domingo, 13 de julho de 2014

Filocalia Tomo II Volume 3 - Gregório Palamas: Sobre a prece e a pureza do coração

GREGÓRIO PALAMAS

SOBRE A PRECE E A PUREZA DO CORAÇÃO


1, Uma vez que o divino é a bondade mesma e propriamente a compaixão e o abismo de doçura, ou antes, é o que abraça este abismo, na medida em que ultrapassa todo nome que pode ser nomeado[1] e toda coisa concebível, não é possível encontrar a compaixão senão unindo-se a ele.

Ora, o modo de nos unirmos a ele, na medida do possível, consiste em partilhar com ele as virtudes semelhantes, partilhando o pedido e a união na prece a Deus.

A partilha das virtudes torna naturalmente o menos fervoroso apto a receber o divino por semelhança. Mas ela não conduz à união. É o poder da oração que celebra esta comunhão e realiza a tensão do homem em direção ao divino e sua união com ele, pois ela é um laço que amarra ao Criador as criaturas dotadas de razão quando, por uma ardente compunção, os movimentos da prece superam as paixões e os pensamentos. Pois é impossível ao intelecto passional unir-se a Deus.

Assim, o intelecto, na medida em que não se encontra em estado de prece, é incapaz de descobrir a compaixão. Mas quanto mais ele se desembaraça dos pensamentos, mais ele alcança a tristeza. E, na medida desta tristeza, ela participa da compaixão que a consola. Se, com humildade, ela consagra seu tempo a esta ascese, ela transforma a parte passional da alma.

2. Quando a unidade do pensamento se torna tripla ao mesmo tempo em que permanece uma, então ela se une à Unidade trinitária da divina Origem, depois de haver fechado rodas as entradas do erro e de se ter colocado acima da carne, do mundo e daquele que mantém o mundo sob seu domínio. Escapando assim aos seus projetos, ela permanece em si e em Deus: na medida em que ela permanece sendo o que é, ela desfruta da alegria espiritual que brota do coração.

Mas a unidade do intelecto se torna tripla ao mesmo tempo em que permanece uma quando este se volta para si mesmo e quando, através de si próprio, se eleva a Deus. Ora, o retorno do intelecto sobre si mesmo é sua própria proteção. Sua elevação para Deus de início é operada pela prece e, na medida em que a prece se desenvolve, pode acontecer que ele se expanda subitamente, o que exigirá mais trabalho. Mas se perseverarmos neste desdobramento do intelecto e na sua tensão em direção ao divino, à custa de nos violentarmos para avançarmos pouco a pouco até a reflexão divina, será assim que, por meio do intelecto, nos aproximaremos de Deus: descobriremos o indizível, provaremos do século futuro e conheceremos pelo próprio sentido do intelecto que o Senhor é bom, como disse o Salmista: “Provem e vejam que o Senhor é bom[2]”.

Descobrir o intelecto triplo ao mesmo tempo em que se conserva a identidade única, guardando e orando por sua guarda, não é, portanto, uma coisa muito difícil. Mas perseverar longamente neste estado pela geração do indizível é da mais alta dificuldade. Todos os outros esforços exigidos pelas demais virtudes são mínimos e suportáveis comparados a este. É por isso que muitos, por recusarem o que existe de mais estreito e estrito nas virtudes orantes, não alcançam além dos carismas. Mas aos que perseveram, os socorros divino os protegem, tornando-os maiores e, transportando-os e sustentando-os, os conduzem adiante com prazer, e assim tornam a eles mais acessível a difícil capacidade de orar, a fazem por assim dizer angélica e dão à nossa natureza a força de dialogar com o sobrenatural, como disse o profeta: “Os que perseverarem renovarão sua força. E receberão asas[3]”.

3. O que é chamado de intelecto é a energia desta inteligência suscitada nos raciocínios e nos pensamentos. O intelecto é também a potência que coloca em movimento estes pensamentos, e que a Escritura chama de coração. Por intermédio do coração, a mais importante das nossas potências interiores, o intelecto é a alma dotada de razão que está em nós.

É claro que a energia do intelecto nos pensamentos se estabelece e se purifica facilmente naqueles que se consagram à oração, em especial à prece do nome único de Deus. Mas o poder que suscita esta prece não pode se purificar se não o forem as demais potências da alma, pois a alma constitui uma única e mesma atividade com múltiplas potências. Assim, ela se mancha inteira quando sobrevém o mal, por qualquer uma das potências que existem nela, uma vez que todas comunicam com a potência única na unidade da alma.

Uma vez que cada uma das potências dispensa uma energia diferente, é possível, vigiando-a, purificar qualquer uma delas no momento em que ela age, mas nem por isso esta potência se tornará pura. Pois, comunicando-se com as demais, esta potência pura pode se tornar outra vez impura. É por isso que quando alguém, dedicando-se à oração, purifica a energia do intelecto e se torna numa certa medida iluminado pela luz do conhecimento ou pela iluminação intelectual, esta pessoa se perde se enganar a si própria pensando estar por causa disso purificada; por sua presunção ela estará abrindo de par em par a porta àquele que tenta nos enganar todo o tempo. Mas se, conhecendo a impureza de seu próprio coração, ele não se satisfizer com esta pureza mitigada e solicitar a ajuda das demais potências da alma, ele verá com mais pureza sua impureza e progredirá na humildade, acrescentando a tristeza e encontrando o remédio que convém a cada potência da alma: ele purificará por si própria a potência prática por meio da ação, a potência cognitiva pelo conhecimento, a potência contemplativa pela oração, e chegará assim à perfeita, verdadeira e certíssima pureza do coração e do intelecto que só pode ser concedida pela perfeição na ação, pela constante aplicação, pela contemplação e pela prece na contemplação.



[1] Cf. Efésios 1: 21.
[2] Salmo 33 (34): 9.
[3] Isaías 40: 31.

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