudo isso pode levar?

 - Geronta, uma vez que a pessoa que se justifica, sofre, por que ela aceita o tormento de sua consciência?

 - É uma questão de hábito. Para quebrar esse hábito, é preciso força de vontade. E a pessoa precisa não apenas aprender a não se justificar, mas ainda aprender a pensar de acordo com os Evangelhos e os Santos Padres, patristicamente. Pois se ela não se justifica, mas ainda acredita em seu coração que não errou, ela só piora as coisas. Pois se ela se justifica, alguém poderá lhe dizer alguma coisa em conselho, capaz de ajudá-la a se afastar de seu erro. Do contrário, ela pode não dizer nada abertamente, mas pensar consigo mesma: “Eu estou certa, mas não falarei para me escusar, porque sou uma pessoa superior”. E assim ela permanece no seu erro.

  

Assumamos nossa carga

 - Geronta, ontem você disse que a paciência é uma coisa, e que tolerância é outra. O que isso quer dizer?

 - Paciência não significa tolerar alguém. Quando eu dig que tolero alguém, é como dizer: “Ele é um desgraçado; mas eu sou gentil, eu o tolero”. A verdadeira paciência consiste em se sentir responsável por sua condição e apiedar-se disso. Isso requer muita humildade e amor, e é assim que recebemos a Graça do Senhor, e a outra pessoa é auxiliada. Quando eu encontro alguém que é aleijado, mudo ou adicto de drogas, devo pensar comigo mesmo: “Se eu estivesse em bom estado espiritual, eu poderia orar a Deus, e Deus curaria essa pessoa”. Mas Cristo disse, “Eu lhes dei o poder de realizar milagres ainda maiores do que eu”. É assim que o sentimento de dor e amor pela outra pessoa deve chegar a nós. Quando eu digo, “Bem, não há nada que eu possa fazer por ele, ele está incapacitado. Vou me sentar com ele por alguns instantes; assim eu receberei alguma recompensa”, quando eu digo isso, eu apenas tolerei e estive com ele um pouco, justificando para mim mesmo que cumpri com meu dever.

 -  Geronta, é sempre benéfico assumir a culpa inteiramente para nós?

 - Sim. E, se você for capaz de suportar essa carga, será muito útil. Repreenda a você mesmo em todas as coisas. Toma as faltas dos outros e as coloque sobre si mesmo, pedindo a Cristo que o ajude a suportar o peso. E, caso você tome sobre si um peso ou uma responsabilidade maiores do que for capaz, ou ainda que você não esteja sob falta alguma, acredite que, de alguma forma oculta, você é responsável, e você não se vangloriará, nem se encherá de orgulho, e receberá a Graça de Deus em abundância. Mas você deve tomar o cuidado de discernir até que ponto você é capaz de carregar semelhante peso. Pois, se não for capaz, você pode ter uma “hérnia”, ou um “deslocamento de disco”...

 - O que pode ser considerado como uma “hérnia”, ou um “deslocamento de disco”, nesse caso?

 - Por exemplo, quando você assume a responsabilidade por uma falta que você não consegue suportar, sem dar explicações, e então começa a se queixar, a ficar exasperado, e a condenar...

 - Mas então, se eu der uma explicação, isso não seria uma justificativa?

 - Bem, trate de justificar apenas a parte que você não pode suportar, e deixe o resto. Se alguém é sensível, por exemplo, essa pessoa só deve assumir o que for capaz, sem pretender ser forte. Ela deve examinar a si mesma, e ser “injusta” consigo com discernimento, de acordo com sua capacidade de carregamento, para que o inimigo não possa alternadamente incliná-la à sua hipersensibilidade ou ao desespero profundo, tornando-a inútil.

 - Geronta. Às vezes, não apenas me é difícil aceitar algo errado feito a mim, como ainda eu procuro colocar a responsabilidade de minha falta sobre outra pessoa.

 - Dessa maneira, não só você não está carregando o peso do outro com amor, como ainda gostaria de passar seu próprio peso, seja para alguém mais forte, seja para alguém mais fraco. Você precisa adquirir bravura espiritual, para assumir sobre seus ombros a inteira responsabilidade por seus pecados. Quanto mais pessoa assumimos, seja das faltas dos outros, seja das nossas, mais o Deus Benevolente aliviará o peso de nossos próprios pecados e nos concederá a felicidade espiritual.

 Pouco valor tem, para quem é fisicamente forte, carregar nos ombros dois sacos de cimento, para aliviar alguém mais fraco que não pode suportá-los. Mas assumir o peso das faltas de outrem, torná-las suas, ainda que possa parecer que ele próprio esteja em falta, isso consiste numa grande virtude, uma grande humildade.

 No Mosteiro Cenobítico da Montanha Santa, um noviço disse palavras ásperas ao Typikaris[39], que era um monge-sacerdote, porque quando este rezava o ofício litúrgico, o noviço quis lhe mostrar qual hino kondakion deveria ser lido primeiro. Quando o Typíkaris quis ajudá-lo, o noviço se irritou. Depois do ofício, ele se trancou em sua cela. O Typikaris aceitou isso, tomou para si o peso da responsabilidade e sentiu muito remorso, pensando ter sido ele a causa da reação irritada do Irmão. Sua consciência ficou perturbada. E, embora o Typikaris fosse o responsável pela ordem correta do culto, ele não levou em contra o fato de que estava apenas cumprindo seu dever, mas disse para si mesmo: “Eu sou o responsável pela irritação do meu Irmão”. Ele foi à cela do noviço para se prostrar diante dele e lhe pedir perdão. Mas o noviço havia trancado a porta e não queria abri-la. Então ele se sentou diante da porta e aguardou da manhã até a tarde, na hora das Vésperas, quando o noviço foi obrigado a sair. Nesse momento o Typikaris se prostrou diante dele e disse: “Irmão, perdoa-me, eu errei!”. É assim que a Graça de Deus chega até nós.

 

***

 

SEGUNDA PARTE

JUSTIÇA E INJUSTIÇA

 Capítulo III

A Justiça Divina e a Justiça humana

 

A Justiça Divina

 - Geronta, o que é a justiça divina?

 - A justiça divina consiste em dar o que deixa resto aos demais. Se, por exemplo, você tem algo para partilhar com o outro, você não deve oferecer metade do que você tem, mas mais do que ele precisa. Diga a ele: “Quanto você precisa? Dois e meio? Três? Pegue”. Dê o bom e fique com a sobra. Dê mais e fique com menos. Veja, digamos que uma Irmã nos traga agora dez ameixas. Se eu comer oito delas por gulodice e deixar duas para você, estarei sendo injusto e errei com você. Se eu disser, “Como estamos em dois, comerei cinco de deixarei cinco para você”, eu mostrarei uma justiça humana. Mas se eu ver que você gosta de ameixas, comer apenas uma e lhe disser, “Em nome do amor, coma o resto, porque eu não gosto tanto assim de ameixas, e elas fazem mal ao meu estômago”, então você mostrará a justiça divina.

 - Então o que é a justiça humana?

 - A justiça humana é quando, por exemplo, você algo para dividir com outra pessoa e você dá metade a ela e fica com metade.

 - Geronta, que lugar a justiça humana ocupa na vida espiritual?

 - A justiça humana não é para as pessoas espirituais; ela serve unicamente para refrear as pessoas mundanas. Uma pessoa espiritual será tola se contar com a justiça humana, que não é nada comparada à justiça divina. Mas, mesmo uma pessoa mundana, embora possa obter alguma coisa nessa vida pela aplicação da justiça humana, jamais obterá verdadeiras alegria e paz.

 Digamos que dois irmãos possuam um pedaço de terra de dez hectares. De acordo com a justiça humana, cada qual terá direito a cinco hectares. A justiça divina dará a cada um o que ele necessita. Se, por exemplo, um dos irmãos tiver sete filhos e o outro apenas dois, ou se um irmão for menos produtivo do que o outro, então o que tem maiores necessidades deverá receber um pedaço maior de terra. nesse caso, não será justo que ambos recebam a mesma quantidade de terra. a pessoa mundana não leva em consideração que um dos irmãos tenha dificuldades. Ela não entende que a divisão da terra em duas metades iguais é injusta, porque ela não pensa de maneira espiritual. Você diz: “Você deve tentar convencer sua família a dar mais para seu irmão que está em dificuldades”, e o outro dirá: “Por quê? Eu não estou sendo justo dando a ele a metade?”. Mas se ele fosse uma pessoa espiritual, ainda que sua esposa e filhos objetassem, ele os convenceria a deixar que seu irmão decidisse, e aceitaria qualquer oferta dele. Se seu irmão dissesse: “Você receberá um hectare”, ele o aceitaria sem dizer nada, para que o outro pudesse ter paz, possuindo os demais nove hectares. O Evangelho nos mostra a melhor maneira de dividir propriedades.

 Eu sempre fico impressionado com a nobreza de espírito de Abrahão. Quando os pastores de Lot e Abrahão começaram a discutir sobre os pastos para suas ovelhas, Abrahão foi a Lot e lhe disse: “Não é certo discutirmos, pois somos parentes. Onde você prefere ir? Quer ir nessa direção, ou prefere a outra?”. Lot respondeu de maneira humana e escolheu a direção de Sodoma e Gomorra, que possuía pastos verdes, e sabemos o que aconteceu depois! Abrahão agiu de acordo com a justiça divina, dando a Lot a primeira escolha, e alegrou-se quando Lot escolheu as melhores terras.

  

O justo julgamento de Deus

 - Geronta, isso constituiu o justo julgamento de Deus?

 - O justo julgamento de Deus é sua indulgência, que é cheia de humildade e amor. Deus é Justo e Correto, mas também Compassivo; e sua compaixão ultrapassa sua justiça. Vou lhe dar um exemplo para ajudá-lo a compreender. Se uma pessoa nunca teve oportunidade de aprender a respeito de Deus, ela não será julgada de acordo com a condição em que se achar, mas na condição em que ela estaria se tivesse conhecido a Deus. De outro modo, Deus não seria justo. A justiça divina tem seus próprios critérios matemáticos. Um mais um, às vezes é dois, e às vezes é um milhão.

 - Geronta, como a justiça divina se aplica a alguém que está em falta?

 - A justiça humana diz: você está em falta? Deve ser punido. A justiça divina diz: você está consciente de sua falta e sente arrependimento? Você está perdoado. Veja, mesmo pelas leis humanas, se uma pessoa que não é suspeita de haver cometido um crime se arrepende sinceramente, e por sua própria iniciativa confessa seu crime às autoridades, ela será julgada com leniência. E, se essa pessoa é julgada com leniência por seus camaradas, quanto mais o será pelo Justo e Compassivo Deus!

 Estamos nas mãos de Deus. Deus nos observa de perto e conhece nossos corações. Ele não será injusto conosco. Uma vez que existe a justiça divina e a recompensa divina, e que Deus nos ama – que é o mais importante – então, qualquer bem que alguém tenha feito não será perdido. É por isso que quem procura a justiça dos homens não está bem da cabeça, e é espiritualmente deficiente.

 Eu já vi pessoas que foram enganadas, mas que aplicaram a justiça divina, e assim Deus as justificou ainda nessa vida. Lembro-me no exército, após a guerra, quando um general chegou para distribuir medalhas. Eu estava ausente nesse dia. Quando eu fui chamado, um outro soldado de Tessália adiantou-se e recebeu a medalha. Os outros soldados nada disseram, porque tal mentira seria punida com a prisão. Quando o general se retirou, o soldado se escondeu, sabendo que seus companheiros iriam agredi-lo. Quando eu retornei à base, ele estava com medo até de mim. gradualmente, com o tempo, ele chegou a admitir para mim, “Perdoe-me, por favor, pois eu fiz isso”. Então eu lhe disse: “Você fez certo em ficar com a medalha. O que eu faria com ela?”. Depois disso, ele chegou a usá-la, inclusive em paradas.

 Depois de quarenta anos, o general de campo do Primeiro Exército da Tessália veio ao Mosteiro e me deu a medalha de Alexandre o Grande. Quando eu vi isso, tive vontade de rir! Quarenta anos depois! Eu fiquei impressionado ao saber que o soldado era da Tessália, e que o general também era. Vê como as coisas acontecem? Quando tentamos nos justificar, não apenas perdemos as coisas terrestres, como perdemos as coisas que Cristo prepara para nós na próxima vida, por termos sido enganados. Em outras palavras, por coisas indignas podemos acabar perdendo o mais importante, as coisas eternas. Essas coisas terrestres são indignas de qualquer maneira, e não têm utilidade para nós.

  

Os direitos[40] do monge são retidos por Cristo para a outra vida

 - Geronta, o que se entende por direitos?

 - O conceito de direitos constitui um raciocínio mundano. Quanto mais mundana é a pessoa, mais direitos ela pensa ter; quanto mais espiritual, menos direitos ela quer ter. Em especial, o monge que só tem responsabilidades; esse não tem direito a nada. O que eu quero dizer é que ele não deve fazer exigência a ninguém, a respeito de nada. Pois um monge que renunciou a tudo por amor a Cristo, buscar por direitos é sempre um erro. É um insulto a Cristo e ao Monasticismo. As pessoas mundanas, enquanto tais, possuem muitos direitos. Mas os direitos do monge, assim como da pessoa espiritual, Cristo os retém para a próxima vida.

 Hoje em dia, o conceito de direitos surge em quase todas as pessoas jovens, incluindo nossos monges. Alguns monges jovens não entendem por que se tornaram monges e o que significa o Monasticismo, e por isso possuem um espírito mundano, uma lógica estranha, uma espécie de visão de direitos humanos que se aplica a todos os pontos de vista. Essa visão de direitos humanos começou com o espírito europeu e penetrou até mesmo no Monasticismo.

 Atualmente, no Monasticismo, encontramos muitas vezes esse espírito: “Eu não prejudico as pessoas, e não quero que as pessoas me prejudiquem; eu não sou injusto, eu sou uma boa pessoa”. Outros dizem: “Eu cumpri com meus deveres, eu ajudei nisso e naquilo, e agora está feito. Eu estou bem. O outro trabalho não é meu, estou fora. Vou para minha cela cuidar das minhas coisas espirituais”. Eles não consideram que a outra pessoa pode estar doente, ou que tenha uma dor de cabeça e não possa trabalhar, ou que trabalhe menos porque ficou de vigília e esteja muito cansada. Ou ele pode dizer: “Essa porção de comida é minha, eu me esforcei por ela”, sem examinar se a outra pessoa está fraca, ou se precisa de alimentação extra. Apesar de estarem num lugar espiritual, esses monges acabam tendo uma mentalidade mundana, e se tornam consistentemente mundanos. Você vê no que consiste uma pessoa espiritual como uma perspectiva mundana da vida?

 Eu tenho observado o seguinte num número considerável de monges: o jejum, as orações, os ofícios, os afazeres e tarefas assinalados, tudo eles fazem. Vestem o hábito monástico, seguem a regra, mas sua perspectiva, ao invés de espiritual, é mundana, porque eles buscam evitar serem reprimidos, serem corrigidos. Vale dizer, eles lidam com as coisas de acordo com a justiça humana, e muitas vezes nem isso. Como você pode se comunicar com alguém assim num nível espiritual? Eles regulam suas vidas de tal modo que Cristo terá certeza de saber o que eles esperam do futuro! Apesar de que, de fato, Cristo conhece a todos e sabem o quanto estão errados, o quanto cada um sacrifica, e os recompensará de acordo, os monges mundanos pretendem contar seus pontos por sua própria conta.

 Fico exasperado com a mentalidade atual, que vejo em muitos monges jovens. Como a justiça humana pode se adaptar à vida espiritual? Se mesmo na vida mundana não é possível ficar só na justiça humana, quanto mais na vida espiritual! Quando eu estava no Mosteiro Cenobítico, todos tentavam fazer algum sacrifício – no trabalho, na alimentação, em todos os aspectos da vida, e esse era o espírito: cada pessoa pensava primeiro nos outros, e assim vivia-se no Paraíso. Se alguém estivesse no refeitório, por exemplo, ele tentaria comer menos para deixar mais para outro monge. Ainda que estivesse fraco e necessitado, ele não levava isso em conta. E tampouco examinava a condição da outra pessoa. Ele fazia o sacrifício. Ele também não se permitia raciocinar, “será pior para ele se comer demais”. Pois, a partir do momento em que um monge está preocupado em não ser injustiçado, em não se cansar demais, em não trabalhar muito, é como se ele não acreditasse que Deus existe, que existe uma outra vida, um Julgamento futuro e uma recompensa divina. Ainda que ele trabalhe apenas um pouco além do usual, isso não terá sido em vão. Somente os animais trabalham em vão. E, ainda assim, esses pobres animais, embora sofram por nossa causa, devido à transgressão de Adão e Eva que fez com que toda a natureza gema conosco, continuam a se sacrificar por nós. Isso é terrível! Você vê o que os animais selvagens sofrem quando são feridos por caçadores.  Eles têm suas pernas quebradas e, incapazes de correr, se tornam presa de animais maiores, sem nenhuma recompensa. Uma pessoa que não compreende isso não é um ser humano. É por isso que Deus deu ao homem um cérebro, para pensar e encontrar seu caminho. Agora, não estou dizendo que alguém deva se matar de trabalhar, mas que deve trabalhar com philotimo.

 - Em outras palavras, Geronta, você deseja que nosso coração salte e se alegre quando tentamos levar paz e conforto aos demais.

 - Sim, porque quando você tenta levar a paz e o conforto aos outros, e se abandona às mãos de Deus, você não se cansa. Naturalmente, se você se cansa e diz para si mesmo que está cansado por ajudar os demais, bem, o benefício espiritual se vai; você o perdeu. O que Cristo daria em troca de sua miséria, você se pergunta. Ele lhe dará um tapa na cara.

 Preste muita atenção nisso: é esse o trabalho espiritual que você deve fazer. De outro modo, mesmo os esforços ascéticos que você faz não o beneficiarão, porque se a pessoa não faz seu trabalho espiritual corretamente, ela estará atuando numa frequência diferente da de Deus. Então, tudo será feito em vão: as prostrações, o jejum, tudo. Não digo que essas coisas não devam ser feitas, mas que não devemos pensar que, apenas por fazê-las, tudo estará em ordem!

  

Eles têm outro Evangelho

 - Geronta, quando uma pessoa pode ser considerada justa?

 - De acordo com o mundo, uma pessoa justa é alguém que julga com base na justiça humana. Mas a perfeição implica ser justo não com base na justiça humana, mas na justiça divina; pois é então que Deus nos abençoará. Quando eu não coloco meu ego e meu interesse próprio em minhas ações, então, num certo sentido, eu obrigo Deus a me conceder Sua divina Graça.

 Toda justiça humana, mesmo a mais perfeita, sempre contém elementos humanos. E, enquanto a justiça humana persistir num homem espiritual, o Espírito Santo tentará removê-la como se fosse um corpo estranho, enquanto o homem luta com os altos e baixos que o esgotam espiritualmente. Quando ele adquire a justiça divina, então ele se torna brilhante de pureza e divina iluminação.

 - Geronta, quando alguém diz que foi injustiçado e tratado erroneamente, será útil lembrá-lo de que existe também a justiça divina?

 - Não, é melhor dizer-lhe que examine as coisas de modo espiritual, segundo o Evangelho. Pois, se você lhe disser que existe a justiça divina, ela acreditará que foi de fato tratada injustamente, quando, na verdade, foi ela que tratou injustamente aos demais.

 É verdade que um coração pode ser muito ferido... Encontrei alguém que ia regularmente à Igreja, que jejuava, etc., e que tinha a impressão de levar uma vida espiritual. Ao mesmo tempo, embora possuísse cinco apartamentos, recebesse dois salários e não tivesse filhos, ele não dava um dracma sequer aos pobres. Então eu lhe disse, “Você tem tantos parentes pobres, por que não dá algo a eles? O que fará você com sua riqueza? Dê alguma coisa para as viúvas e os órfãos”. Sabe o que ele me disse? “Você quer dizer que não devo receber o aluguel de minha irmã viúva?”. Quando eu ouvi isso, o sangue me subiu à cabeça. Veja, essa é a justiça mundana para ele! “Como as crianças que vão passar fome não são minhas, eu não sou responsável por elas. Eu não sou injusto. Deus me proibiu ser injusto com qualquer pessoa”. É isso que ele disse para confortar seus pensamentos, sua consciência, mas 3ele não obtém com isso a verdadeira paz e o conforto. Com um raciocínio humano e um senso mundano de justiça, ele permanecia indiferente ao sofrimento de outro ser humano. Como poderia ele experimentar qualquer coisa de espiritual? Existem pessoas que podem dar uma casa inteira como esmola, mas que levarão à justiça a pessoa que lhes deve um mês de aluguel. Como explicar isso?

 - Geronta, é isso a justiça humana?

 - Isso nem chega a ser justiça humana. Só tem o mínimo de alguma justiça humana. Alguém dá cem mil para uma pessoa, e depois tenta barganhar com o motorista de taxi, ameaçando denunciá-lo à fiscalização de turismo por causa de mil dracmas. Como explicar isso?

 - Não seria uma doença mental, Geronta?

 - Não, essas pessoas têm a mente sã.

 - Serão essas grandes doações fruto do orgulho, para satisfazer seu ego?

 - É isso. Eles doam largas somas por orgulho; fazem-no para sua própria glória, não para a glória de Deus. Elas podem doar tudo o que têm, mas não sentem amor.

 Hoje em dia existe um falso espírito. Mesmo as pessoas espirituais buscam a justiça legal, mas proclamam acreditar e crer em Deus! “Minha justa pretensão, sua justa pretensão...”. Esse é o “evangelho” da razão, essa estranha razão, que eu preferia que não existisse! Eles dizem: “Não quero que me façam de tolo”. Mesmo cristãos irão processar qualquer pessoa. Ainda que estejam certos, não deveriam ir aos tribunais; quanto mais quando estão errados! Essa é a razão pela qual muitos se tornam descrentes. Eles veem que alguém, que não vai à Igreja nem participa das vigílias, não leva os outros aos tribunais, enquanto o que se diz cristão processa os mais pobres por quantias ínfimas de dinheiro, para receber o que pensa ser seu por direito. Falo de pessoas que processam o outro, e eu digo a ele: “Você está necessitado? Tem muitos filhos? Está sendo obrigado por sua esposa?”. “Não, faço isso em nome da justiça”, é a resposta.

 O que dizer? Acima de tudo, isso é resultado de um modo de pensar que determinados grupos tinham no passado. Há tempos que me lembro de um incidente que não posso esquecer. Havia num hospital algumas enfermeiras que eram irmãs leigas muito dedicadas. Um doutor precisava fazer um exame utilizando radiação numa criança, e pediu que uma enfermeira o assistisse, mas nenhuma queria, por medo da radiação. Como elas eram irmãs celibatárias e dedicadas, elas poderiam ajudar sem questionamento. Se desejassem se casar, talvez houvesse razão para se preocuparem. Mas, ainda que quisessem constituir família, elas deveriam estar preparadas para fazer um sacrifício, sendo espirituais como eram. Elas deveriam até disputar para ver quem ajudaria o médico. Afinal, outra enfermeira se ofereceu para ajudar, uma que sequer levava uma vida espiritual e que planejava casar-se um dia, e ela o fez porque se compadeceu da criança doente.

 O que é pior em todos esses casos e que essas pessoas sequer se perturbaram em suas consciências, dizendo, “Essas coisas não são para nós. Estamos aqui para coisas espirituais”. Elas podem até mesmo pensar, “Essa pessoa por encontrar conforto sacrificando a si mesma, mas eu encontro conforto permanecendo quieto e em paz...”, e podem mesmo criticar a outra p0essoa por não ser espiritual. Mas a verdade é que Cristo se sente confortado onde existe nobreza espiritual, onde o espírito de sacrifício não proclama a si mesmo.

 - Geronta, quando vemos alguém em dificuldades, não devemos ajudá-lo de toda maneira possível?

 - É claro! Mas eu observei um certo espírito mundano que se introduz em muitas pessoas espirituais. Elas estabeleceram seu próprio “evangelho” mundano, um “evangelho” feito à sua medida, e dizem a você, “Um cristão deve preservar sua dignidade; ele não pode parecer um tolo”. Em outras palavras, eles lidam com tudo usando uma racionalidade e um senso de justiça mundanos. Elas insistem em obter o que lhes é devido. “Eu tenho esse direito”, dizem elas, “não estou prejudicando ninguém, e não quero que ninguém me acuse ou me prejudique!”. E, ao mesmo tempo, elas têm a consciência limpa, assumindo que estão certas. Podemos ver numa pessoa assim todos os direitos mundanos. Ela não possui philotimo, nem sacrifício, nada; ela estabeleceu seu próprio “evangelho”, mas não se relaciona com Deus. Como pode uma pessoa assim ser coberta pela Graça de Deus?

 Quando eu servi o exército, havia um operador de telégrafo na força aérea que chegou à nossa companhia para receber suas mensagens. Ele era teólogo e proferia sermões, e nos sentíamos familiarizados com ele. Mas todos se referiam a ele como o “Jesuíta”, porque ele nunca se sacrificava, nem prestava o menor serviço aos demais. Houve uma vez em que eu lhe disse, “Já que você está indo para a base aérea, você pode entregar essas mensagens para fulano e cicrano?”. “Não”, respondeu ele, “eu faço o que me cabe e vocês devem fazer o que lhes cabe”. Dessa forma ele mantinha sua consciência limpa, pensando que não havia prejudicado ninguém. Mas é claro que sabemos que Cristo não ensinava que “quando alguém lhe pede educadamente que carregue sua carga por uma milha, carregue-a por duas milhas”, mas sim, “se alguém o forçar a carregar sua carga por uma milha, carregue-a por duas milhas”. E mais uma vez, Ele não disse “se alguém pedir sua túnica, dê a ele também a capa”, mas sim, “se alguém processá-lo para tirar sua túnica, deixe-o levar também a capa”. Cristo disse essas coisas, mas esse homem, embora se considerasse espiritual, dizia “eu faço o que me cabe e vocês devem fazer o que lhes cabe”. Isso é como dizer, “Eu seria tolo se alguém me pedisse uma coisa e eu lhe desse duas”. Mais uma vez, eu pergunto, como pode a Graça de Deus se aproximar dessa pessoa? Ao contrário, quando o princípio bíblico é aplicado, quando alguém é obrigado a caminhar uma milha e caminha duas, então Cristo opera, e a pessoa que a compele se transforma espiritualmente e começa a pensar de maneira diferente: “Meu Deus, veja isso, eu a obriguei a caminhar uma milha e ele se ofereceu alegremente para caminhar mais uma! Quanta gentileza!”.

 Se Cristo possuísse essa lógica mundana que muitas pessoas espirituais mostram hoje, ele não teria deixado seu Trono os Céus para descer à terra, para sofrer e ser sacrificado por nós, miseráveis seres humanos. Mas, oculto em seu aparente fracasso humano... ele salvou a todos nós. E o que ele suportou para nos trazer a salvação! Ele se humilhou a ponto de ser estapeado e insultado: “Profetize para nós, Cristo: quem lhe bateu agora?”. Os judeus levaram um jogo cruel com Jesus. Você imagina o quão triste eu, criança, ficava quando os outros meninos brincavam com ostras quentes? Imagine agora fazer esse jogo com Cristo, batendo nele pelas costas e dizendo a ele que adivinhe quem foi que lhe bateu! Que coisa horrível! E agora buscamos um tipo de Cristianismo sem crucificação; queremos ir direto para a ressurreição. Estamos tentando formar um Cristianismo e um Monasticismo à nossa medida. Não queremos ser desprovidos de nada.

 Mas, se quisermos ter a experiência do sobrenatural, devemos viver sobrenaturalmente.

  

***

 

TERCEIRA PARTE

PECADO E ARREPENDIMENTO

 

“O verdadeiro arrependimento começa quando a pessoa se torna consciente de sua falta, sofre por isso, pede perdão a Deus e se confessa. É assim que chega a consolação divina. É por isso que eu sempre recomendo o arrependimento e a confissão; eu nunca recomendei apenas a confissão.”

 

 Capítulo I

O pecado tortura o homem

 

A purificação do coração

 - Geronta, como Cristo cabe num coração humano?

 

- Ele cabe, mas há pessoas que não querem contê-lo, porque não fazem esforços para se corrigir. O coração deve ser puro para que Cristo caiba nele. “Cria em mim um coração puro, ó Deus!”.

 

- Geronta, como é possível que os animais selvagens não firam os santos?

 - Quando os seres humanos são domados, os animais selvagens são também domados e sabem que o homem é seu mestre. No Paraíso, antes da Queda do homem, os animais “selvagens” aproximavam-se de Adão e Eva com reverência, mas depois da Queda eles começaram a atacar os humanos. Quando um ser humano recupera seu status, tal como era antes da Queda, os animais o reconhecem outra vez como seu mestre. É claro que, hoje, vemos seres humanos piores do que animais selvagens, piores do que serpentes venenosas. As pessoas exploram crianças desprotegidas, despojam-nas de seu dinheiro e, quando se veem com problemas, acusam as inocentes crianças, chamam a polícia, e chegam a enviá-las para clínicas psiquiátricas. É por isso que eu leio o Salmo 147, lido por Santo Arsênio da Capadócia para domar os animais selvagens e evitar que eles ferissem as pessoas. Eu leio esse Salmo para que os humanos sejam domados, e que não firam seus camaradas humanos, nem os animais.

 - Geronta, como pode um homem reobter o status que possuía antes da Queda?

 - É preciso purificar o coração. O homem deve adquirir a castidade espiritual, ou seja, a sinceridade, a honestidade, o altruísmo, a humildade, a bondade, a indulgência, o sacrifício. É assim que o homem se torna próximo de Deus, e como a divina Graça vem habitar nele. Quando alguém possui castidade física, mas não a espiritual, Deus não habita nele porque ele hospeda ardis, orgulho, maldade e assim por diante. A vida dessa pessoa é uma simulação; é por aqui que você deve começar a sua luta: adquirindo a castidade espiritual, a pureza espiritual.

 - Geronta, é possível quebrar um mau hábito imediatamente?

 - Em primeiro lugar, o homem deve compreender que esse hábito é prejudicial a ele, e então ele deve querer lutar para quebrar o hábito. A pessoa deve ter muita força de vontade para ser capaz de quebrar um mau hábito de uma vez por todas. Assim como uma corda fricciona a borda de um poço, e com o passar dos anos forma um pequeno sulco que a mantém no lugar, todo mau hábito sulca o coração, tornando difícil livrar-se dele. Por isso devemos ser muito cuidadosos para não desenvolver maus hábitos, porque é preciso muita humildade e força de vontade para superá-los. O Padre Tikon da Montanha Sagrada dizia, “Meu filho, um bom hábito se torna uma virtude; um mau hábito se torna uma paixão”.

 Em qualquer caso, descobri que quando um homem, ao lutar, continua a cometer os mesmos erros e não muda, usualmente a causa é o egoísmo, o amor-próprio e o auto interesse. Faltam a humildade e o amor, bloqueando a intervenção divina. A própria pessoa não permite que Deus a auxilie. Se, por exemplo, Deus a ajuda a superar uma dada paixão, essa pessoa irá egoistamente requerer para si o crédito e assumir que foi uma aquisição sua, sem nenhuma ajuda de Deus.

  

A libertação da escuridão do pecado

 - Geronta, é um pecado muito grave conspurcar o próprio Santo Batismo?

 - Depende de até onde você vai com isso. É possível conspurcar um pouco, ou muito, alguns criam uma mancha, outros duas...

 - Mas é um sério pecado conspurcar nosso Batismo?

 - Sim, é o pecado mortal que conspurca nosso Batismo, e é quando a divina Graça se afasta de nós. É claro, a Graça de Deus nunca abandona o homem, e mesmo nosso Anjo da Guarda jamais nos abandona. Você se lembra do que o diabo disse ao sacerdote pagão sobre o monge que queria casar-se com sua irmã? “Não tenha tanta pressa; ele abandonou a Deus, mas Deus ainda não o abandonou[41]”.

 - Geronta, é possível alguém viver na escuridão do pecado e não se dar conta disso?

 - Não, todos nós temos consciência, mas alguns não se importam. Pois para chegar à luz de Cristo, a pessoa deve desejar sair da escuridão do pecado. Vejamos um exemplo, de alguém que foi acidentalmente colocado numa cela escura. No momento em que ele vir um raio de luz entrar por uma fresta, ele tentará encontrar uma maneira de sair para a luz. Ele irá lentamente aumentar a fresta, para criar uma saída. O mesmo acontece com a pessoa: a partir do momento em que ela vê o bom como uma necessidade, e sente o “bom conforto” de adquiri-lo, ela fará todo o esforço para sair da escuridão do pecado. Se ela disser, “O que estou fazendo é errado, eu não estou no caminho correto”, então ela irá se humilhar, a Graça de Deus virá sobre ela e ela se moverá em direção ao caminho direito. Mas será difícil para ela ser ajudada espiritualmente, se ela não sentir esse “bom conforto”. Alguém por exemplo, está num quarto apertado e sente estar sufocando. Você lhe diz, “Levante-se, abra a porta e saia, para tomar ar e reviver”. Mas ele começa a dizer “Eu não posso sair. Mas por que estou trancado aqui, sem poder respirar? E por que eu não consigo um pouco de ar fresco?”. Bem, diga-me, pode esse alguém ser ajudado? Você imagina quantas pessoas são assim atormentadas apenas poque elas não ouvem quando alguém tenta ajudá-las espiritualmente?

 Pelo peado, o homem transforma o paraíso terrestre num inferno terrestre. Se sua alma está poluída por pecados mortais, ele vive num estado demoníaco; ele se torna ferozmente defensivo, atormentado, e não encontra a paz. Ao contrário, quem se aproxima de Deus e coloca sua mente nas coisas elevadas, nas coisas do Alto, e que sempre mantém pensamentos bons e positivos na mente, permanecerá em paz e viverá no Paraíso, mesmo estando ainda na terra. essa pessoa possuirá uma aura muito diferente da pessoa que permanece distante de Deus, e isso é óbvio para os demais. É, portanto, a divina Graça que mantém a pessoa, quando ela se cuida.

 

Erros intencionais

 Devemos estar em guarda contra pecados e faltas intencionais, porque Deus examinará nossas intenções. Os erros que cometemos por descido são menos sérios. Pecados são pecados, mas alguns têm circunstâncias atenuantes.

 Ademais, quando caímos em erro sem ter intenção, Deus providencia para que o erro seja utilizado para o bem. Isso não significa que temos que errar para que algo de bom aconteça. O que isso significa, é que quando erramos sem intenção, Deus simplesmente usa nossa falta para algum bem. Mas quando planejamos e erramos conscientemente, ainda que nos arrependamos, devemos orar para que nenhum prejuízo ocorra em consequência de nossa falta.

 - Geronta, o monge mencionou o Evergetinos – aquele que caiu num mesmo pecado por dez anos, e que se arrependia a cada vez – e como pôde ele ser salvo?

 - Num certo sentido, ele esteve capturado e cativo do pecado. Ele não tinha uma má predisposição para pecar, mas também não teve ninguém para ajudá-lo; e, como ele estava apenas desencaminhado, ele foi digno de uma intervenção divina. Ele batalhava, sofria, se arrependia sinceramente, e no final Deus o salvou. Veja, uma pessoa pode ter uma boa disposição; mas, se ela não recebe ajuda desde cedo e é deixada extraviada nas mãos do mal, fica muito difícil para ela voltar atrás. Ela tenta, mas cai outra vez, apenas para se levantar de novo. Em outras palavras, ela está todo o tempo lutando. Deus não abandonará essa pessoa, especialmente quando a pobre está fazendo esforços, pedindo a ajuda divina e não pecando propositadamente. Por exemplo, alguém pode ser desencaminhado por qualquer coisa, sem ter nenhuma intenção de cometer um pecado, e, de repente, ser tentado e cometer algum pecado. Ele se arrepende, tenta evitar o pecado, mas é novamente tentado e cai, sem intenção, apenas para se arrepender mais uma vez. Essa pessoa tem circunstâncias atenuantes, porque ela não desejava cometer o pecado, mas sucumbiu à tentação e se arrependeu. Mas quem quer que diga “Se eu tenho que atingir esse objetivo, devo cometer erros”, e coisas do gênero, ele estará pecando intencionalmente e de propósito. Em outras palavras, ele planeja e estabelece um esquema em conluio com o diabo. Isso é especialmente ruim, por ser premeditado. Não se trata simplesmente de cair em tentação, mas de dispor as coisas de tal maneira a cometer o mal junto com o tentador, o diabo. Essa pessoa não deve esperar ajuda, porque ela não deseja a ajuda divina, e ela provavelmente irá morrer sem arrependimento.

 Mas mesmo aqueles que dizem que irão se arrepender na velhice, como podem estar certos de que terão tempo, e não morrerão de repente? Um certo empreiteiro costumava dizer: “Quando eu envelhecer, irei à Terra Santa e serei batizado no Rio Jordão para lavar todos os meus pecados”, e assim ele continuou a levar uma vida pecaminosa. Finalmente, quando já não tinha mais energias e mal conseguia andar, ele disse ao seu gerente: “Decidi ir para a Terra Santa para ser batizado como peregrino no Rio Jordão”. E o gerente lhe respondeu ousadamente: “Chefe, se seu coração estiver limpo, vá, mas, caso contrário, você irá morrer no caminho”. Foi como uma profecia Tão logo o empreiteiro chegou a Atenas para preparar os papéis, ele morreu. Outros ficaram com seu dinheiro e arranjaram um funeral caseiro para enviá-lo de volta à sua cidade natal num caixão.

  

Faça o bem em nome de Cristo

 - Geronta, sinto medo quando penso nos tempos difíceis à minha frente.

 - Do que você tem medo, de ir para o inferno e ser atormentado pelos diabinhos? Eu entendo se você orar e disser: “Ajude-me, Cristo a ir para o Paraíso, para que eu não o aflija, pois deve ser difícil, até mesmo para você, me ver no inferno, depois de tudo o que fez por mim”. mas desejar o Paraíso apenas para obter um lugar confortável para si mesmo, isso é não ter nenhum philotimo. Não estou dizendo isso para que se permita desperdiçar a vida com estrepolias que poderão nos levar para o inferno, mas para enfatizar como, algumas vezes, fazemos certos “esforços[42]” autocentrados, para fazer algum bem apenas para não perdermos o Paraíso. Se ti8vermos philotimo, pensaremos, “Tantas almas desafortunadas continuam a sofrer no inferno depois de passar uma vida na terra sem nenhuma alegria, e eu aqui, preocupado comigo mesmo!”. Estou dizendo honestamente a você, eu não estou preocupado com o lugar para onde eu vou, eu deixei de lado a minha pessoa. Não que eu queira estar separado de Cristo e não esteja preocupado com isso, ou se irei para o Paraíso; antes, não é meu objetivo fazer o bem apenas para obter o Paraíso. Então eu digo: “Ainda que você me deixe de lado, Senhor, eu ficarei satisfeito; eu não sou digno do Paraíso”.

 Hoje nossa vida se tornou difícil e desprovida de graça, porque o espírito de heroísmo e philotimo diminuiu. Mesmo as pessoas espirituais se tornaram calculistas. Elas levam uma vida que é espiritual apenas na aparência. Elas tentam aproveitar tudo o que podem, desde que não sejam condenadas. Assim, elas calculam: “Será que isso é um erro que me condenará? Não. Então, desfrutemos.”. por exemplo, a respeito do jejum, elas dizem: “Amanhã é sexta-feira. Bem, hoje eu posso comer carne até cinco minutos antes da meia-noite; então, traga a comida e vamos comer. Não é permitido depois da meia-noite, pois então será sexta-feira, e será um pecado comer carne!”. Em outras palavras, elas não querem perder o Paraíso, mas desejam desfrutar dessa vida. Então, elas estabelecem uma perspectiva calculista sobre o pecado e o inferno. Mas, se elas pensassem com philotimo, elas diriam: “Cristo foi crucificado e sofreu por mim, e eu vou feri-lo com minhas ações pecaminosas? Não quero ir para o inferno, por nenhuma outra razão do que a de afligir a Cristo, que me verá no inferno e se angustiará”.

 Não façamos o bem esperando recompensas, como um mercenário; façamos o bem por amor a Cristo. O que quer que façamos, façamo-lo com pureza, em nome de Cristo. Devemos nos precaver contra o espírito calculista do egoísmo humano, de interesse próprio e do amor por si mesmo. Devemos manter em mente que Cristo nos vê, que Ele nos observa, e devemos ser sempre vigilantes para nunca afligi-lo. De outro modo, nossa fé e nosso amor se esfriam e se desgastam.

 Se devemos observar o que fazemos em nossa vida espiritual: ascetismo, jejum, vigílias, etc., veremos que tudo isso nos ajuda a manter uma boa condição física. A pessoa dorme numa cama dura? Mesmo os médicos recomendam isso: “Durma sobre um leito firme; dormir em colchões macios não melhora sua postura”. A pessoa faz prostrações? Outros fazem exercícios físicos para melhorar seus músculos. Alguém dorme pouco? Dormir demais imbeciliza a pessoa. Não é o que se diz? “Fulano dorme, Cicrano está desperto”. Em outras palavras, os exercícios espirituais auxiliam inclusive na forma física. Ademais, o autocontrole é útil para todos. Muitas pessoas que conduzem pesquisas tentam levar uma vida casta pára manter a clareza da mente. É claro que não praticamos o autocontrole por esse motivo; mas, além da nossa vida espiritual, também obtemos benefícios, tanto quanto as pessoas mundanas. Fazemos tudo espiritualmente, e desse trabalho espiritual obtemos a saúde física também.

  

As tentações em nossa vida

 Deus permite as tentações que são proporcionais à nossa condições espiritual. Por exemplo, às vezes Ele permite que erremos, ou que sejamos indiscretos, para que sejamos mais cuidadosos da próxima vez; ou para que estejamos preparados para evitar um mal maior trazido pelo demônio malicioso. Outras vezes, Deus permite que o diabo nos tente, para nos testar. Nesses casos, estamos sendo examinados, e o diabo, ao invés de nos fazer mal, nos faz bem. Lembre-se do Ancião Filarete, que costumava dizer: “Filho, não ter tentações hoje em dia equivale a ter sido abandonado por Deus”. Ele preferia bater-se diariamente contra as tentações, para poder ser coroado por Cristo.

 Uma pessoa forte como o Ancião Filarete não evitava as tentações, mas antes, dizia a Cristo: “Senhor, envie-me mais tentações e dê-me a força para me bater contra elas”. Uma pessoa fraca, naturalmente, diria: “Não permita que eu seja tentado, ó Deus”. Não nos deixeis cair em tentação... Mas, quando somos realmente tentados. Tendemos a dizer: “Bem, eu sou apenas humano e não posso resistir a essas tentações!” Ao contrário, deveríamos dizer nessas situações: “ó Meu Deus, eu não sou um ser humano digno, eu sou um malandro; ajuda-me a me tornar uma pessoa digna”. É claro que não estou sugerindo que devamos buscar as tentações, mas sim que devemos confrontá-las com paciência e oração, quando elas aparecem.

 Num inverno espiritual, devemos antecipar a primavera espiritual com paciência e esperança. As maiores tentações costumam ser momentâneas, e se formos capazes de administrar a sedução do momento, a falange de demônios irá embora e seremos salvos. Quando o homem está unido a Deus, as tentações desaparecem. Pode um demônio fazer mal a um anjo? Não, porque ele seria fulminado pela presença do anjo.

 A vida espiritual é simples e fácil; nós a tornamos difícil porque não lutamos da maneira correta. Com um pequeno esforço e um grande grau de humildade e fé em Deus, podemos fazer um grande progresso na vida espiritual. Pois o diabo não é capaz de encontrar uma base aonde há humildade, e onde não está o diabo, não existem tentações.

 - Geronta, podemos pecar por concessão divina?

 - Não, pois seria muito grave dizer que Deus nos concederia pecar, seja como for. Deus nunca nos concede pecar. Nós é que nos concedemos, e o diabo vem e nos tenta. Por exemplo, quando eu sou orgulhoso, eu afasto a Graça divina, o Anjo da Guarda vai embora, e o outro “anjo”, o diabo, vem, e eu quebro minha cara contra os rochedos da tentação. Mas que concedeu isso fomos nós, não Deus.

 - Geronta, quando caímos em pecado, é correto dizer: “O tentador me fez cair?

 - Muitas vezes eu ouço as pessoas dizerem que o tentador, o diabo, é a causa de suas tribulações espirituais, quando, de fato, é sua a falta por não ter confrontado a situação apropriadamente. Acima de tudo, o tentador nos tenta. Pode isso nos impedir de cometer o mal? Ele está apenas fazendo seu trabalho. Não culpemos o diabo por tudo. Havia um noviço que vivia junto a um Pai Espiritual, e certa vez em que ficou sozinho, e então ele pegou um ovo e colocou-o sobre uma dessas enormes chaves que havia antigamente. Ele acendeu uma lamparina debaixo e se preparou para cozinhar o ovo. De repente, o Ancião entrou na câmara. “O que você está fazendo?”, ele perguntou. “Geronta, o tentador me levou a cozinhar o ovo aqui”, replicou o noviço. Então ouviu-se uma voz aterrorizante: “Eu não sei nada sobre esse truque; eu acabei de aprendê-lo com o noviço!”. Algumas vexes o diabo está dormindo, e não é que o acordamos para agir.

  

Os pecadores têm muitos motivos para serem humildes

 Aqueles que viveram uma vida pecaminosa, mas se arrependeram e começaram a viver espiritualmente, devem aceitar alegremente qualquer dor ou humilhação que sobrevenha, pois é assim que eles pagam suas dívidas. Santa Maria do Egito viveu uma vida de pecados; mas mesmo depois que ela se arrependeu e decidiu mudar sua vida, os desejos mundanos a atormentavam; ela empreendeu um valoroso esforço para superá-los. Mesmo assim, o diabo lhe segredou, “O que você pode perder em ir dar uma olhada no que acontece em Alexandria? Não digo que você deva ir lá se divertir; apenas dê uma olhada de longe”. Mas ela sequer se voltou naquela direção. Seu arrependimento era de fato magnífico. Outras mulheres santificadas que não haviam vivido uma vida mundana antes não tiveram a experiência de tão feroz batalha. Santa Maria do Egito teve que lutar mais intensamente, porque levara uma vida mundana. Esse tormento é a cauterização das feridas do pecado. É afinal, é assim que alcançam os que levaram uma vida mundana, a mesma condição dos que não a levaram.

 - Geronta, nesses casos existe a consolação divina?

 - Claro que há! Existe muita, muita consolação. Santa Maria do Egito obteve tamanha altura espiritual que ela ficava a dois palmos de altura acima do solo quando rezava.

 O verdadeiro pecador, caso ele chegue a se conhecer, tem muitos motivos para ser humilde. Cada queda é uma queda, mas é também motivo para humildade e oração. Os pecados, quando transformados em ocasiões de humildade, são como os fertilizantes que usamos nas plantas. Por que então não usarmos esse material dos pecados para fertilizar nosso solo e torná-lo fértil e frutífero? Alguém que cometeu sérios pecados pode refletir sobre sua situação e dizer: “Não sou digno sequer de erguer minha cabeça e olhar para outro ser humano”. Mas humilhando a si mesmo grandemente, a pessoa pode obter uma tremenda Graça e mover-se rapidamente para grandes alturas espirituais. Por outro lado, alguém que não pecou muito, mas não fez uma boa avaliação de si, pode dizer: “Deus me guardou de tantos perigos, e ainda assim sou tão mal-agradecido, sou mais pecador do que o maior dos pecadores”, e essa pessoa ainda pode ser espiritualmente inferior à outra.

 Lembra-se da parábola do Fariseu e do Publicano? O Fariseu fez boas ações, mas ele era orgulhoso delas. O Publicano tinha pecado, mas tinha consciência deles, contrição, humildade – que é o máximo que Cristo pede ao homem – e é por isso que ele foi instantaneamente salvo. Você já viu como o Fariseu é representado no ícone? Com orgulho e contentamento ele aponta o dedo para o Publicano, como quem diz, “Eu não sou como aquele homem”. Mas o pobre Publicano escondia-se contritamente atrás do pilar, incapaz de olhar as pessoas ao seu redor. Foi o Fariseu que apontou para Cristo onde ele estava. Você notou isso? Como se Cristo não soubesse onde ele estava! O Fariseu observava todas as regras, mas era em vão. Quanto prejuízo causa o orgulho! Quando uma pessoa tem pecados e negligencia a humildade, ela tem os pecados o Publicano e o orgulho do Fariseu. Ela duplicou seus... “dons”. E, como foi dito em Epirus, “ter chagas ou escorbuto – qual a diferença? Ambos são péssimos”.

 Na medida do possível, tente afastar as toxinas espirituais, as paixões, de maneira a adquirir a saúde espiritual.

 

***

 

TERCEIRA PARTE

PECADO E ARREPENDIMENTO

 

“O verdadeiro arrependimento começa quando a pessoa se torna consciente de sua falta, sofre por isso, pede perdão a Deus e se confessa. É assim que chega a consolação divina. É por isso que eu sempre recomendo o arrependimento e a confissão; eu nunca recomendei apenas a confissão.”

 

Capítulo II

Alimentando a consciência

 

Vamos refletir sobre a consciência

 

 O bom Deus dotou Adão e Eva de consciência, a primeira lei divina. Essa consciência estava profundamente enraizada em seus corações; e desde então, todo ser humano a recebe como herança de seus pais. Se alguém não age corretamente, essa consciência irá operar desde de dentro para censurar e guiar essa pessoa ao arrependimento. Mas é preciso levar a cabo um trabalho espiritual adequado, refletindo cuidadosamente sobre essa consciência, para que sua voz seja sempre ouvida. Se não estudamos e refletimos cuidadosamente, ela não produzirá benefícios de nossos estudos, nem dos conselhos dos Anciãos; ela nem será capaz de observar os mandamentos de Deus.

 

- Geronta, é possível que alguém seja totalmente inconsciente de si, e cego para o fato de que está indo na direção errada?

 

- Quando alguém não se observa cuidadosamente, e não limpa sua consciência de tempos em tempos, ela se tornará gradualmente enferrujada e insensível. Essa pessoa pecará como se nada estivesse acontecendo.

 

- Geronta, você pode nos dizer algo a respeito de alimentar a consciência?

 

- A fim de que a pessoa esteja certa de estar agindo de acordo com sua consciência, ela deve se observar com cuidado e revelar seu eu interior ao seu Pai Espiritual. Ela pode trair sua consciência e assumir que está no caminho certo. Ela pode criar uma consciência faltosa, e, ainda que tenha cometido um crime, pode se considerar como uma benfeitora. Ou ela pode tornar essa consciência ultrassensível e prejudicar a si mesma.

 

- Geronta, eu tenho tendência a me condenar internamente, sem o necessário autoexame.  É possível que eu não me censure por ter me tornado insensível?

 

- Isso requer muita atenção. Veja, quando alguém comete um pecado pela primeira vez, ele sente uma certa censura, uma certa culpa. Se ele repete o pecado uma segunda vez, ele sente um grau menor de censura, e se ele permanece negligente e peca repetidamente, sua consciência se torna calosa. Por exemplo, quando você aponta o erro de alguém, ele mudará de assunto a fim de não perturbar sua consciência, como os Hindus que buscam o Nirvana.

 

Um jovem dos Himalaias matou cinco escaladores italianos, e, depois de enterrá-los, começou a fazer exercícios de auto concentração. Ele se sentou e, por duas horas, repetiu encantações que deveriam conduzi-lo a esse estado de esquecimento, para que não o perturbasse sua consciência. Digamos que eu repreenda uma Irmã por ela ter feito algo errado. Se essa Irmã não estiver conduzindo corretamente sua disciplina espiritual, nem estiver tentando melhorar, ela pode, nesse momento, me dizer algo totalmente irrelevante, tal como: “Hoje temos que tocar o sino das Vésperas mais cedo...”, apenas para mudar de assunto. Depois disso, o diabo a confundirá mais e sugerirá, “Não se preocupe, pois o que você fez foi em benefício do Ancião, de modo que ele não ficará chateado”. O próprio diabo justifica sua ação. Ela não admite para si que ela fez isso para violar sua consciência, mas, ao contrário, ela diz a si mesma, “eu fiz isso para não afligir o Ancião”. Você vê de que maneira o diabinho pode nos confundir? É, de fato, um trabalho refinado! Ele simplesmente sintoniza outra frequência, de modo a que não vejamos nossas faltas.

 

- Geronta, é possível que alguém seja sensível aos detalhes, e ainda assim seja incapaz de detectar as faltas maiores?

 

- Claro que é possível! Certa vez um Pai Espiritual, meu amigo, relatou-me o seguinte incidente: uma mulher chegou para fazer sua confissão, e repetia constantemente, entre lágrimas: “Eu não queria tê-lo matado...”. Ele assegurou a ela, “Veja, se você se arrepender, Deus a perdoará. Ele perdoou o Rei Davi”. “Sim, mas eu não quis matá-lo”, continuava ela a repetir chorando. O Pai Espiritual perguntou-lhe então: “Como aconteceu de você tê-lo matado?”. “Bem, enquanto eu estava limpando a casa, eu o atingi com a toalha e matei o pobre inseto. Mas eu não queria matá-lo!”. Ao mesmo tempo, essa mulher se ria do marido, negligenciava os filhos, havia virtualmente abandonado sua família e andava pelas ruas; mas essas coisas eram mencionadas como se não tivessem importância. Quando o Pai Espiritual aplicou um severo castigo para essas transgressões mais sérias, ela respondeu: “Mas por que um castigo por causa dessas coisas?”. Agora me diga, como pode uma pessoa assim ser ajudada?

 

 

Consciência reprimida

 

- Geronta, quando as pessoas me dizem, “Esse desejo está no subconsciente, mas você não percebe”, como posso me dar conta disso?

 

- Se você perceber, você notará que, mesmo dizendo que não há nada de errado, você não se sentirá bem. É por isso que necessitamos de exames. Quando alguém não se sente bem, digamos que ela ficou exposta ao tempo, e que ela deve fazer exames de sangue, raios-X, etc., para diagnosticar a doença. Se você percebe que não está em paz, mas perturbado, você deve saber que há algo que não foi cuidado dentro de você, que você deve encontrar e curar. Digamos que você cometeu um erro; você fica perturbado, mas não confessa o erro. Então acontece algo agradável, e você fica alegre. Essa alegria cobre a aflição que você sentiu por ter errado, e aos poucos você esquece isso. Você não vê isso, porque você cobriu o erro e o reprimiu com a alegria que você sentiu.

 

As alegrias cobrem o erro e o empurram para longe a para o fundo, mas ele continua a operar internamente. É assim que uma pessoa começa a endurecer-se, por violar sua consciência e encobrir seu coração. Então o diabo aparece para justificar todas as coisas para ela: “Isso não é nada, isso é normal...”, mas não haverá paz no coração da pessoa porque a causa do problema foi suprimida e enterrada. Ela fica perturbada e não consegue ter serenidade interior. Ela vive num constante estado de ansiedade e se sente atormentada. Ela não identifica sua falta, porque suas faltas foram suprimidas e enterradas. Ela não compreende que está sofrendo por causa dos seus pecados.

 

- Geronta, pode uma pessoa ser ajudada se lhe apontarmos a causa de sua perturbação?

 

- Veja, isso requer cuidado; porque, quando as coisas são colocadas no seu lugar apropriado, a consciência desperta e a censura começa. E, se a pessoa não for humilde, ela pode ser levada ao desespero, por ser incapaz de suportar a verdade. Mas se ela for humilde, ela poderá ser ajudada.

 

- Geronta, existem pessoas que nasceram com a consciência endurecida?

 

- Não, não existem pessoas que nasceram com a consciência endurecida. Deus não criou esse tipo de consciência. Mas quando alguém encobre suas faltas, sua consciência aos poucos irá ficando enferrujada e endurecida, e incapaz de se recuperar e censurá-lo por suas faltas.

 

- Em outras palavras, Geronta, essa pessoa se torna autônoma, autorregulada, e passa a fazer as próprias leis.

 

- Exatamente, e isso é horrível.

 

- Trata-se, então, de um autoengano?

 

- Certamente se trata de um autoengano.

 

 

A consciência faltosa

 

- Geronta, você disse muitas vezes que a pessoa deve tomar cuidado para não desenvolver uma consciência faltosa. Como é criada uma consciência faltosa?

 

- Quando alguém põe a dormir seus pensamentos auto acusadores, ele reprime sua consciência. E quando alguém põe a dormir, ou recusa reconhecer essa autoacusação de sua consciência por um longo período, ele cria outra, sua própria consciência “a la carte”, ou seja, sua consciência faltosa. Mas essa pessoa não obtém paz interior, porque isso é uma coisa que a consciência faltosa é incapaz de conceder. Veja, mesmo quando alguém comete um erro e outra pessoa lhe diz “Isso não foi sua falta, por que você se preocupa?”, ou ainda quando ele finge não ter se dado conta do erro, mais uma vez, ele não encontra paz interior. Algumas pessoas saem a consultar gurus, e coisas que tais, e quando percebem que as coisas não estão indo bem, vêm em busca de mim. e quando eu lhes digo algo para ajudá-las, elas ainda insistem, “Não, o que eu acredito está certo”. “Mas, se o que você acredita está certo, por que você veio até mim?”. Apesar de que elas não se sentem em paz com o que está errado, elas insistem e continuam a tentar encontrar uma falsa paz de um modo ou de outro, mas elas não conseguem encontrar a verdadeira paz.

 

- Geronta, é possível que alguém passe toda a vida com uma consciência faltosa?

 

- Se a pessoa acredita nos seus próprios pensamentos, sim.

 

- Como é possível que ela corrija sua consciência faltosa?

 

- Pensando humildemente, não acreditando nos seus próprios pensamentos, e discutindo-os com seu Pai Espiritual.

 

- Geronta, quando uma pessoa possui uma certa sensibilidade, pode ela criar uma consciência faltosa?

 

- Para criar uma consciência faltosa, a sensibilidade não pode ser muito boa. Um pensamento faltoso leva a outro. Algumas pessoas podem dizer, “Eu sou muito sensível”, e ao mesmo tempo tratar os demais com rudeza e ofendê-los sem razão.

 

- Geronta, podemos dizer que a consciência dessas pessoas que sempre se justificam, se tornou endurecida?

 

- Quem justifica a si mesmo, ainda assim possui um certo grau de censura dentro de si; não é uma pessoa totalmente insensível. E quando alguém não é insensível, acaba por sentir alguma dor por suas faltas; no tempo certo, a consolação chega. Mas quem desenvolve uma consciência faltosa pode eventualmente se tornar insensível, e até se orgulhar de ser rude. Já vi pessoas que cometeram crimes e que se gabaram disso como se fossem grandes coisas. Veja, se você desenvolve uma consciência faltosa, isso é mais do que meramente perder o senso do certo e do errado.

 

Quando eu estava no Mosteiro de Stomion em Konitsa, alguém veio me dizer, “Quero me confessar com você”. Eu respondi, “Eu não sou o sacerdote certo para isso”. Mas ele insistiu, “Não, eu quero lhe contar tudo”. Havia algumas mulheres conosco que tinham vindo ao Mosteiro para o culto. Eu disse a elas, “É melhor vocês saírem”. Mas ele me interrompeu e disse, “Não, fiquem, está tudo bem, sentem-se”. E começou a contar as coisas que fizera na juventude. “Quando eu era jovem, eu queria aprender o ofício de sapateiro, mas eu estava sempre com sono, porque durante a noite eu saía para aprontar junto com uma gangue. Havia um tsaousis[43] inescrupuloso na área que nos extorquia. Ele dizia, ‘Eu quero dois carneiros; vão e roubem dois para mim, e podem pegar o que quiserem’. Nós íamos nas casas dos Cristãos, eu tirava meu capote, amarrava os cachorros com uma corda que levava sempre comigo e entrávamos na casa. Então roubávamos os dois carneiros e tantas ovelhas quantas podíamos. Dávamos os dois carneiros para ele e escondíamos as ovelhas nos nossos estábulos. Imediatamente, o tasousis nos colocava na cadeia. Quando aqueles que haviam sido roubados iam pela manhã à polícia para dar queixa, dizendo, ‘Esse e aquele vieram À noite e roubaram meu rebanho’, o tsaousis nos defendia, dizendo, “Mas eles passaram a noite na cadeia, por que vocês os estão acusando injustamente?’, e punia outras pessoas. Certa vez encontramos um rebanho que era guardado por um jovem pastor muto alto e seu pai. ‘Como poderemos fazer para entrar no cercado com esses dois guardando o rebanho? Eles nos jogarão para fora como palitos’, os amigos disseram para mim. então eu peguei um velho mosquete e atirei no jovem pastor, lançando-o ao chão. Então amarrei pai a uma macieira, e começamos a roubar...”. E ele ria, como se tudo aquilo fosse alguma espécie de realização! Veja até onde pode levar uma consciência faltosa!

 

Também encontrei certa vez um policial que servia no departamento de traslados. Esse pobre homem estava sempre choroso, porque certa vez ele acompanhara um interno de uma prisão para outra, onde ele compareceu perante uma corte marcial e foi executado por muitos crimes. Esse policial procurou os pais do executado e pediu perdão a eles. Mas um irmão do executado, que estivera na América, respondeu-lhe, “Se o tivessem executado antes, muitas vítimas teriam sido poupadas”. Vê a diferença entre as duas situações? Um homem se considerava culpado apenas por haver acompanhado o prisioneiro até sua execução, enquanto o outro gabava seus crimes como se fossem grandes realizações!

 

 

A paz não pode advir do que é falso

 

- Geronta, quando alguém cria seu próprio mundo interior por acreditar em seus pensamentos, pode essa pessoa ser ajudada pelas orações dos outros?

 

-  Que tipo de ajuda necessita ele, se foi capaz de construir seu próprio mundo? Não é pouca coisa construir um mundo para si! Veja, se alguém constrói seu próprio mundo mental, você acha que ele poderá obter paz interior? Acha que ele poderá sentir felicidade? Seu mundo é uma mentira. Uma mentira não pode trazer felicidade e paz. Digamos que alguém conta uma mentira para proteger outra pessoa; ele pode até salvar alguém da morte, mas a mentira que ele contou sempre será um meio pecado. Ou alguém conta uma mentira com boas intenções, para evitar um prejuízo maior. Por exemplo, alguém que você conhece vem secretamente ao Mosteiro para falar de um problema de família, e encontra ali algum conforto. Digamos que seu irmão vem a você e pergunta, “Meu irmão esteve aqui?”. Se você responder que sim, pode criar um problema expondo o irmão. Então você diz, “Não sei”. Pois, se você dissesse, “Sim, ele esteve”, você poderia causar um sério problema. Isso é diferente. Mas é preciso ter cuidado, porque, se começar a se repetir, pode resultar em algo mais sério. Uma pessoa pode começar a lançar mão de mentiras, e acabar adquirindo uma consciência faltosa. Ela pode mesmo inventar histórias que não são verdadeiras, sem que isso perturbe sua consciência. Isso pode mesmo vir a se tornar uma ciência.

 

Quão criativas podem ser as pessoas ao fazerem isso! Elas são capazes de tecer fábulas verdadeiramente convincentes. Certa vez, um amigo veio à minha cela; havia um grupo de pessoas lá, amigas de um jovem a quem eu ajudara antes. Esse pobre rapaz, embora bom e esperto, era também um pouco preguiçoso e não gostava muito de trabalhar. Ele cresceu acostumado a circular por aí. Por quatro anos eu tentei ajudá-lo. Então eu disse às pessoas de sua vila, que estavam aqui, “Tentem arrumar um emprego para esse rapaz. Eu já tentei ajudá-lo muitas vezes. Eu o enviei a alguns amigos meus em Kastoria para aprender o ofício de peleiro, mas ele os deixou. Ele é jovem; seria uma vergonha desperdiçar sua vida zanzando. Ele só tem a mãe; seu pai faleceu”. Então essa pessoa do grupo, a quem eu conhecia, disse às demais, “Sim, nós fizemos combinações com o Pai Paísios para que esse jovem vá a aprenda o ofício de peleiro. Mas quando ele abandonou o serviço, tive que gastar um bom dinheiro enviando telegramas aos seu patrões para que não se preocupassem. Mas não é esse o ponto aqui. Eu já disse ao Pai Paísios que esse jovem não tem como ser corrigido”. Então eu me perguntei, “Do que esse homem está falando?”. Mas no momento n]ao quis dizer nada para não embaraçá-lo. Embora ele estivesse ouvindo falar do rapaz pela primeira vez, ele havia fabricado toda uma história sobre como ele tentara ajudar o jovem. Eu fiquei realmente confuso com o modo como ele procedeu!

 

- Ele disse essas coisas na sua frente?

 

- Sim, e de todos ali.

 

- E o que ele ganhou com isso?

 

- O que ele ganhou? Naquele momento ele sentiu uma espécie de satisfação egoística, mas, mais tarde, ele deve ter ficado atormentado. Ele não conseguiu ter paz interior.

 

- Quando alguém conta uma história um pouco exagerada...

 

- Sim, enfeitada!

 

- Isso tudo é feito por vanglória?

 

- O que mais poderia ser? Vanglória e egoísmo.

 

- como uma pessoa assim pode ser ajudada e corrigida?

 

- Ela deve parar de mentir. Ela deve saber que uma mentira, ainda que possa ser desculpada, é sempre um meio pecado.

 

- Geronta, é possível que, ao ganharmos uma coisa por pura bondade, pensemos que nos foi dada por algum mérito nosso?

 

- Veja: se eu lhe disser, “Você é capaz de alcançar o nível espiritual de seu padrinho Santo!”, você pode até rir um pouco disso, mas você não obterá paz com isso. O que é falso não pode trazer paz, porque não traz consigo a Graça de Deus. E a pessoa desagradável que engana as outras dizendo “Isso é meu”, também não encontra paz. Tome como exemplo os Turcos em Constantinopla; mesmo depois de passados muitos anos da queda da Cidade, quando eles viam visitantes Gregos, eles se sentiam como se estivessem de posse de algo que haviam roubado, e olhavam os Gregos como se fossem os legítimos possuidores. E eles eram Turcos, e muitos anos haviam se passado desde então!

 

 

Uma consciência direita guia o homem corretamente

 

Não há maior bem para o homem do que ter sua consciência em paz. É uma grande coisa não ser censurado por sua consciência, pensando que você poderia ter feito melhor e não o fez. Então o homem pode encontrar uma constante alegria interior, e toda a sua vida se torna uma celebração. É essa alegria interior que nos provê de força espiritual.

 

- Geronta, como podemos saber que o que fazemos agrada a Deus?

 

- O homem tem uma consciência interna disso; ele o sente.

 

- Mas basta essa consciência interior, ou ele precisa do testemunho dos demais?

 

- Estou me referindo aos que possuem uma consciência boa e saudável, não aos que possuem uma consciência faltosa. Uma boa consciência informa a pessoa corretamente. Então ela sente uma certa segurança, uma certa esperança, e diz com humildade, “Eu não sou digna do Paraíso; estou destinado ao inferno, mas acredito que o amor e a misericórdia de Deus não me abandonarão”. Ela sente isso porque ela está lutando de fato; não está parada preguiçosamente, sem fazer nada, e dizendo, “Deus há de me salvar”.

 

A consciência, que dom extraordinário! Não há fogo maior, nem maior inferno do que quando a consciência queima. Não há remorso maior, nem mais tortuoso do que o remorso da consciência. O condenado sofrerá eternamente, porque será atormentado pelo pensamento de que perdeu os dons do Paraíso em t5roca de uns poucos anos de vida na terra, ainda que esses também tenham se enchido com o pântano do remorso e da ansiedade. E mesmo as paixões que não foram satisfeitas se tornarão outros tantos tormentos.

 

- Geronta, como pode um monge viver o martírio da consciência?

 

- O martírio da consciência é para todos, não apenas para Monges e Monjas. Esses ainda têm o suave martírio de sua disciplina ascética. Na realidade, não existe martírio para a consciência daqueles que lutam corretamente. Pois quanto mais uma pessoa sofre espiritualmente, ou seja, quanto mais ela sofre por suas muitas faltas ou porque ela participa da Paixão do Senhor, mais ela é recompensada com a divina consolação. Mesmo que ela tenha remorsos, aflição e preocupações, ela, ao mesmo tempo, sente a divina consolação quando sua consciência está limpa e em paz.

 

 

***



 TERCEIRA PARTE

PECADO E ARREPENDIMENTO

 

 

Capítulo III

Observando e conhecendo nosso Eu

 

 

O estudo sobre nós mesmos

 

 No exército, no Corpo de Sinaleiros, tínhamos uma rede de observadores e um código para reconhecer cada frequência. Líamos e entendíamos quais estações eram nossas e quais eram estrangeiras, porque, às vezes, havia interferência de estações estrangeiras. É assim que, também nós, devemos observar nossos pensamentos e ações para verificar se eles correspondem aos mandamentos dos Evangelhos, para perceber nossas faltas e lutarmos para corrigi-las. Pois, se permitirmos que nossas faltas passem despercebidas, ou se alguma outra pessoa aponta nossas faltas e não dedicamos um tempo para refletir sobre elas e tomar uma atitude, não seremos capazes de fazer nenhum progresso espiritual.

 

O estudo sobre nós mesmos é o mais benéfico de todos os estudos. Podemos estudar muitos livros, mas, se não estudarmos e observarmos nosso eu interior, tudo o que aprendemos nos livros será jogado fora. Ao contrário, se observarmos nosso eu, ainda que um pouquinho só, receberemos um grande benefício. É assim que o comportamento da pessoa se torna refinado em todas as suas expressões; de outro modo, a pessoa pode cometer erros sem perceber. Vejo isso em minha Kalyvi: as pessoas me veem carregando cepos[1] de um lado para outro para que possam se sentar, mas quando elas se levantam para ir embora elas não se perguntam como eles voltarão aos seus lugares. Ora, elas me veem trazendo um cepo e, quando não há bastantes para que todos se sentem, elas esperam que eu traga mais. Se elas pensassem um pouco que fosse, elas diriam, “Bem, estamos aqui em cinco ou seis; serás que ele terá que trazer sozinho todos os cepos?”. E imediatamente elas iriam buscá-los.

 

- Geronta, uma jovem Irmã me perguntou, “Quando o Ancião era jovem, um monge noviço, não havia revezes na sua luta? Ele não tinha pensamentos negativos? Ele não julgava os demais?”.

 

- Cada vez que acontecia algo na minha luta, ou que outros me diziam qualquer coisa, eu jamais permitia que as coisas passassem impunes.

 

- O que significa “impunes”?

 

- “impune” significa que você não olha para as suas faltas, que você não é tocado por elas, que você deixa as coisas rolarem. Assim como, na terra, o solo pode se tornar muito duro, e não importa quanto chova, a água não é mais absorvida. É isso que acontece conosco: a indiferença endurece o campo de nosso coração e, não importa o que nos digam, ou o que aconteça, já não somos tocados, não temos consciência de nossa culpa para que possamos nos arrepender. Por exemplo, se alguém diga que eu sou hipócrita, eu não vou dizer, “Quem quer que tenha dito isso, seja maldito por um ano!”. Ao contrário, eu vou procurar para encontrar o que fez a pessoa dizer tal coisa. Eu vou raciocinar e dizer, “Algo está acontecendo; a outra pessoa não está errada. Deve haver algo em mim que eu não percebi; eu devo ter dado motivo para que as pessoas estranhem meu comportamento. Se eu estivesse atento e me comportasse com prudência, eu não daria motivo para estranheza. Eu prejudiquei os outros e serei julgado por Deus por isso”. É assim que eu raciocinaria e tentaria em primeiro lugar descobrir minha falta e corrigi-la. Não tentaria examinar o modo como a outra pessoa falou; se o que ela disse foi por inveja, por malícia ou porque interpretou mal algo que ouviu de outrem. Essas coisas não me dizem respeito. Mesmo hoje, é isso que eu faço. Se alguém comenta alguma coisa a meu respeito, eu nem consigo dormir. E, se eu sou como ela diz, então ficarei preocupado, pensando que eu devo ter errado de alguma maneira, que eu fui descuidado e a provoquei. Eu não jogo a culpa sobre outra pessoa. Eu me examino tal como Deus me julgaria, e não como eu sou visto pelos demais.

 

Se não examinarmos tudo dessa maneira, não seremos capazes de nos beneficiarmos com nada. É por isso eu sempre dizemos a respeito de alguém, “Essa pessoa perdeu o controle”. Sabe quando uma pessoa perde o controle? Quando não nos observamos cuidadosamente. Agora, quando uma pessoa possui uma deficiência mental e não é capaz de examinar a si mesma, ela deve ser julgada com leniência. Mas quem é mentalmente saudável e não censura seus feitos apenas porque não observa a si mesmo, esse deve ser julgado severamente.

 

 

A experiência que adquirimos com nossas faltas

 

Quando você se autoexamina, é muito útil às vezes verificar sua vida desde o início, desde a infância, para ver onde você estava, como estava e como deveria estar. Se você não comparar o passado com o presente, você não compreenderá que poderia estar num estado espiritual melhor, e que não está onde deveria estar, e, assim, você aflige a Deus. Quando alguém é jovem e ainda não adquiriu um bom estado espiritual, ele ainda pode justificar sua pobreza de alma; mas quando ele amadurece e permanece na mesma condição, ou

faz apenas um pequeno progresso, ele não pode ser justificado.

 

Conforme passam os anos, o homem amadurece espiritualmente, e se ele fizer bom uso de suas experiências passadas, ele progredirá com mais precisão e humildade. Muitas vezes os altos e baixos de nossas lutas nos ajudam a adquirir uma marcha espiritual positiva e certeira para cima.

 

Quando uma criancinha começa a andar, ela certamente cairá das escadas algumas vezes, batendo a cabeça no corrimão, ou cairá da cadeira em que subiu. A criança ainda não compreende que, se ela subir na cadeira e ficar na beirada, ela cairá. Mas na medida em que nela cresce, ela adquire experiência, amadurece e começa a ficar cuidadosa. Ela começa a raciocinar, “Da última vez em que eu subi na cadeira e fiquei na pontinha, eu caí. Não farei isso agora”. A mesma coisa acontece em nossa luta: quando observamos e utilizamos a tudo em nosso benefício, adquirimos experiência; e, se utilizarmos essa experiência, seremos grandemente edificados.

 

Lembro-me que em nossa casa em Konitsa, tínhamos seis cavalos, novos e velhos. Um dia, em que eu os conduzia sobre uma pequena ponte feita de troncos e tábuas, um tronco podre quebrou, e o cavalo mais jovem, que tinha apenas quatro anos, caiu entre as tábuas. Desde então, embora eu tivesse consertado a ponte com tábuas mais fortes, o jovem cavalo se detinha e balançava a cabeça, refugava e tentava escapar, galopando e saltando. Então, se até um jovem cavalo de quatro anos pode utilizar sua experiência para evitar cometer o mesmo erro duas vezes, pense quanto mais um ser humano deveria ser capaz de tirar proveito de suas faltas e aprender com elas!

 

Localizando e atacando o inimigo

 

- Geronta, eu ainda não consigo amar a humildade, o auto sacrifício e a aceitação da injustiça...

 

- As coisas não são bem assim como você diz. Eu não me preocupo com você, porque vejo você em presença da “boa inquietação”, da “boa agitação”. Logo você estará livre de suas paixões, porque você já começou a “capturar” a si mesmo. Esse esforço pela autoconsciência ajuda mais do que qualquer outro aspecto da luta espiritual. Quem “captura” a si próprio, descarta o velho eu e penetra no caminho espiritual correto. O “velho homem”, o velho eu, tenta roubar tudo o que o novo eu adquire. Se aprendermos a “capturar” nosso velho eu, capturaremos também todos os ladrões que roubam tudo o que o Deus Benevolente nos concede, e assim manteremos segura nossa saúde espiritual.

 

- Geronta, ajuda se eu me angustiar muito a respeito de um erro que cometi, como falar mal a uma Irmã?

 

- Sim, ajuda, mas cuidado para não exagerar. Angustie-se, mas se alegre pela oportunidade que lhe foi dada para que você veja sua doença e se cure dela. Pense da seguinte maneira: “Devo ter alguma paixão dentro de mim que me fez falar dessa maneira e me comportar assim, e Deus me deu a oportunidade para que ela venha à tona, para que eu possa vê-la e corrigi-la”. Claro, você deve pedir perdão à Irmã. Quedas como essa ajudam a desenvolver a consciência de si. As coisas vêm à superfície, e podemos fazer um bom trabalho sobre nós mesmos. Veja, mesmo médicos dão aos pacientes certas substâncias que podem aumentar os sintomas de algumas doenças, para que eles possam diagnosticá-las corretamente. Eles podem, por exemplo, prescrever uma dose de açúcar e fazer um teste sanguíneo para observar o quanto o açúcar afeta sangue.

 

Na luta espiritual precisamos reconhecer os traços de fraqueza de nosso caráter, nossas falhas e defeitos, e tentar atacá-los. Mesmo numa batalha, quando reconhecemos e localizamos os pontos onde está o inimigo, ou de onde ele poderá atacar, permaneceremos atentos àquela área. Pois quando você sabe exatamente onde está o inimigo, você pode se mover com certeza. Você abre o mapa, e diz, “O inimigo está aqui e aqui; devemos nos mover depressa e tomar essa e essa posição. Vamos pedir reforços aqui, e precisaremos de mais munição aqui”. Em outras palavras, você é capaz de estabelecer um plano de ação. Mas, para descobrir onde está o inimigo, você deve estar atento e procurar; você não pode estar dormindo.

 

- Geronta, é melhor descobrir seus erros por si próprio, ou que eles sejam apontados por outros?

 

- uma pessoa deve pesquisar a si mesmo e descobrir suas falhas e defeitos por si só. Mas quando os outros nos apontam nossos defeitos, não devemos reagir negativamente, mas aceitar com boa vontade e gratidão. Podemos pensar que nos conhecemos bem, mas outros podem ver o que não vemos, tal como somos realmente.

 

- Geronta, podem os outros me ver melhor do que eu próprio?

 

- Se a pessoa quiser, ela poderá se ver muito bem sozinha. Vale dizer, ela deve ser capaz de localizar algumas reações, algumas faltas, e então descobrir suas causas, enquanto outra pessoa só será capaz de tirar conclusões baseada em suposições.

 

- Geronta, é possível que alguém tente se ver como realmente é, e não ser capaz disso?

 

- Sim, se ela tentar fazer isso com orgulho, ela não conseguirá se ver tal como é.

 

 

Vendo-nos no espelho dos outros

 

Uma pessoa pode se ver melhor quando olha a si mesmo no espelho dos outros. Deus concedeu a cada pessoa a virtude, ou o dom que cada um necessita para seu progresso particular, quer esse dom seja utilizado ou não. Se o dom é usado, a pessoa pode atingir a perfeição. As falhas e defeitos são sempre nossos; quer os adquiramos por nossa própria negligência, quer os tenhamos herdado de nossos pais, cada um de nós deve sustentar a luta necessária para se ver livre deles. Até que tenhamos desenraizado nossos defeitos, devemos nos ver no espelho dos defeitos dos demais, e observar onde estamos. Pois as outras pessoas são um espelho no qual podemos nos ver. Por exemplo, se vemos uma determinada falha numa pessoa, devemos imediatamente pensar, “Será que eu não possuo o mesmo defeito?”. E, constatando que o temos, devemos lutar para afastá-lo de nós.

 

- Mas, Geronta, se meu pensamento me disser que eu não tenho o mesmo defeito, o que devo eu fazer?

 

- Você deverá dizer, “Eu tenho defeitos piores; essa falha é pequena comparada com as minhas”. Pois, ainda que suas falhas sejam menores eventualmente, você tem uma grande responsabilidade sobre elas. Ao nos examinarmos dessa maneira, podemos ver que possuímos defeitos maiores do que a outra pessoa. Então podemos nos dar conta das virtudes dos outros. “Deixe-me ver, será que eu possuo essa virtude? Não, não possuo. Veja quão longe eu estou de onde deveria estar!”. Quem trabalha assim extrai benefício de todas as coisas, muda para melhor e adquire a perfeição. Essa pessoa se beneficia dos Santos, daqueles que lutaram, e até das pessoas mundanas. Vendo uma pessoa mundana que não é egoísta e se sacrifica, a pessoa pode se sentir motivada e dizer, “Será que eu possuo esse philotimo? Não, não possuo, e ainda assim me considero uma pessoa espiritual!”. Então ela tentará imitar essa pessoa mundana em tudo de bom que vê nela. Cada um de nós possui um grande trabalho espiritual a fazer. Nosso Deus Benevolente sabiamente providencia tudo de bom para nosso bem.

 

 

Aquele que se conhece bem se torna humilde

 

- Geronta, geralmente eu só reconheço o orgulho depois de cair em algum erro.

 

- O objetivo é reconhecer o orgulho antes de cair. Quando alguém lhe disser que você fez algo de bom, não sinta satisfação. Dê um desconto, não deixe ninguém louvar você.

 

- O que pode me ajudar nisso?

 

- Conhecer a si mesmo. Se uma pessoa possui autoconhecimento, o trabalho está feito. Assim, qualquer elogio recebido será como um corpo estranho, não a tocará. Por exemplo, quando alguém se sabe cigano, nenhuma ideia de se tornar rei poderá tocá-lo. Quanto a você, se imaginar que é uma princesa, você terá um parafuso a menos.

 

- Ajudará, se eu previamente me preparar para rejeitar todo elogio?

 

- Sem dúvida, mas às vezes você estará preparada, e às vezes não. O objetivo é conhecer a si mesma. Se você não conhecer seu velho eu, não terá humildade suficiente para colocar sua partícula pessoal na órbita espiritual, e permanecerá estática, presa ao seu carrossel mundano.

 

- Geronta, é possível interpretar mal a si mesmo?

 

- Não estamos falando de interpretar mal a si mesmo. Quem se conhece é humilde. E quando uma pessoa é humilde, certamente virá sobre ela a Graça de Deus.

 

Alguém que executa um trabalho interior correto de modo a se entender, é como um mineiro que cava fundo e descobre metais nas profundezas da terra. Quanto mais fundo se vai na descoberta e aprendizado de si, mais nos sentimos indignos e mais humildes nos tornamos, mas a mão de Deus sempre nos levanta. Quando, finalmente, chegamos a nos conhecer, a humildade se torna permanente. É quando a Graça de Deus se torna segura em nós, e nos tornamos invulneráveis ao orgulho. Mas quem falha em cumprir seu trabalho espiritual está constantemente cobrindo seu próprio lixo, aumentando a altura da pilha, e sentado no topo do lixo acumulado com orgulho, apenas para colapsar no final.

 

 

Devemos ter consciência de nossa enfermidade

 

- Geronta, muitas vezes eu vejo e julgo as falhas dos demais.

 

- Sabe qual é a sua doença?

 

- Não.

 

- É por isso que você conhece as doenças dos outros. Se você conhecesse sua própria enfermidade, você não saberia das doenças dos demais. Não digo que você não deva se preocupar com a dor e o sofrimento dos outros, mas não deve se ocupar de suas faltas. Se uma pessoa não se preocupa consigo, o tentador a levará a se preocupar com as faltas dos demais. Quando trabalhamos sobre nós mesmos, começamos a nos conhecer e a conhecer os outros também. De outro modo, julgamos os outros pelas assunções erradas que fazemos sobre nós próprios.

 

- Geronta, o que mais nos auxilia em nossa própria correção?

 

- Em primeiro lugar, é preciso força de vontade. De certa forma, a força de vontade provê uma boa fundação. Em segundo lugar, a pessoa deve estar consciente de que está enferma, e aplicar o correspondente tratamento antibiótico; de outro modo, se a pessoa está doente e esconde sua doença, se recusa reconhecer isso para si mesma e para os outros, ela irá colapsar de repente antes de perceber isso, e precisará de cuidados médicos. Digamos que alguém sabe que está numa condição de pré-tuberculose, que lhe causa falta de apetite. As pessoas lhe perguntam, “Por que você não come?”, e ele responde, “É que não gosto dessa comida”. Assim, ela terá dores e achaques, e quase não conseguirá andar. “Por que você está caminhando assim?”, lhe perguntam. “É que eu gosto de andar devagar, por que deveria eu correr como um louco?”. Ele não admite nem para si nem para os outros que está com dores e achaques e não consegue caminhar. Daí ela tem tosse. “Por que você está tossindo?”, “Ah, deve ser alguma alergia”, ele responde, sem admitir que seus pulmões estão comprometidos. Daí ela começa a tossir sangue, e mesmo assim não admite sua enfermidade: “É só uma dor de garganta!”.

 

- Tudo isso, Geronta, apenas por que ela se recusa a reconhecer sua tuberculose?

 

- Sim, ela esconde isso e se esconde disso. E, na medida em que se esconde, ela gradualmente se torna vítima da tuberculose total. Os pulmões queimam, ela cospe sangue, colapsa e expõe sua doença, mas aí pode ser tarde demais. Mas, se ela reconhecesse os sintomas desde logo e aceitasse o necessário tratamento, ela logo recupe3raria sua saúde. O que eu quero dizer é que, quando alguém começa sua vida espiritual, se justificar, esconder ou ignorar suas paixões e faltas, receberá afinal tamanha influência demoníaca que já não conseguirá esconder. Você tem ideia do que é aceitar uma influência demoníaca? A pessoa se torna como uma besta selvagem, furiosamente defensiva, desbocada, recusando ajuda de quem quer que seja.

 

É por isso que o ponto de partida é não se embaraçar, mas reconhecer completamente sua enfermidade e suas faltas. A partir daí, ela deve aceitar o necessário tratamento, as práticas médicas apropriadas, e ser grata aos médicos – os Pais Espirituais e Anciãos – e não resistir a eles. Veja como alguém que está doente estende seu braço para receber uma transfusão de sangue; ele é picado pela agulha, isso dói, mas ele aceita a dor em benefício de sua saúde. Sabemos quanto é dolorosa uma operação, mas suportamos isso pela nossa saúde.

 

- Geronta, quando eu sei que uma forte reprimenda irá me ajudar, por que eu não consigo aceitá-la de bom grado?

 

- Veja, você pode não querer aceitar de bom grado, mas pelo menos reconhece que está errado?

 

- Sim.

 

- Nesse caso, se você reconhece isso, já é alguma coisa. Veja, a pessoa que está doente toma uma pílula que pode ser amarga como veneno, mas a aceita melhor do que se fosse um doce, porque compreende que aquilo irá ajudá-la. Se não aceitarmos o remédio amargo, não podemos esperar ser curados. Para sermos fortalecidos por Cristo, devemos reconhecer nossa fraqueza e tomar o remédio.

 

 

 

 

 

 

 

 



[1][1] Os anciãos recebiam os visitantes em suas Kalyvi, exceto no inverno, quando as recebiam no pátio, e utilizavam cepos de madeira como assentos, que tinham que ser levados de um lado o para outro conforme a necessidade.

 

 

***

 

 

TERCEIRA PARTE

PECADO E ARREPENDIMENTO

 

 

Capítulo IV

A consciência de nosso pecado move a Deus

 

 

Reconhecendo nossas faltas

 

 - Geronta, Santo Isaac disse que devemos ser como crianças durante nossa prece[45].

 - Sim, mas você também deve se sentir como uma criança desobediente. Você deve reconhecer que você desagradou a seu Pai e deve se lamentar por isso. É nesse momento que você sentirá o carinho divino de seu Pai. Não diga, “Deus é obrigado a me amar e me perdoar, ainda que eu me porte mal, porque eu sou uma criança”.

 - Geronta, eu estava preocupada quando li São Gregório de Nissa, que diz que para nos dirigirmos a Deus como “Pai”, devemos antes atingir um estado desapaixonado, caso contrário, tratar-se-á de excesso de confiança e zombaria[46].

 - Querida Irmã, não se preocupe. O Santo escreveu isso para aqueles que vivem de modo indiferente e pecador. Quando alguém peca, mas sente um profundo senso de culpa, então ele pode chamar a Deus de “Pai”.

 - Geronta, eu sinto que não sou como deveria perante Deus, e isso me causa dor.

 - Desde que você sinta que você não é como deveria ser diante de Deus, e disser humildemente, “Meu Deus, eu pequei”, Deus perdoará, ajudará e concederá sua Graça. E, se a morte a encontrar nesse estado, você será salva, por estar lutando e não meramente dizendo que sua vida não está em ordem e que você está no caminho errado. Você não está, que Deus perdoe, num estado demoníaco. Aqui no Mosteiro, com a ajuda de Deus, todas as Irmãs estão mais ou menos em estado de arrependimento. Acima de tudo, você deve saber que a pessoa espiritual recebe a Graça divina quando está consciente de sua desordem espiritual, porque essa consciência do pecado sempre serve para purificá-la.

 Quando alguém diz a mim, dolorosamente, “Eu sou indigno, tão indigno...”, isso me agrada, porque, ao reconhecer suas faltas, eu sei que ele será liberto delas. Certa vez encontrei um homem que vivia numa caba com gatos e cachorros. Ele sequer acendia o fogo, de medo de incendiar a cabana. Ele estava completamente abandonado! Eu senti pena dele, mas ele me disse: “Não tenha pena de mim, bom monge; eu tenho que ser atormentado. Se você soubesse o que eu já fiz, você não teria pena de mim. para mim, mesmo viver nesse lugar já é bom demais.”. Diga-me agora, não lhe concedeu Deus a Graça, não importa o que ele tenha feito?

 Mesmo agora, quando eu estava recentemente no hospital, chegou uma mulher cheia de manchas nos braços devido às repetidas transfusões. Ela estava num estado terrível. Não havia uma única veia intacta nos seus braços. Mas ela me disse, “Eu não tenho nada de bom em mim. Eu espero que Deus sinta pena de mim, pelo meu sofrimento, e me leve para o Paraíso. Eu cometi muitas faltas...”. E ela começou a relatar as suas faltas cometidas. Que minucioso exame ela fez sobre si mesma! Eu nunca havia vista alguém em tão bendita condição!

 - Geronta, eu ouvi alguém dizer, “Eu acredito que Cristo nos há de julgar com leniência”. Esse é um pensamento apropriado?

 - Quando um homem possui grande humildade, reconhece suas faltas, sente a grande extensão de suas culpas e sofre, Cristo, de fato, será leniente para com ele e o perdoará. Ele dirá, “Meu filho, não pense mais nisso, acabou.”. É claro, quando alguém não sente sua culpa, relaxa e não leva a sério, pensando que Cristo o julgará com leniência, essa pessoa corre perigo. Você acha que Cristo recompensará os pecadores?

 O verdadeiro reconhecimento de nós moverá Deus a nos conceder a ajuda divina e a felicidade celeste. Se nós pudéssemos ser ajudados sem esse reconhecimento, se ele não fosse útil e necessário, Deus não exigiria isso de nós.

 - Geronta, você disse “o verdadeiro reconhecimento” de nossas faltas. Existe também um falso reconhecimento?

 - Sim, a pessoa pode ter uma falsa consciência de si, justificando-se, e colocando sua consciência para dormir. É por isso que, quando eu digo que existe um reconhecimento de nossas faltas, eu digo também que existe um pequeno esforço para corrigi-las. Digamos que eu lhe deva quinhentas dracmas, e, quando eu a encontro, eu diga, “Sim, sim, eu tenho um débito a pagar para você”. Eu não estou preocupado com pagar o débito, eu apenas reconheço o fato de que eu lhe devo dinheiro. Quando temos um “verdadeiro reconhecimento” de um débito, perdemos o sono e lutamos para encontrar uma maneira de pagá-lo. E quando o admitimos e dizemos “Eu tenho um débito”, a outra pessoa percebe que estamos realmente preocupados com isso.

  

Consciência do pecado e progresso na luta

 - Geronta, quando alguém não está conduzindo bem sua luta espiritual, é correto que ele diga a si mesmo. “Você é como você é, e sempre será o mesmo, e eu não espero nada melhor de você?”.

 - Se alguém negocia com seu estado interior dessa maneira, ele pode se perder, e até chegar ao ponto de dizer, “Aqueles que estão destinados ao Paraíso irão para lá; então, porque devo eu lutar?”. Em outras palavras, os Santos se tornaram santos sem luta? Essa pessoa espera ser corrigida e se livrar das paixões sem esforço. Ela se comporta como um tolo que fica sob uma árvore com a boca aberta, esperando que uma fruta caia dentro dela.

 - Geronta, como posso saber quando estou fazendo progresso espiritual?

 - Se você tem consciência de seu estado pecaminoso, você terá progresso espiritual. Quanto mais seriamente você considerar seus pecados, mais consciente se tornará deles, e mais progresso fará.

 - É possível, Geronta, que alguém tenha consciência de suas faltas, e ainda assim não progrida?

 - Quando uma pessoa reconhece suas faltas e recai na mesma falta sem querer, isso significa que ela é orgulhosa, ou disposta ao orgulho, e é por isso que Deus não permite que ela progrida.

 Ser consciente de seus pecados é importante, e ser consciente de si tem muito poder. Devido à sua consciência, a pessoa se sente envergonhada, se torena humilde, atribui todas as coisas boas ao carinho e à benevolência de Deus, e sente grande gratidão. É por isso que Deus mostra mais amor aos pecadores que reconhecem seus pecados, que se arrependem e vivem com humildade, do que àqueles que lutam muito e adquirem muito, mas não reconhecem seus pecados e não se arrependem.

  

Busquemos humildemente a misericórdia de Deus para nos corrigirmos

 - Geronta, quando os Padres dizem que o arrependimento consiste no pesar diante dos pecados previamente cometidos, e na determinação em não repeti-los, isso implica que devemos constantemente nos lembrar deles?

 - Não, não devemos a cada dia lembrar cada pecado, mas devemos ter uma consciência fundamental e constante de nosso estado pecaminoso. Por exemplo, a pessoa pode pensar numa falta específica, e humildemente pedir perdão a Deus; e, se não houver orgulho, Deus a ajudará. Especialmente se a pessoa for sensível: é melhor pela ela esquecer seus pecados antigos, assim que os tiver resolvido através do arrependimento e da confissão. É possível para o diabo fazê-la se lembrar dos antigos pecados, misturando-os com os pensamentos, de modo a atrasá-la e distraí-la da oração. Mas se a pessoa não for sensível e perceber o orgulho crescer dentro dela, então ela deve manter em mente seus pecados, para se tornar humilde; e então esquecê-los novamente, até o próximo ataque do orgulho.

 - Geronta, é possível alguém ser consciente de seus pecados, e ainda assim não se arrepender?

 - Sim, se ele desleixar da humildade. Quando o arrependimento se mistura com o orgulho, a pessoa fica pensando, “Por que eu fiz isso? E os outros viram! O que eles vão pensar de mim?”. E ele se atormenta com essas coisas. Não há arrependimento quando nos perguntamos, “Como pude fazer isso novamente?”, ou “O que foi que eu fiz?”; trata-se de egoísmo. A pessoa deve se dar conta de que está em falta, e humildemente buscar a misericórdia de Deus: “Ó Deus, cometi um grave erro, perdoe-me. Sou um pecador indigno. Tenha piedade de mim. se você não me ajudar agora, eu me tornarei ainda pior, não melhor. Eu não conseguirei me corrigir sem sua ajuda”. E, com esses pensamentos e preces, a pessoa deve lutar para não se repetir. Muitas pessoas que cometeram severos erros e sentiram uma dor profunda por terem ofendido a Deus – e não por terem perdido prestígio diante dos demais – se tornaram santas.

 Uma pessoa que tenha vivido uma vida mundana, e que acaba por cortar suas relações com o espírito mundano, muitas vezes é lavada de volta, ainda que contra sua vontade. Entretanto, ela não deve ficar desapontada. Eu penso que, nesse caso, constitui um progresso quando ela começa a ter uma “boa impaciência”, que censura a alma por suas faltas e por todas as coisas que ela deveria ter feito e não fez. Gradualmente começa uma luta de morte, e o homem se torna humilde pela ferocidade da batalha, e em desespero, mas um desespero positivo; ele se desespera de seu egoísmo. Então ele pode entregar tudo à Graça de Deus, e acreditar verdadeiramente nas palavras do Senhor: “Sem mim, nada podeis fazer”. A partir daí, se a pessoa lutar com philotyimo, esperando no poder do Deus Altíssimo, o Deus Benevolente terá piedade dela.

  

Tristeza por nossas faltas

 - Como pode alguém que foi ajudado evitar cair na mesma falta?

 - Se a pessoa sente verdadeiramente dor por sua falta, ela não voltará a cometê-la. É preciso uma contrição interior com arrependimento sincero para que a pessoa se corrija. É por isso que São Marcos o Asceta dizia, “Se a pessoa não sente contrição proporcional à sua falta, ela cairá facilmente na mesma falta outra vez[47]”. Em outras palavras, se o erro é pequeno, o arrependimento pode ser menos severo, mas se o erro é maior, é preciso mais arrependimento. Quando a pessoa não se dá conta da severidade de seus pecados, e não experimenta uma contrição proporcional às suas faltas, ela pode cair facilmente no mesmo erro, e em outros ainda maiores.

 - Como podemos saber quando nosso arrependimento não é proporcional à nossa falta?

 - A prova vem quando você cai novamente no mesmo erro. Ademais, quando você se examinar, não apenas diagnostique sua situação. Você deve carregar consigo, todo o tempo, seu teste antibacteriano; assim que descobrir um vírus, acesse-o e diga, “Preciso matá-lo”, mas não inicia um processo de cura. Bem, você estabeleceu que está enfermo. Agora, precisa encontrar um meio de se curar. De que adianta analisar-se e diagnosticar-se constantemente, se você não tenta se corrigir? Você diz para si mesmo, “Eu tenho esse remédio, eu tenho esse remédio”, mas nada faz para se curar e permanece doente, lamentando sua condição. Você gasta sua energia inutilmente. Você torna sua mente e seu coração inúteis. Você fica doente de remorso, mas nada faz para se tratar. Mais tarde, quando consegue se curar, começa outra vez “Por que fiquei doente naquela ocasião? Por que fiquei doente?”. Claro, você irá se observar atentamente; você não quer permitir que suas faltas passem desapercebidas, mas seu remorso precisa ser contido apenas até certo ponto. Não estou sugerindo a indiferença, mas você não deve chegar a extremos. Você fez algo que não era correto? Pensou a respeito? Percebeu o que era? Reconheceu e confessou o erro? Então, siga em frente. Não fique parado aí. Mantenha a mente alerta para ser cuidadoso da próxima vez em que se encontrar numa situação semelhante. Lamentar as próprias faltas é inútil se não as tentarmos corrigir. É como se preocupar todo o tempo com alguém que está doente, mas sem lhe oferecer ajuda.

 - Geronta, não devemos sentir remorsos, mesmo quando sofremos com justiça por nosso erro?

 - Não, sinta remorso, mas o remorso deve ser proporcional à falta. Se você não sofrer, você andará feliz e descuidado e cairá novamente no mesmo erro; você não terá se corrigido. Mas se você for da tristeza do arrependimento ao desespero, isso significa que você tem mais remorsos do que deveria. Nesse caso, e preciso encorajar-se e encarar a própria falta como uma “indiferença positiva”.

  

Auto-reprovação, não desespero

 - Geronta, é fácil ter consciência da profundidade de nossa pecaminosidade desde o começo?

 - Por amor, Deus não permite que sejamos inteiramente conscientes de nossa pecaminosidade, desde o início de nossa vida espiritual, para evitar que sejamos desencorajados. Existem almas com philotimo e sensibilidade que não seriam capazes de suportar isso, e sofreriam terrivelmente. Então Deus empana nossa visão, e não vemos a magnitude de nossa pecaminosidade. Por exemplo, podemos ter manchas em nossas luvas, ainda que as tenhamos obtido de flores. Mas, na medida em que progredimos em nossa luta, Deus permite que vejamos nossas faltas, e ao mesmo tempo nos dá a força para superá-las e corrigi-las. Tentar fazer um trabalho espiritual demasiadamente elaborado pode ser nocivo quando não se tem experiência suficiente. A mesma coisa pode acontecer com nossa consciência dos benefícios de Deus. Se o homem pudesse ver os benefícios de Deus no início de sua vida espiritual, ele sofreria uma hemorragia espiritual. Quando alguém vê os benefícios de Deus e se torna consciente de sua própria ingratidão, ele pode se fazer em pedaços.

 - Geronta, eu não consigo ver minhas faltas, e meu coração é como uma pedra.

 - Algumas vezes Deus nos guarda de ver nossas faltas e permite que nosso coração seja de pedra, para impedir que o diabo nos lance no desespero. Uma pessoa deve considerar seu estado de pecado com discernimento. O arrependimento que envolve ansiedade e desespero não provém de Deus; foi o diabinho que colocou seu rabo na mistura. A pessoa deve ser muito cuidadosa, porque o diabo pode capturá-la em pleno arrependimento, e atirá-la no remorso e no desapontamento, de modo a quebrá-la mental e fisicamente, tornando-a inútil. Veja, o diabo pode trazer uma outra contrição debilitante, cheia de ansiedade, para debilitar seu espírito. Por exemplo, o diabo pode fazer alguém pensar, “Você é tamanho pecador que não terá salvação”. Ele finge estar preocupado com a alma da pessoa, mas apenas cria ansiedade e desespero. Mas não deixaremos o diabo fazer o que ele quer. Quando o diabo tentar convencê-la, dizendo “Você é uma pecadora”, você deve responder, “O que tem você com isso? Eu admitirei ser uma pecadora quando eu quiser fazê-lo, não quando você quiser que eu o faça”.

 - Geronta, qual é a causa da melancolia que frequentemente ataca a alma?

 - Melancolia e opressão da alma normalmente são o resultado das dores agudas de uma consciência sensível; nesses casos, a pessoa deve se confessar e se tratar com sua Pai Espiritual. Porque, se a pessoa for sensível, o erro pode na verdade ser pequeno, mas o diabo inimigo o aumenta como num microscópio para levar a vítima ao desespero e inutilizá-la. Por exemplo, o diabo pode levar alguém a pensar que feriu gravemente outra pessoa, e que essa pessoa está com grande raiva dele; e isso pode desesperá-lo a um grau insuportável. Ora, se o diabo se preocupa tanto com as pessoas, por que ele não haveria de perturbar e despertar a consciência de alguém insensível? Mas, de fato, o diabo faz com que a pessoa insensível considere uma grande falta como senso pequena, e assim evita o arrependimento.

 O homem deve se conhecer tal como ele é, e não como o diabo o apresenta, porque o diabo só se interessa em nos perturbar. O homem nunca deve se desesperar, porque seus pecados são significativamente menores do que os do diabo; ele tem circunstância atenuantes, porque foi criado do pó da terra, e se sente atraído por ela; é por isso que ele escorrega e se arruína com tanta facilidade.

 A fim de sustentar uma boa luta, ele deve girar a roda para o lado contrário da direção do diabo; se ele cochichar que somos tal coisa, devemos cultivar a auto reprovação; se ele segredar que somos nada, devemos dizer-lhe, “Deus terá misericórdia de mim”. Se o homem agir dessa simples maneira, com fé e esperança em Deus, ele será capaz de alcançar grandes alturas espirituais.

 - Em outras palavras, Geronta, isso significa que a auto reprovação não ajuda em nossa luta espiritual?

 - Ela ajuda, mas é preciso discernimento. Por exemplo, alguém pode dizer para si mesmo, “Você é um tolo...”. mas isso deve ser dito com verdadeira humildade, para escarnecer do demônio, mas também com coragem, e não com miséria. Buscamos a auto reprovação, não o desespero!

 É um sinal de maturidade espiritual acreditar – compreender – que eu não fiz nada de tão significativo a ponto de me desapontar, no bom sentido do termo. Eu devo sentir que, o que quer que eu tenha feito ou adquirido, eu estou apenas somando zeros e preciso continuar em minha luta com fé em Deus. Então, quando o Deus Benevolente vir os zeros de minhas boas intenções, ele se apiedará de mim e acrescentará um número “um” na frente da fila de zeros, dando valor a ela e me tornando espiritualmente rico. Um bom estado espiritual permanece oculto sob uma condição humilde de auto desapontamento.

  

Trabalho espiritual com uma lente de aumento

 - Geronta, como pode uma pessoa se enxergar sempre como pecadora?

 - Quando ela perscruta a si mesma. Quando mais de perto se examinar, mais pecados encontrará em si.

 - Como alguém com muitas responsabilidades pode ser ajudado em seu trabalho?

 - É sempre útil dizer a Prece de Jesus durante o dia, e reservar algum tempo para meditação. Veja como o comerciante conta seu dinheiro toda manhã. Se ele não prestar atenção a quanto dinheiro ele tem e quanto tem a pagar, ele irá à bancarrota.

 - Geronta, algumas pessoas não sabem quando devem se confessar.

 - Isso mostra que elas não estão se examinando corretamente. Se não nos observarmos com atenção, mesmo os maiores pecados podem nos escapar. Devemos limpar os olhos de nossa alma. Uma pessoa cega não pode ver nada. Quem tem um olho só, bem, já pode ver; mas é preciso ter os dois olhos para enxergar direito. E, se quisermos usar um telescópio ou um microscópio, devemos estar preparados para ver longe e ver perto claramente. Por exemplo, eu posso esculpir um pequeno ícone de madeira em três horas. Mas se eu o deixar de lado e olhar para ele de novo daqui a alguns dias, eu verei muitos defeitos nele. Posso trabalhar no mesmo objeto por semanas, meses ou anos. Posso gastar muitos anos, se quiser. No final terei que usar lentes de aumento. O que eu quero dizer é que o trabalho espiritual não tem fim. Quanto mais alguém progride na vida espiritual, mas claros se tornam os olhos de suas alma, capacitando-a a ver a magnitude de seus pecados com maior percepção, o que, em troca, aumenta sua humildade e a torna mais receptiva à Graça de Deus. Os santos que diziam, “Eu sou um pobre e miserável pecador”, sabiam que isso era verdade, porque os olhos de suas almas eram como microscópios. Quanto mais avançavam na vida espiritual, mais sua visão microscópica aumentava para observar sua pecaminosidade. Olhando para minha mão a olho nu, ela parece bem para mim. mas se eu a olhar com uma lente de aumento, eu verei esse finos pelos, que quase não vejo, como ciprestes! “Meu Deus, eu sou um bruto cabeludo!”, eu direi. Se você trabalhar assim espiritualmente, você detestará seu velho eu.

 Nosso velho eu é um mau inquilino dentro de nós. Para evitá-lo, devemos demolir a casa e começar a reconstruir uma nova, o novo homem.

  

***

 

TERCEIRA PARTE

PECADO E ARREPENDIMENTO

 

 

Capítulo V

O imenso poder do arrependimento

 

 

“Ele veio por si só”

Deus está muito próximo de nós, mas também muito acima. E como “Ele se inclina para nós” para estar conosco, devemos nos humilhar e nos arrepender. Então o Deus Compassivo, vendo nossa humildade, nos levantará aos céus e nos mostrará um grande amor. “Há mais alegria nos céus pelo pecador arrependido”, está dito nos Evangelhos.

 Deus deu ao homem uma mente para que ele se torne consciente de suas faltas, se arrependa e peça perdão. O não arrependimento é uma coisa cruel. A pessoa que não se arrepende e tola em não querer se arrepender, e se limita ao pequeno inferno em que vive atualmente, e que a levará ao inferno eterno. A pessoa também se vê destituída das bênçãos terrestres – que continuam no Paraíso, junto a Deus, juntamente com as alegrias imensas e eternas.

 Na medida em que uma pessoa se afasta de Deus, ela se desconecta de si mesma. Veja o que o Evangelho nos diz sobre o filho pródigo: “Quando deu por si, ele disse... Levantar-me ei e voltarei para o meu pai”. Somente quando ele chegou a esse sentimento, ele se arrependeu e disse, “Voltarei ao meu pai”. Na medida em que ele continuava a viver em pecado, ele estava desconectado de si; ele não estava com a mente correta, porque o pecado reside fora dos limites da razão.

 - Geronta, Abba Alonios escreveu que “Se um homem quiser, por um único dia, de manhã até de noite, ele será capaz de alcançar a medida de Deus[48]”. O que isso significa?

 - A vida espiritual não requer anos. Num segundo, a pessoa pode se salvar do inferno e ir ao Paraíso, se ela se arrepende. O homem é mutável, ele pode se tornar um anjo ou um demônio. Como é impressionante o poder do arrependimento! Ele conduz à Graça divina. Um homem pode ser salvo se colocar um único pensamento de humildade na mente! Mas se ele coloca na mente pensamentos de orgulho e não se arrepende, e a morte o colhe nesse estado, ele está perdido. O pensamento humilde, é claro, deve ser acompanhado de um sentimento interno, de uma contrição interna. Um pensamento é um pensamento, mas também existe o coração. O autor dos hinos nos lembra que deve ser “Com todo toda a alma, a razão e o coração”. Mas eu acredito que aqui o Abba está se referindo a um estado mais permanente, e é preciso um tempo para se atingir esse bom estado. Nesse momento eu cometo um erro, me arrependo e sou perdoado por esse momento; se eu tiver um espírito de luta, posso gradualmente transformar esse estado momentâneo num estado permanente, mas até lá eu sou vacilante.

 - Pode uma pessoa idosa ajudar a si mesma espiritualmente?

 - Sim. De fato, quando alguém envelhece, lhe são dadas oportunidades de arrependimento mais amiúde, porque as ilusões se foram. Quando ele ainda tem força física em sua juventude, ele não tem consciência de sua fraqueza, e se imagina em bom estado espiritual. Mas agora ele tem dificuldades e reclama, e isso o ajuda e perceber que ele não está sempre certo, que ele é fraco; e isso o ajuda a se arrepender. Se ele fizer bom uso dos poucos anos à frente, e utilizar a experiência dos anos passados, Cristo não o abandonará e será misericordioso.

  

As lágrimas de arrependimento

 O arrependimento é um batismo de lágrimas. Por meio do arrependimento o homem é rebatizado, ele renasce. Com sua negação, o Apóstolo Pedro traiu Cristo de certa forma, mas, por haver “chorado amargamente” ele recebeu o perdão por sua falta. Em outras palavras seu arrependimento sincero lavou-o, limpando-o novamente. Você vê, Deus primeiro criou a terra, os mares e toda a criação, depois tomou do pó da terra e criou o homem. O homem nasce primeiro na carne, e então, pelo Batismo, ele renasce espiritualmente através da água, uma criação de Deus, e, por meio da Divina Graça Incriada do Espírito Santo – através da água do Espírito – ele se torna um novo homem.

 - Em outras palavras, Geronta, primeiro Deus utilizou o pó da terra e criou o homem, ele agora utiliza da água para recriá-lo?

 - Sim, a água significa limpeza. É por isso que, no Batismo, o sacerdote imerge a pessoa em água. O homem se torna limpo do pecado ancestral, seus próprios pecados são lavados e limpos, e a Graça de Deus o recobre da modo a que agora ele se reveste do próprio Cristo e se torna um homem novo e renascido. Essa é a obra do Batismo. Cristo deixou isso claro a Nicodemo, quando esse lhe perguntou da possibilidade de renascimento do homem: “Em verdade vos digo, que a menos que um homem nasça na água e no Espírito, ele não poderá entrar no Reino de Deus”. Com o Batismo, o homem, a perfeita criação de Deus, é renovado e restaurado depois da queda. É por isso que o homem, se não poluir seu Batismo, recebe tantas Graças divinas. Mas, ainda que ele conspurque seu Batismo, ainda lhe resta o Batismo do arrependimento. Se uma pessoa se torna ciente de sua pecaminosidade e se arrepende, ela pode ser lavada pelas lágrimas, e nesse momento a Graça de Deus retorna a ela.

 - Geronta, por anos eu não chorei por minhas faltas, nem uma única lágrima. Isso significa que nunca tive verdadeiro arrependimento?

 - Você se arrependeu dos erros que cometeu?

 - Sim, mas talvez a dor tenha sido frouxa.

 - Não tire conclusões das lágrimas. Certamente, elas são um sinal de arrependimento, mas não o único. Algumas pessoas choram, depois riem, com a mesma facilidade.  Dor no coração e a aflição interior são lágrimas interiores, que são superiores às lágrimas exteriores. Havia um pobre homem que costumava dizer, “Ó Pai, eu tenho um coração duro!” Eu não consigo derramar uma única lágrima. Meu coração é uma pedra. Há tanta dureza em mim!”. e, embora de fato ele fosse muto sensível, ele se sentia duro, por não chorar. Ele soluçava profundamente por seus pecados, e podia-se ver que o sentia do fundo de seu coração! Por outro lado, uma pessoa pode chorar e rir, indo e vindo, e suas emoções são mutáveis como o tempo na primavera. Por exemplo, ao ver uma pessoa desafortunada, alguém pode ser levado às lágrimas, e se congratular, “Oh!, Como eu sofro pelos demais!”. Ou, se ele chora e derrama muitas lágrimas, ele pode dizer, “Deus, ouve minha prece porque ela vem acompanhada de lágrimas”, e sentirá conforto emocional e sentimental.

 Também existem as chamadas lágrimas inconsoláveis. Essa provêm do mal. Não há arrependimento nelas, ao contrário, elas indicam um ego contundido. Essa pessoa está chorando egoisticamente por sua própria queda. Ela está ferida porque sua indiferença a fez perder a cara com que se via nos outros (ou os outros a viam), e não por ter ofendido a Deus, e então ela sofre duplamente; ela perdeu o semblante, e perdeu a consolação do verdadeiro arrependimento.

 Durante a guerra civil, um capitão de guerrilhas – que Deus lhe conceda o arrependimento – tomou cativo o pai de uma família pobre com nove crianças e bateu nele sem piedade, apenas porque ele não concordava com sua ideologia. O homem suplicou, pois havia servido durante a guerra: “Você não tem misericórdia de mim, um homem que tem que cuidar de nove filhos? Você não lembra do tempo em que o carreguei nas minhas costas? O que fiz eu para merecer essa surra?”. Então um companheiro do capitão, observando a brutalidade com que o pai de família estava sendo tratado, interveio e disse: “Pare! O que ele fez a você? Não tem piedade dele? Ele tem uma família!”. Então o capitão brutal desabou e começou a chorar, mas apenas porque seu ego havia sido ofendido pela aguda crítica de seu camarada.

 Essas lágrimas são egoístas, lembrando a mudança de coração de Judas, que traiu Cristo e voltou aos Fariseus para lhes falar, “Eu pequei”. Mas eles lhe responderam jocosamente, “E nós com isso? O problema é seu”. Ofendido com essa resposta, Judas atirou o dinheiro no chão e se enforcou orgulhosamente. Se ele tivesse regressado a Cristo e dito, “Perdoa-me e abençoa-me, Senhor”, ele poderia ter sido salvo.

  

A artesania interminável

 - Geronta, o que é a alegre dor, a lamentação que gera alegria?

 - É a alegria que provém do pesar por um erro que cometemos. A dor de felicidade contém tanto alegria como dor, e é por isso que se chama dor alegre. O homem se entristece pelo philotimo por ter ofendido a Deus, mas logo se alegra quando sente o consolo divino. Quando o pecador se arrepende sinceramente é perdoado por Deus; ele sente o consolo divino, e pode alcançar ainda uma fervente alegria espiritual, uma exultação espiritual.

 - Geronta, é possível a alguém que luta espiritualmente se arrepender por toda sua vida?

 - Sim. Se ele luta apropriadamente, não percebe seu progresso, mas somente seus erros, e vive num constante estado de arrependimento. Ele não sabe que primeiro ele lutou contra um demônio, e que depois ele lutava contra todo um regimento.  Veja, quanto mais esforço a pessoa aplica em desenraizar a paixão e adquirir a virtude, mais inimigos se juntam no cabo de guerra, para segurar as raízes. É por isso que, mesmo que ela não veja progresso, ela de fato está avançando positivamente. E é possível viver nesse estado até a morte, não vendo progresso algum e imaginando que não se está progredindo, vendo apenas seus erros contínuos; mas, na realidade, está havendo progresso, porque a luta se intensifica cada vez mais, e a pessoa luta com um número crescente de demônios.

 O arrependimento para uma pessoa que luta é uma artesania interminável. Choramos pelos mortos, os enterramos e os esquecemos. Mas quando choramos por nossos pecados constantemente, vamos até morrer; e isso, naturalmente, acontece com discernimento e esperança em Cristo, que foi crucificado para no ressuscitar espiritualmente.

 

 Mudando nosso modo de vida

 Para que o homem deixe de cometer um dado pecado, ele deve tentar evitar as causas que o levam a esse pecado. Por exemplo, um bêbado, se quiser parar com esse mau hábito, não deve nem passar por uma taberna. Requer um pequeno esforço e um coração atento e uma vontade, e o Deus Benevolente o ajudará a superar as dificuldades. Digamos, por exemplo, que alguém possua uma determinada paixão. Ele reconhece o fato, luta para expulsá-lo, se arrepende e se torna humilde. Sua disposição interna e a luta para quebrar o hábito são conhecidas de Deus, que lhe provê assistência. Por outro lado, como pode Deus conceder Sua Graça para alguém que não faz o menor esforço para mudar, e continua a pecar? A Graça de Deus não chega a alguém que é espiritualmente falso, porque não seria útil para essa pessoa; se fosse útil, Deus daria sua Graça ao próprio Diabo.

 É a pessoa que não permanece estagnada em suas faltas, em seus pensamentos e ações pecaminosas, mas, ao contrário, desperta, se arrepende de seus pecados e luta para não voltar a pecar, que recebe a Graça de Deus e é ajudada. Mas, onde não existe arrependimento, e o pecado “fica”, essa é uma condição demoníaca.

 - Geronta, dos dois ladrões crucificados com Cristo, como um deles foi salvo?

 - Ele escalou o muro e penetrou no Paraíso! O arrependimento do ladrão roubou o Paraíso, diz o Hipakoy do Primeiro Tom. Em outras palavras, ele se apoderou do Paraíso pelo seu grande arrependimento.

 - Geronta, se alguém mudou seu modo de vida e não prossegue num passado de hábitos de pecado, mas ocasionalmente escorrega num deles, isso significa que ele não se arrependeu?

 - Bem, se ele está fazendo todo o esforço necessário e ainda cai, ao menos ele tem uma desculpa. Não é fácil, no começo. Mas quando alguém compreende o quão sério o pecado era, ele não o repetirá.

 Num passado não tão distante, havia um arrependimento sincero. Quando alguém se arrependia, arrependia e não havia volta atrás. Lembro-me de uma mulher, que muito me ajudou com seu arrependimento verdadeiro. Ela era muito modesta e pouco falava. Usava roupas pretas e parecia uma freira, cuidando da Capela e colocando óleo da lâmpadas da vigília. Bastava olhar para ela e ver seu comportamento edificante. Agora eu vejo pessoas que, mal mudam de vida, começam a ser professores e instrutores dos outros, enquanto seu velho eu ainda está interiormente ativo. A pessoa deve se arrepender, deve parar de viver a vida pródiga do passado e passar a viver espiritualmente; isso sim será de uma ajuda positiva para os demais. Mas que alguém passe diretamente de um estado de prodigalidade a se tornar uma pessoa espiritual e um instrutor, isso é uma ilusão.

 - Geronta, você quer dizer que eles fazem isso para ajudar os outros?

 - Sim, o fazem. Mas, por trás da sua ação, especialmente se forem mais ou menos conhecidos na sociedade, se esconde um pensamento de orgulho: “As pessoas já não irão falar de nossos heróis nacionais Gregos Karaiskakis e Kolotronis: elas falarão de mim!”. a partir desse pensamento, você pode ver que um caminho errado está sendo percorrido. Se eles tivessem consciência real de suas faltas, eles deveriam, ao menos por um período, não esquecer, nem relaxar, mas permanecer em vigilância. Então, quando vários pensamentos e ideias de sua vida anterior surgissem em sua mente, eles os expulsariam como pensamentos blasfemos. Essa é a prova de que já não aceitavam essas coisas, e que seu corpo e sua alma as rejeitavam. Em outras palavras, é preciso uma grande humildade e horror pelas coisas velhas, para se transformar internamente. Se a pessoa tenta segurar algumas coisas de sua velha vida, considerando-as dignas, logo aparecerão outras. No momento em que a pessoa segura a menor ideia do velho eu, Deus já não a ajuda, e tudo o que ela fizer não será puro.

 - Geronta, quando alguém muda seu jeito de viver, ele deve estar atento para corrigir os pensamentos que os demais têm a seu respeito?

 - Ele não deve tentar mudar os pensamentos dos demais de uma maneira orgulhosa; primeiro ele tentará se corrigir e então os pensamentos dos outros se corrigirão e serão removidos por si sós. Se o estigma de uma vida pecaminosa do passado permanecer na sociedade num círculo estreito, isso será apagado com o tempo, por seu bom comportamento. Não há necessidade de falar a respeito. Deus fala, por meio do arrependimento sincero.

  

Meu pecado está sempre diante de mim

 - Geronta, ajuda escrever os pecados, até confessá-los, para não esquecer deles?

 - Quando eu realmente sinto por um pecado que cometi, eu não poderei esquecê-lo. Minha consciência me incomoda, minha alma sofre, e o pecado volta constantemente à minha mente. Até que eu confesse meu pecado, ele continua a operar em mim, perfurando meu coração, para me censurar. Eu sofro, mas sou recompensado por Deus na medida. Mas quando eu cometo um erro e não penso mais nele, ele deixa de me perturbar; eu o esqueço e ele permanece sem correção. É por isso que algumas pessoas, quando censuradas por alguma falta, se riem, como se nada houvesse acontecido. Isso é um indicativo de impudência, de indiferença; é algo completamente satânico. Você ouviu o que Davi disse: “Eu confesso minha iniquidade e me arrependo de meu pecado”, e “Meu pecado está sempre diante de mim”. Ainda que Deus o perdoasse, ele continuava a sofrer internamente, por seu philotimo, e assim ele recebia uma consolação constante.

 Outros ainda se perdem em constantes diagnósticos sobre si mesmos. Eles tomam notas detalhadas de suas faltas, presumivelmente para fazer uma análise refinada, destilando cada detalhe possível, mas, ao final, eles apenas se confundem e acabam por não se corrigir. Ao contrário, se tomassem seus grandes pecados um por um e lutasse para corrigi-los, mesmo as pequenas faltas desapareceriam.

 - Geronta, se alguém não vive em arrependimento e ainda assim ora a Deus, Deus aceita sua doxologia?

 - Não, como poderia Deus aceitar tal doxologia? Em primeiro lugar, a pessoa precisa se arrepender. Pois, se alguém permanece em pecado, que benefício terá para ela, dizer “Glória a Ti, que nos trouxestes a luz”? Por trás disso oculta-se a impudência. A única coisa apropriada a dizer é “Obrigado, Senhor, por não enviar um raio e me destruir!”. Esse tipo de oração, pelo menos, contém um sentido de arrependimento.

  

Arrependimento compulsório

 - Geronta, Abba Isaac escreve, “Nenhum tipo de arrependimento que vier depois da remoção de nossa livre vontade será uma fonte de alegria, nem será reconhecido como recompensa para aqueles que o possuem”. Domo é possível a alguém se arrepender sem ser por sua própria vontade?

 - A pessoa pode ser forçada a se arrepender, tendo caído aos olhos dos demais ao seu redor, mas esse arrependimento não contém humildade. É assim que eu o compreendo.

 - Quer dizer que existem arrependimentos que não são voluntários?

 - Sim, existe o arrependimento compulsório. Eu lhe peço que me perdoe por algum prejuízo que lhe causei, para que eu possa me livrar das consequências, mas eu não mudei por dentro. Uma pessoa maldosa pode se pretender arrependida, e se comportar astuciosamente, oferecendo prostrações com mansidão fingida, para enganar os outros. Quando alguém confessa seus pecados ao Pai Espiritual apenas por medo de ir para o inferno, mesmo isso não constitui um verdadeiro arrependimento. Ele não está arrependido, ele apenas tem medo do inferno. O verdadeiro arrependimento implica em primeiro lugar a consciência do pecado, a dor pelo que fez, o pedido de perdão a Deus, e então a confissão. É assim que a divina consolação chega até nós. É por isso que eu sempre recomendo o arrependimento junto com a confissão. Nunca recomendei apenas a confissão.

 Veja, por exemplo o que acontece quando temos um terremoto. Os que têm boa disposição são movidos profundamente, se arrependem e mudam seu modo de vida. Mas a maior parte das pessoas mantém seu temor a Deus apenas por um curto período de tempo; quando passa o perigo, elas reassumem sua forma anterior de vida pecaminosa. É por isso que, quando alguém me disse que houve recentemente um terremoto em sua cidade, eu lhe disse, “Isso o atingiu, você realmente despertou?”. “Sim, isso nos despertou”, ele respondeu. Então eu lhe disse, “Ótimo, agora pode voltar a dormir”.

 

O arrependimento conduz à consolação divina

 - Geronta, o que é a consolação divina?

 - O que é a divina consolação? Vou lhe dar um exemplo para você entender melhor. Uma criança faz algo errado; digamos que ela quebrou uma ferramenta de seu pai e fica triste e chora, porque pensa que foi um grande erro. Quanto mais a criança chora e admite o prejuízo, e continua a sofrer, mais o pai a acaricia e tenta consolá-la. “Está tudo bem, meu filho, não chore, não se preocupe, não foi nada sério; eu comprarei outra ferramenta”. Mas a criança, vendo o amor e a ternura de seu pai, pelo philotimo, chora ainda mais. “Eu não posso fazer nada, pai, nós precisamos da ferramenta agora, e eu a quebrei”, ela continua. E o pai continua a consolar seu filho: “Não se preocupe, filho, não era nada, era uma ferramenta velha”. Mas a criança continua perturbada com o que aconteceu. E na medida em que ela continua assim, seu pai continua a abraçá-la e beijá-la. De modo similar, quanto mais sofremos e nos entristecemos por nossos pecados ou por nossa ingratidão a Deus, e choramos com o philotimo por termos entristecido nosso Pai com nossos pecados, mais ele nos recompensará com seu favor divino e sua ternura interior. Essa tristeza é a boa tristeza, que contém dor, mas também esperança e consolação.

 É claro que alguém que busca a consolação divina não deve buscar essa consolação. Deve em primeiro lugar ter consciência de sua transgressão, seu pecado; deve se arrepender, e então a consolação divina virá por si só. Certa vez no Monte Athos, surgiu uma discussão e algumas pessoas se inflamaram. Uma das pessoas ofendidas me encontrou por acaso e disse, “Eu queria muito encontrá-lo, para você me consolar”. E isso tudo apenas porque alguém a feriu de leve. Eu fiquei confuso ao ouvir isso. Ele estava procurando consolo, quando era ele o faltoso. Se ele não pensasse em consolo, mas tivesse dito, “Senhor, eu transgredi”, a consolação divina chegaria a ele. Mas agora, embora ele estivesse errado, ele queria que eu lhe dissesse, “Está tudo bem, não se preocupe, sua transgressão não foi séria e você não foi o único errado, a outra pessoa errou também...”. Isso é tolice. A consolação divina provém do arrependimento.

 - Geronta, quando um estado de arrependimento vem depois de uma falta, mas a pessoa ainda sente um quebranto espiritual e físico, isso significa que o arre3pendimento não foi autêntico?

 - No primeiro dia, você pode justificar esse quebranto espiritual e físico. Mas depois, quando chegar o arrependimento verdadeiro, ainda que prossiga a dor e a tristeza interna, haverá a consolação divina.

 - Sim, mas a transgressão não foi esquecida.

 - Exatamente, a pessoa não a esquece. Ela se entristece e se consola, se entristece e se consola. Ela se bate pelo erro cometido, e recebe o cuidado de Deus; um tapa, um cuidado, um tapa, um cuidado... Esse arrependimento traz a consolação divina.

  

***

 

 QUARTA PARTE

AS FORÇAS MALIGNAS DA ESCURIDÃO

 

“As forças malignas da escuridão não têm poder. São as pessoas que as tornam fortes, quando se distanciam de Deus, e entregam seus direitos ao demônio.”

  

Capítulo I

Magia e feitiçaria

 Muitas vezes eu falei sobre o Paraíso, sobre os Anjos e os Santos, para ajudar você; agora vou lhe dizer algumas coisas sobre o inferno, para que você saiba por que estamos lutando; acredito que isso poderá ajudá-lo.

 Um jovem mago do Tibete chegou à minha Kalyvi e me contou muitas histórias de sua vida. Quando ele tinha três anos, ele foi prometido por seu pai a um grupo de trinta feiticeiros de uma das mais altas ordens do Tibete, para ser iniciado nas artes da mágica. Após anos, ele atingiu o décimo-primeiro grau de magia, sendo o décimo-segundo o mais elevado. Com a idade de dezesseis anos ele deixou o Tibete e se mudou para a Suécia para ver seu pai. Ali, ele se encontrou por acaso com um devoto sacerdote Ortodoxo, e pediu para conversar com ele. Ele nada sabia do que significava ser um sacerdote Ortodoxo. O jovem mágico começou por mostrar-lhe alguns de seus poderes, na sala onde se sentaram para conversar. Ele invocou um demônio archikon[49], Mena, e lhe disse: “Quero água”. Então um copo voou da cozinha pelo ar até a pia, a torneira se abriu automaticamente e encheu o copo, que passou por uma porta de vidro fechada e levitou pela sala até onde estavam sentados. O jovem tomou o copo e bebeu a água. Então ele mostrou ao sacerdote todo o universo, o céu e as estrelas, enquanto permaneciam sentados ali. Ele havia utilizado a magia do quarto grau, e teria prosseguido até o décimo-primeiro. Então ele perguntou ao sacerdote como ele se sentia em relação àquilo. Nesse ponto da narrativa, o jovem confiou em mim e disse, “Eu estava pronto pata matar o sacerdote, caso ele ameaçasse o diabo”. Mas o sacerdote não disse nada. Então o mágico disse a ele, “Por que você não me mostra alguns sinais?”. O sacerdote respondeu, “Meu Deus é humilde”, e, tomando uma cruz, a deu ao jovem para que segurasse, e pediu-lhe que fizesse mais algumas mágicas. Novamente, o jovem invocou Mena, o demônio principal, mas Mena estava tremendo e não ousava se aproximar. Ele então chamou o próprio Satanás, mas também ele não se aproximou da cruz; ele apenas disse ao jovem que retornasse ao Tibete. Então o jovem ameaçou Satanás, dizendo, “Agora eu sei que seu grande poder não passa de uma grande fraqueza”. Depois disso, o devoto sacerdote instruiu o jovem e lhe falou sobre Cristo, a Terra Santa, a Montanha Santa e por aí afora. Depois de deixar a Suécia, o jovem foi a Jerusalém, onde viu a Luz Santificada. Então ele foi aos Estados Unidos para condenar o satanismo e ajudar seus seguidores a quebrar os votos desse modo de pensar – tornando-se assim um excelente pregador do Senhor – e de lá ele veio à Montanha Santa.

 O Deus Benevolente foi benigno com esse jovem, porque ele havia errado numa idade muito tenra. Não obstante, ore por ele, porque agora todos os mágicos e demônios se voltaram contra ele. Eles se voltaram inclusive contra mim, porque ele veio pedir minha ajuda, e você pode imaginar quão maiores são os ataques contra ele. Os sacerdotes leram preces de exorcismo para ele, e ele começou a sangrar. O pobre jovem agora está atormentado por demônios, enquanto que no início, quando colaborava com eles, eles não o incomodavam; ao contrário, o ajudaram e o serviam em suas mágicas. Por favor, ore por ele. Também ele deve se manter vigilante, porque os Evangelhos contêm um sério avido sobre os espíritos impuros que atacam o homem: “Então ele virá, e trará sete outros espíritos piores ainda, e eles entrarão e habitarão ali; e o último estado do homem será ainda pior do que o primeiro[50]”.

  

Os feiticeiros utilizam algumas “coisas sagradas”

 - Geronta, o que é um encantador?

 - É um feiticeiro, que utiliza os Salmos de Davi, os nomes dos Santos, etc., juntamente com uma mistura de invocações satânicas. Em outras palavras, enquanto ele, lendo o Saltério, chama pelo nome de Deus para nos ajudar e recebermos a Graça Divina, eles, do modo como usam os Salmos, apenas blasfemam o nome do Senhor, e recusam a Divina Graça, pe3rmitindo que os demônios façam suas obras.

 Alguém me contou sobre um jovem que buscou um feiticeiro para ajudá-lo a obter qualquer coisa. O feiticeiro leu algumas coisas dos Salmos, e o jovem obteve o que queria. Mas, pouco depois, ele começou a perder tudo. O que fez o feiticeiro? Ele segurou algumas nozes secas em sua mão, enquanto lia o Salmo 50. Ao chegar aos versos “O sacrifício aceitável a Deus[51]”, ele atirou as nozes como um sacrifício aos demônios, para que eles o favorecessem. Assim, da maneira como ele utilizou o Salmo, ele blasfemou a Deus.

 - Geronta, algumas pessoas envolvidas com magia também utilizam a cruz e os ícones.

 - Sim, eu sei. Para você ver o grau de fraude oculto naquilo que elas fazem! É assim que as pobres pessoas são enganadas. Elas as veem usando candilas, ícones, etc., e acreditam nelas. Contaram-me recentemente que existe na Turquia uma mulher que colocou um ícone da Panaghia sobre uma pedra e disse ao povo, “Essa é a pedra que auxilia as pessoas!”. Ela não disse, “A Panaghia ajuda”, mas “a pedra ajuda”. Os pobres cristãos ficam confusos ao verem o ícone da Panaghia. Algumas pessoas com problemas de saúde se apresentaram com a esperança de serem ajudadas, mas o diabo enganador fez o que quis delas. Veja, quando a mulher disse que era a pedra, e não a Panaghia, que ajudava, o diabo entrou em ação. A Graça de Deus foi removida, e os diabos começaram seu trabalho. Os cristãos chegavam para serem curados pela pedra – a pedra e o diabo – e, ao final, eram torturadas espiritualmente pelo diabo. Se essas pessoas tivessem o mínimo de senso, elas veriam que a mulher Turaca, uma muçulmana, não poderia ter nada a ver com o Ícone da Panaghia. Ainda que ela, como muçulmana, dissesse que era a Panaghia que curava, que relação poderia ela ter com a Panaghia? Quanto mais quando ela dizia que era a pedra que curava! Eu disse que informassem ao bispo local, apara que ele tomasse medidas protetivas em relação ao povo.

 - Geronta, as pessoas pedem uma phylakton[52].

 - É melhor dar uma pequena cruz, quando pedem por uma phylakton. Não faça uma phylakton, porque mesmo os magos fazem talismãs. Eles colocam um pequeno ícone ou uma cruz do lado de fora, mas por dentro põem todo tipo de itens malignos. As pessoas veem o ícone ou a cruz e ficam confundidas. Há alguns dias alguém me trouxe um talismã da Turquia, Ibrahim era seu nome, e ele havia inclusive bordado uma cruz nele. Já ouvi falar de uma pessoa sem Deus que enrola ícones e coloca dentro cabelos, pequenas peças de madeira, agulhas, miçangas e outras coisas. Quando a Igreja a censurou, ela simplesmente respondeu, “Eu sou um psíquico”. E, como os psíquicos não estão submetidos à disciplina da Igreja, ele era livre para fazer o que quisesse. Eu aconselhei alguém que havia sido prejudicado por ele: “Vá e confesse, porque você parece ainda estar receptivo à influência demoníaca”. Ele, foi, confessou se e voltou para me dizer, “Não senti nenhuma mudança”. Então eu lhe perguntei se ele ainda tinha consigo algo que lhe tivesse sido dado pelo feiticeiro. “Sim, eu ainda tenho essa caixinha que parece um pequeno Evangeliário”, disse ele. Eu a tomei e abri, e descobri vários ícones enrolados dentro. Eu os desenrolei um por um e encontrei dentro miçangas, cabelos e pequenas peças de madeira. Eu trouxe essas coisas comigo, e o pobre homem se viu liberado. Veja que habilidoso artesão é o diabo!

 - Algumas pessoas carregam esses talismãs como phylakta na esperança de serem protegidas, mas, ao contrário, elas sofrem. As pessoas que possuem essas coisas deveriam queimá-las e enterrar as cinzas, ou jogar as cinzas ao mar; e então deveriam buscar a confissão. É a única maneira de se livrar da influência demoníaca. Certa vez, um jovem veio à minha Kalyvi, com problemas que o afetava, física e mentalmente por anos. Ele levara uma vida pecaminosa e, recentemente, havia se isolado em casa para não ver ninguém. Finalmente, depois de muitos rogos, dois de seus amigos – que já haviam estado na Montanha Santa – o convenceram a se juntar a eles numa viagem à Montanha Santa, para tentar trazê-lo à minha Kalyvi. Na viagem de Ouranopolis a Daphne, a cada vez que o barco atracava na doca de um Mosteiro, o jovem caía ao chão, involuntariamente. Seus amigos e os Padres que estavam no barco tentavam ajudá-lo dizendo a Prece de Jesus. Finalmente, eles chegaram à Kalyvi. O pobre rapaz estava pronto para abrir seu coração e me falar sobre sua vida. Eu entendi que ele sofria de alguma espécie de influência demoníaca. Eu o aconselhei a procurar um determinado Padre para se confessar, e que ele seguisse suas instruções e que assim iria se recuperar. Ele foi e fez sua confissão. Quando tomaram o barco de volta, ele disse aos amigos que o Padre o aconselhara a jogar ao mar um talismã que ele carregava (que lhe fora dado por alguém), mas que ele não conseguia fazê-lo. Quanto mais os amigos lhe rogavam que se desfizesse do talismã, mais ele se sentia incapaz de fazê-lo. Ele permaneceu imóvel, e sequer conseguia se levantar do seu assento. Então um dos amigos o agarrou e tirou-o do deck. Com sua ajuda, o jovem conseguiu tirar o talismã e permitiu que o atirassem ao mar, pois não tinha forças para jogá-lo pela amurada. E imediatamente ele sentiu que a força voltava aos seus braços e que a energia retornava ao seu corpo torturado. Ele começou a pular de alegria e se sentia muito vivo, e testava a força de seus braços nos remos e nas paredes do barco.

  

Aqueles que trabalham com magia também contam muitas mentiras

 - Geronta, os magos e feiticeiros possuem alguma informação?

 - Eles têm conhecimento do mal, mas também contam muitas mentiras. Vocês que estão na hospedaria do Mosteiro devem tomar muto cuidado e manter os olhos abertos. Tentem discernir o tipo de gente que chega, porque alguns podem estar envolvidos com feitiçaria. Isso parece estranho? Certa vez, durante uma vigília, havia dois indivíduos que estavam envolvidos com feitiçaria. Eles se aproximavam dos outros e começavam a lhes falar muitas coisas. Eles contavam mentiras inclusive a respeito de terem sido colaboradores do Bispo Kantiotis de Florina (1907-2010). Eles disseram a uma mulher, “Alguém colocou uma maldição mágica em você; iremos à sua casa para desfazer o trabalho com uma cruz que temos”. Essas pessoas malignas esperam pelas vigílias e falam um pouco sobre coisas espirituais, e os outros pensam, “Eles devem ser Cristãos sinceros, pois vieram à vigília”. E abrem seus corações para eles.

 Como eles confundem as pessoas com as mentiras que contam! Para enganar uma jovem, um rapaz lhe disse, “O Padre Paísios teve um sonho em que eu me casava com você; venha, aceite isso sem examinar mais”. Claro que era algum item mágico. Felizmente, ela recusou tomar o objeto, pensando consigo, “Como é possível que o Padre Paísios esteja envolvido com coisas como essa!”. E ela me escreveu uma longa e mordaz carta cheia de insultos! Eu pensei comigo mesmo, “Está certo, é melhor eu receber esses insultos, na medida em que ela deixou de ser enganada quanto ao uso desses talismãs”.

 - Geronta, mas a moça o conhecia?

 - Não. E nem eu a conhecia, nem a ele.

  

A ação demoníaca da feitiçaria

 - Geronta, o que você tem a dizer aos jovens estudantes que chegam e lhe dizem que foram chamadas por um espírito?

 - O que posso eu dizer a elas? Primeiro, eu lhes dou uma boa bronca! O que elas fazem é renunciar à Fé. A partir do momento em que elas procuram o diabo e o reconhecem, elas renunciam a Deus. É por isso que eu começo por lhes dizer que se arrependam, que confessem tudo o que fizeram, e que tomem cuidado daí pra frente. Para que sejam limpas e restauradas, elas devem comparecer aos Ofícios da Igreja e receber a Santa Comunhão com as bênçãos de seu Pai Espiritual. Elas têm uma desculpa, é claro, por serem crianças, e por fazerem as coisas como se fosse brincadeira. Mas, se elas fossem adultas, elas sofreram prejuízos sérios; o diabo teria obtido grande poder sobre elas. Mas mesmo agora, tendo essa desculpa, essas crianças precisam de uma sacudidela pelo que fizeram.

 - Geronta, o que exatamente elas fizeram?

 - O que muitos fazem... Elas colocam um copo com água sobre a mesa e colocam as letras do alfabeto ao redor do copo. Depois colocam os dedos no copo e chamam o espírito, ou seja, o diabo. O copo se move, para diante de certas letras e escreve palavras. As crianças chamam o espírito, e, quando ele chega, perguntam, “Deus existe?”, “Não, não existe”, diz o espírito. “Quem é você?”, elas perguntam, e ele diz, “Sou Satanás!”. “Satanás existe?”, elas perguntam, e ele, “Sim, ele existe!”. Esse é o primeiro grau da estupidez. Não existe Deus, mas existe Satanás! Quando elas perguntam outra vez se Deus existe, a resposta é, “Sim, ele existe”. Algumas vezes sim, outras não, a ponto de as crianças ficarem confusas. Deus faz isso para ajudá-las. O copo atinge uma das meninas do grupo, e isso, de algum modo, faz com que os demais caiam em si.

 Hoje em dia, muitas pessoas que desejam prejudicar alguém vão a feiticeiros que fazem bonecos vudu de cera. Os mágicos transformaram isso quase que num hobby.

 - Geronta, o que eles fazem?

 - Eles fazem um boneco de cera, e quando alguém lhes pede que prejudiquem um inimigo, digamos nos olhos, eles furam o olho do boneco com uma agulha enquanto pronunciam o nome da pessoa a ser atingida e fazem diversas outras coisas mágicas. E, de fato, a pessoa pode de fato ser atingida nos olhos devido ao poder satânico, em especial se leva uma vida pecaminosa e não costuma confessar. A vítima sente uma dor insuportável nos olhos, mas os médicos não conseguem encontrar uma causa médica para o caso.

 E os psíquicos, veja quanto prejuízo causam! Não apenas tomam o dinheiro das pessoas, como destroem famílias. Digamos que alguém vá a um psíquico e lhe conte seu problema. Então psíquico diz, “Veja, há uma mulher, parente, um pouco morena e meio baixa, que colocou um feitiço em você”. A vítima tenta identificar algum parente que se pareça com a descrição dada. Quando finalmente a encontra, pensa, “Deve ser ela!”, e começa a ficar com raiva dela. Enquanto isso, a pobre parente não tem ideia do que se passa – ela pode até ser uma benfeitora – mas a pessoa sente indignação contra ela e não quer nem vê-la. Quando ela volta ao psíquico, lhe é dito que é hora de quebrar o feitiço, desde que, é claro, seja feito o pagamento. O tolo paga, mais uma vez; depois de tudo, o psíquico encontra o feitiço mágico que deve ser agora quebrado. E os pagamentos continuam...

 Vê como o diabo age? Ele cria escândalos. Ao contrário, a pessoa boa, ainda que saiba de alguma coisa concreta sobre alguém, não dirá, “Fulano o prejudicou”. Ao contrário, tentará ajudar a pessoa, dizendo, “Veja, tire essas coisas da cabeça. Vá se confessar e não tenha receio de nada”. Dessa maneira, ambas as pessoas são ajudadas. A que causou o prejuízo ficará perturbada por sua consciência, ao ver a pessoa prejudicada tratá-la com ternura, e se arrependerá.

  

O diabo nunca pode fazer nada de bom

 - Geronta, pode um feiticeiro curar alguém que está doente?

 - Se pode um feiticeiro curar alguém! Ele pode curar alguém possuído por um demônio, enviando esse demônio a outra pessoa. Lembre-se, o feiticeiro e o demônio são parceiros, de maneira que o feiticeiro pode dizer ao seu sócio, “Deixe essa pessoa, e vá para outra”. Desse modo, o feiticeiro remove o demônio de um indivíduo e o envia a um parente ou alguém das suas relações sobre quem o demônio possa ter algum poder. Nesse caso, a pessoa que estava possuída pelo demônio pode dizer “Eu estava sofrendo, mas ele me curou”, e a vida segue. No final das contas, o demônio apenas fica circulando entre parentes e conhecidos. Se, por exemplo, alguém está corcunda por causa de uma influência demoníaca, um feiticeiro pode enviar esse demônio a alguém outro, permitindo que o corcunda se erga e endireite. Mas se a pessoa tiver uma corcunda por causa de um problema físico, o feiticeiro não poderá curá-la.

 Contaram-me a respeito de uma mulher que supostamente curava os doentes, utilizando-se de vários objetos e coisas sagradas. Quando eu soube das coisas que ela fazia, fiquei impressionado com a habilidade do diabo. Ela segurava uma cruz nas mãos e cantava diversos hinos. Por exemplo, ela podia cantar, “Ó Virgem Mãe de Deus...”, e, ao chegar no trecho que diz “...bendito é o fruto de vosso ventre...”, ela cuspia na cruz! Isso é uma blasfêmia contra Cristo, e quem vinha em socorro então era o diabo. Assim, quando uma pessoa sofria de depressão causada por uma influência demoníaca e os médicos não podiam ajudá-la, a mulher conseguia aliviar o paciente, enviando o demônio causador da depressão a outra pessoa. Muita gente, tomando-a por santa, a procurava para receber conselhos, e, aos poucos, ela as ia prejudicando e destruindo.

 É preciso uma grande vigilância. Devemos fugir dos mágicos e dos feiticeiros, como fugimos do fogo e das serpentes. Em termos claros: o diabo nunca pode fazer nada de bom. Ele só pode curar as doenças que ele próprio causa.

 Eu ouvi falar a respeito do seguinte incidente: um jovem que fez amizade com um feiticeiro acabou por se envolver com magia. Ele se prejudicou, ficou doente e teve que ser hospitalizado. Seu pai, que gastara muito dinheiro m- pois eles não possuíam seguro-saúde – lutou por meses para que os médicos lhe dissessem o que havia de errado com seu filho, mas os médicos não conseguiam encontrar nada de errado com ele. O pobre jovem estava num estado lastimável. A essa altura, eis o que o diabo fez: ele apareceu ao jovem na figura de João Batista, o santo patrono daquela região, e disse a ele, “Eu vou curá-lo se seu pai construir uma capela em minha honra”. O jovem contou ao pai sobre sua visão, que disse, “Ele é meu filho, 3eu lhe darei qualquer coisa para vê-lo bem”. E prometeu construir a capela em honra a São João Batista. Então o diabo se retirou e o jovem ficou curado. Ele fez um... milagre! Então o pai disse, “Eu prometi uma capela, e vou cumprir”. Eles não eram ricos, de modo que tiveram que vender todas as suas propriedades. Tornaram-se despossuídos, e isso causou indignação a toda a família. “Melhor estaríamos sem a Ortodoxia!”, disseram desesperados, e se tornaram Testemunhas de Jeová. Vê o que fez o diabo? Aparentemente não havia Testemunhas de Jeová naquela região, e ele conseguiu uma maneira de levá-las até lá.

  

Quando a feitiçaria funciona

 - Geronta, a feitiçaria sempre funciona?

 - Para que ela funcione, a pessoa deve dar ao diabo direitos sobre si mesma. Em outras palavras, ela deve providenciar uma ocasião séria, e estar pessoalmente despreparada pelo Arrependimento e a Confissão. Quem confessa regularmente é imune à feitiçaria, ainda que ela seja atirada sobre si com uma pá. Pois quando alguém se confessa e seu coração é puro, os feiticeiros não conseguem a cooperação do diabo para prejudicá-lo.

 Certa vez, um homem de meia-idade veio até minha Kalyvi, com um aspecto suspeito. Desde que o vi à distância, percebi que ele estava sob uma influência demoníaca. Ele me disse, “Eu vim para que me ajude. Ore por mim, porque de um mano para cá tenho tido terríveis dores de cabeça, e os médicos não conseguem encontrar nada de errado comigo”. Eu lhe disse, com toda clareza, “Você tem um demônio, porque deu a ele certos direitos”. Ele disse, “Eu não fiz nada”. “Você não fez nada?”, eu perguntei. “Você não traiu uma jovem? Pois ela fez um encanto sobre você. Vá e peça seu perdão, depois se confesse, e deixa que o Padre leia exorcismos para você, para que você recupere sua saúde. Se você não admitir seu pecado e não se arrepender, nem todos os Pais Espirituais do mundo, orando juntos por você, serão capazes de remover esse demônio”. Quando as pessoas chegam a mim com esse aspecto, eu falo a elas com toda clareza e diretamente. Elas precisam ser sacudidas, para recuperar seus sentidos.

 Outro homem me disse que sua esposa estava possuída. Ela estava constantemente arrumando confusão em casa. Ela acordava à noite, acordava todo mundo e revirava as coisas de cabeça para baixo. Eu lhe perguntei, “Você se confessa?”, e ele respondeu, “Não”. “Talvez você tenha concedido certos direitos ao diabo, para que essas coisas aconteçam sem razão”. Finalmente, descobrimos que ele fôra a um Hodja, um clérigo muçulmano, que lhe deu algo para aspergir em sua casa para atrair boa sorte, o que de fato aconteceu, de modo que ele não considerou que essa ação tivesse importância. Mas depois disso, o diabo se viu com liberdade para frequentar a sua casa.

  

Como quebrar a feitiçaria

 - Geronta, se a feitiçaria está operando sobre alguém, como pode ela ser quebrada?

 - Ela pode ser quebrada pelo arrependimento e a confissão. Por isso é preciso que a pessoa primeiro descubra por que a feitiçaria funcionou sobre ela e reconheça os erros que cometeu, e então se arrependa e confesse. Muitas pessoas vêm à minha Kalyvi atormentadas por algum tipo de magia, e me dizem, “Por favor, ore por mim, apara me livrar desse tormento!”. Elas me pedem ajuda, sem procurar a fonte do mal e corrigi-la. Elas deveriam primeiro procurar pelo que fizeram de erado, que permitiu que o diabo aplicasse sua magia sobre elas; depois, deveriam se arrepender e confessar, e só então dar fim ao seu tormento.

 - Geronta, podem os outros ajudar a alguém que recebeu a influência maligna da feitiçaria, e chegou ao ponto de não poder ajudar a si própria, nem ir à Confissão?

 - Eles podem convidar um Sacerdote à sua casa para operar a Bênção da Água Santa e o Sacramento da Sagrada Unção. Eles podem dar à pessoa um pouco de água benta para beber, na esperança de que alguns diabos recuem e permitam que Cristo penetre ali. É isso que uma mãe fez por seu filho, e sua condição melhorou. Ela havia me dito que seu filho sofria de uma influência maligna de feitiçaria. Eu lhe disse que ele deveria se confessar, mas ela me respondeu, “Padre, como poderá ele se confessar, no terrível estado em que se encontra?”. Então eu a aconselhei que levasse um padre à sua casa, para a Bênção da Água. “Será que ele irá beber a água benta?”, eu perguntei. “Sim, ele beberá”, ela respondeu. “Bem, então comece com a Bênção da Água e depois deixe o menino conversar com o padre. Se ele se confessar dessa maneira, o diabo será expulso”, eu lhe assegurei. Ela me ouviu, fez o que eu disse, e o menino foi ajudado. Depois disso, ele teve condições de se confessar e ficou bom.

 Outra mulher, pobrezinha, você não pode imaginar o que ela fez. Seu marido se envolveu com feiticeiros e recusa até mesmo a usar um crucifixo sobre seu corpo. Para ajudá-lo, ela costurou secretamente uma cruz na gola de seu casaco. Numa ocasião em que ele estava prestes a atravessar uma ponte sobre o rio, ele ouviu uma voz que dizia, “Taso, Taso, tire seu casaco e vamos atravessar a ponte juntos”. Felizmente, estava frio e ele respondeu, “Não vou tirar o casaco, estou com frio”. Mais uma vez, ele ouviu a voz, “Tire o casaco, tire o casaco! Atravessaremos juntos.” Veja como o diabo age para destruir suas vítimas. Ele queria atirá-lo ao rio, mas não podia, porque o homem trazia a cruz na gola de seu casaco. Finalmente, o diabo conseguiu empurrá-lo para a beirada da ponte. Nesse meio tempo, sua família estava procurando por ele toda a noite, e o encontraram debruçado, quase fora da ponte. Se não estivesse frio, ele teria tirado o casaco e o diabo o teria atirado ao rio. Ele foi protegido pela cruz. Sua pobre esposa teve fé; de outro modo, como teria ela feito o que fez, se não tivesse fé?

  

Mágicos e demônios trabalham juntos

 - Geronta, pode um homem com alguma santidade desmascarar e expor, ou frustrar, um feiticeiro?

 - Como poderia ele frustrá-lo? Muitas vezes, mesmo quando você diz a alguém que possua um pouco de temor a Deus, que tenha cuidado com certas coisas prejudiciais, ele teimosamente insiste em seguir do seu jeito; imagine então quão mais teimoso é o homem que está sob a cumplicidade do demônio. O que pode você fazer por esse homem? Você pode lhe dizer muitas coisas, mas ele continuará nas garras do diabo. Não há o que possa ser feito. Somente se o feiticeiro estiver na sua frente, e você estiver dizendo a Prece de Jesus, o diabo ficará confuso e desorientado, e o mágico será incapaz de produzir sua magia.

 Alguém tinha um problema, e um feiticeiro astucioso foi até sua casa para “ajudá-lo”. O pobre homem estava dizendo a Prece de Jesus e, sendo um homem simples, não percebeu que a outra pessoa era um feiticeiro. Por isso Deus interveio. Mas veja o que Deus permitiu que acontecesse para ajudar o pobre homem a entender. Os demônios começaram por bater no feiticeiro, que pedia socorro ao homem, a quem ele tinha supostamente vindo ajudar.

 - Esse homem simples era capaz de ver os demônios?

 - Não, ele não podia ver os demônios, ele apenas via a cena: o feiticeiro gritava, “Socorro!”, caía no chão e rolava, colocando as mãos sobre a cabeça para se proteger. Não pense que os feiticeiros vivem bem, e que os demônios sempre atendem aos seus desejos. O fato de que o feiticeiro negou a Cristo uma vez é o bastante. Primeiro, o feiticeiro faz um pacto com os demônios para que eles o ajudem, e os demônios se submetem por algum tempo ao seu comando. Eventualmente, porém, os demônios se voltam contra ele e dizem, “Já não temos tempo a perder com você!”. e imagine o que sofrem os feiticeiros quando não conseguem fazer o que os demônios esperam dele...

 Eu me lembro certa vez em que eu conversava com um jovem feiticeiro do Tibete, do lado de fora de minha Kalyvi, e, de repente, ele se pôs de pé, segurou meus braços e os colocou nas minhas costas. “Vamos ver se Hadjephentis[53] virá libertá-lo!”, disse ele. Mas eu o derrubei, dizendo, “Vá embora daqui, diabo!”. Imagine a impudência, a blasfêmia contra o santo! Ele tentou me chutar, mas não consegui: seu pé parou a centímetros da minha boca. Deus me protegeu. Eu o deixei ali e entre na minha cela. Pouco depois, eu o vi a certa distância, coberto de espinhos. Ele me disse, “Satanás me puniu porque eu não prevaleci sobre você. Ele me atirou à moita de espinhos”.

 As forças malignas da escuridão são impotentes em si. São as pessoas que lhes conferem força, quando se distanciam de Deus, concedendo direitos ao diabo.

  

***

  

QUARTA PARTE

AS FORÇAS MALIGNAS DA ESCURIDÃO

  

Capítulo II

Sobre os possessos

 - Geronta, quantos demônios habitavam os possessos Gadarenos?

 - De acordo com o Evangelho, havia muitos demônios. Por isso eles disseram que seu nome era “legião”. Veja, do mesmo modo como muitos demônios podem habitar uma pessoa possuída, muitos Santos cabem-no coração do fiel. Se Cristo pode morar no coração do fiel, imagine quanto espaço há ali para os Santos. Esses são grandes mistérios.

 Certa vez, quando eu estava na Kalyvi da Preciosa Cruz, alguém tocou o sino. Olhei pela janela, e que vi eu! Lá estava um homem seguido por uma falange inteira de demônios, um sinistro e negro enxame deles. Era a primeira vez que eu via tantos demônios sobre um ser humano. Ele era um psíquico que misturava as preces da Igreja com invocações aos demônios, e que combinava os livros Cristãos com livros de magia e de feitiçaria; dessa maneira, naturalmente, ele era governado pelos demônios. Era terrível! Eu fiquei muito entristecido com isso.

 Alguns psiquiatras ficam confusos e chegam a considerar os possuídos como psicopatas. Do mesmo modo, alguns padres consideram alguns psicopatas como possuídos por demônios. Um psicopata deve buscar auxílio médico, enquanto uma pessoa possuída deve buscar ajuda em outra parte. Como pode um psiquiatra ajudar alguém possuído por demônios[54]?

 - Geronta, como pode alguém possuído se dar conta de como pecou a ponto de ser possuído?

 - Sim, ele pode, a menos que sua mente tenha sido também afetada, caso em que será muito difícil ajudá-lo. Se o possesso ainda for racional, você pode se comunicar com ele e ajudá-lo mais facilmente, mas ele deve ser obediente. De outro modo, como poderá ele ser ajudado?

 Certa vez, alguém do sul da Grécia, que havia ido a qualquer guru Indiano e se tornou possesso, veio à minha Kalyvi. Ele proferia terríveis ameaças, e espumava pela boca. Seus olhos eram selvagens e arregalados. “Não profira essas ameaças, porque você estará invocando os demônios para virem sobre você”, eu lhe disse, mas ele não quis me ouvir. Mas, ao mesmo tempo, ele queria que eu o ajudasse. “Ajude-me”, ele dizia, “somente você pode me ajudar”. “Mas, como posso ajudá-lo?”, eu lhe disse, “Você quer que eu reze por você, para que você se liberte pela Graça de Deus, mas você continua a chamar os demônios. Vá primeiro se confessar e peça que o Padre leia os exorcismos para você, depois volte para conversar comigo”. Mas ele resistia: “Eu não vou”. “Bem, então entre, para que eu possa ungi-lo com o azeite da lâmpada da vigília”, eu lhe falei. “Não, eu quero que você me ajude”. Então ele se afastou e foi conversar com alguém. Mais tarde, eu estava falando a um grupo de pessoas sobre como Deus permite que passemos por dificuldades pelo bem de nossa salvação, quando ele começou a gritar, à distância, “Ei, você, por que você diz que Deus trabalha pela salvação das pessoas? Nós temos um pai na terra e outro no céu, e um pouco acima, está o que governa com autoridade[55]”. Eu lhe disse, “Pare com essas falas demoníacas!”, e prossegui recitando a Prece de Jesus. Então ele disse, “Agora você me confundiu”. “Vá embora”, eu lhe disse, e o empurrei. Ele estava de fato atrapalhado. “Com que está você?”, ele perguntou. “Estou com Cristo”, respondi-lhe diretamente. “Você está mentindo”, ele falou, “Você não pode estar com Cristo, porque eu sou Cristo e você está me agredindo”. O diabo apresentava a ele as coisas de forma distorcida.

 - Geronta, era o diabo que proferia essas coisas?

 - Sim, era o diabo. Mesmo assim, Deus deu a esse homem a força para voltar muitas vezes à Montanha Santa. E não era fácil para ele vir do outro lado do país até o Monte Athos! Mas ele não queria ouvir e piorava a cada vez. Se ele tivesse ouvido, ele poderia ter sido ajudado.

  

É possível se tornar possesso por um orgulho demoníaco

 Alguém muito orgulhoso é confuso. Sua mente é toldada, seus pensamentos estão cheios de vapores nebulosos. Ele comete sérios erros e não se dá conta. Uma pessoa assim me disse, certa vez: “Eu amo todo mundo, até o diabo; ele não é mau...”. “O que você está dizendo, seu tolo?”, eu lhe disse, “Se Deus desse liberdade total ao demônio, ele já teria nos destruído. Quem já viu algum benefício trazido pelo demônio?”. Mas essa pessoa estava em tal estado de confusão que não importava o que eu dissesse, ela simplesmente não entendia. Ela reclamava que eu a estava pressionando. Isso é pressionar? Você simplesmente não consegue mudar sua cabeça... Ela não está louca, pois sua mente funciona. Ela simplesmente precisa entender que, ao dizer tais palavras, ela rejeita a Deus, o que é uma blasfêmia.

 E assim, lentamente, ela começa a cultuar Satanás. Quando você vê satanistas, fica óbvio que eles estão subjugados pelo diabo. Você vê a influência demoníaca ao redor deles. E eles conduzem jovens para onde querem, utilizando-se de música satânica. As pessoas jovens chegam até a invocar Satanás. Eu já ouvi que quando certos discos de rock são tocados ao contrário, eles contêm palavras de invocação a Satanás. Eles contêm até mesmo doxologias a Satanás: “A ti, Satanás, eu entrego minha vida!”. É uma coisa terrível.

 - Em outras palavras, Geronta, o orgulho excessivo pode levar alguém ao demonismo?

 - Sim, pode. Digamos que alguém comete um erro e procura se justificar. Se as pessoas tentam dizer-lhe alguma coisa útil, ele reclama que elas estão sendo desagradáveis, começa a acreditar que ele é melhor do que elas, e passa a condená-las. Depois, ele começa a condenar os próprios Santos. Ele começa pelo Santos mais recentes e prossegue ao mais antigos. “Esse aqui não fez nenhum milagre, aquele ali fez isso e aquilo...”. Então ele começa a criticar os Concílios Ecumênicos da Igreja. “Esses Concílios, o modo como eles chegaram às suas decisões...”. Em outras palavras, mesmo os Concílios, em sua opinião, não são confiáveis em matéria de doutrina, e assim por diante. Finalmente, ele diz, “Por que Deus agiu dessa forma?”. Bem, quando uma pessoa chega a esse ponto, ela já não está louca, ela está possessa.

 Um jovem que estava possesso veio com seu pai à minha Kalyvi e dizia que ele era um deus. Ele tinha ido a um Pai Espiritual fora do Monte Athos, o qual, com medo que o diabo o agredisse, disse ao jovem, “Abençoe-me!”. Bem, o que podemos dizer? O jovem disse então ao seu pai, “Veja, mesmo o Padre Paísios reconhecerá que eu sou um deus”. Ele apostou com seu pai todo o dinheiro que ele tinha, de que eu o aceitaria como um deus. Quando eu comecei a invocar a Prece de Jesus com meu combosquini[56], ele se pôs de pé e começou a gritar, “O que você está fazendo com isso? Frui eu que cometi todos os pecados, tal e tal pecado... Eu tenho o diabo em mim e me tornei um deus. Você deve aceitar que eu sou um deus. E você não pode fazer nada com seus resmungos...”. E ele prosseguiu dizendo coisas horríveis como essa. Finalmente, eu fiquei indignado e o expulsei: “Sai daqui, desgraçado!”. Eu lhe dei um bom safanão. Então ele pegou o dinheiro de seu bolso e o deu a seu opai, dizendo, “Tome, eu perdi a aposta”.

  

O possesso reage a tudo o que é sagrado

 - Geronta, como se pode reconhecer quando alguém está possuído pelo demônio, e não apenas sofrendo de alguma desordem psiquiátrica?

 - Mesmo um médico comum, devoto, pode ver a diferença. O possesso será perturbado cada vez que se aproximar de um objeto sagrado. Isso é um claro sinal de possessão. Se você der Água Benta a ele, ou se o abençoar com uma relíquia sagrada, ele irá reagir, porque os demônios dentro dele se sentirão ameaçados; enquanto que, se ele sofrer de um desordem psiquiátrica, ele não terá reação alguma. Mesmo se você estiver simplesmente usando a cruz, e se aproximar dele, o possesso ficará agitado e perturbado.

 Certa vez, durante a vigília noturna na Montanha Santa, os Padres me disseram ter sentido que um leigo presente ali tinha um demônio. Eu me sentei ao lado dele e o toquei com minha cruz, que continha um minúsculo pedacinho da Verdadeira Cruz. Imediatamente ele pulou e foi se sentar do outro lado da igreja. Quando as pessoas começaram a deixar a igreja, eu me aproximei dele discretamente e me coloquei à sua direita. Mais uma vez, ele ficou agitado e se afastou. Então eu percebi que ele de fato tinha um demônio.

 Quando as pessoas trazem crianças à minha Kalyvi e me dizem que elas têm um demônio, para verificar, eu às vezes coloco uma relíquia de Santo Arsênio na palma de minha mão. Eu mantenho os punhos fechados, e a criança que tiver um demônio ficará olhando com medo para a mão que tem a relíquia. Mas se a criança não tiver demônio algum e simplesmente estiver doente, digamos, da cabeça, ela não terá reação alguma. Outras vezes eu dou a elas água na qual eu mergulhei a sagrada relíquia. Se elas tiverem um demônio, não beberão e se afastarão. Certa vez eu dei a uma criança possuída alguns doces para comer, para que ela tivesse sede, e então eu lhe dei água para beber. “Agora eu vou lhe dar uma água fresca para beber”. Assim que ela tomou um gole, começou a gritar, “O que você me deu? Está me queimando! O que tem aqui?”. “Nada”, eu lhe disse. “O que você fez? Você está me queimando!”. “Isso não está queimando você. Está queimando outra pessoa”, eu lhe disse. Eu fiz o sinal da cruz sobre sua cabeça, sobre suas mãos e joelhos. Ele tinha uma crise demoníaca. O diabo tinha realmente o perturbado.

 Lembra-se daquele estudante que viera a mim há tempos? Ele costumava dizer, “Eu tenho um demônio em mim que me atormenta. Eu sofro com ele, porque ele me obriga a dizer coisas horríveis. Estou desesperado. Eu sinto que ele me pressiona, às vezes aqui, às vezes ali”, e o pobre rapaz queria me mostrar seu estômago, seu peito, seu lado, suas mãos. Eu não queria ferir seus sentimentos, porque ele era sensível, e então, para confortá-lo, eu disse, “Veja, você não tem um demônio dentro de si; trata-se de uma influência demoníaca externa a você”. Quando ele foi à Igreja, eu perguntei às irmãs de lá para que orassem pela pobre criatura de Deus, enquanto eu tomava uma peça das sagradas relíquias de Santo Arsênio e a aproximava dele, dizendo, “Qual parte do seu corpo o demônio está atormentando? Onde você acha que é?”. Ele mostrou seu lado. “Onde? Aqui?”, e eu o toquei com a mão que segurava a santa relíquia. Imediatamente, ele gritou, “Você está me queimando! Você está me queimando! Eu vou embora! Eu vou embora!”. Ele continuou a gritar, a ameaçar e a dizer coisas horríveis. Então eu comecei a dizer a Prece de Jesus, “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, afaste esse espírito impuro de sua criatura”, e continuei a abençoá-lo com a sagrada relíquia. Isso prosseguiu por vinte minutos. Finalmente, o demônio sacudiu-o e atirou-o ao chão, rolando-o no pó. Nós o pusemos em pé. Ele se sacudia inteiro e seu corpo tinha severos espasmos. Ele se agarrou ao suporte de um ícone para não cair. Ele suava frio nos braços, como o orvalho sobre a relva pela manhã. Depois de um tempo, o demônio o deixou, e ele se recompôs. Hoje ele está bem.

  

Não dar atenção às palavras de um possesso

 - Geronta, em que devemos nos ater ao falar com alguém possesso?

 - Devemos dizer a Prece de Jesus, e tratar a pessoa com doçura.

 - Geronta, a pessoa se lembra do que ela disse durante suas crises?

 - Algumas coisas sim, outras não. Não sabemos como Deus opera. Algumas vezes, Ele permite que coisas sejam lembradas pelo possesso para que ele se humilhe e se arrependa.

 E quando uma pessoa possessa pede algo, não é difícil perceber se é o demônio que fala, ou se é ela mesma. Certa vez eu encontrei uma jovem que era possessa; ela havia lido o escritor Kazantzakis e chegou a acreditar em certas blasfêmias sobre Deus, que a levaram à possessão. Subitamente, o demônio a tomou e ela começou a gritar selvagemente, “Estou queimando! Estou queimando!”. Membros de sua família a seguraram, para que eu pudesse abençoá-la com a cruz. Então ela gritou, “Água! Água!”, e eu disse a eles, “Tragam-lhe água”. Mas um deles disse, “Não, nos disseram que não devemos fazer nada que o demônio peça”. “Mas ela está com sede e precisa beber alguma água”, eu lhes disse, “Tragam-lhe um pouco d’água”. Eu conseguia compreender quando a queimação vinha do diabo e quando era ela que estava com sede. A pobre alma bebeu dois grandes copos d’água, e disse, “Eu estava queimando como brasa por dentro, e nem mesmo um barril de água conseguiria apagar o fogo dentro de mim”. Esse era o tipo de queimação que ela sentia!

 - Geronta, quando uma pessoa possessa fala, como podemos distinguir quando é o diabo que fala, e quando é ela mesma?

 - Quando o diabo fala, os lábios da pessoa não se movem naturalmente, eles se movem mecanicamente; mas quando é a pessoa que fala, eles se movem naturalmente. Se uma pessoa possessa grita quando são lidos os exorcismos, ou quando outros oram por ela, pode ser que a própria alma esteja afetada, e diga ao demônio, “Vá embora, porque você está aqui?”. Outras vezes o próprio demônio ameaça a pessoa ou o padre, ou blasfema contra Cristo, a Panaghia e os santos. Algumas vezes o possesso diz mentiras, mas, quando pressionado pelo poder de Cristo, ele dirá a verdade. Outras vezes, o possesso começa a murmurar coisas espirituais que ele leu, e por aí vai. O que posso eu dizer? Essas coisas são muito confusas. Ao falar com essas pessoas, você deve tomar muito cuidado. Por exemplo, o possesso pode dizer, “Você está me queimando!”. Se você estive de fato queimando-o, e você disser, “Eu o estou queimando”, você queimará a si próprio. Se você não o estiver queimando, e acreditar que o está queimando, você se queimará em dobro. Ou ele pode gritar, dizendo, “Você está sujo”, e em seguida se voltar para outra pessoa e dizer “Mas você está puro”. Se a pessoa acreditar nele, ela estará em sérios problemas espirituais. Portanto, é melhor não fazer experiências com o diabo.

 Uma pessoa possuída foi elevada ao Mosteiro, e o abade instruiu aos monges para que fossem para a Igreja e dissessem a Prece de Jesus em sua intenção. Como a relíquia de São Parthênios, Bispo de Lapsakos, ficava na Igreja, o demônio se viu numa saia justa. Ao mesmo tempo, o abade ordenou que um dos hieromonges lesse os exorcismos sobre o possesso. Embora externamente esse hieromonges fosse muito piedoso, havia dentro dele um orgulho oculto. Ele era muito ativo e fazia tudo segundo o livro. Por ser bem-educado, ele oferecia conselhos espirituais aos outros. Por outro lado, ele próprio não podia ser ajudado pelos outros, porque eles, por respeito a ele, hesitavam em dizer qualquer coisa quando o viam fazer algo errado. Ele se via como o mais virtuoso dos monges do Mosteiro; assim, nesse dia, o diabo encontrou uma oportunidade de prejudicá-lo. Ele aplicou sua astúcia demoníaca para dar ao monge a impressão de que era ele quem estava expulsando o diabo do possesso. Assim que o sacerdote começou a ler os exorcismos, o demônio começou a gritar, “Eu estou sendo queimado! Para onde você está me enviando, ó homem cruel?”. O sacerdote, acreditando que o demônio estava sendo queimado pelos seus exorcismos – quando, na verdade, isso acontecia por causa dos Padres que estavam envolvidos numa prece fervorosa – disse, “Venha comigo”, coisa que Parthênios certa vez dissera a um demônio. Mas lembre-se de que Parthênios era santo. Quando o demônio gritou, “Eu estou sendo queimado! Para onde você está me enviando?”, o santo disse, “Venha comigo”. Então o diabo replicou ao Santo, “O som do seu nome basta para me queimar, Parthênios!”, e parou de atormentar a pobre alma. Mas esse hieromonges tentou fazer o papel de São Parthênios, e acabou sendo ele próprio possuído. A partir desse momento, o diabo obteve autoridade sobre ele. Ele passou muitos anos atormentado, e não encontrava paz em parte alguma. Ele procurava todo o tempo, algumas vezes mundo afora, outras na Montanha Santa. Quanto sofrimento suportou o pobre homem! Isso o levou a uma severa exaustão, espiritual e física, pois seu corpo tremia o tempo todo. E, ainda que ele fosse um bom Sacerdote, ele já não podia oficiar a Santa Liturgia. Vê até que ponto chega o diabo?

 - Geronta, existe alguma conexão ou similaridade entre o consumo de café e as reações de uma pessoa possessa?

 - Quando o sistema nervoso é agitado ao extremo e alguém toma muto café, os nervos falham e o pequeno diabo se aproveita dessa situação. O café em si não é demoníaco. O diabinho aplica sua influência aos nervos agitados, e o possuído reage com mais violência ainda.

  

Ajuda ao possuído

 - Geronta, li em algum lugar que o diabo espreita o coração da pessoa possuída para que ela não o ataque com a Prece de Jesus. É verdade?

 - Sim, porque o diabo adquire o direito de permanecer na pessoa possuída, e pode espreitá-la em segredo. Mas quando a Prece de Jesus é pronunciada, o demônio se vê pressionado, e pode mesmo ser expulso. A Prece de Jesus é artilharia pesado contra o demônio.

 Um jovem que estava possuído e dizia que a Prece de Jesus o havia trazido até mim em minha Kalyvi. Seu pai havia sido monge, mas deixou o Mosteiro para se casar, e seu filho nasceu com um demônio. Parece que Deus arranjou as coisas de tal maneira a fim de providenciar uma recompensa para a criança, a libertação para o pai e um exemplo para nós, monges, e para aqueles irmãos que deixaram o hábito monástico e que agora se veem atormentados. Em algum momento, o jovem possessi foi tomado pelo demônio e começou a cacarejar: “Cócócó...”. “O que lhe aconteceu?”, eu perguntei, enquanto dizia mentalmente, “Em nome de Jesus Cristo, deixe essa criatura de Deus, espírito mau e imundo!”. “Também eu quero sair”, gritou o demônio, “porque esse homem me atormenta severamente, dizendo todo o tempo a Prece de Jesus! Eu quero ir para o Paquistão descansar”.

 - Geronta, por que o demônio não deixava o jovem, quando ele recitava a Prece de Jesus?

 - Parece que ele tinha concedido certos direitos ao demônio, mas o demônio também possui seus chefes, a quem deve obedecer.

 - Geronta, o que devemos dizer ao orar por alguém possuído?

 - Em primeiro lugar, devemos glorificar a Deus: “Graças, meu Senhor, por me ajudar a estar nesse estado; pois também eu poderia estar na condição desse possuído, e não ter apenas cinco ou seis demônios, mas centenas deles. Eu te peço que ajude Teu servo que está sofrendo”. Em outras palavras, devemos primeiro orar com o coração, e depois com a prece de Jesus, “Senhor Jesus Cristo, tem piedade de mim pecador”.

 Algumas vezes, quando oramos com orgulho, somos o motivo pelo qual o demônio recusa sair do possuído. Por exemplo, se tivermos o menor pensamento de orgulho e dissermos, “Com essa minha oração, vou ajudar essa pessoa possuída e se livrar do diabo”, estaremos bloqueando a ajuda, e consentindo que o demônio fique.

 Devemos sempre orar pelo possesso com humildade, dor e amor. Anos atrás, eu encontrei uma pobre mulher possuída, pela qual minha alma sentiu grande dor. Aparentemente, ela consentira com o demônio, apenas dizendo “sim”, e desde então era atormentada terrivelmente. Seu corpo queimava todo o tempo. Ela, seu marido e sua filha de dezesseis anos percorriam os mosteiros e passavam, notes inteiras em vigílias. Se tivesse sido um homem, eu o teria abraçado. O demônio é gravemente penalizado quando o possesso é abraçado com amor divino.

 Quando o possesso não é provocado, nem confrontado, mas é, ao contrário, amado e confortado, o demônio o deixa por um tempo, às vezes por um longo período. A humildade causa o maior embaraço ao diabo. Certa vez alguns fieis vieram ao Mosteiro para reverenciar as sagradas relíquias. Um deles, que era possesso, disse rudemente ao Abade, “Nós temos que entrar?”, “Não”, disse o Abade, humilde e ternamente, “não é preciso entrar, só se você quiser”. Então o homem gritou, “Nesse caso, eu vou embora!”, e avançou para reverenciar as sagradas relíquias. Como você vê, o diabo se sentiu pressionado pela humildade do Abade. É disso que os demônios têm mais medo.

 - Geronta, os possessos são ajudados pela Graça dos Santos, quando os reverenciam em seus dias festivos?

 - É melhor que o possesso não vá à Igreja nos dias de festas dos Santos, porque eles distraem a congregação de seu ofício, criando um tumulto. É melhor que reverenciem as sagradas relíquias em qualquer outro dia. Mesmo que as pessoas da família saibam que existe ali alguém que possa auxiliar a pobre alma, eles não devem trazê-la junto com o povo nos dias de festas. Eles não precisam anunciar o fato.

 Da mesma forma, não é bom as pessoas se ajuntarem ao redor de um possesso quando ele começa a armar uma cena. Um jovem possesso me disse recentemente: “Eu me tornei uma caixa de risadas”. As pessoas se juntaram ao redor dele como gaivotas. Eu tive que dizer-lhes, “Vão embora, isso não é um circo!”. Elas não queriam se mexer. Elas não entendiam o embaraço que alguém com uma deficiência sente quando exposto à multidão.

 - Geronta, a Santa Comunhão pode ajudar o possesso?

 - A Santa Comunhão tomada regularmente é a medicina mais efetiva para aqueles que nasceram possessos, porque eles não têm culpa pela sua condição. Essas pessoas recebem uma grande recompensa, se não reclamarem e resmungarem, até serem libertadas pela Graça de Deus. Se eles suportarem, são como mártires, e é por isso que muitas vezes a Santa Comunhão pé recomendada. Naturalmente, alguém que se tornou possesso por seu próprio descuido deve se arrepender, confessar e lutar para ser curado; então ele poderá receber a Santa Comunhão sob a orientação de seu Pai Espiritual. Se ele for receber a Santa Comunhão sem arrependimento e confissão, é possível que piore o estado de possessão. Quando um possesso vai receber a Santa Comunhão, ele a cospe de sua boca. Cristo foi sacrificado, ele consentiu em oferecer seu Corpo e Sangue pela vida do mundo, e esse homem o cospe! Horrível! Você vê, o diabo não deseja receber nenhuma ajuda, nem para si, nem para sua vítima.

 - Geronta, podemos oferecer o nome dos possessos para serem proclamados na Proscomídia?

 - Certamente. Os possessos são grandemente ajudados quando o sacerdote ora por eles na Proscomídia.

 - Geronta, o que se passa, quando um possesso se arrependeu, confessou e recebeu a Santa Comunhão, mas a presença demoníaca não o abandona?

 - Algumas vezes, a influência demoníaca não vai embora porque a pessoa possuída ainda não estabeleceu um estado de alma espiritual suficientemente forte. Se Deus a ajuda a se libertar imediatamente dessa influência demoníaca, ela logo cairá sob essa influência outra vez. Faz parte do grande amor de Deus permitir que a influência do diabo seja removida de forma lenta e gradual. É assim que o possesso paga seu débito e ao mesmo tempo se torna mais firme em sua condição espiritual. Quanto mais ele estabelece sua condição espiritual, mais a influência diabólica retrocederá. Depende dele o quão rapidamente irá se libertar da influência diabólica.

 Certa vez um pai me perguntou sobre seu filho que era possuído, “Quando meu filho ficará bem?”. Eu respondi, “Quando você conseguir estabelecer um estado espiritual forte e estável, seu filho poderá ser ajudado”. Antes que seu pobre filho fosse possuído, ele levava uma vida espiritual, mas seu pai desencorajava seus esforços dizendo que ele ficaria louco se mudasse seu modo de vida. Ele começou a levar o filho a prostitutas, como uma maneira de distraí-lo da vida espiritual. Quando seu pai fez isso, o menino se extraviou e se tornou possesso.

 Cada vez que o demônio o tomava. O jovem chegava a atacar sua própria mãe com intenções indecentes. Sua pobre mãe teve que deixar a casa e se refugiar numa ilha para escapar do perigo. Nesse meio tempo, o pai se arrependeu e estava tentando levar uma vida espiritual, mas o filho não melhorava. Mas depois que o pai visitou todos os altares com seu filho e readquiriu uma firme condição espiritual, o jovem voltou a ficar bem.

  

Sobre os exorcismos

 - Geronta, alguns visitantes nos trouxeram hoje uma mulher possuída e nos pediram que requisitássemos um sacerdote para ler os exorcismo para ela. O que devemos fazer?

 - Seria melhor dizer a eles para a levarem ao seu próprio Pai Espiritual. Para que o diabo a tenha possuído, isso implica que ou ela ou se3us pais cometeram algum pecado grave e abdicaram de seus direitos, porque o pecado evoca o diabo. Se eles não se arrependerem e confessarem, o pecado não irá embora, e, consequentemente, tampouco o diabo irá embora. Mas também é possível que Deus tenha permitido a possessão por alguma outra razão.

 - Geronta, os possessos são ajudados pelos exorcismos?

 - Depende. Exorcismos podem ajudar quando lidos para uma criança que não deu ao diabo direitos sobre ela, que não sabe o que é a confissão, ou para um adulto que é mentalmente atrasado e não pode se confessar. Quando uma pessoa possessa é mentalmente sã, ela deve primeiramente ser ajudada a descobrir a causa da possessão. Em seguida, ela deve se arrepender, confessar e, se necessário, pode receber os exorcismos lidos pela ela. Pois o diabo pode às vezes ser expulso apenas pelas preces da absolvição.

 Alguns padres colocam juntos os que possuem um demônio com aqueles que têm um mal físico, e leem exorcismos para ambos. Uma pessoa tinha mal de Parkinson e foi exorcizada! Mesmo hoje, eles trazem uma pessoa idosa, dizendo estar possuída. Sua mão esquerda está torcida, e coisas assim. E ele começou a ter crises esporádicas. Então eu pergunto, “Desde quando isso acontece?”, e ele responde, “Desde a infância”. Eu fiquei surpreso. Então eu percebi que o lado esquerdo de sua cabeça parecia um pouco comprimida. Aparentemente, ele sofreu algum dano ao nascer, que o deixou com um defeito. A pessoa pode ter uma dor ou uma enfermidade devido a um problema físico, e as outras pessoas ficam dizendo que ela precisa ser exorcizada, para expulsar o diabo e o espírito impuro... Isso é tão inapropriado e embaraçoso para a pessoa!  Existem muitas crianças consideradas possessas, e elas não têm demônio algum.

 Trouxeram-me um homem de 25 anos, dizendo quem ele estava possuído. Eu lhe dei a beber um pouco de Água Benta, e nele não opôs a menor resistência. Então eu perguntei ao seu pai, “Há quanto tempo ele está doente?”. “Desde os seis anos de idade”, ele disse. Aparentemente, quando ele tinha seis anos, seu avô foi morto e, quando ele viu o corpo, sofreu um colapso. Agora, veja o quão traumático pode ser um colapso para um adulto, e imagine o que pode fazer a uma criança, e uma criança sensível! E o tratavam como se fosse um possesso.

 - Geronta, um exorcismo pode ser lido em silêncio?

 - É melhor que seja lido silenciosamente. Essencialmente, um exorcismo deve ser lido com dor e amor, com humildade, não com orgulho. Quando o sacerdote lê o exorcismo alto e com orgulho, “Deixe essa pessoa, espírito impuro e diabólico...”, o diabo fica raivoso e agitado, tira vantagem do orgulho do possesso e lhe diz, “Veja, veja como o tratam como um tolo na frente de todos! Bata no padre!”. E o possesso começará a atacar o padre. No final, não é o demônio quer não quer sair; é o padre, junto com seu livro de orações!

 Certa vez, um padre disse a um possesso, “Eu lhe ordeno, espírito imundo, saia desse homem!”. E o diabo respondeu pela boca do homem, “Só por causa disso, eu não sairei!”. É essa a razão pela qual eu advirto os padres para não que, ao ler os exorcismos, não gritem as orações, como se os diabos não as pudessem ouvir.

 Mesmo os parentes não devem alardear que chamaram um padre para ler os exorcismos. É melhor dizer que contrataram um Ofício de Súplicas, de modo a que o padre possa ler os exorcismos silenciosamente, ou em voz baixa.

  

O possesso sofre um martírio

 Não há dúvida que o possesso suporta um grande sofrimento, porque ele é humilhado e atormentado pelo demônio. Certa vez, no Mosteiro de Stavronikita, eu encontrei um jovem de 23 anos que tinha um demônio. Ele estava que era só pele e ossos.  Estava muito frio do lado de fora, e havia um fogo aceso na Igreja, mas ele ficava no fundo, no Nartex, vestido de uma roupa leve. Eu não aguentei vê-lo assim, e lhe ofereci um suéter. “Vista isso”, eu lhe disse, “você não está com frio?”. Ele respondeu, “Não padre, não tenho frio; eu estou queimando!”. Pois bem, isso é o inferno.

 De fato, alguns indivíduos possessos, que são especialmente sensíveis por natureza, são levado pelo demônio a crer que não têm esperança de salvação; eles estão prestes a cometer suicídio. Eu conheci uma pessoa possessa, pobre dela, de quem até os padres tinham medo. Ela os procurava para que lessem exorcismos, mas eles a mandavam embora. Então o diabo começou a lhe dizer a meu respeito, “Não vá ter com ele, pois ele o mandará embora também”. Ele estava muito decepcionado e perdendo a esperança.

 Houve outro, que melhorou pela Graça de Santo Arsênio. Oh, como ele sofreu nas mãos do demônio! Depois de curado, ele veio reverenciar as relíquias de Santo Arsênio, mas o Mosteiro estava fechado. O diabo apareceu a ele na forma de Santo Arsênio na porta do Mosteiro, e lhe disse, “Não volte aqui; nem eu, nem Paísios o querem aqui”. E o mandou embora. Vê o que aconteceu? Então ele começou a me amaldiçoar, e a Santo Arsênio também. Bem, eu mereço, mas o Santo... O pobre rapaz acabou sendo possuído outra vez. Algumas vezes, a pessoa pode perder a Graça de Deus apenas por se comportar de forma impudente; imagine, então, quando começa a amaldiçoar os santos!  Ele chegou a vir até a minha Kalyvi e gritava, “O que eu fiz para que você não me queira? Você quer que eu seja atormentado?”. “Abençoado filho”, eu lhe disse, “foi o diabo que mandou você embora, não o santo. O santo não manda ninguém embora”. Mas ele não queria ouvir. Ele acreditava em seus próprios pensamentos. Pode imaginar quanto tormento, quanto martírio sofrem essas pessoas a cada dia, nas mãos do demônio?

 É certo que muitos possessos são atormentados para que outros se arrependam e mudem de vida; pois quando eles veem o possesso ser atormentado em seus sofrimentos, eles caem em si e se arrependem. Não imagine que os possessos têm mais pecados. Às vezes Deus permite que a pessoa seja possuída para que seja ridicularizada, humilhada, para que pague seus pecados e também receba alguma recompensa; e as demais, vendo seu sofrimento, são também ajudadas.

 Claro, é verdade que existem pessoas que cometem muitos pecados, e que não são possuídas. Como isso acontece? Quando um ser humano alcança um estado de total imoralidade, ele já não é atacado pelos demônios, porque Deus percebe que ele está além da ajuda. Devemos saber que, quando um demônio ataca. Isso é de certa forma um presente de Deus para o pecador, para que ele se humilhe, se arrependa e seja salvo.

  

***

  

QUARTA PARTE

AS FORÇAS MALIGNAS DA ESCURIDÃO

  

Capítulo III

O terrível engano

  

Disciplina e engano


- Geronta, tenho medo do autoengano, da ilusão. 

- Isso é bom. Quem está receoso do autoengano não é enganado, porque é cuidadoso e revela todos os seus pensamentos; ele não esconde nada, e assim obtém ajuda e orientação.

 - Como é a predisposição para o autoengano?    

 - A predisposição para o autoengano é pensar que você é alguém e mostrar aos outros que você está fazendo algo importante. É imaginar que você alcançou alturas espirituais, porque você acredita, digamos, que você possui autodisciplina – ao contrário “desses aí que nem começaram a entender o significado da vida espiritual”. Comportar-se dessa maneira orgulhosa é claramente uma predisposição ao autoengano. Quando alguém tensiona e pressiona a si mesmo egoistamente numa autodisciplina visando alcançar as alturas de um Santo e ser admirado pelos outros, isso é o começo do autoengano. A violência, a humilde auto violência em nome do Reino de Deus, é uma coisa, e a tensão é outra. Certa vez eu aconselhei alguém, “Cuidado para não se decepcionar por causa de seu modo de vida; você não está no caminho correto”. “Eu, ser enganado?”, ele perguntou, incrédulo, “Eu nem como carne”.  Mas tampouco ele ia à Confissão, e confessava seus pecados diante do ícone de Cristo; então eu lhe perguntei, “Você é de fato um Cristão Ortodoxo, ou você é Protestante? Onde você viu isso escrito?”. “Por que?”, ele retrucou, “Cristo não me ouve?”. Ora, que espécie de conversa é essa?

 - Geronta, a disciplina física ajuda em nossa luta contra as paixões?

 - Sim, se for usada com esse propósito. O corpo é humilde e a carne está subordinada ao espírito. Mas a mera disciplina estéril cria uma ilusão a respeito de si mesmo, porque intensifica as paixões da alma, infla o orgulho, aumenta a autoconfiança e conduz ao engano. Então a pessoa tira conclusões a respeito de seu progresso espiritual a partir da ascese estéril de vida que está levando. “Eu estou fazendo isso e aquilo, enquanto os outros estão bem atrás. Eu atingi o nível de tal Santo, estou já perto do tal outro Santo...”, e por aí vai, jejuando e fazendo vigílias. Mas tudo se perde porque nada disso é feito para eliminar as paixões; ao contrário, tudo é feito para satisfazer o ego.

 Certa vez encontrei um monge que praticava exercícios ascéticos com orgulho, e pensava se um grande asceta. Ele se tornou um desafortunado. Não queria comer, nem banhar-se e vivia imundo. Suas roupas se dissolviam na sujeira. Eu tentei lavá-las, mas não havia o que lavar nelas, estavam totalmente rotas. Uma vez ele me disse, “Eu superei São João o Construtor de Cabanas!”. Então eu lhe perguntei, “São João o Construtor de Cabanas se tornou santo devido à sua sujeira?”. Depois de alguns dias, ele voltou a mim para dizer, “Eu superei São Máximo o Athonita e Queimador de Cabanas!”. “Como você os ultrapassou?”, eu perguntei. “Bem, eu caminhei ao redor da Montanha Santa como um pião”, ele respondeu orgulhosamente. “Mas São Máximo se tornou angélico e virtualmente voava de um lugar para outro, ele não ficava passeando como você”, eu disse. Depois disso ele começou a praticar a lembrança da morte e a se imaginar no inferno. Então ele tentou se humilhar e disse, “Agora eu sou um diabo, e vou reunir seguidores”. E assim ele atingiu o máximo do engano e da ilusão.

  

Cuidado com a imaginação

 - Geronta, você disse que durante a oração devemos evitar trazer à mente imagens da vida de Cristo. Por que isso?

 - Para que não sejamos enganados por meio de imagens mentais. A imaginação é boa; ela tem um grande poder, se utilizada apropriadamente. Por exemplo, algumas pessoas podem olhar para uma paisagem, e depois de uma ano se lembrar de cada detalhe, sendo capazes de pintá-la. Isso é um dom dado por Deus ao homem, mas o diabo pode tirar proveito disso. As pessoas enganadas podem tomar o que veem ou leem, e distorcê-las, afastando-se da verdade. Para que sejam ajudadas, elas necessitam um grande esforço de atenção, porque o diabo está todo o tempo tentando iludi-las.

 É por isso que uma pessoa naturalmente imaginativa deve se verificar quando lhe for dito que ela não está pensando corretamente, e se questionar. Certa vez encontrei uma mulher simples que orava constantemente a Cristo, pedindo que ele aparecesse em sua vida, pois ela estava certa de que não o veria no além. E, de fato, Cristo apareceu para ela como uma criança em sua cabeça, no cálice, durante a Santa Comunhão. Ele desapareceu imediatamente, e ela recebeu a Comunhão. Mas, depois disso, o inimigo começou a operar nela, dando-lhe a ilusão de que ela era alguma coisa. A partir daí, o diabo trabalhou sua imaginação e lhe apresentou constantes “imagens em movimento”. Uma vez em que eu tive que sair no mundo, eu a encontrei numa casa e ouvi as imagens que ela relatava ao casal que estava reunido para ouvi-la. Eu passei tempos difíceis para demovê-la e ajudá-la a recuperar o senso. A única coisa que resolveu foi dar-lhe uma boa descompostura na frente de todos e revelar suas ilusões, para que ela readquirisse a humildade.

 - Qual era a questão com sua imaginação?

 - Imaginação e autoengano.

 - Geronta, ela conversou com seu Pai Espiritual?

 - Sabe o que aconteceu? Satanás a enganou por meio daquilo que ela via; as pessoas não questionam o que veem, e não percebem que deveriam falar com o Pai Espiritual. O diabo é um excelente artesão de ilusões. Ele é temível!

 Se a pessoa não colocar limites à sua imaginação, a tentação pode brotar de qualquer lugar e enganá-la. Quando eu lia as Vésperas no Mosteiro de Stomion durante o inverno, eu era encarregado de acender o aquecedor. As mulheres que vinham de vez em quando ao mosteiro observaram que o ícone da Panaghia no Iconostase fazia um som de craquelar durante as Vésperas. Eu não notara isso, mas elas falavam entre si, “Quando o monge lê as Vésperas, o ícone faz sons de craquelar”. Quando eu ouvi isso, disse a mim mesmo, “Vejamos esse ícone que faz barulhinhos”. Não é que eu não acredite nos atos divinos; eu acredito que a Panaghia aparece, fala e é vista por aqueles que possuem a necessária maturidade espiritual. Claro, devemos ser meticulosos e cuidadosos nesses assuntos. Eu subi numa cadeira e olhei o ícone bem de perto. O que estava acontecendo? O ícone, que era muito antigo, e possuía muitas cavilhas atrás para evitar que a grande prancha sobre a qual estava pintado o ícone rachasse. Quando o calor saía do aquecedor, as cavilhas de madeira se expandiam, produzindo o som de craquelamento. Eu bati numa delas e o barulho cessou. Então eu perguntei às mulheres, “Vocês estão ouvindo alguma coisa agora?”. “Não”, elas disseram. “Bem, então não prestem mais atenção a essas coisas”. Devemos ser cuidadosos, porque, se não refrearmos nossa imaginação,

Toda nossa vida pode ser perdida.

 - Geronta, como podemos entender quando um evento é causado por Deus, e quando pelo diabo?

 - É óbvio. Se não vier de Deus, o diabo nos trará pensamentos orgulhosos. Ademais, o diabo tende a ser bruto e blasfemo por natureza. Certa vez um homem veio à I, enganado e possesso. Eu conversei com ele e tentei ajudá-lo. Sabe o que ele me disse? “É a primeira vez que ouço essas coisas; nunca as vi, nem nos Evangelhos!”. É como se ele tivesse dito, “Você diz essas coisas ainda melhor do que Cristo”. Vê como o diabo arranja as coisas para criar pensamentos de orgulho? De qualquer modo, se um homem não entende que ele nada pode por seu próprio poder, e que qualquer coisa que ele faça será pelo poder de Cristo, ainda que ele expulse mil diabos de um possesso, sem esse entendimento, é como se não tivesse feito nada.

  

O diabo aparece como Anjo de Luz

 Alguém que não sentiu a alegria sublime do Paraíso, a alegria das experiências espirituais, pode facilmente ser enganado se não estiver atento. O diabo é muito ardiloso. Ele vai sutilmente excitar o coração de um homem e conceder a ele algum prazer, iludindo-o, dando a ele a impressão de que se trata de um prazer espiritual e divino. Ele toma nosso coração com esses sentimentos e nos faz pensar que estamos corretos. “Eu não estava preocupado”, diz a pessoa para se reafirmar. Sim, mas o que você estava sentindo não era a alegria real e espiritual. A alegria espiritual é algo celestial.

 O diabo pode aparecer como um anjo ou um santo. Um diabo disfarçado como um santo só pode espalhar agitação – é isso que ele é – enquanto que o verdadeiro Anjo ou Santo sempre nos presenteia com a alegria com o Paraíso e as delícias do Céu. Mesmo que não tenha experiência, uma pessoa humilde e ´pura é capaz de reconhecer o Anjo de Deus, e não será confundida por um demônio que apareça como anjo de luz, porque possui um senso de pureza espiritual interior semelhante a um Anjo. Ao contrário, o homem carnal e egoísta é facilmente enganado pela astúcia do diabo. Quando o diabo aparece como anjo de luz, ele desaparecerá assim que encontrar um pensamento puro.

 Uma noite no Mosteiro de Stomion, depois do Apodipno, eu estava recitando a Prece de jesus sentado num banco em minha cela. De repente, ou vi uma música muito alta no edifício vizinho, que era usado para hóspedes. Eu fiquei confuso com isso e pensei comigo, “Quem está tocando música tão perto?”. Eu sabia que o festival anual acabara há pouco tempo. Eu me levantei e espiei pela janela para ver o que acontecia lá fora. Tudo estava quieto e em paz. Então percebi que se ratava de uma tentação para interromper minha prece. Retornei ao meu assento e continuei a orar. De repente uma luz intensa invadiu a cela. O teto desapareceu e o telhado se abriu revelando um facho de luz que alcançava o céu. No fim desse facho apareceu a face de um homem jovem com longos cabelos e barba, que se parecia com Cristo. como eu só conseguia ver metade da face, eu me levantei para ver mais claramente. Então ouvi uma voz dentro de mim que dizia, “Você se tornou digno de ver a Cristo”. então eu me persignei e disse, “Quem sou eu, o indigno, para ser digno de ver a Cristo?”. imediatamente a luz e o pretenso Cristo desapareceram, e eu vi que o teto continuava em seu lugar.

 Se uma pessoa não se protege, o maligno pode facilmente penetrar na sua mente através de pensamentos de orgulho e enganá-la com fantasias e falsas luzes, e nada disso nos levará ao Paraíso; ao contrário, essas coisas nos arrastarão para o caos. É por isso que as pessoas devem buscar o arrependimento, não luzes e dons divinos. É o arrependimento que conduz à humildade; e então o Deus Benevolente nos proverá com tudo o que for necessário. Quando eu estava no Monte Sinai, na cela ascética de Santo Epistêmio, o tentador me ofereceu colocar-se a meu serviço! A cela do eremita tinha três passos por quatro. À noite, sob a luz das estrelas, eu descia às grutas; e, para descer as escadas, eu tinha uma lanterna. Certa vez a lanterna não funcionou. Então eu vi, no topo de uma rocha, como que um fluxo de luz que iluminava tudo ao redor! “Eu não preciso desse tio de coisas”, eu disse para mim mesmo, e regressei à minha cela. Na mesma hora a luz desapareceu. O diabo ardiloso não queria que eu descesse a escada com a lanterna. Ele parecia querer dizer, “É uma vergonha o pobre monge lutar com a escuridão apenas com uma lanterna, deixe-me lhe dar mais luz!”. Quanta gentileza, a dele!

 - Mas como você sabia, Geronta, que a luz não vinha de Deus?

 - Bem, essas coisas são óbvias. É abominável!

  

Sonhos podem ser enganadores

 - Geronta, eu tenho sido atormentado por sonhos desagradáveis.

 - Quando você tem um sonho mau, nunca examine o que viu, ou se você foi culpado, ou quanto foi que você errou. Pois o maligno, tendo falhado em tentá-lo durante o dia, vem até você de noite. Algumas vezes Deus permite que o diabo nos tente durante o sono, para que vejamos que o velho “eu” ainda não morreu completamente. Outras vezes, o inimigo se aproxima da pessoa no sono e apresenta vários sonhos para entristecê-la quando acordar. É por isso que você não deve prestar atenção a eles. Persigne-se, e ao travesseiro, colocando nele uma cruz ou um ícone, e diga a prece de Jesus até adormecer. Quanto mais importância você der a esse tipo de sonho, mais o inimigo virá para perturbá-lo. Isso costuma acontecer com criancinhas, embora elas sejam como pequenos anjos. O inimigo vem e as assusta em seu sono, e elas acordam aterrorizadas, correndo para os braços da mãe. Outras vezes, elas são visitadas por Anjos que as fazem sorrir de felicidade em seu sono, e elas acordam cheias de alegria. Mas os sonhos trazidos pelas tentações constituem uma influência externa do inimigo sobre o sono do homem.

 - Geronta, e quando sentimos uma queimação durante o sono?

 - Algumas vezes isso acontece devido a uma situação de estresse experimentada durante o dia, ou provém de diversos medos e suspeitas, coisas assim. Naturalmente, o diabinho pode tirar vantagem disso, formando combinações confusas para que a pessoa se sinta perdida. É comum que tenhamos um sono tão leve que pensamos estar acordados e rezando para que esse ardor insuportável se vá.

 Às vezes o diabo pode tomar a forma humana ou a de um santo, para aparecer a alguém que está adormecido. Certa vez ele apareceu na figura de Santo Arsênio para um homem doente que dormia, e lhe disse, “Eu sou Anto Arsênio e vim lhe dizer que você vai morrer. Está escutando? Você vai morrer!”. O homem ficou horrorizado e terrificado. Mas um Santo nunca fala assim a uma pessoa. Mesmo que a pessoa doente esteja para morrer, e que o Santo apareça para informá-la de sua morte, ele fará isso com gentileza e doçura: “Deus está vendo seu sofrimento e por isso ele decidiu tirá-lo desse mundo. Cuide para se preparar para isso”. Ele nunca dirá, “Está me ouvindo? Você vai morrer!”.

 - Geronta, o que acontece quando alguém grita durante o sono?

 - Isso é bom, porque a pessoa acorda. Muitos sonhos são devidos à preocupação. Quando uma pessoa se preocupa com muitas coisas, ou quando está cansada, essas coisas lutam dentro dela e ela as vê nesses sonhos. Isso acontece muito comigo, também; quando eu tenho que lidar com muitas pessoas e seus problemas durante o dia, com seus infortúnios e coisas assim, eu acabo por me ver admoestando os injustos durante o sono: “Ó homem sem Deus, você não tem sentimentos?”, e acabo acordando com meus próprios gritos.

 - Geronta, pode alguém antever algo que irá acontecer a ele, nos seus sonhos?

 - Não, não dê atenção aos sonhos. Sejam agradáveis ou desagradáveis, não dê atenção a eles, porque você corre o risco de ser enganado. Noventa porcento dos sonhos são ilusórios. É por isso que os Santos Padres dizem que não devemos prestar atenção a eles. Pouquíssimos sonhos provêm de Deus, mas, para que alguém seja capaz de interpretá-los, é preciso enorme pureza e outros prerrequisitos, como o Justo José e o Profeta Daniel na Bíblia, tendo ambos recebido esse dom de Deus. Daniel disse a Nabucodonosor, “Eu vou lhe contar o sonho que você teve, e o que ele significa”. Mas considere a maturidade espiritual que ele alcançara! Ele estava na jaula dos leões, e estes, ainda que estivessem famintos, não o atacaram. Habacuque lhe levou alimento e Daniel disse, “Deus se lembrou de mim?”. Se Deus não se lembrou do Profeta Daniel na gruta dos leões, de quem mais ele se lembraria?

 - Geronta, algumas pessoas nunca sonham.

 - É o melhor para elas! Mas nos sonhos, as pessoas não gastam dinheiro. Nos sonhos, podemos ver em instantes coisas que durariam horas, e mesmo dias, porque o conceito de tempo é abolido. É assim que podemos entender o Salmo (89: 4, LXX): “Mil anos diante de Teus olhos são como o dia de ontem que passou”.

  

Cuidado com as visões

 - Geronta, o que devemos dizer quando as pessoas nos falam de visões, ou dos santos que elas viram?

 - É melhor dizer a elas que sejam cautelosas. É mais seguro, porque nem todo mundo consegue discernir se uma visão vem de Deus ou do diabo. E mesmo que uma visão venha de Deus, é melhor não aceitá-la imediatamente. Acima de tudo, Deus é movido, num certo sentido, quando ele vê sua criatura aceitar sua visão imediatamente, porque isso indica humildade. Se mesmo um Santo aparecer numa visão, Deus encontrará outra maneira para informar a alma e guiá-la ao seu propósito desejado. Devemos ser cuidadosos e conscientes de que é possível que o diabo venha, aperte o botão e ligue sua “televisão” ...

 Havia uma alma que não recebera ajuda das pessoas, e por isso ela se voltou para o auxílio divino. Deus revelou alguma coisa a ela, para ajudá-la. Então, o diabo colocou certos pensamentos em sua cabeça: “parece que Deus tem coisas mais sublimes guardadas para você, quem sabe? Senão, por que teria ele te concedido essa visão?”. A partir do momento em que ela acreditou nisso, o diabo começou a operar nela e a controlou. Porém, ao final, Deus teve piedade dela e voltou a ajudá-la. Ela teve uma visão e ouviu uma voz dizer, “Escreva a São Paísios e diga a ele as visões que você teve”. Assim, ela me escreveu uma carta relatando suas visões. O tentador, o diabo, realmente a tinha confundido. Eram visões reais, mas provinham do tentador. De todas as visões relatadas, apenas a primeira provinha de Deus. A última foi permitida por Deus para ajudá-la a recuperar o senso e se livrar da ilusão. No final, a pobre mulher colocou em seu coração o que que lhe disse, e se libertou.

  

Os sinais da ilusão

 - Geronta, como você consegue saber quando uma pessoa está iludida?

 - Você pode dizer, só de olhar para ela. O iludido possui uma falsa calma exterior. Ele pode parecer humilde e manso, mas por dentro ele esconde a alta ideia que tem de si mesmo. Se você olhar em seus olhos, você perceberá que ele considera como desafortunados os demais, meras formigas. Mas você também pode identificá-lo pelo que ele diz.

 Havia certo homem iludido que era considerado santo por muitas pessoas. Ele dizia às pessoas que havia visto Cristo montado num cavalo e segurando uma botelha de vinho, da qual lhe dera de beber; e, nesse momento, ele adquiriu o dom da clarividência. Certa vez, quando ele falava para o povo, alguém lhe perguntou, “Então, por que eu também não faço milagres?”. “Porque você cometeu tais e tais pecados”, ele respondeu. O pobre homem ficou em pânico, e veio falar comigo a respeito. “Mas, me diga”, eu lhe respondi, “será que os Santos davam espetáculos para os homens? Só o diabo faz isso. Você não percebeu que era o diabo falando? Ainda que o que ele falou fosse verdade, era o diabo a falar”.

 Uma mulher me contou a respeito de outra mulher que havia sido levada a alguém que tinha a reputação de expulsar demônios. O homem a levou a uma antiga capela no campo. Assim que entraram da capela, ele tomou uma roupa sacerdotal e a vestiu. A mulher ficou confusa ao ver um leigo vestir-se de sacerdote, algo exclusivo do clero. “Você é padre?”, ela perguntou. “E o que são os padres?”, ele retrucou, e começou a criticar os padres. Então ela percebeu a sua ilusão, e foi embora.

  

Ilusão e loucura

 - Geronta, alguém que sofre de ilusão sofre também de loucura?

 - Nem sempre. A ilusão é uma coisa, a loucura é outra. Existe alguns que estão apenas iludidos; outros estão iludidos, e sua mente é afetada. Certa vez eu encontrei um monge no Monte Athos que não queria ouvir ninguém. Ele abandonara seu mosteiro e vagava pela Montanha Santa. Por quatro ou cinco vezes ele tentara ser um asceta solitário, e eu o avisei para que retornasse ao mosteiro de seu arrependimento[57]. Finalmente, ele adquiriu uma Kalyvi e nela vivia só. Depois de sete meses ele veio me ver. “Você deveria regressar ao seu mosteiro”, eu disse outra vez. “Eu fui expulso do meu mosteiro, e eles não vão me aceitar de volta”, ele replicou. “Tenha muito cuidado”, eu lhe disse. “Ao menos ligue-se a uma Ancião, seja obediente a ele e não viva de acordo com sua própria vontade”. “Eu serei obediente à vontade de Deus”, ele respondeu. “Vá para um mosteiro”, eu repeti. “Eu agora sou um eremita, como poderei ir para um mosteiro? Vá você!”, ele me disse. “Por que eu iria sozinho? Se você quiser, posso me mudar para um mosteiro com você, e o farei de todo meu coração”, eu lhe afirmei. Mas ele me disse abruptamente, “Veja, se você está cansado da tranquilidade e deseja ir a um mosteiro, vá!”. Quando eu vi o quão impudente ele era, eu o deixei.

 Depois de algum tempo eu soube que ele se tornara possesso e que perdera a cabeça. O diabo aparecera para ele como a Panaghia, dizendo, “Meu filho, se você se ajoelhar e me adorar, eu lhe darei os sets Dons do Espírito Santo...”. Ele pensou consigo, “Agora eu terei os sete Dons do Espírito Santo e superarei a todos”, e se inclinou para adorar. Assim que ele se ajoelhou, o diabo o sacudiu e ele se tornou possesso, mas ao mesmo tempo ele enlouqueceu. Então ele se dirigiu à Santa Comunidade, para se tornar seu Primeiro Supervisor[58]! Ele olhou para os Padres que estavam na sala, tomou p bastão do Primeiro Supervisor, e começou a descer os degraus com um ar de importância. Os que estavam do lado de fora viram um Primeiro Supervisor diferente saindo da sala, e o seguiram discretamente até uma viatura na estrada; e assim o enviaram para uma clínica psiquiátrica. O diabo foi expulso dessa vez, mas a loucura ficou.

 - Mas os iludidos, Geronta, não são também possessos de certa maneira?

 - Bem, que mais posso dizer? Os iludidos podem possuir ainda mais demônios do que os possessos. Mas ser iludido é uma coisa, e ser possesso é outra.

  

Cuidado com os iludidos

 Existem dois ou três Pais Espirituais que tem um pouco de piedade e um pouco de loucura misturada, e eles acabam confundindo o povo. Eles diagnosticam a todos como possessos. Eles não ouvem ninguém. “Eu sou um sacerdote! Eu tenho autoridade!”, dizem eles. Se você ouvir a respeito desses casos, você deve esclarecer as pessoas, porque tais padres podem causar muito prejuízo à Igreja. Diga às pessoas, “Você deveria buscar um bom Pai Espiritual para você”. Alguns desses Pais Espirituais sem discernimento chegam a usar meu nome para dar às pessoas a impressão de que estão em contato comigo. Alguns podem ser escusados, por serem simplórios. Mas existem indivíduos corruptos que apresentam vinagre como se fosse vinho. Havia um que costumava trabalhar como contador antes, mas que agora vagueia pelo Norte da Grécia se apresentando como meu discípulo. Ele anda por aí dizendo que eu lhe dei o dom da iluminação e mais quatro ou cinco dons, e assim engana o povo e leva seu dinheiro.

 - Ele é um padre?

 - Não, é um leigo. Ele me viu uma vez no porto do Monte Athos e se escondeu de mim para não ser visto tal como se mostrava, isso é... um verdadeiro discípulo meu! Felizmente, ele bebia e cheirava a bebida, de modo que as pessoas o achavam um pouco “alegre” e se perguntavam a respeito.

 Existem muitos patifes que se aproveitam do sofrimento do povo! Certa vez, alguém disse a uma viúva, “Uma das mãos de seu querido defunto marido não se decompôs, porque sua alma necessita de orações”. A pobre mulher se perguntou, “O que posso eu fazer? Eu lhe darei algum dinheiro para que ele ore pela alma de meu marido”. Depois de receber uma considerável soma de dinheiro, ele voltou a ela, dizendo, “O primeiro perigo já passou, agora ele está um pouco melhor”. E assim ele voltava a cada vez, e continuava com a história do dinheiro e das orações. A pobre mulher lhe deu metade de seus bens, apenas para que o marido encontrasse a paz!

 Existem também muitos iludidos que abençoam com o sinal da cruz os doentes, murmuram algumas preces e supostamente os curam. As pessoas são enganadas e, ao invés de buscarem a Confissão, ou pedirem ao padre que ore ou faça o Sacramento da Extrema Unção, vão a esses enganadores. Ao mesmo tempo, dão a eles grandes quantias de dinheiro. Eu soube de dois desses indivíduos enganadores que operavam um esquema numa cidade. Por exemplo, o diabo impunha a algum cidadão severas dores de cabeça ou reumatismos, e informava o enganador, “Essa pessoa tem severas dores de cabeça por tal razão”. Na primeira oportunidade, o enganador chamava o cidadão de lado e lhe dizia “Eu sei porque você tem dor de cabeça”, e lhe revelava a causa. “Céus, que grande revelação!”, imaginava a pobre vítima. “E o que devo fazer para ser curado?”. “Vá, e faça tal e tal coisa”, dizia o outro, e enviava a vítima ao seu comparsa. Vê do que é capaz o diabo para manter a ilusão nas pessoas? Ele juntou dois enganadores para trabalhar juntos, um pretensamente diagnosticando e o outro supostamente curando, apenas para manter as pessoas longe da Igreja.

  

Os indignos dons dos iludidos

 - Geronta, por que tantas pessoas recorrem a enganadores para resolver seus problemas?

 - Porque o diabo possui dons indignos para oferecer barato às pessoas. O que lhes é pedido não custa muito, e elas permanecem confortáveis em suas paixões. Ao invés de se arrependerem dos pecados que cometeram como seres humanos, ao invés de se confessarem com um Pai Espiritual, elas encontram um enganador – ou seja, o próprio diabo – e lhe pedem que resolva seus problemas. Mas quando voltam a sofrer, não compreendem que foi o diabo que tomou o controle sobre elas.

 - Geronta, como as pessoas chegam a acreditar nos enganadores?

 - As pessoas estão confusas. Muitas pessoas proclamam liderar o povo pelo caminho certo, quando de fato estão o povo carrega uma enorme mala nas costas com o diabo dentro! Mas o Deus Benevolente não permite que esses enganadores se escondam completamente. De vez em quando o diabo mostra a ponta de um chifre, ou sua cauda, e o povo vê isso e grita de pavor, “O que é isso? Um chifre? Uma cauda?”. Mas o enganador responde, “Não, claro que não! O que vocês estão dizendo? É uma beringela!”. E eles dizem essas coisas para enganar as pessoas e apresentar as coisas diabólicas como boas e benéficas.

 Certo dia um indivíduo enganador veio ao Mosteiro acompanhado de uma dúzia de pessoas. Ele pretendia ser seu Ancião. Eu lhe perguntei, “Você pertence a alguma organização?”. Ele não queria responder. “Você pertence a alguma sociedade?”. Mais uma vez, sem resposta. “Você tem um Pai Espiritual?”. Nada. Então as pessoas começaram a se ajoelhar diante de mim para uma bênção! Veja, ele as trouxe até mim para enganá-las ainda mais, para poder lhes dizer depois, “Nós fomos até o Pai Paísios, e ele concordou conosco, e nos deu sua bênção!”. Você vê a ilusão? Eu não deveria nem ter aceitado esse encontro, porque depois ele explorou as coisas em seu próprio benefício. Ele me pareceu suspeito na hora, mas seus seguidores pareciam pessoas simples em perdidas. Pedindo por uma bênção, caíram todos de joelhos!

 - Você lhes disse alguma coisa, Geronta?

 - Sim, mas quando eles se foram, o maligno certamente lhes disse outras coisas, uma palavra aqui, outra ali, e as levou consigo outra vez.

 - Geronta, como uma pessoa pode se proteger desses enganadores?

 - Isso só pode ser feito permanecendo dentro da Igreja. Claro, se uma pessoa, por ignorância, seguir um enganador, Deus não vai abandoná-la.  Deus vai ajudá-la a reconhecer seu erro e voltar à verdade.

 - Geronta, o que pode ajudar a trazer de volta alguém que possui pensamentos e ideias ilusórias?

 - É preciso que a pessoa reconheça sua miséria e não confie em seus próprios pensamentos. Ela deve confessar seus pensamentos ao seu Pai Espiritual regularmente e seguir seus conselhos. Ela deve buscar a misericórdia de Deus continuamente, para que a Graça divina seja restaurada nela. Em outras palavras, ela deve se humilhar e recuperar seu senso, para se salvar.

 Veja, a vontade e os julgamentos de Deus são um abismo... Seu amor é sem limites! Havia uma pessoa que costumava vir à minha Kalyvi e que tinha todo tipo de ilusão na sua cabeça. De tudo o que eu dizia, ela não guardava nada em seu coração. Sempre entendia tudo ao contrário. Quando deixou a Montanha Santa, saiu a pregar, causando muito prejuízo. Ela pretendia que recebia direção diretamente de mim, e assim confundia as pessoas. Ela chegou a usar livros que eu lhe dera como uma bênção, para provar que recebia conselhos de mim. Certo dia, em que que falava sobre diversas coisas, a Graça de Deus a abandonou completamente e ela começou a blasfemar Cristo e a Panaghia, a ponto de que a multidão se retirou dali. Depois as autoridades a prenderam e levaram para a prisão psiquiátrica. Veja a extensão do amor de Deus! Ele até permitiu que seu Nome fosse blasfemado, se isso pudesse salvar algumas de suas criaturas!

 - Geronta, se uma pessoa iludida entende sua ilusão e se arrepende, seu seguidores também se arrependerão?

 - Se o líder se arrepender verdadeiramente, se se humilhar e dizer a seus seguidores que ele cometeu um erro, e se tentar sinceramente colocá-los no caminho direito. Mas se os enganos forem revelados enquanto o líder enganador permanecer sem arrependimento, será necessário esclarecer seus seguidores de outra maneira. Como algumas pessoas iludidas chegam a ponto de se tornar ativas dentro da Igreja, isso é um perigo, caso seus seguidores descubram subitamente que tudo o que lhes foi dito é ilusório, e eles podem ficar escandalizados a ponto de voltar as costas à Igreja.

  

***

 QUARTA PARTE

AS FORÇAS MALIGNAS DA ESCURIDÃO

  

Capítulo IV

“Os enganadores e os enganados”[59]

  

A ilusão dos Pentecostais

- Geronta, todas essas coisas ditas por aqueles que seguem o movimento Pentecostal, isso é, que eles têm visões, falam em línguas, etc., são imaginárias ou resultam do poder do diabo?

 - São demoníacas. Quando as pessoas se dirigem aos pentecostais e são rebatizadas, elas traem seu Santo Batismo: “Confesso um só Batismo para a remissão dos pecados”, como dizemos no Credo, o Símbolo da Fé. Ao traírem seu Batismo, elas são “desbatizadas” e se tornam receptivas à influência demoníaca; começam a tagarelar, supostamente em línguas – pretendendo ser o Espírito Santo do Pentecostes que está falando! Não se trata do Espírito Santo falando, mas de um bando de espíritos impuros. Que tipo de “falar em línguas” é esse? Não passa de discursos incoerentes que nem eles compreendem. Eles chegam a gravar esses discursos, e depois fazem estudos estatísticos e tiram conclusões: “Nessa língua temos tantos Aleluias, e nessa outra tantos...”. Bem, nessa tagarelice aparecem muitas coisas que se parecem com Aleluias! E você sabe, mesmo sendo isso claramente demoníaco, eles consideram ser uma ação do Espírito Santo, e acham que estão no mesmo nível que os Apóstolos experimentaram no dia do Pentecostes. Mas aquilo em que eles acreditam são blasfêmias, e é por isso que eles quase sempre acabam possuídos pelo demônio.

 - Geronta, por que eles são rebatizados?

 - Porque pensam, “Quando fui batizado eu era uma criança e não entendia o que estava acontecendo; agora estou sendo batizado com conhecimento”. Eles são rebatizados para justificar seus pecados. Eles esperam o rebatismo para lavar seus pecados, mas sem as lágrimas do arrependimento. Se a Igreja não tivesse o Batismo infantil, o que aconteceria com aqueles que morrem antes de ser batizados? É por isso que temos padrinhos para acompanhar a criança ao Batismo e confessar o Símbolo da Fé, para que sejam responsáveis pela criança, junto com seus pais, até que ela cresça. A criança está sendo enganada ao ser batizada na infância? Não, ao contrário, ela está sendo ajudada e empoderada pela Santa Comunhão. E, se a criança conspurcar seu Batismo com algum pecado depois de crescida, existem o Arrependimento e a Confissão, que lavarão esse pecado; não há necessidade de se batizar outra vez!

  

Sobre a Anastenaria (Caminhar sobre o fogo)

 - Geronta, as pessoas dizem que os anastenarides (aqueles que caminham sobre o fogo na Festa de São Constantino) caminham sobre brasas ardentes e não são queimadas. O que é isso?

 - Isso é demoníaco e enganador. O fato de que elas dançam enquanto sustentam ícones ou a cruz é uma impudência e uma negação da fé. A Graça de Deus é jogada fora, e é por isso que o diabo vem ajudar. Como poderia o maligno não ajudar depois disso? Elas estão pedindo por sua ajuda!

 Mas é também sua malícia que as ajuda, elas vão previamente e preparam o cenário. Elas queimam lenha a partir da madeira do plátano, que deixa uma grande quantidade de cinzas, e elas sabem onde pisar enquanto dançam. Por que elas não queimam pinheiros verdes ou outras madeiras que deixam brasa por mais tempo? Elas deveriam deixar que outros preparassem o fogo para então dançar sobre ele!

 Alguém me disse, “É um milagre! Ao anastenarides caminham sobre o fogo e não se queimam”. “E isso o impressiona?”, eu respondi. “Os demônios estão no fogo do inferno e não se queimam há anos, séculos. É isso que deveria impressioná-lo, não essas pessoas que caminham rapidamente sobre carvões e cinzas sem serem queimadas”.

  

A transmigração das almas (Reencarnação)

 - Geronta, como é possível que algumas pessoas, mesmo com boa educação, acreditem na transmigração das almas?

 - A teoria da transmigração das almas é conveniente para o povo, especialmente para os ateus e os não crentes. É o maior engano do diabo. É assim que o diabo mantém as pessoas numa vida de pecados, com o pensamento de que a alma voltará uma e outra vez a esse mundo. É como se ele lhes dissesse, “Bem, você não foi bem-sucedido nesse tempo, mas você voltará novamente. E outra vez, se não der certo, e quantas vezes for preciso, e você evoluirá!”. E assim as pessoas pensam, “Não importa se eu cometer esse ou aquele pecado”, e se tornam descuidadas, vivendo despreocupadamente sem arrependimento. É assim que o diabo as cega e as fisga para o inferno! Nunca vi maior ardil e habilidade da parte do diabo. E, uma vez que o diabo fisga a pessoa, você acha que ele a deixará ir-se? Essa é a pior história que o Hinduísmo tem a oferecer.

 Certo fim de tarde, um jovem veio à minha Kalyvi. Eu lhe disse, “Jovem, a essa hora tardia eu ainda preciso ler o Ofício das Vésperas”. “Você ainda se preocupa com isso?”, ele me perguntou, e retirou0se. No dia seguinte ele voltou e começou a me falar de algumas visões que tivera. Eu lhe perguntei, “Talvez você tenha fumado hashishe antes de ter essas visões?”. Ele respondeu, “Sim, no passado, mas não no momento em que tive essas visões”, então eu lhe perguntei, “Por acaso você leu alguma coisa sobre a transmigração das almas?”. “Sim”, disse ele. Foi ali que ele começou a ficar confuso e perdido. Ele leu sobre a transmigração das almas, seu ego o consumiu, e ele modelou sonhos de si mesmo como um grande e rico homem há muitos anos atrás! Nesse sonho ele se viu subir aos céus, mas seu nome não estava inscrito lá e lhe disseram que ele deveria voltar à terra. o diabo criou essa fantasia para ele. Então eu lhe disse, “Tudo isso são contos de fadas, por que você acredita nessas coisas?”.

 Infelizmente, existem muitas pessoas educadas que acreditam nesse despropósito. Havia um jumento perto da minha Kalyvi que eu chamei de Nasser, porque ele era muito energético. Certo dia, um Grego que morava na Suíça veio me ver e me ouviu chamar o jumento Nasser. Mais tarde ele voltou, e me trouxe dois pacotes de doces – um com doces finos e outro com doces simples. “Esses são para você”, ele me disse, dando-me os doces simples. Então ele disse, “Esses doces finos são para o Nasser. Eu entendi, em minha primeira, que se tratava de Nasser. Quando eu o encontrei, ele olhou para mim de tal maneira que me partiu o coração!”. Ele achava que fosse o Presidente Egípcio Nasser que se reencarnara naquele jumento! E ele realmente acreditava naquilo! “Você está bem da cabeça?”, eu lhe perguntei. “Eu o chamei Nasser, apenas porque ele é muito energético”. Mas ele não podia acreditar.

 E isso não é nada! Deixe-me contar-lhe outro incidente: muitos anos atrás, alguns Alemães foram a Creta para realizar um serviço memorial para os soldados alemães que morreram durante a Ocupação. Durante o serviço memorial um Cretense passava com seu burro carregado com suas mercadorias. Quando o burro viu as pessoas reunidas, ele começou a zurrar. Um dos Alemães pensou que o burro fosse seu irmão morto na guerra, cuja alma transmigrara para o burro, que o reconhecera e o saudava zurrando! Imediatamente os Alemães fizeram posição de sentido e saudaram o burro com lágrimas nos olhos! Então ele foi até o Cretense e tentou comprar o burro, oferecendo grandes quantias de dinheiro. O Cretense pensou que isso fosse uma piada, mas o Alemão insistia. Quando finalmente alguém explicou ao Cretense que o Alemão realmente desejava pagar tanto dinheiro, muito mais do que valia uma Mercedes, ele descarregou o burro, dessarriou-o e o entregou ao Alemão, que o recebeu em lágrimas e o levou para a Alemanha!

 - Isso é sério, Geronta?

 - É um fato! Se eu não tivesse ouvido isso de uma pessoa séria, eu também não teria acreditado.

  

Sobre o ascetismo Hindu

 - Geronta, os Hindus obtêm certo grau de autocontrole com o auxílio do grande ascetismo que praticam por meio do Yoga?

 - Eles praticam e praticam, mas o que eles ganham com isso? A temperança e a abstenção ortodoxas – as disciplinas ascéticas em geral – sempre visam uma proposta altamente espiritual, a santificação da alma. O ascetismo indigno e satânico dos Hindus resultam num corpo ágil, braços e pernas flexíveis, como uma boneca de papel, para serem admirados pelas pessoas e para que se riam os demônios. Praticando desde a tenra infância, eles meditam colocando suas pernas sobre os ombros. Eles desenvolvem suas mãos socando sacos com pedregulhos; e quando suas mão se tornam duras e calosas, eles conseguem quebrar objetos duros como tijolos e paus.

 Mas existe uma explicação para aquilo que eles dizem sentir. Por exemplo, eles esticam suas línguas até alcançar o nariz, ou a retraem para dentro da laringe. Eles sentem uma certa irritação, doçura ou formigamento, e dizem, “Isso é néctar”. Então eles levam certos nervos até os ouvidos e começam a ouvir sons de músicas, “Voo...”. Ou pressionam os olhos e começam a ver estrelas! Eles se mantém no sol com os olhos completamente abertos, e, quando os fecham, eles veem luzes! “Vejam, nós contemplamos a luz incriada!”. Nesses casos, o diabo diz, “Vocês querem luzes? Bem, eu lhes darei luzes!”. Ele cultiva a imaginação deles, e então, sem precisar apertar os olhos ou ficar ao sol, eles veem luzes. O diabo também tenta nos enganar nos mostrando luzes e coisas assim, ainda que voltemos as costas a eles. Imagine o que faz, quando é provocado! Ele está sempre esperando uma oportunidade.

 - Em outras palavras, Geronta, o diabo apresenta a essas pessoas imagens e cenários de fantasia?

 - Sim, ele cultiva a sua fantasia em alto grau, e assim os engana.

 Alguns dos nossos foram aos Hindus e voltaram dizendo que existem na sua língua certas encantações sobre Cristo, a Panaghia e os Santos. Alguns sabem que essas coisas são blafemas, mas outros não; no fim, eles acabam possuídos pelos demônios, e começam a fazer discursos incoerente. Eventualmente eles se tornam delirantes, e alguns espectadores pensam que estão em algum estado espiritual, quando, na verdade, trata-se de um estado demoníaco.

  

O Hinduísmo causou muito dano

 Ainda que os Hindus sejam um povo inteligente com conceitos metafísicos e muito sentimento, eles se envolveram com supostas filosofias, erros e feitiçaria. Eles se divertiram apresentando suas teorias aos Europeus. E era possível ver que enquanto seus líderes e mestres eram como touros bem alimentados, seus seguidores na Índia morriam de fome! Eles vieram à Grécia, também, e enganaram o povo com suas teorias do Nirvana, do ócio e da transmigração das almas... Ao mesmo tempo, eles incluíam em seus livros passagens da Escritura, da Filocalia, e chamavam a atenção do povo. No passado, os Ortodoxos jamais prestariam atenção a essas teorias Hindus! Agora, mesmo as pessoas educadas dão suporte as essas bobagens e pagam grandes somas de dinheiro. O Hinduísmo causou muito dano.

 - Geronta, existem Indianos que são Cristãos Ortodoxos?

 - Muito poucos. Alguns restaram da Igreja fundada pelo Apóstolo Tomé, mas são isolados. Alguns se tornaram Católicos, outros Protestantes. Hoje existem pouquíssimos Ortodoxos.

 Todas essas coisas apresentadas por outras religiões e seitas não têm nada a ver com os milagres que encontramos na Fé Ortodoxa. Cristo espera o philotimo de nós. Ele não quer que o amemos por ser Onipotente. Se ele o quisesse, ele faria um milagre e todos teriam que crer nele num átimo. Mas se ele fizesse isso, ele despojaria o homem da sua capacidade de escolher livremente. A Santa Escritura diz, “Bem-aventurados os que não viram, mas creram”.

 A Ortodoxia possui milagres verdadeiros e a Graça divina. O Hinduísmo tem filosofia e magia. Ele confunde milagres com feitiçaria e a divina Graça com filosofia. O diabo concede poder aos gurus, os feiticeiros e outros, porque eles lhes dão poder sobre eles. É assim que eles conseguem realizar “milagres” e impressionar os que os veem.

 A partir do momento em que alguém vê que o “milagreiro” não tem nada a ver com Cristo, ele deveria se dar conta de que se trata de uma ilusão do demônio, que nuca diz a verdade e cuja única intenção é a de enganar as criaturas de Deus.  Os que tiverem uma boa disposição começarão a se questionar, vendo que a vida do milagreiro não é pura, mas confusa; enquanto que na Ortodoxia eles podem encontrar pureza de vida, nobreza e superioridade. É possível encontrar pessoas com santidade, e que podem fazer milagres reais.

 Na Ortodoxia, a bondade e a ternura humanas são a expressão do amor a Deus pelo homem, e de seu amor ao próximo. Todas as demais bondades e ternuras que provêm de outras religiões ou de pessoas que caminham no erro podem ter alguns elementos de bondade humana, mas lhes faltam os elementos espirituais de Jesus Cristo. Quem quer que viva realmente de acordo com a Ortodoxia terá humildade e amor autênticos, oferecendo a si mesmo e sacrificando-se pelo seu próximo. A disciplina ascética, o jejum, as vigílias, tudo deve ser feito por amor a Deus, não pelo desejo de experimentação e satisfação.

 Jesus Cristo veio a esse mundo para ser crucificado por amor à sua criatura. Primeiro ele foi crucificado e depois ressuscitou. É baixo que alguém procure satisfação espiritual e alegrias – a menos que Jesus Cristo escolha dar à pessoa uma degustação das doçuras celestes. Em contraste, aqueles que se envolvem com as filosofias e práticas do Hinduísmo, como o Yoga, não estão num estado espiritual; eles buscam um estado de êxtase, para sentir algum tipo de prazer e se sentir melhores do que os demais, sem que se preocupem de fato com eles.

 Digamos que um Hindu está meditando numa praia. Se, nesse momento, alguém estiver em perigo no mar e gritar por socorro, ele permanecerá completamente indiferente e não se moverá de sua posição, para não perder o prazer da meditação. Ao contrário, se um monge ortodoxo estiver recitando a Prece de Jesus, ele atirará seu Kombosquini e correrá para salvar a pessoa que se afoga.

  

A sedução do povo

 - Geronta, quando o Profeta Elias e Enoque voltarem pregando o arrependimento, as pessoas entenderão e recairão em si?

 - Aqueles que tiverem uma boa disposição entenderão. Mas os que não a tiverem não entenderão e permanecerão iludidos. Cristo nos alertou para sermos vigilantes com falsos cristos e profetas que se levantarão, e mostrarão sinais de maravilhas para seduzir, se possível fosse, até os eleitos”.

 Existem pessoas que aceitam prontamente enganadores como profetas. Há poucos anos, havia um Protestante que estava constantemente perambulando carregando um casa com a inscrição em inglês, “Eu sou o Profeta Elias”! Ele vestia uma bermuda, carregava uma Bíblia em inglês, e dizia às pessoas que ele descera dos céus! Quando lhe perguntavam em que ele acreditava, e a que religião ele pertencia, ele dizia, “Essas coisas não fazem sentido. Não havia religiões então!”. Você vê? Para eles, todos eles, Católicos, Protestantes, Pentecostais, todas essas heresias e ramos de heresias, são a mesma coisa. Só por isso, você vê onde vai dar? Esse homem me mandava muitas cartas. Ele escrevia passagens das Escrituras e dava a elas um tom Protestante. Ele também enviava cartas a outras pessoas, às vezes da Inglaterra, às vezes de outros lugares. Alguns acreditaram no que ele dizia e queriam publicar numa revista que o Profeta Elias havia vindo. Mas eu os admoestei, “Vocês ficaram loucos? O que estão tentando fazer?”. As pobres pessoas estão tão confusas!

 Mesmo ouvir as coisas que essas pessoas enganadoras dizem já é um pecado em si. Existem alguns que dizem, “Se você acreditar que determinada coisa vai acontecer de certa maneira, ela irá”. Isso significa que eles têm fé em si mesmos, mas é o diabo que se esconde por detrás deles. Eles deificam a si próprios, e são abandonados pela Graça divina. Eles tentam enganar as pessoas com tais teorias. Um homem de quarenta e cinco anos se apresentou como graduado no famoso Seminário Chalki, expondo diversas noções de Hinduísmo. Eu tive que lhe dizer, “Você está se prejudicando e a outros, ao relatar esse refinado nonsense Hindu e se apresentar como graduado em Chalki. Cuidado, você poderá ser possuído pelo demônio”.

 - Geronta por que existem diversas seitas na Grécia que se apresentam como sociedades e não como religiões?

 - Essa é uma tática de desinformação. Como você vê, apesar de São Constantino ter rompido com o paganismo e estabelecido o Cristianismo como a religião oficial do Império, ainda hoje existem pessoas que tentam trazer esse paganismo de volta. São dadas permissões para erguer mesquitas; gurus podem possuir seus centros monásticos para oferecer livremente suas leituras; vários outros centros são fundados por prosélitos; os maçons podem se manifestar livremente, assim como as Testemunhas de Jeová... A Ortodoxia está sob o ataque dessas muitas teorias. Mas nada disso permanecerá; tudo entrará em colapso.

 O pobre povo é facilmente desencaminhado porque se distanciou de Deus e estão na escuridão. Dois jovens me disseram ter ido em peregrinação a Hebron, e que colocaram o chapéu tradicional Judaico para venerar as tumbas dos Patriarcas. O que você pode ganhar com tal veneração, se você se cobre com o símbolo da adoração Judaica?

 O que dizer? A confusão é imensa! Existe um cartaz do lado de fora de uma Igreja Católica Romana em Paris onde se lê: “Aprenda a Prece de Jesus com o método yoga”. Até onde chegaram! Não é de admirar que abundam os problemas psicológicos, e que as pessoas perdem a cabeça. As pessoas não sabem o que querem. Alguns Católicos Romanos, Protestantes e outros ouvem que quando alguém é batizado na Igreja ortodoxa, ele muda, renasce, e imaginam que, sendo também batizados, todos os seus problemas psicológicos serão varridos. Uma vez, quando algumas pessoas estavam planejando batizar um Protestante que desejava se tornar Ortodoxo, eu disse, “Não o batizem, ele não está preparado para o Batismo”. Mas eles responderam, “Não, ele será ajudado se for batizado”. “Mas ele não está aí para o Batismo. Vocês não veem?”. Mas eles não me ouviram. Levaram-no ao mar e o batizaram! Dois ou três dias depois, ele veio a mim e me disse, “Eu fui batizado, mas o Batismo não resolveu meus problemas psicológicos”. Então, é claro, eu lhe perguntei: “Foi por isso que você se batizou, para se ver livre de seus problemas psicológicos? Veja, se você tivesse sentido real necessidade do Batismo, você teria primeiro entendido o seu verdadeiro significado e o valor, e visto sua magnificência, e só então, sim, você poderia ter renascido e mesmo seus problemas psicológicos teriam desaparecido. Mas, quando você se batiza para que seus problemas psicológicos vão embora, como você espera que isso aconteça? É mágica?”.

 As pessoas confundem feitiçaria com milagres. Elas não conseguem distinguir entre ouro e bronze. Você pode ver um Protestante que se faz batizar Ortodoxo, e logo se torna Católico Romano, e então retorna aos Protestantes ou à Ortodoxia, dizendo, “Ei me sinto confortável aqui”. Um Católico se batizou Ortodoxo, foi tonsurado como monge e viveu nove anos num mosteiro. Ele veio à minha Kalyvi um dia e me disse, “Eu não tive oportunidade de viver uma vida mundo mundana como Cristão Ortodoxo, e agora eu quero ir para o mundo e me casar”! Você pode imaginar isso? E, quando eu tentei falar sobre a gravidade e seriedade dele pensar tais coisas, ele falou simplesmente, “O que há de grave? Não entendo por que isso seria tão grave”.

  

O retorno à Ortodoxia

 Nesse estranho mundo, as pessoas encontrarão conforto em coisas estranhas, não nas direitas e verdadeiras. Elas conhecem a Índia, do outro lado do mundo, e viajam para lá em busca de experimentar sua magia. Mas ignoram a Montanha Santa, que fica em seu próprio país, pertinho delas, onde está a verdadeira vida mística de Cristo! Um estudante me disse que foi à Índia para permanecer lá por três anos e meio. Ele buscava a verdade das religiões. Finalmente, um Indiano lhe disse, “Por que você veio até aqui? Você encontrará o que procura na Ortodoxia. Ali está a luz. Vá para a Montanha Santa para encontrar o que você procura”.

 - Geronta, quando um Cristão ortodoxo vai aos Hindus e depois se arrepende, pode ele ser recebido de volta na Igreja ortodoxa?

 - Essa pessoa precisa de um profundo arrependimento e deve ser crismada novamente. Se ela quiser retornar à Ortodoxia e se tornar outra vez membro da Igreja, ela deve renunciar através de um libelo escrito aos ensinamentos heréticos e confessar a Fé Ortodoxa; então o sacerdote lerá as preces aos que retornam a verdadeira fé, e o ungirá com o Santo Batismo.

 Eu conheci jovens, jovens Gregos, que jamais leram uma única linha dos Evangelhos, mas que leram livros sobre o Brahmanismo, o Budismo, o Corão, etc., e se foram aos Hindus. Depois de não encontrar conforto ali, eles retornam à Ortodoxia, mas, pelo caminho, eles coletaram muitos “germes”. E uma fez que se prejudicaram assim, é difícil encontrar a verdade. A pessoa deve em primeiro lugar conhecer a Ortodoxia; se não gostar, pode ir embora. Mas, antes, aprenda o que é a Ortodoxia, e então a compare com as demais teorias. Pois, uma vez que ela conheça a Ortodoxia, ela estará apta a distinguir cobre de ouro, e ser capaz de dizer quantos quilates esse ouro contém. Ela não será facilmente feita de tola, pensando que tudo o que brilha é ouro.

 Em qualquer caso, eu aprendi que somente uma pessoa egoísta deixará a Ortodoxia depois de ter aprendido o que ela é; uma pessoa humilde nunca a deixará.

  

***

 QUINTA PARTE

O PODER DA CONFISSÃO

 

“Para encontrar a paz, é preciso descartar o lixo que existe internamente. Isso acontece por meio da Confissão. Ao abrir o coração ao seu Pai Espiritual e confessar suas transgressões, a pessoa se humilha. Isso abre as portas para os Céus, e traz as abundantes Graças de Deus, libertando o homem.”

 

 

Capítulo I

A necessidade de um guia espiritual

 

- Geronta, nos primeiros anos do Cristianismo as pessoas praticavam a confissão pública. Isso ajuda?

 - Os primeiros anos do Cristianismo foram muito diferentes dos dias atuais. A confissão pública não é recomendada hoje.

 - Por que, Geronta? Os antigos fiéis eram mais zelosos?

 - Não apenas eles eram mais zelosos então, como não sofriam das coisas que as pessoas de hoje sofrem. Hoje em dia, os casais se separam por qualquer coisa; as coisas não são como costumavam ser. As pessoas se distanciaram do Mistério do Arrependimento e da Confissão, mergulhando em seus pensamentos e paixões. Muitas pessoas vêm a mim pedindo ajuda em seus problemas, mas não vão se confessar na Igreja! “Você já foi à Igreja?”, eu pergunto. “Não”, dizem elas. “Você foi à Confissão?”. “Não. Eu vim para que você me deixe bem.” “Mas, como eu posso fazer isso? Você precisa se arrepender dos seus pecados e confessá-los; você precisa ir à Igreja, e receber a Santa Comunhão quando seu Pai Espiritual lhe der a bênção; também eu vou orar para que você fique bem. Você está esquecendo de que existe outra vida adiante e que é preciso nos prepararmos para ela.” “Veja, Pai, todas essas coisas que você fala a respeito da Igreja, da outra vida, etc., não me dizem respeito. São contos de fadas. Eu fui a mágicos e curandeiros, e eles não puderam me curar. E eu ouvi que você poderia.” Agora, como você pode colocar um pouco de senso nessa pessoa? Você fala sobre a Confissão, sobre a vida futura, e ela chama essas coisas de “conto de fadas”, mas, por outro lado, ela diz, “Ajude-me, eu sou adicto de drogas”. Mas como posso eu ajudá-la? Ela espera ser curada magicamente.

 E ainda que seus problemas sejam causados por seus pecados, muitas delas não se dirigem ao Pai Espiritual por ajuda, mas preferem “confessar” ao psicólogo, a quem contam sua história, e de quem recebem conselhos quanto aos seus problemas. Por exemplo, se elas têm que cruzar um rio, o psicóloga as atira na água, e então elas se afogam ou nadam até a margem; mas, será a margem certa? Porém, se elas confessarem seus peados ao Pai Espiritual, elas cruzarão para o outro lado sem dificuldade, usando uma ponte, porque a Graça de Deus, por meio do Mistério do Arrependimento e da Confissão, opera na alma e a redime.

 - Geronta, algumas pessoas dizem, “Não vamos à Confissão, porque não encontramos um bom Pai Espiritual.”

 - São desculpas. Todo Pai Espiritual possui autoridade divina quando se reveste de sua estola clerical. Ele opera o Mistério do Arrependimento e da Confissão e possui a Graça divina. Quando ele lê a oração do perdão, Deus apaga os pecados confessados com arrependimento sincero. Cabe a nós o quanto seremos ajudados pelo Mistério da Confissão. Alguém com problemas psicológicos veio à minha Kalyvi certa vez, pensando que eu tinha o dom da clarividência e seria capaz de ajudá-lo. “O que você antevê para mim?”, ele perguntou. “Busque um Pai Espiritual a quem você possa confessar regularmente, e isso o ajudará a dormir toda noite sem o uso de drogas “. “Não existem bons Pais Espirituais hoje em dia”, ele disse, “como havia antigamente”. Você vê, eles chegam com boas intenções e esperam ser curados, mas não aceitam o que lhes é dito. Eles apenas perdem seu tempo aqui.

 Mas eu também vejo a habilidade do demônio. Ele leva as pessoas a pensar que, se elas fizerem u voto a Deus e o cumprirem, se forem a uma peregrinação, estarão espiritualmente bem. Você vê hordas de pessoas indo aos mosteiros e altares, com grandes velas e ofertas extravagantes, persignando-se ostentosamente, até mesmo chorando um pouco, e sentindo-se contantes. Elas não se arrependem, não confessam, não mudam seu modo de viver... E isso equivale a agradar o demônio.

 - Geronta. pode uma pessoa que não confessa se sentir bem consigo mesma?

 - Com pode ela estar em paz? Para encontrar a paz, é preciso descartar o lixo que existe internamente. Isso acontece por meio da Confissão. AO abrir o coração ao seu Pai Espiritual e confessar suas transgressões, a pessoa se humilha. Isso abre as portas para os Céus, e traz as abundantes Graças de Deus, libertando o homem.

 Antes da confissão, o homem está cercado pela névoa, que turva sua visão e o leva a justificar seus erros. Pois, quando a mente está obscurecida pelo pecado, a pessoa não enxerga com clareza. A confissão dispersa a neblina e clareia o horizonte. É por isso que quando alguém que nunca se confessou vem a mim para falar sobre algo, ou buscar meu conselho, eu sempre o remeto primeiro à confissão antes de qualquer conversa espiritual. Alguns dizem, “Geronta, você sabe o que eu devo fazer em determinada situação, então me ajude”. Mas eu lhe digo, “Não basta que eu entenda o que você precisa fazer; você também precisa ser capaz de entender o que leu lhe direi, e você não será capaz disso sem a confissão. Então, primeiro faça sua Confissão e depois volte para falarmos”. Quero dizer, como é possível haver uma comunicação efetiva com uma pessoa que está numa frequência diferente?

 Por meio da confissão, a pessoa descarta tudo o que é inútil dentro dela e se torna frutífera espiritualmente. Certo dia eu estava cavando no meu quintal para plantar tomates. Então chegou alguém e me disse, “O que está fazendo, Geronta?”. “Estou confessando meu quintal”, eu respondi. Admirado com a resposta, ele perguntou, “Mas um quintal precisa se confessar?”. “Claro que sim! Eu descobri que quando eu o confesso, ou seja, quando removo as pedras, as ervas e outras coisas, ele produz vegetais saudáveis; de outro modo os tomates crescem amarelados e sem sabor”.

  

Deus quer que o homem seja corrigido pelo homem

 - Geronta, quando eu estou diante de um problema e oro por isso, conseguirei eu saber qual a vontade de Deus a respeito?

 - Não é assim que se encontra a vontade de Deus. É melhor perguntar a alguém a respeito de um problema particular que você tem. Não espere ser informado por Deus, quando você pode receber conselho e orientação de outra pessoa; porque, se você tentar ser informado diretamente por Deus, você pode se perder. Uma pessoa costumava ir à Igreja e se colocar diante do iconostase para orar: “Panaghia, posso tirar dinheiro da caixinha?”. Um pensamento lhe cruzava a mente, “Pegue”. Então ele dizia para si mesmo, “Sim, pegarei o dinheiro”. Isso aconteceu muitas vezes, até que um dos responsáveis pela Igreja notou que o dinheiro estava sumindo. Ele decidiu observar para ver o que estava acontecendo. Logo, a mesma pessoa apareceu e começou com sua rotina de sempre: “Panaghia, posso pegar o dinheiro da caixinha?... Sim, farei isso.”. E, quando ele estava prestes a fazê-lo, o outro o pegou em flagrante.

 Quando você encontra uma pessoa espiritual com quem você pode falar a respeito de algo, busque sempre conselho com ela. Se você estiver num lugar onde não exista ninguém com que falar, como sozinho no deserto, o próprio Deus se tornará o Ancião que irá iluminar e informar você. Suponha que você não consegue alguém que lhe explique uma dada passagem da Escritura. Deus irá iluminá-lo para que entenda.

 - Geronta, como distinguir quando algo que acontece em nossa luta espiritual vem da tentação, ou quando é resultado de nosso próprio descuido?

 - É preciso ir e perguntar.

 - Você quer dizer que não conseguimos entender por nós mesmos?

 - Mesmo que alguém pudesse entender por si mesmo, ele não poderia estar certo. Mesmo uma pessoa experiente muitas vezes procura outra pessoa. Em certos assuntos pessoais, eu sempre pergunto. Quando tenho que lidar com assuntos pessoais, eu considero minha própria solução como tolice, mesmo que seja sábia. E eu não procuro alguém que sabe como facilitar as coisas; eu procura alguém, que não sabe. Veja, mesmo um médico que deseja estar certo a respeito de um diagnóstico consultará outro médico em casos difíceis; imagine então o que um interno deve fazer! Não importa quão espiritual seja uma pessoa, e o quão bem ela seja capaz de cuidar de seus assuntos pessoais, ela nunca estará inteiramente em paz, porque Deus quer que um homem seja ajudado por outro homem. O Bom Deus opera as coisas de maneira a que as pessoas se tornem humildes. A pessoa deve revelar seus pensamentos e problemas, seu estado interior ao seu Pai Espiritual; ela deve buscar seu conselho e não decidir por si mesma diante das dificuldades. Ela não deve enfrentar as dificuldades sozinha na sua luta espiritual, “praticando medicina” sobre si mesma, porque o tentador, o diabo, pode confundi-la e lhe causar problemas. Algumas pessoas chegam a ponto de se impor regras de penitência; isso é uma coisa muito perigosa.

 Quem não possui um Pai Espiritual como conselheiro de sua jornada espiritual ficará confuso, fraco, atrasado e encontrará dificuldade em encontrar seu destino. Não importa quão sábio possa ser, se encontrar sozinho soluções para seus problemas, permanecerá no escuro, porque está procedendo com orgulho e autossuficiência. Mas quem é humilde, procura seu Pai Espiritual e pede sua opinião e orientação, e assim pode ser grandemente ajudado. Deus certamente iluminará o Pai Espiritual para que responda corretamente. Eu notei que quando uma pessoa vem a mim com devoção, pensando que eu sou um santo, quando de fato eu não passo de uma lata vazia, eu sinto uma transformação interior, e as coisas que eu digo não vêm de mim. É assim que eu entendo claramente que a pessoa diante de mim veio a mim com verdadeira devoção; e Deus, para não desapontá-la, concede-me essa boa disposição. Em casos assim, se o assunto é sério, Deus o informará, e você poderá dizer à pessoa o que acontece, quando acontece e como lidar com a situação.

  

A vida espiritual requer um guia espiritual

 A coisa mais necessária hoje em dia é que as pessoas encontrem um Pai Espiritual, confessar, confiar nele e seguir seus conselhos. Se as pessoas possuírem um guia espiritual e estabelecerem uma regra de oração e estudos, se forem à Igreja regularmente e receberem a Santa Comunhão, elas não terão nada a temer nessa vida.

 A alma deve ser acompanhada tão de perto pelo Pai Espiritual, que ela não se perca. O estudo espiritual certamente ajuda em nossa batalha pela vida espiritual, mas, sem um guia espiritual, podemos facilmente dar nossa própria interpretação sobre o que está sendo estudado, e cair em erros.  Por exemplo, quando alguém faz uma longa viagem e não está certo do percurso, ele consulta um mapa, mas também pode parar e pedir informações. Digamos que alguém viaja de Atenas para Florina. Ele tem um mapa para seguir, mas, ao longo do caminho, pode parar em um quiosque para perguntar se está seguindo na direção certa, porque ele pode ter tomado um caminho errado numa intersecção, e terminar em Kavala, ou em algum precipício perigoso. É claro que a pessoa pode não seguir as orientações dadas, e terminar em outra parte, ou ela pode prestar atenção aos perigos do caminho e se prevenir contra eles. Mas qualquer pessoa que a oriente e a previna, “Cuidado, há uma curva fechada à frente, e um precipício logo a seguir...”, receberá sua recompensa. O que quero dizer é que a mesma coisa deve ser feita na vida espiritual. O fiel deve ter um Pai Espiritual, ser guiado, advertido e ajudado, por meio do Mistério do Arrependimento e da Confissão. É a única maneira de viver a vida Cristã Ortodoxa e estar certo de seguir o caminho direito.

 É claro que a pessoa deve escolher com cuidado seu guia espiritual, e não confiar sua alma a qualquer um. Assim como alguém procura o melhor médico para sua saúde física, ela deve buscar um bom Pai Espiritual para sua saúde espiritual, e frequentá-lo regularmente, pois ele será o médico de sua alma.

  

Envie as pessoas ao Pai Espiritual

 - Geronta, algumas vezes as pessoas nos veem com nossos hábitos de Irmãs, e nos contam suas dores, seus problemas, até mesmo sua confissão. O que devemos fazer?

 - Em primeiro lugar, quando elas chegam a você para falar de seus problemas, você deve perguntar se elas não possuem um Pai Espiritual. É o que eu digo às pessoas que chegam à minha Kalyvi para me consultar a respeito de coisas: “Eu não sou um Padre confessor; procure seu Pai Espiritual e faça o que ele lhe ordenar”. Pata renunciar ao diabo, as pessoas devem se arrepender e ter um Pai Espiritual a quem confessar. Claro, eu entendo se uma Irmã escuta a uma mulher sofrida; mas, acima de tudo, ela deve aconselhá-la a procurar seu Pai Espiritual. E ele não deve continuar a conversa. E, se uma mulher não está em paz com seu Pai Espiritual, ou se está desesperada, ou se nunca confessou antes, a Irmã pode ouvi-la uma vez, mas deve encaminhá-la a um Pai Espiritual, garantindo a ela que continuará a orar por ela.

 Além de não ser uma responsabilidade de uma Irmã ajudar as pessoas dessa maneira, o fato de continuamente ouvir seus problemas acabará por prejudicá-la. Pois é verdadeiro dizer que uma pessoa pode sofrer três tipos de transformação: por si mesma, pelos outros ou pelo diabo. As pessoas vêm ao Mosteiro, encontram algum consolo humano, mas voltam para casa e retornam aos seus costumes, fazendo as mesmas coisas outra vez. Tanto mulheres como homens devem procurar seus Pais Espirituais. Não é correto contarem todos os seus problemas para uma Irmã, pois sairão de lá dizendo, “Fiz minha confissão, está tudo bem”, e, tendo aliviado sua consciência, não procuram mais o Pai Espiritual. Isso é uma maquinação do diabo para evitar que elas vão se confessar.

 Você deve entender sua real missão como Irmã e não pretender fazer trabalho missionário quando ainda não chegou a entender sua missão monástica. Sendo pessoas monásticas, temos a responsabilidade de orar pelos problemas dos outros, mas não somos responsáveis por nos envolver com esses problemas. Por outro lado, o Pai Espiritual tem a obrigação de fazê-lo, ne possui uma responsabilidade adicional: ele deve responder perante Deus. Se a pessoa discutir seus problemas com você, uma Irmã, elas vão carregá-la com a responsabilidade, enquanto que o Pai Espiritual está capacitado para acompanhar sua vida de perto e providenciar solução para seus problemas. Em outras palavras, isso requer um trabalho constante. Não é trabalho para monges e monjas. As pessoas devem apenas pedir que oremos por elas. Elas podem nos enviar uma carta com os nomes das pessoas, para que oremos por elas com nossos Kombosquinis.

  

O Pai Espiritual deve estar próximo

 Assim como alguém cuida para ter o médica da família o mais próximo possível, também deve cuidar para ter próximo o Pai Espiritual.  Um médico que está perto de seu paciente é mais efetivo em cuidar dele do que um doutor experiente seria, apenas pelo fato de que ele segue a condição de seu paciente regular e sistematicamente, e, quando necessário, o envia a um especialista. Durante minha estadia no Sanatório em Tessalônica, fiquei impressionado com o seguinte: muitas pessoas ricas que sofriam de tuberculose ficavam em casa, e os doutores médicos os iam visitar. Mas esse tratamento se mostrava ineficaz, porque eles não podiam acompanhar seus pacientes de perto. Como resultado, eles criaram uma unidade separada no Sanatório para eles, para que pudessem ser hospitalizados e acompanhados sistematicamente.

 O que quero dizer é o seguinte: assim como um médico precisa observar de perto o paciente depois de começar o tratamento, para ver sua eficácia, ou se existem efeitos adversos, para, em conformidade com isso, aumentar ou diminuir as dosagens, e – se necessário – alterar o tratamento, também o Pai Espiritual, a fim de providenciar o necessário socorro, deve estar apto a seguir de perto a alma, porque podem ocorrer muitas mudanças e reações impossíveis de detectar à distância. Certa vez eu disse a uma mulher que tinha uma dada tentação, “Faça isso, e você será capaz de superá-la”. E, de fato, ela o fez e superou a tentação. Depois de algum tempo ela teve outra tentação, completamente diferente, que ela enfrentou da mesma maneira, e teve muitas dificuldades! A pobre alma poderia ter enviado alguém ou escrito a mim sobre suas novas dificuldades; eu teria dado a ela um remédio diferente, ou seja, um diferente conselho. Ela não me procurou porque eu estava muito longe na ocasião. É por isso que eu normalmente não dou conselhos à distância, se não conheço bem a pessoa e não tenho uma comunicação próxima com ela.

  

O Pai Espiritual na família

 - Geronta, que livros podem ajudar as pessoas casadas?

 - Uma coisa que pode ajudar um casal é que cada esposo não justifique a si próprio ou a si própria. Se os esposos se justificam, eles não se beneficiam, não importa quantos livros espirituais leiam. Se eles tiverem uma boa disposição, se tiverem um Pai Espiritual e obedecerem a ele, não terão problemas. Isso não pode ser feito sem um bom árbitro.

 É melhor que ambos os esposos tenham o mesmo Pai Espiritual, não que cada qual tenha o seu. Quando duas peças de madeira são cortadas por dois carpinteiros, elas nunca se encaixam. Enquanto que, quando o casal possui o mesmo Pai Espiritual, ele ajustará as asperezas e nós de ambos os esposos, e as dificuldades serão removidas. Mas hoje em dia, muitos casais que levam vidas espirituais possuem Pais Espirituais diferentes. Raramente os esposos possuem o mesmo Pai Espiritual, e é por isso que eles não conseguem ser realmente ajudados.  Conheço casais compatíveis que acabam se divorciando porque não tiveram o mesmo Pai Espiritual para auxiliá-los; enquanto que outros, não tão compatíveis, foram capazes de viver suas vidas juntos harmoniosamente.

 Claro, se toda a família tiver o mesmo Pai Espiritual, isso será ainda melhor. O Pai Espiritual será capaz de ouvir todos os membros da família e aconselhá-los de acordo. Algumas vezes ele será inflexível com o pai ou a mãe; outras vezes conversará com os filhos, se não chegar a uma conclusão a partir do que os pais disseram. Ora, se o casal tem problemas, e a mulher, por exemplo, está em falta, ele pode chamar o marido e aconselhá-lo sobre como se comportar. Ele pode até discretamente pedir a ajuda de um parente.

  

Mudando o Pai Espiritual

 - Geronta, quando alguém precisa mudar de Pai Espiritual, é necessário confessar novamente seus pecados, mesmo que os tenha confessado previamente?

 - Para que a ajuda seja mais efetiva, é bom informar o novo Pai Espiritual, assim como um paciente informa o médico sobre seu histórico de saúde.

 - Geronta, quando alguém quer mudar de Pai Espiritual e nos pergunta se deve fazê-lo, o que devemos dizer?

 - Vocês devem dizer que ele deve primeiro receber a bênção de seu Pai Espiritual atual. Não é uma boa coisa mudar rapidamente de Pai Espiritual. Um edifício não ficará bem construído se os engenheiros e mestres forem mudados constantemente.

 Antigamente, as pessoas procuravam os Anciãos para buscar conselho e ser ajudadas. Hoje em dia, muitas pessoas não buscam conselho; elas vão apenas para se justificar, ou para dizer que se consultaram com esse ou aquele Ancião. Alguém pode dizer, “Eu fui ver tal ou qual, e até me consultei com Pai Paísios”, quando na verdade o repreendi, ou então chegam até minha porta e nem sequer batem! Elas acabam rodando de um Pai Espiritual para outro sem nunca ter um permanente, e acabam confusas.

 Outras cometem algum pecado e, ao invés de ir ao seu próprio Pai Espiritual para confissão, buscam outra pessoa, para não perder sua dignidade. Depois de um tempo eles cometem a mesma falta e vão a outro Pai Espiritual com se fosse a primeira vez, e assim continuam a cometer o mesmo pecado e nunca se corrigem.

 Eu soube de alguns que evitam dizer certas coisas ao Pai Espiritual – mesmo sabendo que, fazendo-o, seriam ajudados e que a confidencialidade seria mantida – e então procuram algum conhecido seu, que não poderá ajudá-los, mas que certamente contarão a outras pessoas. Lembro-me de quando era um monge noviço no Cenóbio de Esphigmenou no Monte Athos e alguém chegou para levar a vida cenobítica ali. Ele permaneceu por um tempo e então começou a pensar em se ir. Ele não levou seus pensamentos ao abade, nem a nenhum Pai Espiritual, mas contou a um trabalhador de Hierissos que trabalhava no Mosteiro. Eu estava cortando cebolas perto, do lado de fora da cozinha, quando ele estava fazendo isso. Ele começou por se “confessar” em voz alta, a mais de dois metros do trabalhador: “Eu me arrependo de ter me tornado monge”. “Você testou sua vocação de noviço ao chegar?”, perguntou o trabalhador.   “Sim, por dois anos”. “Nesse caso, por que você não foi embora antes?”. “Bem, eu não pude”. “Você foi forçado a se tornar monge?”. “Não, eu queria ser monge”. Finalmente, o trabalhador lhe disse, “Você falou com o abade?”. “Não”, respondeu o monge. “E como você espera ser ajudado por mim, e não pelo abade?”, indagou o trabalhador ao monge. Veja, o jovem monge contou toda a sua história para a pessoa errada. Ele não se confessou com o abade, que o teria ajudado, e, ao invés disso, foi procurar o trabalhador. Este, por seu turno, poderá contar a história na taverna no fim de semana, para diversão geral, e logo toda a cidade estará falando a respeito.  E você não pode dizer que ele tinha um parafuso a menos: ele era bem-educado e inclusive falava Grego antigo fluentemente.

 - Geronta, pode um leigo procurar um irmão espiritual a respeito de certo problema, ou tentação, quando seu próprio Pai Espiritual está ausente?

 - Ele não pode telefonar para seu Pai Espiritual? Às vezes um irmão pode ajudar e às vezes não, e, mesmo com boas intenções, pode até prejudicá-lo. Um telefonema para o Pai Espiritual numa hora de necessidade pode resolver o problema. E, se ele não pode se comunicar com sua Pai Espiritual e o assunto é urgente, que procure outro Pai Espiritual. É sábio consultar seu Pai Espiritual para que lhe recomende outro Pai Espiritual de mesmo espírito, que possa ser contactado em circunstâncias assim. Pois cada mecânico tem seu próprio plano.  Um plano pode ser tão bom quanto outro, mas é um plano diferente.

  

***

 

QUINTA PARTE

O PODER DA CONFISSÃO

  

Capítulo II

Para uma confissão efetiva

  

Vamos ligar nossas feridas

 - Geronta, quando eu caio durante minha luta espiritual, eu entro em pânico.

 - Não tenha medo. Trata-se de uma luta, uma verdadeira guerra, e estamos sujeitos a sermos feridos. Mas as feridas se curam com a confissão. Veja, quando os soldados são feridos durante uma batalha, eles correm ao médico, e ele faz ligaduras em suas feridas, e assim eles retornam corajosamente ao campo de batalha. Nesse ínterim, eles ganham experiência por meio de seus ferimentos, se tornam mais capazes de se proteger e evitam ser feridos outra vez. O mesmo vale para nós; quando somos feridos em nossa luta espiritual, não devemos nos desencorajar. Ao contrário, devemos correr para o médico – o Pai Espiritual – e mostrar-lhe nossas férias, para sermos espiritualmente curados e continuarmos a boa luta. É ruim quando não pe3rseguirmos os inimigos ferozes da alma – as paixões – e não lutamos para destruí-los.

 - Geronta, algumas pessoas se recusam a ir à confissão por causa do philotimo. Elas raciocinam, “Como é possível que eu cometa esse pecado novamente, por que confessá-lo? Apenas para chatear o Padre?”.

 - Isso não está certo. É como se o soldado ferido dissesse, “Como a guerra não acabou e eu posso ser ferido outra vez, por que curar minhas feridas agora?”. Mas ele sangrará até a morte se não atar seus ferimentos. Algumas pessoas podem não querer se confessar devido ao philotimo, mas, ao final, elas se tornarão inúteis. O diabo tira proveito mesmo de nossos dons e talentos. Se não lavarmos nossa alma com a confissão, quando caímos e nos sujamos – pensando que cairemos e nos sujaremos outra vez – estaremos apenas acrescentando novas camadas de lama, tornando o processo de limpeza cada vez mais difícil.

  

A necessidade da confissão

 - Geronta, São Marcos o Asceta disse, “O homem que possui conhecimento espiritual e compreende a verdade, confessa a Deus, não lembrando o que fez, mas aceitando pacientemente o que virá”. O que isso significa?

 - Significa que é preciso fazer ambas as coisas. O crente confessa ao seu Pai Espiritual, mas também confessa humildemente antes de orar a Deus desnudando sua alma e dizendo, “Meu Deus, eu errei, sou um pecador, cometi esse e aquele pecado...”. e, ao mesmo tempo, aceitará sua dor como uma terapêutica. O Santo não está nos dizendo que devemos nos esquivar à primeira ou à segunda confissão – ele está dizendo para suportarmos pacientemente as dores que nos advirão. O que queremos dizer quando falamos em Grego exomologoumai (“Eu confesso”)? Não significa “Eu revelo no exterior o que possuo no interior”? Se você mantiver as coisas boas no interior, “você confessará o Senhor” – vale dizer, você glorificará e agradará a Deus. Mas se você mantiver as coisas ruins no interior, você confessará seus pecados.

 - Geronta, quando alguém se confessa pela primeira vez, deve falar ao seu Pai Espiritual de toda a sua vida?

 - Na primeira vez ele deve fazer uma confissão geral. É como o paciente que entra no hospital e conta seu histórico médico, dizendo, por exemplo, “eu tive doença pulmonar, mas estou curado; e fiz uma operação com anestesia geral ou local”, etc. Fazemos a mesma coisa em nossa primeira confissão, dizendo ao Pai Espiritual os detalhes de nossa vida, e ele irá diagnosticar a doença e tentará curá-la. Muitas vezes, uma injúria à qual não demos atenção pode trazer consequências mais adiante. Claro, na primeira vez em que vamos ao Pai Espiritual devemos confessar uma centena de pecados, digamos assim. Da segunda vez, podemos ter cento e dez pecados para confessar, porque o diabo intensifica seu ataque assim que percebe que vamos à Confissão e que começamos a destruir sua influência sobre nós. Na terceira vez, talvez tenhamos cento e cinquenta, mas a partir o número começará a decrescer, até o ponto em que teremos uns poucos pecados a confessar.

  

A confissão correta

 - Por que é que algumas vezes, ainda que nossa consciência nos censure, não conseguimos sustentar a luta necessária para nos corrigirmos?

 - Isso pode acontecer devido a algum trauma da alma. Quando alguém é tomado de pânico ante uma tentação, ele deseja lutar, mas se ente paralisado, ou demasiado fraco para resistir; ele perde sua força de vontade, o poder interior da alma. É nesse momento que ele deve buscar a Confissão, para encontrar a paz interior. Com a Confissão a pessoa é consolada, revivificada, e pela Graça de Deus consegue a força para retornar à batalha. Se a pessoa não colocar em ordem sua vida espiritual, ela pode ser atacada por tentações ainda maiores e, desanimada, quebra seu espírito e se sente sufocada por pensamentos; desespera-se e se sente incapaz de lutar.

 - E o que acontece, quando isso se dá muitas vezes?

 - Se se torna comum acontecer, é preciso buscar reiteradamente a Confissão, abrindo o coração para o Pai Espiritual e recebendo encorajamento. E, uma vez obtida a paz na alma, deve-se manter o motor ligado, e lutar vigorosamente e com philotimo a fim de expulsar o demônio.

 - Geronta, o que acontece quando eu sinto que não necessito me confessar?

 - Será que você está observando com cuidado sua vida interior? A Confissão é um mistério. Você deve ir e simplesmente contar seus pecados. Acima de tudo, o que você pensa de si mesmo? Você não foi geniosa? Não foi egoísta? Não feriu os sentimentos das Irmãs? Não foi crítica? O que você supõe que eu deva confessar? “Eu tive raiva, eu critiquei...”, e o padre lê a oração do perdão. Mas mesmo os pequenos pecados possuem um peso coletivo. Quando eu me confesso com o Padre Tychon, eu às vezes não tenho nada sério a dizer, e ele me alerta, “Há muita areia, meu filho, muita areia!”. Os pequenos pecados se acumulam e ajudam a formar uma duna de areia que é mais pesada do que uma grande rocha única. Alguém que tenha cometido um grande pecado, pensa nele todo o tempo, se arrepende e se humilha. Você tem uma miríade de pequenos pecados. Mas, se você examinar as condições em que eles surgiram, e as condições em que surgiram em outra pessoa, você verá que você é espiritualmente pior do que a outra. Você também deve ser específica na sua confissão. Não é o bastante dizer apensa, por exemplo, “Eu tive inveja, senti raiva, etc.”, mas você deve relatar o pecado específico para poder ser ajudada. E quando se trata de um pecado sério, como a malícia, você deve dar detalhes sobre como pensou e agiu realmente. De outro modo, você está simplesmente tentando enganar a Cristo. quando uma pessoa não confessa a verdade ao seu Pai Espiritual, que, por sua vez, não pode apontar seu erro para ajudá-la, ela acaba se prejudicando ainda mais, do mesmo modo como um paciente que esconde seus sintomas para o médico. Enquanto que, quando o penitente se abre honestamente, tal como ele é, o Pai Espiritual pode conhecê-lo melhor e ajudá-lo mais efetiva e positivamente.

 Da mesma forma, quando alguém foi injusto, ou injuriou outra pessoa com seu comportamento, ele deve primeiro pedir perdão humildemente a essa pessoa, reconciliar-se com ela, e só então confessar sua falta ao Pai Espiritual para receber a remissão do pecado. É assim que a Graça de Deus chega a nós. Se a pessoa confessa seus pecados ao Pai Espiritual sem que antes tenha pedido perdão à pessoa ofendida, ela não encontrará paz em sua alma, por não ter se humilhado. Uma exceção é quando a pessoa ofendida morreu ou não pode ser localizada por ter se mudado de residência e não houver novo endereço disponível, mesmo que para uma carta pedindo perdão. Mas, se a pessoa quiser fazer isso com toda boa intenção, Deus o reconhecerá e dará o perdão a ela.

 - Geronta, o que acontece quando pedimos perdão a alguém e o perdão e recusado?

 - Devemos então orar a Deus para amolecer o coração da pessoa ofendida. Mas existe também a possibilidade de que Deus não tenha amolecido o coração da pessoa injuriada, porque, se formos perdoados, corremos o risco de incidir outra vez no pecado.

 - Geronta, quando alguém cai em sério pecado, existe a possibilidade de que ele não consiga se confessar imediatamente?

 - E por que ele o faria? Para que o pecado produza ainda mais amargor? Quanto mais você deixa algo estragar, mais ele estraga. Por que deixar que se passem dois ou três meses antes de ir ao Pai Espiritual e confessar? Quando antes, melhor. Se você tem uma ferida aberta, você vai esperar um mês para curá-la? Da mesma forma, não espere mais tempo para ir ao Pai Espiritual, para estar mais à vontade. Pois um pecado sério deve ser confessado imediatamente, e assim quando o Pai Espiritual tiver mais tempo, a pessoa poderá voltar para uma visita mais longa, para uma conversa mais detalhada.

 Não devemos demorar para apresentar ao Pai Espiritual nosso retrato. Quando a consciência funciona corretamente, a pessoa consegue oferecer um retrato de si com poucas palavras. Mas quando existe confusão em sua alma, ela pode falar muito, sem nunca revelar uma imagem sua. Por exemplo, já vi gente que escreve diários de anotação inteiros, vinte ou trinta páginas com letra miúda e outros tantos post-scriptum, e tudo isso poderia ser colocado numa página.

  

Desculpas em nossa Confissão sobrecarregam nossa consciência

 - Geronta, quando durante a confissão de um pecado a pessoa não sente a mesma dor que sentiu ao cometê-lo, isso significa que não existe verdadeiro arrependimento?

 - Se se passou um longo tempo desde que o pecado foi cometido, a ferida pode estar mais ou menos curada, e é por isso que não sentimos a mesma dor. O que é importante é evitar nos justificarmos durante a confissão. Quando vou me confessar e digo, por exemplo, “Eu tive raiva” – ainda que tenha sido necessário bater em alguém – eu não menciono essa circunstância extenuante para evitar a possibilidade de me justificar perante o Pai Espiritual. Uma pessoa que se confessa e ao mesmo se justifica, não encontra a paz interior, não importa quão inescrupulosa possa ser. As desculpas que ela traz à confissão sobrecarregam sua consciência. Ao contrário, aquele que exagera suas faltas por possuir uma consciência refinada, e que aceita a pesada regra do Pai Espiritual, esse experimenta uma inefável delícia. Existem pessoas, por exemplo, que, se roubarem uma única uva, se sentem como se houvessem roubado muitas caixas de uvas, e que pensam constantemente no seu erro. Elas não conseguem dormir à noite até que tenham confessado. Enquanto outras, que roubaram caixas e mais caixas de uvas, se justificam como se houvessem roubado apenas um cacho. Mas aqueles que não apenas não se justificam, como ainda aumentam suas menores faltas e se preocupam e sofrem com a menor infração, esses experimentam uma imensa consolação divina. É aqui que eu vejo a justiça divina em ação, e como Deus concede as suas recompensas.

 Eu soube que aqueles que confessam humildemente suas faltas ao Pai Espiritual e que se rebaixam, brilham por terem recebido a Graça de Deus. Um veterano de guerra me contou com grande tristeza o que fizera quando tinha oito anos de idade. Ele tomou uma bola de outra criança por apenas uma noite – devolvendo-a no dia seguinte – e chorou por isso, por haver magoado a outra criança. Quando ele deixou o serviço militar, ele buscou e encontrou todos aqueles a quem ele, de alguma forma, havia maltratado quando servia ao exército – mesmo quando era seu dever fazê-lo – e pediu seu perdão! Isso me impressionou! Ele tomou tudo sobre si, e considerou que todas as faltas eram suas. Agora ele vive numa pequena cidade e contribui com obras de caridade. Ele também cuida de sua mãe idosa, que tem noventa e cinco anos e é paralítica, e, por ver seu corpo quando cuida dela, ele se perturba com o pensamento “Se Cam, que viu a nudez de seu pai, foi punido, o que acontecerá comigo?”. Ele chorava constantemente. Seu rosto estava alterado. Quanto eu aprendi com esse espírito contrito!

 - Geronta, pode alguém aumentar seus erros apenas para mostrar estar fazendo um trabalho espiritual refinado?

 - Esse é outro caso; nesse caso, a pessoa se torna orgulhosa de sua humildade.

  

Depois da Confissão

 - Geronta, depois da Confissão, é normal se sentir acabrunhado?

 - Por que você se sentiria acabrunhado? Com uma confissão adequada, o passado é limpo e varrido. Abre-se um novo capítulo. A Graça de Deus chega para a pessoa e a transforma por completo. A agitação, a selvageria, a ansiedade desaparecem, e prevalecem a calma e a serenidade. Essa transformação é tão óbvia externamente que eu digo a algumas pessoas que tirem uma fotografia antes e depois de sua confissão para que possam contemplar sua transformação; o estado espiritual se reflete no rosto. Os Mistérios da Igreja podem operar milagres. Quanto mais alguém se aproxima de Jesus Cristo, o Deis-Homem, mais se torna deificado, e espera-se que ele brilhe e que isso se denuncie aos outros pela divina Graça.

 - Em outras palavras, Geronta, a pessoa se sente imediatamente alegre depois de uma confissão sincera?

 - Nem sempre. Ela pode não sentir a alegria imediatamente, mas aos pouco ela surgirá. Depois da confissão, a pessoa deve ter uma consciência cheia de philotimo a respeito do que aconteceu. Ela deve se sentir com alguém que tinha um grande débito e foi perdoado, e que sente gratidão e obrigação em relação ao seu benfeitor. Você deve ser agradecia a Deus, mas ao mesmo tempo ter em mente esse Salmo: “Pois eu conheço as minhas transgressões, e meu pecado está sempre diante de mim[60]”, para assim permanecer humilde e evitar se tornar ousado e repetir a mesma falta.

 - Geronta, eu li que os demônios irão me acusar e me atormentar na outra vida, mesmo pelo menor pensamento inconfesso.

 - Veja, quando você se arrepende e confessa de verdade ao Pai Espiritual tudo o que se lembra sem intenção de esconder o que quer que seja, acabou; os demônios já não têm a menor autoridade sobre você. Mas quando alguns pecados não são confessados intencionalmente, aí sim você será atormentada por isso na outra vida.

 - Geronta, quando alguém confessou certas faltas e pecados cometidos na juventude, mas se lembra deles todo o tempo, e se atormenta, isso é adequado?

 - Se alguém sente contrição pelos pecados da juventude que já confessou, não há razão para se preocupar, porque Deus o perdoou no momento da confissão. Com mãos razão, a pessoa não deve escavar as coisas velhas, especialmente os pecados carnais, porque ela pode se prejudicar grandemente. Durante uma guerra, por exemplo, uma granada pode cair perto de um soldado, mas Deus o protege e ela não explode. Depois da guerra, o soldado encontra a granada que não explodiu e começa a mexer nela, e então ela explode em estilhaços em pleno tempo de paz.

  

Confiança no Pai Espiritual

 - Geronta, se alguém fica entristecido porque seu Pai Espiritual o repreendeu a respeito de alguma falta, e sente muito pesar, existe aí um egoísmo oculto?

 - Claro que sim; o egoísmo está contido aí. Mas se a pessoa se arrepende de acordo com a vontade de Deus, ela encontrará consolo, fará progresso espiritual, pois ela tentará não repetir a mesma falta. Mas ele deve compartilhar suas dificuldades, seus pensamentos, suas faltas com o Pai Espiritual, e aceitará alegremente tanto sua reação suave ou estrita, pois todas as coisas são feitas em nome de Deus para o progresso de sua alma.

 - Mas Geronta, o que acontece se eu não aceitar sua reprimenda ou sua direção?

 - Se você não o aceitar, você permanecerá errado. Quem não aceita o conselho daqueles que o amam, acabará por se tornar uma pessoa inútil sem benefício espiritual, por sua própria falta. Como uma placa de madeira que não aceita ser aplainada pelo carpinteiro para se tornar uma mobília fina, e acaba sendo usada como molde para concreto ou como passarela sobre a lama, até o dia em que será atirada ao fogo, o mesmo acontece com essa pessoa, que acabará por ser destruída.

 - Geronta, quando alguém discorda de seu Pai Espiritual em alguma coisa, o que ele deve fazer?

 - Ele deve simplesmente e com humildade explicar seu pensamento. Claro, é preciso cuidado e atenção ao selecionar o Pai Espiritual em que se possa confiar, e estar em paz com sua direção espiritual.

 - Geronta, é benéfico insistir em sua própria opinião quando se vê as coisas de modo diferente do que o Pai Espiritual?

 - Não, porque ele não pode conhecer por inteiro o que está oculto por trás do que considera incorreto. Por exemplo, para que alguém entenda por completo o que está por trás de uma certa ação de seu Pai Espiritual, o Pai Espiritual poderia revelar sua confissão a outro. É permitido revelar a confissão a outrem? Não! Digamos que você concordou com seu Pai Espiritual em encontrá-lo numa dada ocasião, mas outra pessoa chega com pensamentos suicidas e ele recebe essa pessoa primeiro. Você pode pensar, “Ele o recebeu primeiro e está me deixando de lado”. Mas, como poderia o Pai Espiritual explicar a você que a outra pessoa tinha pensamentos suicidas? Se ele revelasse isso, ele estaria destruindo a outra pessoa. Por outro lado, se você se sente escandalizado e desprezado, bem, isso não será uma questão com graves consequências.

 Algumas pessoas que vieram à minha Kalyvi ficaram escandalizadas assim. Havia um homem que, depois de muito ser instigado, foi convencido por sua família a falar comigo, e eu aceitei com alegria. Eu o beijei, dei-lhe meu kombosquini para que fizesse suas orações, e também um pequeno ícone. As outras pessoas presentes ficaram escandalizadas, e disseram, “o Ancião não presta atenção em nós”. Mas aquele bom camarada era ú filho pródigo; eu sabia algumas coisa a respeito dele. Ele nos deixou como um homem mudado. Deixe que os demais fiquem escandalizados mil vezes. Você não deve, para facilitar a vida de alguém, revelar explanações que podem destruir outra pessoa que está passando por dificuldades mais sérias.

  

A comunicação adequado com o Pai Espiritual

 A pessoa espiritual que deseja ajudar alguém tenta uni-lo com Cristo, e não a si mesma. Ele se alegrará quando tiver sucesso em uni-lo a Cristo e quando essa pessoa, por sua vez, começar sua própria luta para permanecer junto a Cristo. Nesse caso, ambos obtiveram sua recompensa; e as coisas progridem como devem, em bases regulares. É claro que, quando uma pessoa luta com o objetivo de agradar alguém que está tentando uni-la a Cristo, vale dizer, quando suas próprias ações estão voltadas para agradar ou desagradar seu ajudante, e não vê o modo como o próprio Cristo vê essa ação, ela não agrada nem a pessoa que a ajuda, nem a Cristo; e ela própria não se beneficia, porque não recebe a ajuda divina. Em outras palavras, nem Cristo nem o Pai Espiritual se alegram com o que ela faz, enquanto ela própria não é ajudada na superação da dificuldade. Suponhamos que uma Irmã está cantando na Igreja e pensando, “Será que estou cantando bem? Estarei agradando à Abadessa?”. Com tais pensamentos, a pessoa não será ajudada. Quando cantar para Cristo, as coisas estarão de acordo; ela estará também cantando bem para a Abadessa.

 - Geronta, se alguém não entende corretamente o que diz o Pai Espiritual, isso é uma falta?

 - Veja, se ele não entende por que possui algum desejo em mente, então ele está em falta. Algumas pessoas tomam seus próprios desejos como sendo a vontade de Deus. Por exemplo, alguém procura o conselho de seu Pai Espiritual em relação a um problema, já tendo uma solução em mente. O Pai Espiritual diz o que ele deverá fazer, mas a pessoa entende que deve fazer o que já tinha em mente, e o faz alegremente, imaginando que com isso está obedecendo ao Pai Espiritual. E, se o Pai Espiritual pergunta, “Por que você agiu assim?”, ele responderá, “Mas não é o que você me disse para fazer?”.

 Mas existem ocasiões em que a pessoa não deve tomar literalmente o que o Pai Espiritual diz, porque pode ser uma figura de linguagem. Vou lhe contar um caso para lhe dar uma ideia. Uma professora de quarenta e cinco anos, que era também mãe, se envolveu com um aluno de dezesseis anos. O menino deixou sua casa e foi morar com ela. Quando seu pai veio à minha Kalyvi e me contou essa história, eu recomendei que ele seguisse o conselho de seu Pai Espiritual. O pobre homem foi ao seu Pai Espiritual e depois voltou a mim. Nesse dia estava comigo o Exarca do Patriarcado, e não tinha condições de discutir com ele o assunto. Eu simplesmente lhe disse, “Faça o que o Pai Espiritual lhe disse”. Ele não queria ir embora – e felizmente ele ficou e insistiu. Quando eu tive um tempo e fui vê-lo, ele me disse, “Geronta, eu resolvi matar essa mulher, porque foi o que o Pai Espiritual me disse”. “Espere, meu caro, o que exatamente seu Pai Espiritual lhe disse?”. “Ele disse, ‘essa mulher merece morrer’”. Você entende? O Pai Espiritual apenas usou uma figura de linguagem ao dizer que a mulher deveria ser morta, não que ele deverão praticar um assassinato. A partir de então, eu nunca mais disse a ninguém, “Faça o que seu Pai Espiritual mandar”, mas sim, “O que seu Pai Espiritual lhe disse para fazer?”.

 - Geronta, é possível alguém pedir a ajuda do Pai Espiritual e ao mesmo tempo sugerir uma solução?

 - Bem, que tipo de ajuda ele está querendo? Uma coisa é dizer humildemente ao Pai Espiritual o que pensa que vai ajudá-lo – é necessário que o diga – e outra coisa é insistir que está correto. Assim ele não pode progredir espiritualmente. É como ir ao médico e dizer, “Dê-me esse remédio”. O paciente é obrigado a seguir as instruções do médico; ele próprio não pode prescrever a medicação que deverá usar. Não se trata de uma questão de gosto ou apetite, como acontece com comida e doces, quando podemos dizer, “Prefiro esse ou aquele”. O doutor prescreverá a medicação de acordo com a doença diagnosticada.

  

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QUINTA PARTE

O PODER DA CONFISSÃO

 

Capítulo III

O médico espiritual da alma

 

A necessidade de bons Pais Espirituais

 As pessoas hoje em dia são fracas, confusas e entenebrecidas pelo pecado e o egoísmo. Por isso existe a necessidade, mais do que nunca, de bons e experientes Pais Espirituais, que se aproximem das pessoas com simplicidade e amor verdadeiro, que as guiem com discernimento para que obtenham paz para suas almas. Sem bons Pais Espirituais, as Igrejas se esvaziam, enquanto as alas psiquiátricas, as prisões e os hospitais estão cada vez mais ocupados. As pessoas precisam se dar conta de que suas vidas estão confusas porque elas se distanciaram de Deus; elas precisam se dar conta de que devem se arrepender e confessar humildemente seus pecados.

 O trabalho do Pai Espiritual consiste numa terapia interior. Não há médico maior do que um Pai Espiritual experiente, que inspire confiança com sua santidade, que remova das criaturas sensíveis de Deus os pensamentos trazidos pelo diabo, alguém que trate de suas almas e corpos não com remédios, mas com a Graça de Deus.

 Um Pai Espiritual, quando possui iluminação divina, o espírito de Deus, compreende e distingue as situações e é capaz de dar orientações corretas à alma. Melhor ainda se ele não tiver muitas outras responsabilidades, para que possa devotar o tempo necessário a cada alma e manter um trabalho espiritual pleno e adequado. De outro modo, ele sofrerá com um cirurgião que, devendo realizar muitas operações a cada dia, fica tão exausto que já não consegue ser eficiente.

Por essa razão, o Pai Espiritual não deve se envolver em todos os assuntos da família, mas focar naquilo que diz respeito a uma pessoa de cada vez, para que tenha tempo de providenciar a ajuda efetiva. E o filho espiritual também não deve ocupar seu Pai Espiritual com matérias que podem ser resolvidas por outras pessoas mais capacitadas nesses assuntos, como qual casa devem alugar, ou a que escola enviar seus filhos, etc.

 Tanto o penitente como o Pai Espiritual são julgados no Mistério do Arrependimento e da Confissão. A liberdade espiritual é útil quando se guia uma alma. Em outras palavras, o Pai Espiritual não deve seguir um “curso espiritual” cego, como imposto a outros, mas verificar o que os Padres da Igreja dizem, e agir com discernimento de acordo com cada indivíduo, cada erro, cada arrependimento. É verdade que eu já soube de casos em que faltaram a sinceridade total e a honestidade. Alguns Pais Espirituais não são totalmente sinceros naquilo que dizem às pessoas. Embora sejam responsáveis por suas almas, eles não se incomodam de dar a alguém que está envolvido, por exemplo, com feiticeiros ou enganadores do mundo, os conselhos para que pensem um pouco; eles não se posicionam em assuntos de importância, para evitar pequenos problemas por causa deles. Em outras palavras, para não perturbar sua relação com uma ou outra pessoa, e para que elas digam boas coisas sobre eles, eles acabam permitindo que uma pessoas seja destruída, e que o diabo se alegre.

  

O discernimento e a experiência de um Pai Espiritual

  - Geronta, em nosso tempo, com tanto pecado no mundo, não é difícil a posição do Pai Espiritual?

 - Sim, é difícil. É por isso que o Pai Espiritual deve estar atento para corrigir os pecados maiores primeiro, até que a maior parte dos pecados tenha sido removida das criaturas de Deus, e que elas se tornam mais receptivas à pureza espiritual. Ele deve mostrar leniência, mas ao mesmo tempo guiar a pessoa para se dar conta de suas faltas e pedir perdão a Deus. É imperativo que o Pai Espiritual enfatize ao penitente que ele deve se arrepender e mudar seu modo de vida se quiser receber a misericórdia de Deus. Também é útil quando o Pai Espiritual fala com amor do grande amor de Deus pelo homem, para que ele se comova e, pelo philotimo, reconheça suas faltas e mude seus hábitos.

 Um Pai Espiritual jovem, que não tenha experiência, deve se envolver primeiro com os casos mais simples. Por exemplo, uma alma difícil pode minar seu progresso espiritual, tomando demasiado seu tempo. Se ele não tomar cuidado, um Pai Espiritual bem-intencionado por dar atenção às cenas montadas por essa alma difícil e acabar gastando sua energia e se atormentar. Quando ele adquirir experiência, ele saberá quando é hora de prestar atenção a alguma coisa e quando não. Agora, eu dei uma olhada em todas essas cartas que recebi, e, se houver algo sério, eu darei minha total atenção; mas muitas vezes não passa de uma questão de tentação. Alguém chega à sua porta e diz, “Me dê dois minutos do seu tempo”, e fica por uma hora. Você pode estar suando ou congelando no frio, mas a pessoa continuará contando história como se nada houvesse. Bem, como pode isso vir de Deus? Então você fica doente e incapaz de orar por outros ou por si mesmo, e fica imprestável por dias. Então chega alguém que realmente precisa de ajuda e você é incapaz de ajudar.

 Quanto aos que têm um problema sério, não basta apenas ouvi-los, ver que eles estão sofrendo e dizer, “Tome uma aspirina”. Por exemplo, alguém diz, “Eu só posso falar com você um minuto, porque o ônibus já vai sair”!, e começa a lhe contar um assunto muito sério. É como alguém que tem câncer e diz ao médico, “Rápido, faça a cirurgia, porque meu avião já está partindo”. Cada doença requer uma certa quantidade de tempo. Você deve verificar de onde ela provém, quais os sintomas, etc. Você não pode dar soluções prontas para problemas sérios.

 Um monge noviço me procurou durante a litania que é feita no Monte Athos durante a Semana de Páscoa, justo quando começávamos a procissão, e queria que eu lhe falasse sobre a prece mental, a Prece de Jesus. Ele tinha vindo à minha Kalyvi muitas vezes antes e nunca perguntara a esse respeito, mas, quando começávamos a subir a colina, ele se sentiu inspirado a respeito desse assunto tão sutil! Um assunto sério e sutil não deve ser discutido enquanto se sobe um morro – assim, sem um cuidadoso pensamento.

  

Um Pai Espiritual determina quantas vezes o fiel deve receber a Santa Comunhão

 Geronta, o Apóstolo Paulo escreve, “aquele que come e bebe sem discernir o Corpo, come e bebe a própria condenação”. Quando uma pessoa recebe indignamente a Santa Comunhão?

 - Basicamente, devemos ter consciência de nossa indignidade quando partilhamos da Santa Comunhão. Cristo pede que sejamos contritos, que sejamos humildes e compungidos. Quando alguma coisa perturba nossa consciência, devemos tomar cuidado com isso. Se, por exemplo, brigamos com alguém, devemos primeiro nos reconciliarmos com a pessoa e só então nos dirigirmos à Comunhão.

 - Geronta, existem pessoas que, embora tenham recebido a bênção de seu Pai Espiritual para receber a Santa Comunhão, ainda ficam hesitantes.

 - A pessoa não deve determinar por si mesma quando deve e quando não deve receber a Comunhão. Se fizer isso, o diabo se aproveitará e abrirá um novo flanco de batalha. Muitas vezes imaginamos que somos dignos, mas não somos. Outras vezes, não somos dignos de acordo com a lei, mas conforme o Espírito dos Santos Padres necessitamos da divina transfusão para nossa enfermidade; necessitamos da divina consolação em nosso arrependimento contrito, uma vez que o inimigo nos ataca da direita e nos lança em desespero.

 - Então, Geronta, com que frequência devemos receber a Santa Comunhão?

 - Com que frequência receber a Comunhão e quanto jejum devemos fazer antes de recebê-la são perguntas que não têm uma resposta concreta. O Pai Espiritual é quem determina com discernimento quando uma pessoa deve receber a Santa Comunhão e quanto tempo deverá jejuar, de acordo com a capacidade da pessoa. Ao mesmo tempo, o Pai Espiritual providenciará a orientação para o jejum espiritual, a abstinência de paixões, regulando essas coisas de acordo com a sensibilidade espiritual de cada um. Ou seja, de acordo com o grau de consciência que cada qual tem de suas faltas, e ao mesmo tempo tendo em mente o mal que pode ser feito pelo diabo ao assaltar uma alma sensível, levando-a ao desespero. Por exemplo, nos pecados carnais, para os quais a pena é a abstinência da Comunhão por quarenta dias, o diabo pode fazer com que a alma falhe novamente no trigésimo quinto dia e, se a regra dos quarenta dias for renovada, ele tornará uma hábito atacar a alma regularmente, para confundi-la e fazê-la perder as esperanças. Nessas circunstâncias, o Pai Espiritual pode dizer ao penitente, “Veja, cuide-se durante uma semana e depois volta para receber a Comunhão”, e assim ele poderá receber a Comunhão a cada Divina Liturgia para fortalecer sua alma e dela alijar o diabo. Quando a pessoa vive uma vida cuidadosa e espiritual ela se aproximará do Mistério toda vez que sentir que a Santa Comunhão é necessária espiritualmente, e não como mero hábito; mas também isso deve ser feito com a bênção do Pai Espiritual.

  

O uso da penitência

 - Geronta, a observância estrita dos Mandamentos nos ajudam a sentir a proximidade de Deus?

 - Quais mandamentos? Aqueles da lei mosaica?

 - Não, os dos Evangelhos.

 - A observância dos mandamentos ajuda, mas ela deve ser correta e adequada, pois na verdade é possível observá-los erradamente. A vida espiritual exige a correção espiritual, não uma seca observância da lei. Vemos o discernimento com que os Santos Padres guiaram o povo, mesmo na aplicação dos Cânones Sagrados! São Basílio o Grande, o mais estrito Padre da Igreja, que escreveu os principais Cânones, referia-se a determinado cânone que se aplicava a um dado pecado, mas acrescentava “Não examine o tampo, mas o modo do arrependimento”. Em outras palavras, se duas pessoas cometem o mesmo pecado, o Pai Espiritual pode impor a um que não receba a Comunhão por dois anos, e ao outro por apenas dois meses. Pode haver diferenças grandes como essa!

 - A penitência pode ajudar a pessoa a extirpar a paixão?

 - É preciso entender que a penitência existe para ajudar. De outro modo, o que poderíamos dizer? Se você tenta corrigir alguém por um castigo físico, você nada conseguirá. Se você tentar corrigir alguém pela força, Cristo se voltará para você no Juízo e dirá, “Você é um Deocleciano?”. E para a pessoa punida ele dirá, “O que você adquiriu, foi por ter sido forçado”. Não estrangulamos alguém para lhe assegurar o Paraíso; tentamos ajudá-lo a encontrar uma ascese frutífera para si. Ele deve chegar ao ponto de estar feliz por estar vivo, e feliz por morrer.

 As penitências estão a cargo do Pai Espiritual deve ser inflexivelmente estrito com quem peca insensivelmente. Quem é atropelado pelos pecados mas se arrepende, se torna humilde e pede modestamente pelo perdão, esse será ajudado com discernimento pelo Pai Espiritual a se aproximar de Deus novamente. É o que muitos Santos fizeram. Santo Arsênio da Capadócia era um Pai Espiritual que não costumava dar penitência às pessoas. Ele tentava conduzi-las a uma consciência, para que elas, pelo philotimo, escolhessem alguma disciplina ascética ou ato de caridade, ou outra bondade. Certa vez ele encontrou uma criança possessa e paralisada, e percebeu que os seus pais eram a causa de seu sofrimento, e então ele primeiro curou a criança e depois impôs uma disciplina aos pais, para que fossem mais cuidadosos no futuro.

 Algumas pessoas poderão dizer, “Oh, esse Pai Espiritual específico é muito patrístico. Ele é muito severo! Ele é esperto, tem boa memória e conhece de cor o Pedalion[61]”. Um Pai Espiritual que aplica estritamente as regras contidas no Pedalion pode prejudicar a Igreja. Que vantagem haverá em que o Pai Espiritual abra o Pedalion e diga, “Qual pecado você cometeu? Esse. O que está escrito a respeito? Isso, tantos anos de abstenção da Santa Comunhão para você. E o que você fez? Isso. O que está escrito aqui? Essa regra se aplica a você!”.

 - Então, Geronta, é preciso levar em conta dúzias de coisas.

 - Sim, especialmente em nossa sociedade moderna, a pessoa não pode simplesmente aplicar a tradição canônica da Igreja cegamente, com austeridade indiscutível. Ela deve cultivar um sentido de philotimo nas pessoas. Para ser capaz de ajudar as outras almas, o Pai Espiritual deve primeiro fazer um considerável trabalho sobre si próprio; de outra forma, ele sairá apor aí quebrando cabeças.

 O Pedalion é chamado de Regulamento porque ele guia o homem para a salvação, de uma ou de outra maneira, como o capitão do navio vira a bombordo ou estibordo para levar o navio ao porto. Se ele conduzisse o navio em linha reta, sem se desviar quando necessário, ele o levaria aos rochedos, afundando-o e afogando todas as pessoas a bordo. Se o Pai Espiritual utilizar os Cânones da Igreja tal como foram feitos... como cânones militares – e não com discernimento, de acordo com as necessidades de cada pessoa e o arrependimento demonstrado – então, ao invés de curar as almas, ele estaria cometendo um crime.

  

A prece de absolvição

 Alguns Pais Espirituais têm uma regra: quando o penitente não tem a bênção para receber a Comunhão, eles não leem a prece de absolvição. Outros dizem, “Não se deve ler a prece de absolvição em todas as ocasiões”. Essas coisas me parecem protestantes... Um jovem que caíra em certos pecados veio à minha Kalyvi. Ele havia feito a Confissão, mas seu Pai Espiritual não lera a prece de absolvição. Ele estava desesperado: “Se meu Pai Espiritual não quis ler a prece de absolvição, isso significa que nem Deus me perdoou”, e estava aponto de cometer suicídio. então eu lhe disse, “Vá até seu Pai Espiritual e lhe diga para ler a oração da absolvição; se ele se recusar, vá a outro Pai Espiritual”.

 Sem a prece de absolvição o penitente experimentará uma queda depois da outra, porque o diabo não perdeu seus direitos sobre ele. Como pode uma pessoa lutar contra o diabo, se o diabo manda nela? Ela não foi libertada, e ainda está sob a influência demoníaca. Ao contrário, co a prece de absolvição, as influências do diabo são expulsas, a pessoa restabelece o chão que perderá na batalha, e assim se torna capaz de continuar sua guerra contra as paixões.

  

***

 QUINTA PARTE

O PODER DA CONFISSÃO

  

Capítulo IV

O trabalho do Pai Espiritual sobre a alma

  

Manejar a alma é um trabalho refinado

 - Geronta, como ajudar certos caráter difíceis e raivosos?

 - Como carpinteiro, eu costumava trabalhar com tábuas não-aparelhadas. Precisava muita paciência, porque tábuas não-aparelhadas e encurvadas são difíceis de ser aplainadas e retificadas. Eu tinha que trabalhar devagar usando uma plaina, que tinha que ser afiada constantemente. Essas tábuas acabavam por se mostrar adoráveis, porque tinham belas fibras e não se quebravam facilmente; elas eram muito fortes. Se você não soubesse disso, você olharia para essas pranchas antes de serem corrigidas, e as descartaria. O que eu quero dizer é que certas pessoas, que podem aparentar um caráter difícil, podem ter na verdade dentro de si muitos poderes e potencial, que, se bem trabalhados, podem levar a grandes conquistas na vida espiritual; mas não, é claro, sem que se gaste muito tempo e esforço nisso.

 Ademais, eu nuca usei pregos grandes para manter unidas tábuas não-aparelhadas. Em primeiro lugar, eu aplainava as beiradas e as unia, e depois as fixava com pregos pequenos. Eu não as forçava juntas, porque quando tábuas tortas são forçadas mediante grandes pregos, elas vão se curvar e separar, e nada se ganha com isso.

 É preciso um alto grau de discernimento quando alguém está tratando com almas humanas. Na vida espiritual não existe uma regra única, uma receita única. Cada alma tem sua própria qualidade e sua própria capacidade. Existem vasos com grande capacidade e vasos com capacidade limitada. Alguns são feitos de plástico e não são muito duráveis, outros são feitos de metal e duram muito. Quando o Pai Espiritual chega a conhecer a qualidade e a capacidade de uma alma, ele agirá de acordo com as possibilidades e os antecedentes disponíveis, e com o progresso já alcançado. O comportamento do Pai Espiritual estará de acordo com a condição do penitente, com o pecado cometido e outros fatores. Por exemplo, com alguém que é impudente, o Pai Espiritual tomará cuidado para não dar margem a mais impudência. Coma alma sensível, ele verá como encorajá-la a confrontar seus problemas valentemente.

 Também é preciso cuidado para não fazer suposições com base na aparência externa da pessoa. Não se deve acreditar prontamente no que outros dizem e logo tirar conclusões, especialmente se não estiver presente o dom da clarividência. Algumas pranchas de madeira podem parecer fortes por fora, mas possuem nós e fibras internas. Quando a aspereza exterior é aplainada, elas revelam o que são realmente. Outras ainda, embora pareçam inúteis externamente, são na verdade fortes e duráveis por dentro.

 O manejo da alma é uma tarefa refinada. Não se pode errar na receita empregada. Cada organismo deve receber a vitamina que precisa, e toda doença requer a medicação adequada.

  

Não facilitemos com as paixões dos outros

 - Geronta, quando uma mulher nos diz, “O Pai Espiritual não me entende”, o que devemos dizer a ela?

 - Diga, “Será que você foi clara? Não poderia ser uma falha sua?”. Nesses casos, você deve perturbar a pessoa que reclama, e não desculpá-la prontamente. Claro que existem matérias sensíveis e delicadas, e mesmo os Pais Espirituais podem ficar confusos.

 - E se ela nos disser que não se sente confortável com seu Pai Espiritual?

 - Também pode ser que seja sua falta, o não se sentir confortável; talvez ela esteja querendo que seu Pai Espiritual facilite as coisas para ela, ou querendo que sua própria vontade seja atendida. Digamos que alguém negligencia sua família e discute frequentement4e com a esposa. Ele quer se divorciar dela e vem reclamar para mim, pedindo que fique do lado dele, que abençoe a dissolução de sua família! Se eu lhe disser, “A falta é sua”, e ele não reconhecer sua culpa, ele dirá que eu não facilitei as coisas para ele. Em outras palavras, algumas pessoas me dizem coisas como “O Pai Espiritual não facilita as coisas para mim”, apenas porque ele não quer lhes dizer o que elas querem ouvir.

 Se o Pai Espiritual tivesse que justificar as paixões de cada pessoa, ele facilitaria para a sua consciência, mas não as ajudaria espiritualmente. Se tivéssemos que aliviar a consciência de cada pessoa com suas paixões, por que não facilitar com o diabo, por que não agradá-lo? Por exemplo, se você vier a mim e disser, “A Irmã Fulana falou de maneira insultuosa comigo”, e eu lhe responder, “Não dê atenção a ela”, isso facilitará as coisas para você. Depois de um tempo, a Irmã Fulana virá me contar algo a seu respeito, “A Irmã fez tal e tal coisa”, e eu responder, “Bem, você sabe como ela é! Não a leve a sério”. Assim eu facilitei as coisas para ela também. Eu facilitei para todo mundo, mas as desviei! Na verdade, eu deveria dizer a você, “Veja, se a Irmã Fulana falou assim com você, você deve ter feito alguma coisa a ela”. Isso lhe daria espaço para considerar sua culpa no assunto e se corrigir. Pois a partir do momento em que você reconhece sua falta, tudo vai melhor. O verdadeiro alívio, a verdadeira paz, vem quando a pessoa se alinha com o Evangelho e tenta viver patristicamente.

 O objetivo é como estar em paz no Paraíso, e não como estar em paz na terra. Existem alguns Pais Espirituais que facilitam para os pensamentos dos demais, e as pessoas exclamam, “O Pai Espiritual me concedeu uma grande paz interior”, mas, infelizmente, elas permanecem sem se corrigir. De fato, esses Pais Espirituais deveriam ajudar as pessoas em suas faltas, ajudar a corrigir essas faltas e guiá-las daí por diante em suas vidas. Somente assim virá a verdadeira paz. Deixar as pessoas em paz com suas paixões não ajuda; para mim, é um crime.

 Quando um Pai Espiritual é chamado para ajudar duas pessoas que têm uma relação, ele deve se comunicar com ambas. Por exemplo, quando ele ouve os pensamentos de duas pessoas que têm diferenças, ele deve conhecer ambas as almas, por certamente cada pessoa apresentará a situação conforme seu entendimento. E ele só deve concordar em resolver suas diferenças se elas concordarem em resolvê-las conforme o Evangelho; pois qualquer outra solução não passará de uma constante dor de cabeça a requerer mais e mais aspirinas. Ele deve colocar cada pessoa em seu lugar, e não justificar nem uma, nem outra. Ele deve apontar as faltas a cada uma, conduzir cada uma a um ponto de equilíbrio; e assim elas concordarão e chegarão a um entendimento.

 Meu único bom atributo é esse: eu nunca justifico ninguém, mesmo quando a pessoa não está em falta. Por exemplo, quando as mulheres vêm a mim e dizem ter problemas com sua família e que seu marido está em falta, eu as repreendo. Quando o homem vem se queixar da esposa, eu repreendo o homem. Eu não facilito para ninguém, eu não alivio suas consciências, mas, ao contrário, eu aponto suas faltas e fraquezas. Eu digo a cada pessoa o que for preciso para ajudá-la. De outro modo, a pessoas saem em paz, mas quando chegam em casa a batalha recomeça. “Ele estava certo quando me falou a seu respeito!”. “E você sabe o que ele me disse de você?”. O que eu quero dizer é que eu nunca facilito com as paixões das pessoas. Eu prefiro repreendê-las fortemente – para seu próprio bem, é claro – mas pelo menos a pessoa sai daqui em verdadeira paz consigo e com os demais. Elas podem achar que o remédio foi um pouco amargo, mas por dentro elas entendem que o medicamento foi mais amargo para mim do que para elas; e elas sentem o amor que me levou a repreendê-las.

 - Geronta, certas pessoas sentem mais segurança quando você as repreende.

 - Sim, porque eu não repreendo alguém secamente, sem explicar. Eu aponto suas boas qualidades, para que elas possam desenvolvê-las mais tarde, assim como as faltas que elas devem corrigir. Mas quando você não lhes fala a verdade, chega um ponto em que elas enxergam através da lisonja e se desesperam.

  

Tratando de casos de desespero

 Um jovem muito agitado veio a mim e me disse, “Geronta, eu sou um caso perdido, eu sou incorrigível. Mesmo meu Pai Espiritual me disse que essas coisas são hereditárias...”. ele estava sobrecarregado com sentimentos de desespero. Quando as pessoas me dizem que têm problemas, eu digo a elas, “Isso acontece por tal e tal razão; para mudar, você deve fazer isso e aquilo”. Por exemplo, alguém tem um dado pensamento que o perturba e ele não pode dormir; ele toma pílulas para a cabeça e para o estômago, e me pergunta, “Devo parar de tomar as pílulas?”. Eu responde, “Não, não pare de tomar as pílulas. Primeiro se livre dos pensamentos que o perturbam e então poderá se livrar das pílulas. Se você não rejeitar tais pensamentos, você continuará atormentado”. Pois, que vantagem haveria em não tomar as pílulas e continuar com pensamentos tormentosos?

 É bom quando o Pai Espiritual não chega ao ponto de desistir; ele deve ser um pouco tolerante com a situação, mas, naturalmente, a pessoa deve trabalhar diligentemente para ajudar a si mesma. Certa vez um jovem foi estúpido com sua noiva – quem sabe o que ele disse a ela? – e ela, indignada, tomou o carro e saiu dirigindo, e morreu num acidente na estrada. Depois dessa tragédia, o jovem queria cometer suicídio porque se sentia responsável pela morte da noiva. Quando ele me disse isso, ainda que ele achasse que fizer uma coisa terrível, um crime, eu o consolei e o trouxe a si para que parasse de pensar em suicídio. Depois disso, por sua vez, ele foi para o outro extremo e se tornou totalmente indiferente, e nesse meio tempo arrumou outra namorada. Quando ele voltou para me ver, depois e dois anos, eu estava preparado para lhe dar uma boa sacudidela, porque já não havia perigo de que cometesse suicídio. A sacudida era necessária para tirá-lo de sua indiferença e fazê-lo encarar a realidade,. “Você não entende que você essencialmente cometeu um assassinato, que foi você a razão da morte de sua noiva?”. Se ele tivesse trabalhado corretamente sobre si mesmo, ele teria seguido perturbado com o acidente, mas teria recebido uma medida de consolação divina; ele não teria chegado a um estado de indiferença irresponsável.

 Essas situações requerem muita atenção e vigilância. Alguém comete um erro e entra em desespero. Você deve consolá-lo imediatamente, mas, para prevenir prejuízos futuros, ele deve desenvolver um senso de philotimo. Certa vez um jovem veio à minha Kalyvi Panagouda desesperado, porque tinha se tornado vítima de um pecado carnal e não conseguia se libertar de sua paixão. Ele estivera com dois Pais Espirituais que tentaram ajudá-lo de maneira estrita a perceber o quão seria era essa paixão. Em desespero, o jovem raciocinou, “Uma vez que eu sei que o que faço pecado e que eu não consigo parar com isso, eu vou romper com Deus”. Quando eu ouvi seu problema, eu senti sua dor e lhe disse, “Veja, meu bom amigo, não comece sua luta com coisas que você não pode fazer, mas com coisas que você pode fazer. Vejamos do que você é capaz, e comecemos por aí. Você pode ir à Igreja todo Domingo?”. “Sim, eu posso”, ele disse. “Você pode manter um jejum toda Quarta e Sexta?”. “Eu posso”. “Você pode dar para a caridade um décimo do seu salário, talvez visitar alguém doente e ajudá-lo?”. “Posso”. “Você pode orar toda noite, mesmo tendo pecado, e dizer ‘Senhor, meu Deus, salve a minha alma’?”. “Farei isso, Geronta”, ele me assegurou. Então eu lhe disse, “Comece hoje a fazer todas essas coisas que você pode, e o Deus Poderoso cuidará das coisas que você não pode fazer”. O pobre rapaz se foi em paz, e repetia constantemente, “Obrigado, Padre”. Ele tinha philotimo, e o Bom Deus o ajudou.

  

Severidade com o impudente, leniência com os que possuem philotimo

 Se alguém deseja viver virtuosamente, mas não foi ajudado na sua infância, não é lisonja falar das suas boas qualidades, porque desse modo ele pode ser ajudado e mudar, uma vez que ele está autorizado pela ajuda divina, por não ter recebido auxílio quando criança. Certa vez eu disse a uma pessoa, “Você é um bom homem. Mas as coisas que você faz não são dignas de você”. Eu disse isso porque eu percebi seu “bom campo” e a “má semente” que ele havia plantado ali. Eu percebi que por dentro ele era um bom homem e que qualquer mal que tivesse feito lhe era externo. Eu não disse, “Você é um bom homem”, com o intuito de lisonjeá-lo; eu disse para ajudá-lo, para motivar seu philotimo.

 Algumas pessoas têm a seguinte regra: independente de que alguém possua ou não um dom, elas sempre dizem, “Você não possui um dom”, presumivelmente para evitar que a pessoa se prejudique com o orgulho. Em outras palavras, tudo é nivelado. Mas quando alguém se desespera pelo mal que fez e também se desespera com a falsa ideia de que não possui nada de bom, nem dom algum, como poderá ele ser encorajado a lutar com vontade? Em contraste, se você lhe apontar seus bons atributos e cultivar seu senso de philotimo e nobreza, ele será ajudado, crescerá e fará progresso espiritual.

 Agora, como regra, quando eu vejo que alguém tem um dom ou está progredindo em sua luta, eu direi isso a ele. E quando eu vejo algo fora da linha, eu deixo. Eu não creio que a pessoa será prejudicada de um ou outro modo, porque amos contêm amor. Se alguém for prejudicado pelo meu comportamento, isso significa simplesmente que ele tem um parafuso a menos. Por exemplo, se o ícone que uma Irmã pintou for bom, eu lhe direi que é bom. Mas se eu perceber que ela ficou orgulhosa e começa a se tornar impudente, eu a colocarei no seu lugar. Naturalmente, se ela se tornar orgulhosa, seus ícones se tornarão caricaturas, e nesse caso ela sofrerá outro revés. Se ela se tornar outra vez humilde, ela reassumirá seu bom trabalho. Eu não vou me agradar do seu comportamento doentio e superficial. Eu não suporto coisas desconexas e deformadas; eu vou ajustá-las até que elas cheguem à sua forma e lugar corretos. Devo eu encorajar condições espirituais doentias e desconexas?

 - Geronta, como é possível ajudar uma pessoa impudente que se torna mais impudente quando recebe atenção?

 - Deixe-me lhe dizer. Quando eu vejo quem a pessoa não é ajuda com a minha preocupação, minha ternura e amor, eu digo a mm mesmo que eu não tenho nada a fazer ali, e me obrigo a não tratá-la com doçura. Normalmente, quanto mais gentileza é mostrada a você, mais você pode ser transformada com um coração contrito e humilhado.

 Eis o que aconteceu no passado com alguém: no começo eu me vi obrigado a lhe contar certos eventos divinos que eu experimentei, para ajudá-lo. Ao invés de ficar comovido e dizer com espírito contrito, “Oh, meu Deus, o que posso fazer para merecer tal consolação?”, ele se tornou ambicioso e começou a agir com impudência. Então eu adotei uma postura severa para com ele, dizendo a mim mesmo, “Eu o ajudarei à distância com minhas orações”. Eu decidi fazer isso não porque não o amasse, mas porque seria mais útil para ele.

 - Geronta, e se ele percebesse seu erro e pedisse perdão?

 - Isso seria bom, ele poderia vir a entender. De outra forma, ele não será ajudado pelo meu philotimo. Eu não poderei dar uma resposta adequada e não conseguirei me relacionar diretamente com ele. Quando a outra pessoa é devota, humilde e não tem impudência, também você pode agir com simplicidade. Exteriormente, eu trato todo mundo com desembaraço e simplicidade. Eu não sou reservado, evitando assim que os demais sejam audaciosos e se prejudiquem. Eu me doou por inteiro para ajudar a outra pessoa a se revelar num ambiente amoroso, e eventualmente eu aponto suas faltas. Dependendo de sua idade, eu considero cada pessoa como meu irmão, meu pai ou meu avô. Eu criou dia de sol para obrigar as cobras, os escorpiões, os besouros – as paixões – a sair para a luz, e então eu o ajudo a matá-los. Mas se eu noto que ele não apreciou isso e que meu comportamento não está ajudando, mas, ao contrário, que ele está explorando minha simplicidade e verdadeiro amor e se tornando impudente, então eu gradualmente me afasto para que ele não se torne ainda mais impudente. Mas no começo eu me dou por inteiro, e é por isso que eu tenho uma consciência leve.

 Certa vez no Mosteiro de Stomion eu tomei um jovem e o ajudei a se tornar carpinteiro. Eu o tratei com gentileza como um irmão. Mas eu comecei a perceber certas coisas que não eram boas e não gostei daquilo. Então eu lhe perguntei, “Que horas são?”. E ele respondeu, “O relógio está à mesma distância da sua mente”. Então eu disse para mim mesmo, “Não posso continuar por esse caminho. Vou retirar gradualmente ‘minha mente’, porque ele não está tendo benefício”. Normalmente, se essa pessoa tivesse philotimo, ela seria comovida pelo modo como eu a estava tratando. Mas eu percebi que ele não estava me entendendo. Depois disso, ele se foi por conta própria; eu não o expulsei. Você, tolerância e amor tornam o impudente mais impudente, e a pessoa que tem philotimo ganha mais philotimo.

  

A gentileza prejudica o que não se arrepende

 - Geronta, eu me lembro que uma vez você me repreendeu duramente.

 - Foi necessário, e o farei novamente, para que possamos ganhar juntos o Paraíso. Às vezes tenho que tomar medidas draconianas! Veja, eu sigo a seguinte regra: eu tento ajudar a pessoa antes de realizar o que ela necessita criticando-a, e depois a repreendo. Estarei agindo certo? Porque eu repreendo a pessoa quando eu vejo que ela cometeu um sério pecado, eu me torno um mau menino. Mas o que eu posso fazer? Devo facilitar para ela em sua paixão, para ficar em bons termos com ela, e irmos para o Inferno juntos? Minha consciência nunca me censura quando eu admoesto alguém ou faço alguma observação que a deixa triste, porque eu faço isso por amor e para seu benefício espiritual. Eu vejo que ele não percebe o quanto ofendeu a Cristo com o que fez, e eu o admoesto. Claro, eu sofro e meu coração fica partido e contrito ao mesmo tempo, mas minha consciência não me perturba por tê-lo repreendido. Eu posso receber a Santa Comunhão em paz, sem a Confissão. Eu sinto consolo e alegria interiores. Para mim, o consolo e a alegria são a salvação da alma.

 - Geronta, ocorre-me o pensamento de que você está tentando me com solar, porque eu não consigo manter a austeridade, ou porque eu não fiz o que você me ordenou várias vezes, caso em que você me abandonou.

 - Abençoada alma, você acha que eu iria brincar com a salvação de uma alma? Os jovens ensaiam. Mas os adultos têm julgamento e procedem retamente. Tenha certeza: se eu notasse algo errado de perto ou de longe, eu diria a você. Você deve ter confiança e ficar em paz. Ou você não me entendeu? Você acha que eu não levei seus pensamentos a sério? Quando eu vejo uma alma sensível ou uma que está afogada numa profunda consciência de sua falta, o que posso eu dizer? Então eu tento consolá-la, para que ela não se desespere. Mas quando vejo alguém que tem um coração de pedra, então eu falo severamente, para sacudi-lo. Se alguém está subindo um morro e eu lhe digo, “Vá em frente, você está na trilha”, será isso um crime? O ruim com algumas pessoas é que elas não acreditam em você quando você lhes dizem para não se preocupar, e continuam atormentadas. Mas, se eu vejo algo errado, como não falar? Como você pode permitir que alguém vá para o inferno? Quando você tem senso de responsabilidade, você dirá o que for necessário. Pessoalmente, é mais fácil ficar em silêncio, mas não posso fazê-lo porque tenho responsabilidade.

 E é preciso tomar cuidado com o seguinte: digamos que você fez algo de errado comigo, mas eu perdoei. Você faz de novo, e eu perdoo novamente. Eu estou certo; minha consciência está limpa; mas se você não se corrige porque eu continuo perdoando, isso se torna sério. É outro assunto quando você é incapaz de se corrigir por completo. Mas você deve tentar se corrigir, na medida do possível. Não alivie sua consciência, dizendo: “Como ele me perdoou, eu estou bem; não está mais na minha consciência; quem se incomoda? Sem preocupações”. Alguém pode ter cometido um erro e se arrependido, chorou com dor em seu coração e pediu perdão, continuando sua luta para se corrigir e progredir. Nesse caso, existe a consciência, o conhecimento da falta, e o Pai Espiritual deve perdoá-lo. Mas se ele não se arrepende, mas continua seu velho caminho, o Pai Espiritual tem a responsabilidade sobre essa alma, e não pode sentar-se e sorriu. A gentileza prejudica o impenitente.

  

Respeito pela liberdade dos demais

 - Geronta, é possível que alguém esconda propositadamente um pecado de seu Pai Espiritual?

 - Sim, mas mesmo que o Pai Espiritual saiba desse pecado escondido ou entenda alguma coisa, não há vantagem que ele fale algo, nem será benéfico para o penitente que ele diga. Muitas vezes eu vi pessoas numa luta pessoal, eu supus ou sabia o que tinha que ser feito, mas, por respeito, eu nada disse, a menos que a pessoa se revelasse. Eu considerava isso como matéria de compulsão, ou desonra, se eu lhe dissesse qualquer coisa quando ele próprio não queira falar a respeito. É uma questão delicada; você não quer desgraçar a pessoa. Você não quer forçá-la; deve haver liberdade de escolha. Mas se eu vejo que ele está em perigo e que não há outra maneira de ajudar, ou que ele ignora o perigo e poderá se destruir, então eu encontrarei um modo de lhe falar.

 É melhor dar à outra pessoa a chance de entender sua falta, quando ela pergunta, e deixar que ela ataque seu velho “eu”, porque será menos dolorido para ela desse jeito. Você vê, mesmo uma criança, quando comete cai sozinha, chorará menos do que se for empurrada por outra. Porque, para que uma pessoa aconselhe outra a respeito de algo, é preciso que a que recebe o conselho seja humilde, e que o que dá o conselho seja dez vezes mais humilde, e que tente aplicar o conselho sobre si mesma. Eu mesmo tenho que ser capaz de exercer sobre mim um esforço maior do que o que eu demando da pessoa que eu aconselho; e, mesmo assim, eu pensarei duas vezes sobre quando ou não dar conselhos.

 Claro que a correção deve ser sempre dada a uma pessoa que você conhece e que é próxima. O Pai Espiritual saberá que direitos lhe foram dados pela outra pessoa e que responsabilidade ele tem sobre ela, e agirá de acordo. Quando ele assume a responsabilidade por uma alma. Ele é obrigado a censurá-la, mas com discernimento. Não ajuda se ele assumir o papel de professor e censurar a outra pessoa, se não lhe foi dado esse direito. É como esse alguém viesse à minha cela e começasse a mexer nas coisas, colocando minha lâmpada de vigília aqui, a cama lá, pendurando meu kombosquini em outra parte, sem me perguntar.

  

O amor do Pai Espiritual pelo penitente que confessa

 O Pai Espiritual cheio de Graça ama e sente dor pela alma, porque ele sabe seu grande valor. Ele a ajuda em seu arrependimento, a ilumina pela confissão, liberta-a da ansiedade e a conduz ao Paraíso. O confessor é chamado de “Pai”; ele deve tentar ser um pai verdadeiro, admoestando com amor divino e afeto. Ele deve se colocar no lugar de cada pessoa que chega para se confessar e ser capaz de experimentar sua dor, para que o penitente veja essa dor refletida na face do Pai Espiritual. Isso é particularmente necessário nos tempos atuais, quando as pessoas precisam de água fresca, não de vinagre amargo. Hoje, muitas pessoas, sob a influência de ataques demoníacos, acham difícil aceitar conselhos espirituais. É por isso que mesmo as reprimendas devem ser feitas com amor; é preciso apontar as faltas das pessoas com um sorriso ou uma brincadeira.

 O amor pode ser sentido, enquanto as paixões da alma traem a pessoa. Onde não existe amor, uma observação crítica pode ser feita de maneira exterior e polida, mas a pessoa reage mal quando detecta apenas o comportamento humano. Por outro lado, quando a reprimenda é feita com dor e amor, a pessoa pode sentir a dor na superfície, mas nas profundezas de sua alma ela não será ferida, porque está consciente da presença do amor. Eu conheço um Pai Espiritual que é especialmente corpulento – claro que é seu tipo físico, mas ele   também não é muito cuidados com o que come – mas você não imagina quanta dor ele sente pelos demais, o quanto se preocupa por aqueles que estão sofrendo. Ele possui humildade, ainda que não seja um asceta; mas, ao mesmo tempo, ele é ilimitadamente afetuoso; e muitas pessoas sentem mais conforto verdadeiro e paz na presença desse Pai Espiritual corpulento do que diante de outros que sejam mais ascéticos.

 Um Pai Espiritual que não esteja disposto a penetrar até no inferno por amor aos seus filhos espirituais, não é um Pai Espiritual.

  

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[1] O termo logismos (razão, pensamento) nos escritos ascéticos, denota tanto um simples pensamento que atravessa a mente, ou uma emoção da alma dirigida para o bem ou para o mal, como uma tendência boa ou má, adquirida com a ajuda da mente, da consciência, das emoções e da vontade. Uma vez que o pensamento precede toda ação, a luta de todo fiel, e em primeiro lugar de todo monge, para ser autêntica, requer uma vigilância constante e um exame desses pensamentos, de modo a cultivar os bons e descartar os maus.

[2] Cf. IV Macabeus 3: 5 LXX.

[3] Cf. IV Macabeus 5:1 LXX.

[4] João 7: 24.

[5] Cf. I Coríntios 6: 19, 3: 16.

[6] Zelo.

[7] A Escola Athonias foi estabelecida em 1748 no Monte Athos como uma Academia de estudos Gregos. Hoje ela funciona como uma Universidade Ortodoxa sob jurisdição da Igreja.

[8] Dentre as histórias dos monges dos primeiros tempos, conta-se essa: um conhecido gatuno, que pretendia roubar um convento bem guardado, vestiu-se de monge e pediu abrigo ali. A Abadessa e todas as monjas o receberam com grande respeito como se fosse um Pai. Todas as monjas buscavam receber sua bênção: elas lavaram seus pés e aguardaram a água como se fosse benta. Uma monja paralítica, que com grande fé foi banhada com essa água, foi curada e chegou a andar para receber sua bênção, para espanto geral. Vendo esse milagre, o ladrão se transformou, arrependeu-se, jogou fora a espada que escondia sob o hábito, e, junto com seus companheiros, tornou-se monge naquele mesmo instante, e todos viveram monasticamente e cheios de fé pelo resto da vida. (D. Tsamis, Miterikon, vol 3, Thessaloniki 1992, pgs. 18-24).

[9] Pão de milho.

[10] Uma habitação que inclui duas ou três celas e uma pequena Capela, tudo pertencente a um dos vinte Mosteiros maiores da Montanha Santa.

[11] Lucas 23: 39.

[12] Lucas 23: 41.

[13] Neleos Kamarados, que viveu em Constantinopla por volta de 1880, foi um músico prolífico que estudou a teoria do canto bizantino e se distinguiu como um dos maiores cantores da Igreja.

[14] O nartex interior das igrejas monacais, o espaço entre o nartex e a nave da igreja. O nome provém do breve ofício chamado Litía, que é cantado nessa área da igreja nas grandes festas durante a vigília noturna, e que consiste em hinos e de uma “grande litania” de petições e súplicas.

[15] Ver São Gregório Dialogista, Evergetinos. Vol. I, Capítulo 35, ed. Mathew Lagges, Atenas 1980, pg. 510.

[16] Esse é o termo pelo qual o Ancião designa o diabo.

[17] Ver Santo Isaac o Sírio, The Ascetical Homilies, Apêndice B: Epistle do Abba Symeon, pg. 433, tr. Mosteiro da Santa Transfiguração, Boston, Massachusetts, 1984.

[18] A linha de abertura do Irmos da Primeira Ode do Cânone do Hino Akathisto.

[19] “É justo em verdade glorificar-te, ó Mãe de Deus...”.

[20] Festa em 2 de Outubro.

[21] Festa em 28 de Agosto.

[22] O deserto interior na região nordeste da Arábia.

[23] Sayings of the Desert Fathers, Abba Macarios o Grande, 22, pg. 11, trad. Benedicta Ward, Mowbrays, London & Oxford, 1977.

[24] Uma Kelli (cela) é uma habitação monástica autossuficiente constituída por uma edificação com uma Capela e os terrenos adjacentes. Geralmente ela é situada perto de um Mosteiro e depende dele; ela não pertence a uma Skete, e é maior do que uma Kalyvi. Quando a palavra “cela” for escrita com ‘c’ minúsculo nesse livro, ela se refere ao quarto privativo de um monge.

[25] Salmo 149: 6.

[26] Cf. Mateus 14: 28-31.

[27] Respondendo a uma monja.

[28] Salmo 50: 12 (LXX).

[29] Mateus 15: 19.

[30] Lucas 6: 45.

[31] Uma coletânea de ensinamentos e narrativas de vários Santos Padres, composta no século XI pelo Monge Paulo, fundador e abade do Mosteiro de Panaghia Evergetinos em Constantinopla.

[32] Lucas 16: 25.

[33] O humanismo – que coloca no centro a pessoa humana autônoma, cortada de Deus e da Igreja – desenvolveu-se no Ocidente depois da Idade Média.

[34] E, q950, quando Pai Paisios chegou pela primeira vez no Monte Athos e buscava o caminho que levava de Kavsokalyvia à Skete de Santa Ana, ele encontrou um anacoreta: “Com o rosto brilhante – cerca de setenta anos de idade – por suas roupas ele parecia não ter contato com outras pessoas. Por essa indicação, ele parecia um santo!” (Pai Paisios do Monte Athos AThonite Fathers and Athonite Masters, ed. Holy Hesychasterion Evangelista João o Teólogo, Souroti, Thessaloniki, 1993, pg. 61f.). Quando perguntou ao eremita onde ele vivia, ele replicou: “Em algum lugar por ali”, e apontou o cume do monte Athos. Mais tarde, Anciãos experimentados confirmaram a ele que doze anacoretas viviam na obscuridade nas alturas do Monte Athos.

[35] Diz-se dos monges que vivem separados, que possuem bens, que trabalham individualmente e se autossustentam, e que, embora sendo membros de um mosteiro supervisionado por um conselho eleito, não estão sob supervisão diária direta.

[36] 1956-1958.

[37] O deserto de Vigla fica na região sudeste do Monte Athos.

[38] Salmo 25: 7.

[39] A pessoa responsável pela ordem correta dos Ofícios Sagrados do culto comum, e por toda a organização eclesiástica.

[40] O termo “direitos” em linguagem monástica indica a tendência do monge em “exigir seus direitos”, ou seja, justificar a si mesmo e pedir a satisfação de qualquer desejo autocentrado seu.

[41] Cf. Evergetinos, vol. 1, Hipótese 1, Pg. 54f.

[42] Na linguagem monástica ascética, o termo “esforço” (gr. prospátheia) implica uma preocupação apaixonada com algo, ou uma tentativa de satisfazer algum desejo egoísta.

[43] No passado, na Grécia, um tsaousis era o líder de um grupo com autoridade política e militar.

[44][44] Os anciãos recebiam os visitantes em suas Kalyvi, exceto no inverno, quando as recebiam no pátio, e utilizavam cepos de madeira como assentos, que tinham que ser levados de um lado o para outro conforme a necessidade.

[45] Santo Isaac o Sírio, Homilias Ascéticas, Homilia 72.

[46] São Gregório de Nissa, Sobre a Oração 2, PG 44,1141ª.

[47] São Marcos o Asceta, “Sobre aqueles que pensam se tornar justos por suas obras”, cap. 215, Filocalia, Vol. 1.

[48] Ditos dos Padres do Deserto, Abba Alonios, 3.

[49] Um demônio archikon é um dos que possuem um cargo diretivo e hegemônico entre os demônios. De acordo com os Padres da Igreja, os demônios estão classificados em legiões.

[50] Mateus 12: 45.

[51] Salmo 50, 19 (LXX)

[52] Uma pequena caixa contendo relíquias de santos ou algum outro objeto sagrado, para proteger do diabo aquele que a possui.

[53] É assim que os moradores de Pharasa chamavam Santo Arsênio da Capadócia, depois de sua peregrinação à Terra Santa. A palavra se compõe de “Hadji” (peregrino) e “Ephentis” (pessoa com autoridade).

[54] São Paísios costumava dizer que um psicopata necessita ajuda médica de um bom e fiel psiquiatra cristão, e o auxílio espiritual de um Pai Espiritual, enquanto que um possesso, na medida em que ainda tem sua racionalidade intacta, deve procurar de que moído ele pecou para se tornar possuído pelos demônios, arrepender-se e confessar-se para se ver livre dos demônios.

[55] Ele queria dizer, o0 diabo.

[56] O terço de oração usado pelos Ortodoxos.

[57] O Mosteiro onde ele havia recebido a tonsura.

[58] O edifício em Karyes, capital do Monte Athos, era a “Santa Comunidade”, o corpo administrativo da Montanha Santa, formado por vinte membros, representantes dos vinte Mosteiros que os elegiam a cada ano.

[59] 2 Timóteo 3: 13.

[60] Salmo 50: 3.

[61] Coleção de Cânones da Igreja Ortodoxa, contendo os Cânones dos Concílios Ecumênicos, os Cânones Apostólicos e os Cânones dos Santos Padres, com uma breve interpretação. Foi compilado em 1793 pelo Hieromonge Agapios e por São Nicodemos da Montanha Santa.