domingo, 15 de novembro de 2015

Elisabeth Behr-Sigel - A Prece de Jesus: O mistério da Espiritualidade Ortodoxa

A PRECE DE JESUS: O MISTÉRIO DA ESPIRITUALIDADE ORTODOXA
Elisabeth Behr-Sigel



1. A obra espiritual

Um dos elementos mais importantes de toda regra de oração monástica na Igreja ortodoxa é a “Prece de Jesus”, também chamada simplesmente de “prece” ou então de “ação espiritual”. Sua forma exterior – podemos dizer sua “matéria” – consiste na repetição tão frequente quanto possível do Nome de Jesus Cristo, associado à oração do cobrador de impostos[1], nos seguintes termos: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim pecador”. Sua essência espiritual consiste na “descida do intelecto ao coração”, desembocando, por meio da purificação do pensamento e da lembrança constante de Jesus Cristo, na iluminação do homem interior pela graça divina e na tomada de consciência da habitação mística aí do Espírito Santo.

A prática desta oração é uma tradição antiga e venerável da Igreja do Oriente. Ela provém de uma corrente espiritual que remonta aos Padres do deserto e da qual os ensinamentos dos grandes pensadores cristãos dos séculos III e IV formam a expressão teológica.

Pouco ou nada conhecida no Ocidente, essa grande tradição mística, que de certa forma constitui a alma da teologia oriental, suscitou não obstante pesquisas e trabalhos interessantes. Mas esses estudos, escritos por especialistas da literatura patrística grega geralmente ignoram as formas mais recentes com as quais a antiga tradição se revestiu no seio das Igrejas eslavas e gregas modernas, esta tradição viva fora da qual os textos antigos permanecem muitas vezes incompreensíveis. É assim que o Pe. Hausherr escreveu: “A questão do Hesiquiasmo não apresenta somente um interesse histórico – de resto, suficiente para merecer a atenção dos pesquisadores nestes tempos de renovação dos estudos ascéticos e místicos – como também ela não perdeu sua atualidade no Oriente ortodoxo. Alguns estimam inclusive que, de todas as questões cujo estudo se impõe a quem se preocupa com o futuro religioso grego ou eslavo, esta é a mais importante”. Nós acrescentaremos que a literatura ascética e mística russa, que poderia fornecer ensinamentos preciosos sobre a permanência e a renovação da prática da prece espiritual, permanece quase que totalmente desconhecida do Ocidente.

É preciso saber que a obra divina da santa prece espiritual consistiu na ocupação constante de nossos antigos padres teóforos e que, como o sol, ela resplendeceu em meio aos monges, bem como para inúmeros eremitas e em mosteiros onde se praticava a vida em comunidade, no Monte Sinai, entre os solitários do Egito e do deserto nítrico, em Jerusalém e nos mosteiros situados nas suas imediações, em resumo, por todo o Oriente, em Constantinopla, no Monte Athos, nas ilhas do Arquipélago e enfim, nestes últimos tempos, pela graça de Cristo, na Grande Rússia.

É com essas palavras que se inicia o primeiro dos Capítulos sobre a prece espiritual do grande estaroste russo do século XVIII, santo Paisi Velitchkovsky. Assim, pelo testemunho de um dos mais zelosos promotores da “prece espiritual” do monarquismo russo dos tempos modernos, a prática desta oração remonta à mais alta antiguidade cristã e fez parte do patrimônio sagrado da tradição ortodoxa. Com sua obra literária, são Paisi e seus discípulos se propunham levar ao conhecimento dos monges eslavos os textos patrísticos gregos referentes à “Prece de jesus”, e a provar com isso que seus adeptos não eram novidadeiros, mas que ao contrário retomavam uma tradição antiga e venerável da Igreja. Tal foi, em particular, um dos objetivos que eles visavam ao traduzir a famosa Filocalia dos Padres népticos, que foi, durante a primeira metade do século XIX, junto com a Bíblia e a Grande Menologia (Vida dos Santos) de são Dimitri de Rostiv, o alimento espiritual preferido dos monges russos. A escola de Paisi não fazia senão continuar a obra iniciada no século XVI por são Nilo Sorsky, primeiro escritor religioso russo no qual encontramos uma exposição sistemática da “obra espiritual”.

Não devemos porém esquecer que a tradição da Prece de Jesus é antes de tudo transmitida por um ensinamento oral direto. Um pouco afastado dos grandes centros monásticos russos, mas sempre em íntima relação com eles, costumava ficar uma poustinia, um eremitério ou skete, nome dado a um pequeno grupo de celas isoladas onde viviam alguns monges soba a direção de um “ancião”. Ali, longe do barulho dos peregrinos e da vida comum do mosteiro, um ou diversos solitários se dedicavam à obra espiritual. Só eram admitidos uns raros visitantes leigos e alguns jovens monges que tivessem ouvido o “chamado da solidão”. Eles recebiam dos anciãos a iniciação à prece espiritual, iniciação sempre muito pessoal, adaptada ao temperamento ou ao grau de maturidade espiritual do discípulo, todos os estarostes russos, de Paisi Velitchkovsky a Teófano o Recluso, sempre insistiram na necessidade, para os que pretendem se engajar no caminho da prece contemplativa, de se socorrerem de um mestre experiente e de seguir seus conselhos com espírito de total submissão. “Os santos Padres, diz o estaroste Paisi, dizem que esta prece é uma arte. A razão disso, me parece, é que, assim como é impossível a um homem instruir a si próprio numa arte sem receber as lições de um artista experiente, também é impossível se dedicar a esta obre espiritual sem um mestre experimentado”. Segue-se daí que todo conhecimento puramente livresco e racional da obra espiritual, que não seja acompanhado de uma experiência vivida na intimidade de um mestre espiritual, permanece esquemática e inadequada.

       2.  A invocação do Nome

Já definimos brevemente a “prece espiritual” como sendo uma invocação do Nome de Jesus Cristo realizada pelo intelecto (ou espírito) no coração. Devemos agora precisar o sentido desta definição.

O que se afirma, em primeiro lugar, é que o conteúdo objetivo essencial da oração é o Nome de Jesus Cristo. O estaroste Paisi, no capítulo V de seu opúsculo, a descreve como o fato de “trazer constantemente no coração o nome dulcíssimo de Jesus e ser inflamado pelo chamado incessante de seu Nome bem-amado com um inefável amor por ele”. É notável que esta definição estabeleça uma ligação estreita entre o “Nome” e a “Pessoa” de Jesus Cristo. Invocar o Nome equivale a trazer a Pessoa em si. O poder do Nome é o próprio poder de Cristo. O fogo de sua graça, revelando-se no Nome do Senhor, inflama o coração com um amor inefável e divino. Toda interpretação “psicológica” e “nominalista” é errônea. A Prece de Jesus não é um exercício com vistas a criar, por meio de uma repetição mecânica, uma espécie de monoideísmo psicológico. Tampouco se trata de montar um mecanismo psíquico, mas de liberar uma espontaneidade espiritual, este “grito do coração” que faz jorrar como de uma fonte de água viva a presença do Senhor, comunicada pela pronúncia do Nome Divino. O Nome de Cristo é, portanto, aqui, muito mais do que um simples signo. Ele é um símbolo, se por este termo designarmos aquilo que representa um instrumento de comunicação real face ao objeto significado. Ele revela o Verbo divino e o representa, ou seja, ele o torna presente de modo comparável àquele que um ícone, na Igreja ortodoxa, representa e atualiza para o crente o poder de Cristo e de seus santos.

Isto explica que para aqueles que zelam pela “prece de Jesus” a sua pronúncia seja de um lado o “meio” e de outro o próprio “fim” da vida espiritual. Ela é um meio, porque “as palavras são um auxílio para o espírito fraco que não consegue se fixar num ponto e sobre um único objeto”. O grande mal de que padece a humanidade decaída é a desordem interior, a dispersão dos pensamentos e dos sentimentos, que tornam o home incapaz de fixar seu espírito em Deus. A oração e, mais do que todas, a Prece de Jesus tende a recriar uma unidade espiritual, e isto não apenas por ser “o resumo em poucas palavras da essência da fé Cristã”, mas porque o Nome de Cristo comunica ao homem a força da graça divina, por meio da qual ele se torna capaz de expulsar as potências demoníacas cuja presença gera a desordem e a mentira. Chamando em seu socorro pelo Senhor Jesus na luta contra o inimigo e contra as paixões, o orante se torna testemunho da derrota destes diante do Nome terrível de Cristo e reconhece o poder de Deus e de seu socorro[2].

Mas se na luta contra as forças do Mal cuja obra consiste na desintegração espiritual do homem, a Prece de Jesus é um meio, um instrumento, ela encontra também em si mesma seu próprio fim. Como a realidade transcendente de Deus se revela e se comunica pelo Nome de Jesus Cristo, a finalidade consiste em se deixar absorver pela pronúncia deste, de deixar que este Nome, ou seja, que a Pessoa de Jesus, se aposse da totalidade do ser e em especial de seu coração, até que seu próprio batimento se torne prece e glorificação do Nome do Senhor. Enquanto a prece permanecer mecânica e cerebral ela não terá alcançado seu objetivo. É preciso que o espírito mergulhe de certa forma na prece, que ela se aproprie inteiramente dele a fim de que a irradiação do Nome divino penetre até as profundezas do ser e as ilumine. Este é o sentido das palavras misteriosas dos estarostes ao exortar seus discípulos a “fazer descer o cérebro até o coração”. Não se trata aqui de um esforço puramente intelectual de assimilação do sentido das palavras da oração, acompanhado de um certo calor emotivo. O Nome de Jesus Cristo contido na prece “traz” realmente consigo a presença de Deus. Abrir-se a esta “presença real”, a fim de que ela penetre nas profundidades mais íntimas de seu espírito e as ilumine, é nisto que irá consistir todo o esforço do orante.

Do ponto de vista subjetivo, ou seja, do ponto de vista da ascensão do homem, os estarostes costumam distinguir dois degraus na “obra espiritual[3]”. Assim, de acordo com o testemunho dos “antigos”, haveria, para o que se dedicam à “obra espiritual”, um primeiro período em que predomina o sentimento de um esforço pessoal e doloroso: esta é a prece “ativa” ou “laboriosa”. O segundo período é o da prece “espiritual” ou “carismática”, que também é chamada de “espontânea[4]” ou “contemplativa”.

 3. A prece ativa

Afirmar que nesta fase da obra espiritual predomina, ao menos aparentemente, o esforço da vontade humana, não significa que a graça esteja ausente. Mas esta, no mais das vezes, age sem que o homem esteja ciente disso. O homem pode trabalhar com o suor de seu rosto, e nem por isso seu trabalho lhe trará frutos. Sem dúvida foi por uma instigação da graça divina que o homem decidiu consagrar sua vida a Deus e aspirar ao dom da prece espiritual. Mas aquilo que lhe cabe para começar não passa de um trabalho fatigante, uma luta desigual contra as paixões, os maus pensamentos, o desânimo e a tristeza, luta na qual ele quase sempre é vencido e da qual sai extenuado, desencorajado pela visão deprimente de seus pecados e de sua impotência. Será este o sinal da ausência da graça divina? Não. Pois é exatamente por estes caminhos que ela quis conduzi-lo. “O caminho para a perfeição é o caminho que conduz à revelação de minha cegueira, de minha pobreza, de minha nudez e, indissoluvelmente ligada à consciência deste estado, à contrição espiritual, ao sentimento doloroso de nossa impureza, em outras palavras, ao arrependimento perpétuo[5]”.

Assim, nos umbrais do caminho que conduz aos graus supremos da prece mística, encontramos, segundo o ensinamento dos estarostes russos, o aprofundamento da consciência de nosso estado de pecado e a contrição por causa deste pecado.

Isso quer dizer que, para aqueles que zelam pela “prece espiritual”, a luta ativa contra o mal e as obras ascéticas propriamente ditas de nada valem? Absolutamente. A luta contra as paixões, os pensamentos vãos ou mais caracteriza precisamente a primeira fase da obra espiritual, a da “prece laboriosa”. Da mesma forma o ascetismo ocupa aí um lugar bem definido[6]. Sem dúvida, segundo dizem os Padres, mais vale cair e levantar, do que permanecer de pé e não se arrepender. Mas, por outro lado, é espiritualmente perigoso se dedicar à oração estando em pecado grave. Infeliz daquele que se compraz numa falsa quietude, confiando na ideia de que ninguém é capaz de viver sem pecar, seja voluntária, seja involuntariamente. É salutar para o homem, ao contrário, lutar virilmente contra o pecado até o esgotamento de suas forças. Depois de cair, ele se erguerá implorando humildemente o socorro da misericórdia de Cristo. Trabalhando e penando, ele estará realmente vivo e colocará em si o fundamento da vida nova. Portanto, não caberá aí nenhum quietismo, nenhuma preguiçosa passividade, mas ao mesmo tempo não caberá nenhuma confiança em si nem em suas próprias obras.

Teófano o Recluso foi quem expressou com mais clareza esta dupla e paradoxal exigência da obra espiritual: “Trabalhem até o esgotamento. Levem suas forças até o último grau, mas a própria obra de sua salvação, esperem apenas do Senhor. O Senhor deseja sempre tudo o que nos é salutar e está sempre pronto a nos conceder. Ele aguarda somente que nós estejamos prontos, ou que sejamos capazes de receber seus dons. É por isso que a questão: ‘Como aprender a me guardar?’, se transforma em: ‘Como estar sempre pronto para receber a força salutar que está sempre pronta a descer sobre nós vinda do Senhor?’. E a resposta a esta questão é: Abrir-se para a graça, saber-se vazio, desprovido de razão, sem forças; saber que somente o Senhor pode, quer e sabe preencher este vazio[7]”. E mais adiante ele escreve: “Ligar sua esperança, ainda que por um único fio de cabelo, a qualquer obra pessoal, já é desviar-se do caminho reto. Se vocês se retirarem para a solidão com o pensamento de que graças às suas metanias, à recitação das orações, às vigílias noturnas, tudo será mudado, o Senhor, deliberadamente, não lhes concederá a graça prometida até que se tenha evaporado toda esperança em suas próprias obras – embora, sem elas, vocês também nada possam receber[8]”. 

Assim, o esforço espiritual e os trabalhos ascéticos que o manifestam, não são fecundos a menos que conduzam à humildade, uma humildade ativa, que não se compraz no espetáculo da miséria do homem, mas que o conduz à sua obra essencial, aquela que é ao mesmo tempo a confissão de sua impotência e o sinal de sua esperança, a prece de todos os instantes: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador”. Para quem conhece sua própria miséria, ela já não é uma “obra meritória”, agradável a Deus, mas um grito do coração, de desespero e esperança, uma necessidade irresistível e perpétua de chamar Cristo em socorro de sua impotência na luta contra as forças demoníacas e as más inclinações de seu próprio coração, que se tornam seus cúmplices.

O espírito de obediência

Antes de falarmos da obra da prece propriamente dita, devemos mencionar ainda outra condição que, segundo o ensinamento dos “antigos”, devem cumprir aquele que aspira à prece espiritual. Trata-se da aquisição do espírito de obediência. A obediência de que se trata aqui não é a obediência hierárquica aos superiores. Ela consiste na submissão ao “pai espiritual”, livremente escolhido e a quem o noviço se entrega inteiramente, de corpo e alma. “Quem deseja fazer o aprendizado da obra divina deve, conforme as Escrituras, submeter-se à obediência de corpo e alma, ou seja, colocar-se sob as ordens de um homem temente a Deus, escrupuloso cumpridor dos mandamentos divinos e experiente na obra espiritual, renunciando totalmente à sua própria vontade e ao seu próprio julgamento[9]”. O ensinamento dos estarostes russos se liga aqui à doutrina ascética dos hesiquiastas gregos. Porém, mais ainda do que estes, eles acentuam o caráter livre e pessoal deste ato de eleição recíproca que implica a paternidade espiritual.

Qual é a finalidade dessa obediência ascética? Em primeiro lugar ela libera o noviço de todo cuidado a respeito de sua alma e de seu corpo e de toda ligação com um objeto qualquer, fazendo-o alcançar assim essa serenidade, essa leveza espiritual que são a condição da verdadeira liberdade. Somente quem renunciou à sua própria vontade, ou seja, à sua individualidade superficial, escrava dos elementos deste mundo, é capaz de concentrar suas faculdades sobre a prece interior.

O outro benefício da obediência consiste em preservar o noviço da precipitação que, levando-o a buscar prematuramente os estados místicos superiores, o faz tombar seguramente aquele que é vítima de tais embustes do Sedutor. Uma das causas essenciais do fracasso na obra da oração é, com efeito, o orgulho satânico daqueles que pretendem sondar, antes de serem chamados, os mistérios da graça. O único remédio eficaz para essa funesta impaciência é a submissão aos conselhos sábios de um “ancião” capaz de discernir o grau de crescimento espiritual daquele a quem ele guia e de fazê-lo avançar passo a passo no caminho da prece contemplativa.

A prática da prece

Até aqui falamos da atmosfera espiritual na qual deve ser realizada a obra da oração. Quanto à própria oração, aparentemente, ela parece não apresentar nenhuma dificuldade. Trata-se simplesmente de repetir, centenas, milhares de vezes: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador”. Mas, precisamente, essa simplicidade é a fonte de múltiplas tentações. As almas puras e toscas, como o peregrino dos Relatos, podem aí se comprazer e fazer rápidos progressos. Mas para a maior parte, ela causa desânimo e desencorajamento. A prece lhes parece um trabalho fatigante e estéril, ao qual o espírito tenta se furtar seguidamente.

Entretanto, não se trata de criar por meio da repetição um hábito puramente mecânico. Entre os adeptos da Prece de Jesus existe uma reação vívida contra o formalismo e o mecanicismo, que são as duas pedras de tropeço da prece monástica. Assim como a confiança excessiva nas obras exteriores, no ascetismo e nas mortificações, uma importância exagerada dada à quantidade na obra da oração é fonte de farisaísmo e de um vão contentamento de si. Contra os que creem poder se salvar pela observação de uma regra de oração mais ou menos longa, pelo canto dos salmos e dos tropários, contra os que, dedicando-se à obra espiritual, dão demasiada importância ao número de orações recitadas, eles afirmam que não é a quantidade, mas a qualidade da prece que importa.

“Não se inquietem com o número de orações a recitar, escreve igualmente Teófano o Recluso; que seu único cuidado seja que a prece brote de seu coração, viva como uma fonte de água viva. Expulsem inteiramente de seu espírito a ideia de quantidade[10]”. Esta exortação pode parecer paradoxal, pois, na prática da prece de Jesus, a repetição da mesma imploração desempenha certamente um papel essencial. Na realidade, esta, em si, não seria capaz de produzir outro efeito que não seja puramente psicológico e superficial. A oração não terá sido mais do que um fluxo de palavras vãs, se ela não for acompanhada daquilo que a linguagem ascética grega denomina “nepsis”, a “vigilância ou atenção”, unida à “sobriedade”.

A atenção espiritual

Em que consiste essa atenção espiritual? É preciso que no momento da oração o espírito “desça do cérebro para o coração”, e que ele “guarde o coração”. Os comentadores ocidentais costumam dar a essas expressões uma interpretação estreita e superficial. Referindo-se à descrição de uma certa técnica psicofisiológica que encontramos em muitos texto hesiquiastas e em especial no famoso Método da oração hesiquiasta[11], e ao conselho dado de concentrar a atenção sobre o lugar físico do coração, retendo um pouco a respiração e regrando o ritmo desta em relação ao ritmo da prece, alguns autores sérios  falaram a propósito da “guarda do coração” e da “onfaloscopia” vendo nelas uma das características essenciais da oração hesiquiasta.

Eles confundiram, na realidade, uma dada técnica exterior, cuja eficácia é aliás discutida, mesmo nos meios favoráveis à prece de Jesus[12], com o esforço espiritual que se supõe que ela deva sustentar. [13]Sua verdadeira razão de ser, com efeito, é de levar o orante a sentir, de uma maneira de certo modo física – por ser a autopercepção que temos de nós mesmos enquanto seres físicos diferente conforme a parte do corpo sobre a qual fixamos nossa atenção[14] – que o centro da personalidade se encontra, não no cérebro, ponto de intersecção das forças espirituais da pessoa com o mundo exterior, o mundo das coisas “suprapessoais”, mas no coração, ou antes, nas profundezas misteriosas do ser, das quais o coração físico é o símbolo.

O papel da técnica é, portanto, puramente instrumental, trata-se de um instrumento temível que o noviço só deve manejar colocando-se sob a direção de um mestre seguro e experiente. Não se trata de exagerar seu papel, nem de minimizá-lo sob a influência de algum neo-espiritualismo racionalista que nada tem de cristão. A atenção na prece, condição da “descida do intelecto ao coração”, é na realidade uma tensão do ser como um todo, afastando tudo o que poderia distraí-lo de sua obra essencial, a da oração, uma vigilância do espírito e do corpo  na espera do Deus vivo. Ela exige um esforço contínuo e consciente da vontade, arrastando consigo, pelos meios apropriados, a corporeidade pesada e recalcitrante. Ela comporta um duplo movimento, um de recusa e outro de aquiescência: recusa do mundo, por um lado (este termo designa aqui não a recusa do mundo físico em si, mas da “errância da alma no exterior, uma traição à sua própria natureza[15]”, sob a influência das potências do Mal), e, por outro, a aquiescência à vontade de Deus, que se transforma no dom de abandono a Ele. O Espírito “atento”, “sóbrio”, fechando-se às solicitações do exterior, se volta para os abismos interiores do coração, único lugar onde, na luz do Espírito Santo, pode se dar p encontro entre a pessoa humana e as Pessoas divinas. “O Senhor busca um coração cheio de amor por ele e pelo próximo – este é o trono sobre o qual ele ama sentar-se e onde ele aparece na plenitude de sua glória”, dizia são Serafim de Sarov.

Para melhor compreendermos a natureza da atenção, convém precisar o sentido dos termos “coração” e “espírito” (ou “intelecto”) na linguagem da mística da Igreja do Oriente. A palavra russa um, que traduzimos por “espírito” ou “intelecto”, corresponde ao nous grego. Ela designa não o intelecto no sentido estreito e racionalista do termo, mas o conjunto de faculdades cognitivas e contemplativas, a luz da razão e da consciência que faz do homem um ser pessoal e livre. Os padres gregos, e com eles os estarostes russos, identificam com frequência o espírito com a imagem de Deus no homem, para empregarmos uma terminologia mais moderna, poderíamos chamá-lo de consciência pessoal que ilumina todas as esferas da vida humana, concebida como um entrançado complexo de relações, com diferentes ordens de realidades.

Quanto ao “coração”, ele designa na Tradição oriental o centro do ser humano, “a raiz das faculdades ativas, o intelecto e da vontade, o ponto de onde provêm e para o qual converge toda a vida espiritual”. É a Fonte, obscura e profunda, de onde jorra toda a vida psíquica e espiritual do homem e por meio da qual este se aproxima e se comunica com a Fonte mesma da vida. Resulta daí que toda vida espiritual que não toca o coração não passa de ilusão e mentira, não possuindo nenhuma realidade ontológica, nenhuma raiz no Ser, e que toda conversação real deve começar pela do coração. Com efeito, nele está a fonte por meio da qual, pelo pecado original, a vida do homem se tornou viciosa e a lama se misturou com as águas límpidas. Mas “quando a graça retoma as pastagens do coração, ela reina sobre todas as partes da natureza e sobre todos os pensamentos. Pois o espírito e todos os pensamentos se encontram no coração[16]”.

Segundo santo Inácio Brianchaninoff, “a natureza espiritual do homem é dupla, seus dois polos são, de um lado, o “coração”, fonte dos “sentimentos” e das “intuições”, por meio dos quais o homem conhece a Deus diretamente sem a participação da razão. De outro lado, a “cabeça” (o cérebro), sede do pensamento claro da inteligência”. A integridade da pessoa humana reside na relação harmoniosa entre essas duas forças espirituais. Sem a participação da inteligência, as intuições do coração permanecem como impulsos obscuros. E da mesma forma, sem o coração, que é o centro de todas as atividades e a raiz profunda de sua própria vida, o espírito-intelecto é impotente.

Ontologicamente, a consequência essencial da Queda para o homem foi precisamente essa desagregação espiritual por cuja causa sua personalidade ficou privada de seu centro, e sua inteligência se dispersou pelo mundo que lhe é exterior. O lugar desta dispersão da personalidade pelo mundo das coisas é a cabeça, o cérebro, onde os “pensamentos turbilhonam como flocos de neve ou enxames de marimbondos no verão”. Por meio do cérebro, o espírito conhece um mundo que é exterior, ao mesmo tempo em que perde contato com os mundos espirituais cuja realidade é obscuramente pressentida por um coração cego e impotente. Para reconstruir a pessoa na graça, é preciso então encontrar uma relação harmoniosa entre o intelecto e o coração.

O silêncio da alma

O retorno consciente e voluntário do espírito-intelecto para os abismos do coração exige, no seu limite, a ruptura total com o mundo. Aquele que pretende se dedicar à obra espiritual deve afastar de si toda percepção exterior, “se desligar de todos os objetos visíveis (...) [e fechar] os olhos da carne[17]”. Tendo se tornado cego para o mundo, ele se tornará também “surdo e mudo[18]” pela renúncia, ao menos provisória, a toda conversação humana.

Mas o silêncio exterior não passa da preparação e o sinal de um silêncio da alma que é infinitamente mais profundo. Pois não são só as percepções sensíveis e as palavras articuladas que devem ser expulsas, mas todo desejo, todo pensamento, toda imagem, por santa que seja, em resumo, tudo o que atrai o espírito para “o exterior”, para fora deste lugar do coração onde ele não conhece mais do que sua miséria e o Nome que o salva. É deste silêncio de total despojamento que são Serafim de Sarov diz ser “uma cruz sobre a qual o homem se crucifica com todas as suas paixões e concupiscências”, um silêncio que é “paixão sofrida com Cristo” mas também “mistério do século futuro[19]”. Com efeito, é nele que o espírito tem acesso ao santuário místico do coração onde ele encontrará seu Deus.

Este é o caminho da “prece laboriosa”, via estreita e dolorosa. Aspereza e nudez de um deserto espiritual onde o viajante deve voluntariamente fechar os olhos a toda miragem consoladora. Pois é preciso que ele rejeite não somente todas as imagens terrestres, mas até as que parecem ter uma origem divina, as “visões”, as “vozes”, as “doçuras” com aparências celestes, mas que frequentemente não passam de frutos de um psiquismo deturpado pela concupiscência, pelas mortificações excessivas ou pelo desejo impaciente de adiantar a hora da graça buscando pseudo-satisfações no sonho e na imaginação. Também a sabedoria exige, sobretudo no início da obra espiritual, que nada seja representado; mesmo as imagens de Deus que as Santas Escrituras nos propõem, e sobre as quais pode ser benéfico meditar em outros momentos, devem ser rejeitadas no momento da oração. Este é o verdadeiro jejum, a santa “sobriedade” daqueles cuja alma se alimenta unicamente da prece e da fé. Com efeito, a prece é o efeito da obra, não da imaginação, mas da fé.

A regra mais simples referente à oração consiste em não se representar nada, mantendo o espírito concentrado no coração, e permanecer na convicção de que Deus está próximo, que ele vê e escuta. Prosternarmo-nos diante dele que é terrível em sua grandeza e próximo em sua condescendência para conosco. É preciso se esforçar para orar sem imagens de Deus: “Permaneça no coração com fé de que Deus está lá, e, como ele está, não o tente representar[20]”.

Assim, se o caminho espiritual do orante passa pelo deserto, por outro lado ele não caminha nas trevas. A luz pura e totalmente imaterial que o guia é a fé, iluminando a única imagem na qual o espírito encontra um ponto de apoio, o Nome bem-amado de Jesus Cristo. A atenção na prece é na verdade uma espera na fé.

De fato, mesmo tendo chegado ao grau supremo da concentração de suas forças psíquicas e espirituais, o home não é capaz de recriar em si a unidade perdida do espírito e do coração. Ele pode apenas fazer em sua alma este silêncio e este vazio que são os sinais de uma tensão extrema e de um abandono total, o sinal da espera, na esperança e na fé, do dom do Espírito Santo.

       4. A prece espiritual

“A atenção e a contrição são como o pavimento do santuário”, escreveu Inácio Braintchaninov, ou ainda como os pórticos da piscina de Bethesda onde se reuniam os enfermos na espera do anjo que, agitando as águas, os curaria[21]. “Mas somente o Senhor, na hora que só ele conhece, concede a cura e permite a entrada no santuário, segundo sua inefável e incompreensível benevolência”. Aqui ultrapassamos o plano da prece “laboriosa” para tocar o mistério da prece “espiritual” ou “carismática”.

Os estarostes russos são extremamente discretos no que concerne aos degraus superiores da obra espiritual. Com efeito, não se trata de mistérios que não podem ser traduzidos de modo adequado pela nossa linguagem humana? Não seria inútil e mesmo perigoso falar de realidades espirituais àqueles cujo entendimento, ainda mergulhado no mundo material e psíquico, ainda não está apto a compreender? “Não abra seu coração sem necessidade, aconselha são Serafim de Sarov, pois entre mil você não encontrará mais do um que seja capaz de guardar seu segredo”. É menos por eles e mais pelo testemunho de amigos, daqueles que forma “companheiros dos mistérios divinos” que podemos entrever alguma coisa das graças místicas que iluminaram a vida de um Serafim de Sarov ou dos estarostes de Optino. Mais intelectuais, mais ao corrente do pensamento ocidental do que estes, Teófano o Recluso e Inácio Briantchaninov são ainda bem pouco loquazes.

O primeiro fruto da oração, o primeiro sinal sensível do dom da graça, que anuncia uma transformação na própria natureza da alma, consiste, segundo o testemunho de todos os mestres da obra espiritual, no eflúvio das lágrimas do arrependimento. O esforço da oração, por meio do qual o orante, sem negligenciar, confessa ao mesmo tempo sua miséria e sua fé em Jesus Cristo, é comparável ao trabalho de uma forja. Sob as camadas superficiais, petrificadas e estéreis da vida psicológica, ele vai buscar a fonte de água viva de um sincero arrependimento. Este já é a manifestação da ação da graça sobre o homem. As lágrimas, não aquelas do desespero ou do orgulho ferido, mas as lágrimas salutares do arrependimento, são o sinal deste estremecimento das camadas profundas do ser, em que se veem engolidos como que por uma forte onda o orgulho e a confiança em si do homem natural. Trata-se neste momento do enternecimento, do amolecimento no sentido próprio do termo, no qual a dureza do coração se funde ao toque da graça divina.

É são Serafim de Sarov quem diz: “No coração daquele que verte lágrimas de enternecimento resplendecem os raios do Sol de Justiça, Cristo Deus”.

Na alma preparada para receber, pelo labor da oração, pela descida do intelecto ao coração –onde ele descobre os sinais de sua origem divina e também os de sua decadência –, na alma já purificada pelas lágrimas do arrependimento, o Espírito Santo pode agora realizar sua obra.

Primeiramente a graça mostra ao homem seu pecado, ela o faz surgir diante dele, colocando-o constantemente debaixo de seus olhos, e o leva a julgá-lo. Ela lhe revela nossa queda, este temível, profundo e sombrio abismo de perdição no qual caiu nossa raça, por sua participação no pecado de Adão. Depois, pouco a pouco, ela concede uma profunda atenção e ternura no coração no momento da oração. Tendo deste modo preparado o vaso, de uma maneira súbita, inesperada e imaterial, ela toca as partes separadas e as reúne. “Quem as tocou? Eu não posso explicar. Eu nada vi, nada ouvi, mas me vi mudado, subitamente em me senti assim pela força de um poder todo-poderoso. Quando suas mãos tocaram meu ser, o intelecto, o coração e o corpo se reuniram para constituir uma unidade total. Depois eles mergulharam em Deus e lá permaneceram enquanto uma mão invisível, impalpável e onipotente os susteve[22]”.

Assim é que o primeiro e essencial dom da graça (dom positivo, do qual o arrependimento sincero é de certo o aspecto negativo) é o restabelecimento da natureza espiritual do homem em sua integridade original. O intelecto e o coração, estes dois polos da vida interior, voltam a ser uma unidade harmoniosa da qual as duas tendências opostas se fundem sinfonicamente para construir a pessoa na graça.

Sublinhemos que o que é descrito aqui não é um arrebatamento, um êxtase passageiro – ou, pelo menos, não o é essencialmente. Sem dúvida a alma não permanece “imersa em Deus” senão na medida em que “ele a sustém com uma mão onipotente”, e do ponto de vista da contabilidade humana, isto não passa de alguns instantes. Mas depois do êxtase, permanece o efeito da graça. É uma transfiguração ontológica profunda que se realiza: um homem novo nasce, no qual surgem faculdades, poderes, visões novas. Nele, a desordem antiga cede lugar a uma nova ordem, dominada pela consciência da presença de Deus. Esta se reveste de uma evidência comparável, mas infinitamente superior, à de um axioma matemático.

A consequência mais notável dessa união do coração com o intelecto é a transformação radical do próprio caráter da oração. Se até então ela consistia numa obra trabalhosa e às vezes penosa, agora ela jorra espontaneamente, sem esforço, aquecendo o coração e enchendo-o de luz, paz e alegria. Enquanto o êxtase é um dom raro, concedido apenas a alguns, essa mudança  na natureza da prece é o sinal mais habitual e infalível da ação da graça para aqueles que se dedicam à obra espiritual. Eis como o peregrino dos Relatos descreve essa transformação:

“Numa certa manhã, eu fui despertado pela Prece. Eu comecei a dizer minhas orações da manhã, mas a língua se embaraçava e eu não tinha outro desejo senão o de recitar a Prece de Jesus. Assim que eu a retomei, fiquei feliz, meus lábios se moviam sozinhos e sem esforço. Eu passei todo o dia em estado de alegria. Eu estava como que separado de tudo, e me sentia em outro mundo (...). Eu passei todo o verão a recitar sem descanso a Prece de Jesus e todo o tempo estive tranquilo. Durante o sono, às vezes sonhava que estava recitando a Oração. Durante o dia, quando acontecia de encontrar pessoas, elas me pareciam tão amáveis como se fossem da minha família. Mas eu nunca permanecia com elas. Os pensamentos se apaziguavam e eu não vivia senão com a prece; eu comecei a inclinar meu espírito para escutar e às vezes meu coração sentia a si mesmo com um calor e uma grande alegria (...). Assim caminho agora, dizendo sem cessar a Prece de Jesus, que me é mais cara e doce do que todo o mundo. Às vezes eu caminho setenta verstas[23] em um dia e nem sinto que estou andando; eu só sinto que sigo dizendo a Prece. Quando sou tomado por um frio violento, eu recito a Prece com mais atenção e logo me sinto aquecido. Se a fome se torna demasiada, eu invoco com mais frequência o Nome de Jesus Cristo e já não me lembro de ter fome. Se me sinto enfermo, se meu dorso e minhas pernas doem, em me concentro na Prece e não sinto mais a dor. Quando alguém me ofende, eu não penso senão na benevolente Prece de Jesus; logo a cólera ou a pena desaparecem e eu esqueço tudo. Eu me tornei simples. Eu não me preocupo com nada, nada me preocupa, nada do que é exterior me retém, eu desejo estar sempre na solidão; por hábito, eu não tenho mais do que uma necessidade: recitar sem cessar a Prece. E, quando o faço, fico logo alegre e feliz. Deus sabe o que ele fez em mim”.

O testemunho deste humilde peregrino coincide em tudo com o dos mestres da obra espiritual.

É sem dúvida são Serafim de Sarov quem deu dessa experiência a expressão mais concisa e perfeita: “Quando o Senhor aquecer seu coração com o calor da graça e restabelecer você na unidade de um só espírito, então esta prece ininterrupta jorrará de você. Ela permanecerá sempre com você, você se deleitará nela e ela o alimentará[24]”.

Os frutos da prece ininterrupta são o calor espiritual, a serenidade, o desligamento do mundo e sobretudo a caridade para com Deus. “Os que desejam se unir pela caridade e amor ao Dulcíssimo Jesus, escreve o estaroste Paisi, desprezando todas as belezas deste mundo, todas as doçuras e mesmo o repouso corporal, já não desejam possuir outra coisa que não a atividade paradisíaca do espírito que se entrega a essa prece ininterrupta[25]”. Inflamando o coração de caridade e amor a Deus, a Prece de Jesus aparece assim como fruto desta Caridade divina, tocando o coração e o espírito do homem e ressuscitando-os para uma vida nova. “O fogo espiritual do coração é a caridade e o amor a Deus; ele se inflama quando Deus toca o coração, pois Ele é inteiramente Amor e ao seu contato o coração se inflama de amor por Ele”.

Nesta vida nova, não estão descartadas ainda as possibilidades de tentações e de quedas. Mas quem recebeu a visita da graça recebeu também uma lucidez espiritual, que lhe permite combater eficazmente seus inimigos interiores. Até aqui ele estava mergulhado nas trevas e era como um homem que, atacado à noite, luta às cegas contra inimigos invisíveis. Agora a intuição constante da presença de Deus atua como um candeeiro colocado no centro da consciência, iluminando até os menores recantos.

O estado de graça aparece assim, não como um estado de passividade e de repouso, mas como uma atividade fecunda de purificação que se cumpre com alegria, embora a fidelidade à graça possa exigir ainda, como insiste Teófano o Recluso a respeito, sacrifícios dolorosos.

Um traço característico dos mestres russos da prece espiritual se revela menos em sua doutrina do que em sua atitude prática, a prece ininterrupta cuja doçura enche de alegria e paz o coração, longe de separá-los dos homens, acaba por aproximá-los destes. Com efeito, se durante a fase inicial o silêncio absoluto e o distanciamento eram para eles a própria condição de todo progresso espiritual, chega um momento em que, sentindo a prece fortemente enraizada em seu coração, o retorno aos homens surge como uma necessidade de obediência à vontade divina.

São Serafim de Sarov, os estarostes de Optino, acolhiam milhares de peregrinos; eles recebiam inumeráveis cartas e as respondiam. Se num são Nilo Sorsky, no século XVI, essa atividade de cura de almas ainda tinha uma caráter de sacrifício voluntário inspirado pelo amor fraternal, entre os estarostes do século XIX isto vinha como o desabrochar de sua vocação espiritual. No meio da multidão, a prece mística continuava a ressoar em seus corações, intimamente unida ao batimento, constituindo como que a trama de sua vida interior, e nunca os impedindo de tomar parte da vida dos homens.

Assim eles pensavam na possibilidade de levar a prece espiritual a todos os cristãos. Paisi Veltchkovsky já admitia que a prática da prece de Jesus podia ser recomendada aos leigos. Entretanto, no círculos dos estarostes da Moldávia, a “prece espiritual” é essencialmente um método de oração monástica. Ela está ligada, para Paisi e seus amigos, ao renascimento do monarquismo nos países eslavos. Em seus escritos, por seus preceitos e seus conselhos, ele se dirigem sobretudo aos monges, aos quais unicamente seriam acessíveis os graus mais elevados da prece contemplativa.

Mas esta não é exatamente a atitude dos estarostes do século XIX. Sem dúvida a vida monástica lhes parecia também como a via por excelência que conduz à união com Deus.  Mas sua experiência profunda de uma prece cuja chama, longe de se extinguir ao contato com o mundo, se nutria de uma atividade caridosa que os aproximava dos homens, lhes inspirou uma nova concepção da obra espiritual. Esta, mesmo nas suas formas mais místicas, não seria incompatível com a vida no mundo e alguma atividade cultural. São Serafim de Sarov elabora uma regra de oração para os leigos[26]. Permitindo a um leigo, Nicolau Motovilov, participar de uma de suas mais extraordinárias iluminações, ele dá como que uma demonstração da possibilidade aberta a todos de receber o dom do Espírito Santo através da prece[27]. Teófano o Recluso também afirma que a pre4ce espiritual não exclui toda atividade, mas apenas aquelas que são más ou vãs: “É falso, escreve ele, pensar que para cumprir a prece espiritual é preciso estar sentado num lugar secreto para aí contemplar a Deus. Para orar, não é preciso mais do que se esconder em seu próprio coração e, fixando-se aí, ver o Senhor sentado à nossa direita, como fez Davi”.

Sem dúvida a obra espiritual exige a concentração interior e, por conseguinte, alguma solidão. Mas se a solidão completa é impossível no mundo, cada qual sempre poderá encontrar “horas de solidão” nas quais poderá fortalecer e vivificar em si a Prece de Jesus até que, enraizando-se em seu coração, ela o acompanhe mesmo no fluxo barulhento da vida no mundo.

Assim, segundo o testemunho dos mestres mais recentes da mística ortodoxa, a prece ininterrupta a Jesus pode e deve se tornar a atmosfera espiritual de toda a vida cristã. Mas isto não os leva absolutamente a minimizar o caráter místico e extático dos estados nos quais, no limite, se realiza a obra espiritual do orante.

Já falamos da discrição da maior parte dos místicos ortodoxos, dessa espécie de pudor espiritual que os impede de falar das maiores graças que receberam. Temos não obstante testemunhos muito precisos sobre suas experiências místicas, em especial a de são Serafim de Sarov. Este último, falando dos graus mais elevados da prece contemplativa, se exprime assim: “Quando o intelecto e o coração estão unidos na prece e nada perturba a alma, então o coração se enche de calor espiritual, e a luz de Cristo inunda de paz e de alegria todo o homem interior[28]”.

A luz de Cristo da qual fala o santo não é nem sensível, nem intelectual, mas espiritual, iluminando as profundezas do coração. Não obstante, conforme veremos, ela pode se tornar visível aos olhos carnais daqueles a quem é concedida a graça de contemplá-la[29]. É a Luz da Vida, que não conhecem senão os que vivem nela e são iluminados por ela. Experiência de uma simplicidade infantil, conforme afirma com força são Serafim, e no entanto inefável. Mas a criança não é exatamente aquele ser que não pode falar[30], e não é o milagre do espírito o nascimento para esta nova e inexprimível infância[31]?

Dom do Espírito Santo, arrebatamento do espírito humano numa irradiação da Glória incriada de Deus, tal é a revelação final da obra espiritual. Aqui a oração ultrapassa a si mesma. Se, de acordo com as palavras de são Serafim, “por meio da prece nos tornamos capazes de conversar com o Deus vivificante”, toda prece cessa entretanto no momento em que Deus desce sobre nós por sua graça. “Quando somos visitados por ele, é preciso deter a oração. De fato, por que seguir implorando: ‘Vem e habita em nós, purifica-nos de toda mancha e salva nossas almas, Tu que és bom[32]’, quando ele já veio, quando já chegou, em resposta às nossas humildes e amorosas solicitações?[33]”.

Aqui entrevemos a finalidade última da prece mística: a transfiguração total do homem, na unidade de seu espírito e de seu corpo, pela Luz divina, Luz de Cristo e do espírito Santo, irradiação gloriosa da Santíssima Trindade. Cabe notar aqui que nas experiências que foram descritas, o espírito do homem, mesmo tendo consciência de participar da Vida divina, não perde por isso a consciência pessoal, não se apaga, mas ao contrário adquire uma lucidez sobrenatural. Pelo mistério insondável do dom da graça a natureza humana se transforma. As trevas da matéria se dissipam e, vencidas, se tornam translúcidas ao Espírito. O homem se torna capaz de ver a Glória de Deus.

Mas este não passa ainda do termo terrestre da prece, as primícias das iluminações do século futuro. O fim da prece mística anuncia em verdade o final os tempos: a libertação completa da Criação “da escravidão da corrupção para participar da gloriosa liberdade dos filhos de Deus[34]”.

É na direção da Luz sem declínio do Dia eterno, mas cuja aurora se ergue agora para os que sabem reconhecer os sinais, que nos orienta finalmente o testemunho daqueles que oram a Prece de Jesus.

      5.  Uma oração para os nossos tempos

Chamada também de “obra espiritual”, a Prece de Jesus se encontra no coração da tradição ascética e mística do monarquismo contemplativo ortodoxo. Suas raízes mergulham na mais alta antiguidade cristã, em particular na espiritualidade dos Padres do deserto. Seria inexato porém não ver nela mais do que uma relíquia venerável de uma época desaparecida, no máximo tingida, para o homem ocidental, de um certo exotismo. Método de oração simples e fácil, a Prece de Jesus permanece atual. Ela pode ser adotada por homens e mulheres modernos, ela se adapta à sua mentalidade e ao seu modo de existência. Irradiando para além dos quadros institucionais do monarquismo, ela auxilia os leigos que vivem no mundo a unificar sua vida segundo o Espírito de Jesus Cristo.

Historicamente, a prática da prece de Jesus nasceu do encontro de duas correntes espirituais distintas: de um lado o culto bíblico (e mesmo mais genericamente semítico) pelos Nomes de Deus, e de outro lado a prática da oração chamada de “jaculatória” dos meios monásticos do deserto.

Desligada das crenças mais ou menos mágicas, aparece com efeito, na Bíblia, a ideia de que o Nome divino é revelação, manifestação dinâmica da Pessoa do Deus transcendente. Vários textos do Antigo testamento podem ser citados a este respeito. Em especial nos Salmos, o Nome divino aparece como um refúgio, um poder auxiliador. Mas devemos lembrar sobretudo as múltiplas referências ao Nome de Jesus no Novo Testamento, no qual uma diversidade de fórmulas cuja tradução para as línguas modernas, “em Nome de Jesus”, é impotente para ilustrar a riqueza de sua complexidade e de seu dinamismo. Três textos são capitais: “Nesse dia, vocês não me farão mais perguntas. Eu garanto a vocês: se vocês pedirem alguma coisa a meu Pai em meu nome, ele a concederá. Até agora vocês não pediram nada em meu nome: peçam e receberão, para que a alegria de vocês seja completa[35]”; “Não existe salvação em nenhum outro, pois debaixo do céu não existe outro nome dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos[36]”; e “Por isso, Deus o exaltou grandemente, e lhe deu o Nome que está acima de qualquer outro nome; para que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho no céu, na terra e sob a terra; e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai[37]”.

Quanto à oração jaculatória, santo Agostinho, a quem devemos sua descrição, a encontrou já no século IV entre os monges do deserto egípcio, sob a forma de preces frequentes mas muito curtas e como que “rapidamente lançadas” (quodammodo jaculatas). A fórmula empregada para as invocações era o Kyrie eleison ou algum versículo do Saltério. Mas chegou um dia em que o Nome de Jesus foi associado à oração jaculatória. Este encontro, esta fusão entre o Nome e a aspiração foi obra de uma escola mística designada sob o nome de Hesiquiasmo. Movimento que se estendeu por muitos séculos (do século V aos XVIII e, numa certa medida, até os nossos dias), o Hesiquiasmo passou por uma evolução com tendências e expressões diversas. O que constitui sua continuidade, porém, é a busca de uma técnica contemplativa destinada a unificar e pacificar o homem interior em Cristo, pela graça do Espírito Santo.

Depois de um pequeno eclipse no século XVII, a Prece de Jesus conheceu paradoxalmente um renascimento no “século das luzes” da Razão. Simultaneamente signo e instrumento dessa renovação, a publicação em 1782 da Filocalia (“amor ao Belo”) dos Padres Népticos inaugurou um período de difusão da Prece de jesus nos diferentes países ortodoxos e nos mais variados meios fora dos quadros do monarquismo original. Traduzida para o russo com o título de Dobrotolioubé, esse livro influenciou mais o povo russo do que o fizera a Filocalia em relação aos meios gregos. Foi na Dobrotolioubé que não apenas os monges, mas as pessoas das cidades, vilas e aldeias, homens e mulheres de todos os meios, se familiarizaram com os Padres, com o espírito e os métodos da prece contemplativa.

Depois da tempestade da Revolução de 1917, a emigração russa que se instalou com dificuldades na Europa e na América conheceu, também ela, uma discreta primavera filocálica. Por seu intermédio, a Prece de Jesus penetrou em determinados meios cristãos ocidentais, católicos, protestantes e sobretudo anglicanos.

Praticada tanto pelo operário de fábrica ou pelo mineiro, como pelo professor de teologia, ela se despojou, neste novo contexto histórico, de conceituações herdadas do passado para reencontrar sua espontaneidade e simplicidade originais. Assim é que ela se revelou naquilo que ela sempre foi essencialmente: não a crença na virtude mágica de uma fórmula, mas a atenção para a Presença de Deus da qual o Nome divino é o sacramento; não a alienação num mecanismo obsessivo, mas a arte espiritual que, recolhendo o intelecto do mundo dos fenômenos para levá-lo às profundezas do coração – vale dizer: da pessoa – prepara este coação para receber o perdão, a paz e a iluminação; não a abolição do pensamento e da consciência pessoais, mas o reencontro em comunhão, lúcido, com a pessoa divino-humana de Jesus.  Ao mesmo tempo em que exige o silêncio e um certo retiro, ao menos interior, do mundo, a Prece de Jesus é também instrumento de oferenda e de transfiguração de toda a criação. Da espiritualidade monástica tradicional ela chega assim a integrar um dos temas essenciais da filosofia religiosa russa moderna: a visão de um mundo transfigurado em esperança.

Foi uma autora leiga, Nadejda Gorodetzky, que talvez tenha falado com mais justiça e sobriedade do uso prático da Prece de Jesus, tal como a pode experimentar um cristão dos dias de hoje, que viva no mundo, e da inspiração que ele pode encontrar nessa oração: “A Prece de Jesus é tão simples que basta aprendê-la uma vez para se lembrar para sempre dela. Muitos se ocupam de seus trabalhos habituais ao mesmo tempo em que repetem essa prece. Nem as tarefas administrativas, nem o trabalho nos campos ou nas fábricas são incompatíveis com ela. Também é possível, ainda que um pouco mais difícil, desfrutar dessa prece contínua junto com as ocupações intelectuais. Ela nos preserva de muitos pensamentos e palavras vãos e pouco caritativos. Ela santifica o trabalho e as relações cotidianas. Depois de algum tempo, as palavras da invocação parecem vir por si sós aos nossos lábios. Elas nos introduzem pouco a pouco na prática da presença de Deus. As palavras parecem gradualmente evanescer. Uma vigília silenciosa acompanhada de uma profunda paz do coração e do espírito se manifesta no meio do tumulto da vida de todo dia. O Nome de Jesus se torna uma chave mística que abre o mundo, um instrumento de oferenda secreta de cada coisa e cada pessoa, uma aposição do selo divino sobre o mundo. Podemos falar aqui em sacerdócio de todos os crentes. Em união com nosso Grande Pai, imploramos ao Espírito: faça de minha oração um sacramento[38]”.

Em conclusão, gostaríamos de sublinhar o alcance ecumênico da Prece de Jesus. Assim como escreveu o Monge da Igreja do Oriente, “a invocação do Nome de Jesus foi, na origem, comum a todos, e ela permanece aceitável a todos, acessível a todos[39]”, a todos os que foram batizados em Cristo. Ela pode assim realmente unir os cristãos ainda dolorosamente divididos em outros planos institucionais ou sacramentais. Ao conduzir ao aprofundamento da relação do crente coma pessoa divino-humana do Filho do Homem, a Prece de Jesus nos introduz igualmente nessa comunidade de pessoas in Christo per Spiritum Sanctum,  que os Padres denominavam “a comunhão dos santos”.




[1] Lucas 18: 14.
[2] A veneração do Nome de Jesus é tão antiga quanto a Igreja. Ela tem suas raízes na piedade dos fiéis da Antiga Aliança em relação ao nome de Javé. Ela encontra sua expressão perfeita nas palavras de São Paulo: “Deus o elevou soberanamente e lhe deu o Nome que está acima de todo nome, a fim de que ao Nome de Jesus todo joelho se dobre no, sobre a terra e sob a terra, e que toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus seu Pai” (Filipenses 2: 9-11).
[3] Sem dúvida existe um número quase infinito deles, mas esta primeira distinção é essencial.
[4] Traduzimos como “espontânea” a palavra russa samodwiznaia, que significa exatamente “que se move por si mesma”, mas que não pode ser traduzida neste contexto por “automática”. Ela aqui designa algo que jorra sem esforço, por oposição àquilo que é fruto de um esforço voluntário trabalhoso.
[5] Païsi Velitchkovski, Entretiens, p. 395.
[6] Encontramos em todos os mestres russos da “prece espiritual”, embora fossem em sua maioria grandes ascetas, uma certa desconfiança a respeito do ascetismo puramente exterior. É assim que Teófano o Recluso escreve: “Prestem a menor atenção possível nos esforços exteriores da ascese. Sem dúvida eles são necessários. Mas eles não passam dos andaimes do edifício. O edifício está no coração. Coloquem toda sua atenção na obra do coração”.
[7] Teófano o Recluso, Entretiens, p. 383.
[8] Entretiens, p. 379.
[9] Païsi Velitchkovski, Entretiens, p. 295.
[10] Teófano o Recluso, Entretiens, p. 359
[11] Hausherr, La méthode d'oraison hésychaste, p. 102 ss.
[12] O estaroste Paisi, em seu Capítulos sobre a prece, contenta-se em reproduzir sem comentários o texto do Método atribuído (sem dúvida falsamente) a Simeão o Novo Teólogo. Teófano o Recluso tem uma atitude mais crítica: ele fala da técnica como um refúgio para os que estão “endurecidos num formalismo exterior”. Porém ele admite que, devido à união entre a alma e o corpo, as atitudes corporais têm influência sobre a atenção do espírito.
[13] Cf. Païsi Velitchkovski, Entretiens, p. 79.
[14] Cf. Païsi Velitchkovski, Entretiens, p. 59.
[15] Cf. Vladimir Lossky, Essai sur la théologie mystique de l'Église d'Orient, Cerf, 1990, p.197.
[16] São Macário, Homilias espirituais, XV, 32. P.G., 34, 597B.
[17] Séraphim de Sarov, Instructions spirituelles, p. 201.
[18] Séraphim de Sarov, Sa vie, p. 47.
[19] Ibid.
[20] Teófano o Recluso, Entretiens, p. 70.
[21] Cf. João 5: 2-4.
[22] Teófano o Recluso, Entretiens, p. 97.
[23] Antiga medida de distância russa equivalente a 1.067 metros.
[24] Cf. também Teófano o Recluso, Entretiens, p. 421.
[25] Teófano o Recluso, Entretiens, p. 299.
[26] Séraphim de Sarov, Instructions spirituelles, pp. 212-214.
[27] Cf. Saint Séraphim de Sarov, Entretien avec Motovilov, p. 176ss.
[28] Séraphim de Sarov, Instructions spirituelles, p. 201.
[29] “Em meu coração, em pensamento somente, eu orei: Senhor, torne-o digno de ver claramente, com os olhos da carne, a descida do Espírito Santo, como a seus servidores eleitos quando você concede lhes aparecer na magnificência de sua glória!” (Séraphim de Sarov, Entretien avec Motovilov, p. 177).
[30] Cf. o latim infans, “que não fala”.
[31] Cf. João 3: 5-7.
[32] Tropário ortodoxo recitado no início os ofícios.
[33] Séraphim de Sarov, Entretien avec Motovilov, p. 162.
[34] Romanos 8: 27.
[35] João 16: 23-24.
[36] Atos 4: 12.
[37] Filipenses 2: 9-10.
[38] Nadejda Gorodetzky, The Prayer of Jesus, Revue des Dominicains anglais, XXIII, 1942, p. 76.
[39] Un Moine de l'Église d'Orient, La prière de Jésus, Chevetogne/Seuil, 1963, p. 70.

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