segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Filocalia - Tomo II Volume 3 - Gregório Palamas: Tomo Hagiorítico

Filocalia - Tomo II Volume 3 - Gregório Palamas: Tomo Hagiorítico


TOMO HAGIORÍTICO


Sobre os santos hesiquiastas, para aqueles que, por sua inexperiência e porque não são fiéis aos santos, rejeitam as energias místicas do Espírito. Ou melhor: discurso sobre aqueles que vivem segundo o Espírito a operação destas energias manifestadas pelas obras, mas não demonstradas pelas palavras.

A doutrina justamente ensinada pela palavra, comumente conhecida por todos e pregada abertamente constituía os mistérios da Lei de Moisés, que somente os profetas de então viram no Espírito. Mas os bens do século futuro, os bens prometidos aos santos que se tornaram dignos de ver pelo Espírito são os mistérios da vida vivida segundo o Evangelho, estes mistérios que lhes foram dados com parcimônia, parcialmente, como garantias, e que eles puderam contemplar previamente. Ora, assim como um judeu de antigamente, ouvindo sem dar graças dizerem os profetas que o Verbo e o Espírito de Deus eram um e outro eternos e anteriores aos séculos, tapava os ouvidos pensando ouvir vozes proibidas pela piedade e contrárias ao que confessavam unanimemente os religiosos, ou seja, a voz que dizia: “O Senhor é seu Deus, o Senhor é um[1]”, da mesma forma hoje acontece de as pessoas não escutarem com piedade os mistérios do Espírito conhecidos apenas pelos que foram purificados pela virtude. Mas, assim como a realização das  profecias demostrou uma conformidade visível com os antigos mistérios, e assim como cremos hoje no Pai, no Filho e no Espírito Santo, Divindade em três Pessoas, natureza única e simples, não composta, incriada, invisível, incompreensível, da mesma forma, quando século futuro se revelar em seu tempo, na indizível manifestação do Deus único em três Pessoas perfeitas, os mistérios serão manifestados em acordo com tudo o que é visível.

Mas é preciso considerar igualmente que, se as três Pessoas da Trindade foram a seguir manifestadas sem nenhum prejuízo aos confins da terra pela palavra da monarquia divina – e que, antes mesmo da realização das coisas as três Pessoas foram conhecidas dos próprios profetas e recebidas por eles que as escutaram então – da mesma maneira, hoje, também não ignoramos as palavras da confissão daquilo que é abertamente pregado e misticamente manifestado previamente no Espírito àqueles que dele se tornaram dignos. Uns foram iniciados por esta experiência – aqueles que pela vida evangélica não apenas renunciaram à posse do dinheiro, à glória dos homens e aos maus prazeres do corpo, mas ainda confirmaram esta renúncia se submetendo aos que alcançaram o canteiro de Cristo – pois, após se terem consagrado a Deus para além de todos os cuidados, ultrapassaram na hesíquia a si próprios alcançando a Deus pela prece pura e, unindo-se a ele na união mística que supera a inteligência, foram iniciados naquilo que está acima do intelecto. Outros foram iniciados pelo respeito, a confiança e o afeto que dedicaram a tais homens.

O mesmo nos acontece hoje, a nós que escutamos o grande Denis dizer na segunda epístola a Gaio: “Estamos persuadidos de que o dom deificante de Deus, a divindade, a divina origem, a boa origem, Deus que dispensa esta graça aos que dela são dignos, estas coisas estão acima desta divindade”. Pois Deus não poderia se multiplicar, e assim não podemos dizer que existem duas divindades. O divino Máximo, escrevendo a respeito de Melquisedeque, declara que esta graça deificante de Deus é incriada, que ela é eternamente e que ela provém do Deus eterno[2]. Em outras passagens, ele afirma que ela é uma luz não gerada e pessoal, que se manifesta aos que dela são dignos, no momento em que estão, mas que não é suscitada neste momento. Ele chama a esta luz “luz da glória mais que inefável e pureza dos anjos[3]”. O grande Macário[4], por sua vez, a chama de alimento dos incorpóreos, glória da natureza divina, beleza do século futuro, fogo divino e celeste, luz indizível do intelecto, garantia do Espírito Santo[5], azeite santificante que espalha a alegria[6].

Portanto, aquele que se alinha aos messalianos[7] e que chama de diteístas[8] àqueles que dizem que esta graça deificante de Deus é incriada, não gerada e pessoal, saiba ele que está se opondo aos santos de Deus e que priva a si mesmo da participação entre os que serão salvos, caso não se arrependa, e que se afasta do Deus uno, que é, por natureza, o único Deus dos santos. Mas aquele que crê, que está convencido, que fala com os santos, que busca desculpas para seus pecados, que em sua ignorância não rejeita o que é dito abertamente nem ignora que aí existe um caminho de mistério, que ele não considere indigno buscar e aprender junto àqueles que sabem. Pois ele verá que nada está em desacordo com as palavras e os atos de Deus, e isto nas coisas mais necessárias, sem as quais nada poderia se manter, nem mesmo o mistério divino.

Quem declara haver alcançado a união perfeita com Deus apenas pela imitação e a disposição natural, sem a graça deificante do Espírito, como os que vivem esta mesma união e amam uns aos outros, e que afirma que a graça deificante de Deus é um estado da natureza dotada de razão, suscitada apenas pela imitação, e não uma iluminação sobrenatural e misteriosa e uma energia divina que é invisivelmente visível para os que dela são dignos, e concebida incompreensivelmente, saiba este homem que caiu sem o saber no erro dos messalianos. Pois terá sido pela natureza, necessariamente, que o deificado será Deus, se a deificação provém de uma potência natural e se encontra naturalmente compreendida dentro dos limites da natureza.

Que este homem não tente imputar seu próprio comportamento àqueles cujo hábito é firme, nem colocar seu opróbrio sobre aqueles cuja fé é irretocável, mas que deponha a arrogância e aprenda, com os que têm experiência ou com quem foi ensinado por estes, que “a graça da Divindade é completamente irredutível, na medida em que ela não encontra na natureza nenhuma potência capaz de recebê-la. Caso contrário, ela não seria mais a graça, mas a manifestação de uma energia de uma potência natural, e nada haveria de paradoxal se a deificação proviesse de uma potência capaz de recebê-la. Pois se a deificação for racionalmente uma obra da natureza, ela não poderá ser um dom de Deus. Este homem poderia ser Deus por natureza e se dizer Deus propriamente, pois a potência natural de todo ser não é outra coisa do que o movimento que mantém a natureza em sua energia. Mas como poderia a deificação fazer sair de si mesmo o deificado? Não vejo como poderia ser, se ele permanecer contido dentro dos limites da natureza[9]”.

A graça da deificação ultrapassa assim a natureza, a virtude e o conhecimento. Estão lhe são, conforme são Máximo[10], infinitamente inferiores. Pois toda virtude, como a imitação de Deus de que somos capazes, torna aquele que a adquire apto para a união divina. Mas é a graça que realiza a união misteriosa em si. De fato, é por meio dela que “Deus por inteiro envolve inteiramente aqueles que são dignos disto, e é por meio dela que os santos, também inteiros, envolvem inteiramente a Deus inteiro: eles recebem a Deus inteiro em troca de si próprios e, como recompensa por sua elevação a Deus eles obtêm apenas a Deus[11]”, o próprio Deus: a direção da alma que se liga ao corpo como se fossem seus próprios membros, e que os torna dignos de estar nele.

Quem diz serem messalianos os que veem no coração ou no cérebro a sede do intelecto, saiba está agredindo erroneamente os santos. Pois o grande Atanásio diz que a razão da alma está no cérebro[12]. E Macário, que não é menor, afirma que a energia do intelecto está no coração[13]. Quase todos os santos estão de acordo com eles. Com efeito, quando o divino Gregório de Nissa diz que o intelecto, por ser incorpóreo, não está nem o interior nem no exterior do corpo[14], ele não se opõe aos santos Atanásio e Macário. Estes afirmam que o intelecto está no interior do corpo, por estar ligado a ele. Eles dizem isto de outra maneira, e não diferem absolutamente de são Gregório. Pois à afirmação de que o divino não está em parte alguma por ser incorpóreo, não se opõe a afirmação de que o Verbo de Deus esteve um dia no seio virginal e puríssimo, onde, acima da razão, ele se uniu à nossa natureza, em seu indizível amor pelo homem.

Quem diz que a luz que brilhou ao redor dos discípulos no Tabor[15] era um fantasma e um símbolo, que apareceu e desapareceu, que ela não existe por si própria e que não ultrapassa todo entendimento, mas que se trata de uma banal projeção do pensamento, está em manifesta contradição com as opiniões dos santos. Estes, com efeito, em seus cantos e seus escritos, a chamam de misteriosa, incriada, eterna, intemporal, inacessível, imensa, infinita, sem limites, invisível aos anjos e aos homens, beleza original e imutável, glória de Deus, glória de Cristo, glória do Espírito, raio da Divindade e outros nomes semelhantes. Esta dito, com efeito, que “a carne foi glorificada pela encarnação de Cristo, e que a glória da Divindade se tornou a glória do corpo. Mas no corpo manifestado a glória não aparece para aqueles que não trazem em si aquilo que mesmo para os anjos é invisível. Cristo se transfigurou, não por assumir o que ele não era, nem por se transformar no que não era, mas manifestando aos discípulos aquilo que ele é, abrindo os seus olhos e tornando videntes a eles que eram cegos. Ao mesmo tempo em que permanecia no mesmo estado no qual antes lhes aparecera, ele então se manifestou e se revelou aos discípulos. Pois ele é em si a verdadeira luz[16], a beleza da glória. Ele brilhou como o sol[17]... A imagem não é justa, mas é impossível representar corretamente o incriado na criação[18]”.

Aquele que diz que somente a essência de Deus é incriada, mas não as energias eternas – por que a essência as ultrapassa a todas como o operador supera o operado – que escute são Máximo, que afirma: “Tudo o que é imortal, e a própria imortalidade, tudo o que vive, e a própria vida, tudo o que é santo, e a própria santidade, tudo o que é virtuoso, e a própria virtude, tudo o que é bom, e a própria bondade, tudo o que é, e o próprio ser, são manifestamente obras de Deus. Mas alguns começaram a ser no tempo (pois houve um tempo em que não existiam), e outros não começaram a ser no tempo: pois jamais houve um tempo em que não existiam a virtude, a bondade, a santidade e a imortalidade[19]”. E também: “A bondade e tudo o que está contido na palavra bondade, em suma, toda a vida, toda imortalidade, toda simplicidade, toda imutabilidade, toda infinitude e tudo o que é considerado em sua essência ao redor de Deus, são obras de Deus e não tiveram um começo no tempo. Pois aquilo que não era não pode jamais ser mais antigo do que a virtude, nem mais antigo que os demais caracteres de que falamos, mesmo que aquilo que deles participa tenha começado com eles a ser no tempo. Com efeito, toda virtude é sem começo, dado que o tempo não é mais antigo do que ela, pois a virtude possui em si a Deus que, somente ele, gerou o ser eternamente. Mas Deus se eleva infinitamente ao infinito acima de todos os seres, participantes e participados[20]”.

Aprenda este homem com isto que todas as existências saídas de Deus não estão submetidas ao tempo. Pois entre elas existem algumas que são sem começo e que não são absolutamente apagadas pela Unidade trinitária, que somente ela é pura natureza sem começo, e pela simplicidade sobrenatural que nela reside. Do mesmo modo o intelecto, como uma imagem obscura desta indivisibilidade transcendente, através dos pensamentos que lhe são naturais, não é absolutamente composto.

Quem não aceita as disposições espirituais manifestadas diretamente no corpo pelos carismas do Espírito na alma daqueles que progridem em Deus, e chama de impassibilidade a mortificação habitual do estado passional, mas não a energia que leva normalmente para o melhor aquele que se desembaraçou totalmente do mal e se voltou para o bem, largando os maus hábitos e se enriquecendo com os bons, este, conforme ao que pensa, nega que o corpo possa levar sua vida naquilo que é eterno. Pois se um dia, por intermédio da alma, o corpo participar dos bens indizíveis, é provável que agora ele já participe, na medida do possível, da graça misteriosa e indizivelmente concedida por Deus ao intelecto purificado, e que ele se entregará por si só ao divino quando a parte passional da alma for transformada e santificada, mas não mortificada em seu estado. Uma vez que o corpo e a alma têm uma existência em comum, ela santificará então por si própria as disposições e as energias do corpo. Pois uma vez que for separado dos bens da existência pela esperança dos bens futuros, segundo são Diádoco, o intelecto, vigorosamente conduzido na ausência de cuidados, sentirá por si só o indizível odor divino. E ele transmitirá ao corpo sua própria doçura, na medida de seu progresso[21]. Tamanha alegria, que sobrevirá então na alma e no corpo, é uma reminiscência infalível da vida incorruptível.

Uma é a luz percebida naturalmente pelo intelecto, e outra a luz percebida pelos sentidos. Pois os sentidos percebem o sensível, e os objetos sensíveis têm sua qualidade de objetos sensíveis. Mas a luz do intelecto é o conhecimento que reside nos pensamentos. Assim é que a vida e o intelecto não percebem a mesma luz, na medida em que cada qual opera segundo sua própria natureza e no domínio que se refere à sua natureza. Mas quando participam da graça e da potência espiritual, os que são dignos disto veem com os sentidos e com o intelecto aquilo que ultrapassa todo sentido e todo intelecto. E eles realizam tais milagres, como somente Deus sabe, para retomar o que disse o grande Gregório o Teólogo. É isto o que aprendemos das Escrituras, e o que recebemos de nossos Padres. É o que nos permite conhecer nossa minúscula experiência. É isto que, para a plena e segura informação dos que lerão este texto, junto com nosso venerado irmão entre os hieromonges, Gregório, que escreveu sobre os santos hesiquiastas seguindo rigorosamente as tradições dos santos, nós assinamos.

v  O primaz dos veneráveis mosteiros da Montanha Santa, hieromonge Isaac.
v  O higoumeno da santa Láuria real, Teodosa, hieromonja.
v  Assinatura do higoumeno do mosteiro de Iberes, em sua língua.
v  O higoumeno do venerável mosteiro real de Vatopedi, hieromonge Joanico.
v  Assinatura do higoumeno do mosteiro de Serbes, em sua língua.
v  Filoteu, o menor dos hieromonges, é o que eu penso. Eu assino.
v  O menor dos hieromonges e confessor do venerável mosteiro de Esfigmenou, Amfilóquio.
v  O menor dos hieromonges e confessor de Vatopedi, Teodósio.
v  O higoumeno do mosteiro de Koutloumousi, Teosterictos.
v  Gerontios Maroulis, peador, vivendo entre os anciãos da venerável Láuria, é o que eu penso. Eu assino.
v  O menor dos monges, Calistos Mouzalon.
v  Gerásimo, o último dos hieromonges, eu vi e li tudo o que está escrito no amor da verdade. Concordo e assino.
v  Geronte Moisés, o último e menor dos monges, é o que eu penso. Eu assino.
v  O menor e último dos monges, Gregórios Stravolancadites, que se intitula hesiquiasta, é o que eu concebo e penso. Eu assino.
v  Geronte Isaías, da sketa de Magoula, o menor dos monges, é o que eu penso. Eu assino.
v  O menor dos monges, Marcos, do Sinaíta.
v  O menor dos hieromonges, Calisto da sketa de Magoula.
v  Assinatura do Geronte hesiquiasta, do mosteiro dos Sírios, em sua língua.
v  O menor dos monges, Sofrônio.
v  O menor dos monges, Joasafe.

Humilde bispo de Hierissos e da Montanha Santa, Tiago, elevado nas tradições hagioríticas e patrísticas, eu atesto que pelos homens escolhidos que assinaram aqui, é toda a Montanha Santa que assina num mesmo acordo. Eu próprio estou de acordo, aprovo e assino. E acrescento o seguinte perante eles: quem não está de acordo com os santos, como estamos nós e como estão os Padres que vieram antes de nós, este não será por nós recebido em comunhão.



[1] Deuteronômio 6: 4.
[2] Ambigua, PG 91,1141 B.
[3] Ad Thalassium, 16.
[4] Ver p. ex. Paráfrase de Simeão Metafraste, cap. 62, 65, 70, 73, 74...
[5] Cf. II Coríntios 1: 22.
[6] Cf. Salmo 44 (45): 8.
[7] Messalianos ou euquitas eram membros de uma seita herética que considerava que este mundo teria sido criado por Satanás, sendo, portanto, mau.
[8] Diteísmo: religião dualista que admite dois princípios, um bom e um mau.
[9] Máximo o Confessor, Ambigua, PG 91, 11237 B.
[10] Centúrias sobre a teologia e a economia, III, 75.
[11] Ambigua, PG 91, 1308 B.
[12] Orat. Contra gentes, PG 25, 61 AB; Ad monachos, 70.
[13] Homilias espirituais de são Macário, XV, 20.
[14] A criação do homem, PG 44, 177 BC.
[15] Cf. Mateus 17: 5.
[16] João 1: 9.
[17] Cf. Mateus 17: 2.
[18] João Damasceno, Hom. In Transf. in Joie de la Trasnfiguration d’après les Pères d’Orient, SO 39, Bellefontaine 1985, pgs. 199-200.
[19] Centúrias sobre a teologia e a economia, I, 50.
[20] Ibid., 48-49.
[21] Diádoco de Foticéia, Cem capítulos 25.

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