sábado, 12 de dezembro de 2015

Teófano o Recluso - Como fazer nascer o espírito da Prece



Na vida cristã, a prece vem em primeiro lugar. A prece é o sopro do espírito. Onde existe a prece, o espírito está vivo; sem ela, o espírito é sem vida.

Colocar-se diante de um ícone e se prosternar não é a prece, é apenas um atributo. Dizer as orações de memória, lendo-as ou escutando-as – isto ainda não é a prece, é apenas um modo de descoberta e de despertar. A prece em si consiste na aparição em nosso coração de uma série de sentimentos piedosos, dirigidos um após outro para Deus: sentimentos de nossa própria indignidade, de devoção, de reconhecimento, de glorificação, de súplica, de contrição, de prosternação ardente, e outros.

Todo nosso cuidado está aí: encher nossa alma com todos esses sentimentos e com outros idênticos, a fim de que o coração não permaneça vazio. Quando todos esses sentimentos, ou apenas um deles, se encontrarem aí, e se lançarem em direção a Deus, então nossa oração terá se tornado uma verdadeira prece; caso contrário, não o terá sido ainda.

A prece, ou impulso em direção a Deus, deve ser estimulada e firmada, ou, o que vem a dar no mesmo, devemos educar em nós o espírito da prece.

O primeiro procedimento para tanto consiste na leitura ou na escuta de nossas preces. Leia, ou escute com atenção, e com toda certeza você despertará e sustentará a subida da prece de seu coração até Deus, ou seja, você penetrará no seu espírito, no espírito da prece.

Nas preces dos Padres santos, uma poderosa força se coloca em movimento, e aquele que aí se introduzir desenvolvendo toda sua atenção e sua perseverança a experimentará sem dúvida alguma, pela lei da interação, na medida em que tiver aproximado do conteúdo dessa prece seu próprio estado de espírito. Para que nossas preces constituam um modo real de educar esta disposição, é indispensável realizá-las de tal modo a que o pensamento e o coração acolham seu conteúdo.

Com esse objetivo, eis aqui três procedimentos muito simples: não comece suas orações sem antes ter se preparado convenientemente; não ore de qualquer jeito, mas com atenção e sentimento; e ao terminar, não retome imediatamente suas ocupações.

Preparação para a prece

Quando você se dispuser a orar, qualquer que seja o momento escolhido, permaneça primeiro um tempo tranquilo, assente-se ou dê alguns passos, e esforce-se para liberar seu pensamento de toda preocupação ou objeto daqui de baixo. Depois reflita: quem é aquele a quem você irá dirigi sua prece, e quem é você, que irá agora se dirigir a ele; e desperte em sua alma o sentimento apropriado, um sentimento de abnegação e de temor piedoso na presença de Deus dentro do seu coração. Nisso consiste a preparação mínima, mas de um significado muito importante: manter-se com piedade diante de Deus dentro do coração.

Este é o início da prece, e um bom começo já é metade da tarefa realizada.

Observância da prece – as preces lidas

Tendo assim se preparado interiormente, coloque-se diante do ícone, faça um sinal da cruz e uma prosternação, e comece suas preces habituais. Leia sem prece, penetrando cada palavra, levando até o coração o sentido de cada palavra, e acompanhe tudo isso com prosternações e persignações. Esta leitura frutífera da prece é agradável a Deus. Aprofunde cada palavra e introduza seu pensamento no coração, ou seja: “Purifique-se de toda mancha”, sinta o mal que existe em você, deseje a pureza, e, com total esperança, peça-a ao Senhor. Você lê: “Seja feita a sua vontade” e em seu coração você entrega completamente seu destino ao Senhor, pronto a acolher de bom grado tudo o que ele lhe enviar. Você lê: “Perdoe as nossas dívidas, assim como nós perdoamos os nossos devedores”, e em sua alma perdoe tudo a todos, e então peça perdão ao Senhor por você. Se você agir assim em cada versículo da prece, terá encontrado a oração correta. E para cumpri-la o mais precisamente possível, eis o que você deve fazer:

1.       Tenha uma certa regra de preces, não muito longa, a fim de poder realizá-la sem pressa, apesar de suas ocupações habituais.
2.       No seu tempo livre, leia atentamente as orações da sua regra, para compreender cada palavra delas e senti-las, a fim de conhecer previamente o que você deve produzir em sua alma e em seu coração diante de tal ou tal palavra, a fim de que seja fácil realizá-lo e experimentá-lo no momento da oração.
3.       Se, no momento da prece, seu pensamento voar em direção a outros objetos, esforce-se para se manter atento, e retorne ao objetivo da prece; se novamente ele fugir, obrigue-o a retornar outra vez: repita a leitura a partir do ponto em que deixou de sentir e compreender cada palavra. Assim você desabituará seu pensamento da dispersão quando orar.
4.       Se uma palavra da prece exercer um efeito poderoso sobre sua alma: detenha-se e não leia além desse ponto; permaneça nesta passagem, com atenção e sentimento, alimente sua alma com ela ou com os pensamentos que ela produzir, e não destrua esse estado enquanto ele não desaparecer por si só: este é o sinal de que o espírito da prece começa a fazer seu ninho em você, e esse estado é o meio mais seguro de educar e firmar este espírito.

Depois da prece

Quando você terminar sua oração, não passe imediatamente para qualquer outra ocupação, mas outra vez permaneça tranquilo por alguns momentos e reflita sobre o que acabou de realizar e no que isto implica, salvaguardando em especial, depois da prece, aquilo que teve um efeito marcante sobre você. A própria natureza da prece é tal que se você orou corretamente, como se deve, você não sentirá necessidade de se ocupar de seus afazeres: quem saboreou o mel não irá querer fel; provar desta doçura da prece é o próprio objetivo da oração e, saboreando essa doçura durante a oração, o espírito da prece vai se educando.

Se você seguir esses poucos princípios, verá rapidamente o fruto de seus esforços. Toda oração deixa na alma um rastro da prece; segui-lo fielmente com o mesmo método a fará deitar raízes, e a perseverança no esforço enxertará nela o espírito da prece.

Este é o início, o primeiro modo de educar em nós o espírito da prece! Ele está em conformidade com sua destinação, que é a realização de nossas preces. Mas ainda não é tudo, isto não é mais do que o começo da ciência da prece. É preciso ir mais longe.

Ir além: a prece pessoal

Tendo nos habituado pelo espírito e pelo coração a nos dirigirmos a Deus com uma ajuda exterior – os livros de oração – a seguir é indispensável ensaiar a própria subida até Deus, a conseguir que a própria alma, por meio de um discurso por assim dizer pessoal, entre numa conversação de preces com Deus e se transporte até ele, se abra para ele, lhe confesse seu estado e o que ela deseja. É preciso aprendê-lo. Como ter sucesso em tal ciência?

É verdade que o hábito da oração, com piedade, atenção e sensibilidade, com o apoio do livro de orações, leva até aí, pois a prece pessoal, cheia de santos sentimentos através do livro de orações, começará por si mesma a se desenraizar do coração para se dirigir até Deus. Entretanto, para isso existem também métodos específicos que conduzem aos necessários bons resultados da prece.

Primeiro método: o ensinamento que conduz a alma a se dirigir frequentemente a Deus é o “pensamento de Deus”, ou a reflexão piedosa sobre as propriedades e ações divinas – benevolência, justiça, sabedoria, onipotência, onipresença, onisciência – sobre a criação e a providência, a salvação em Jesus Cristo, sobre a graça e a palavra de Deus, os santos mistérios e o reino celeste. Qualquer que seja o objeto sobre o qual você começará a meditar, ele preencherá a alma sem falta com um sentimento de piedade em relação a Deus: ele impulsionará diretamente a Deus o ser inteiro, e é por isso que é um meio mais direto para habituar a alma a se lançar a Deus.

Quando você tiver terminado suas orações, sobretudo pela manhã, sente-se e comece sua meditação: hoje a respeito de uma, amanhã sobre outra das propriedades e ações de Deus, e conduza sua alma à predisposição correspondente. Repita com São Dimitri de Rostov: “Venha, santo pensamento em Deus, e mergulhemos na meditação das grandes obras de Deus”. Permita assim que seu coração se comova e você começará a derramar sua alma durante a prece. Não é um esforço muito grande, e dará muitos frutos. Só é preciso querer e zelar. Comece, por exemplo, a refletir sobre a benevolência divina e você se verá cercado dos efeitos corporais e espirituais da misericórdia divina, e, cheio de reconhecimento, você se prosternará diante de Deus; medite sobre sua onipresença e você descobrirá que em toda parte você está diante dele e ele diante de você, e será impossível a você não sentir um piedoso temor; medite sobre a verdade de Deus, e logo será convencido de que nenhuma má ação permanecerá impune, e você se disporá, seguramente, a se purificar dos pecados diante de Deus com o coração contrito e arrependido; reflita sobre a onisciência divina, e você reconhecerá que nada do que está em você escapa aos olhos de Deus, e certamente você se decidirá a ser severo  consigo mesmo e atento em todas as coisas, a fim de não irritar a Deus, que a tudo vê.

Segundo método: este método para educar a alma a invocar frequentemente a Deus consiste em dedicar todas as nossas empresas, sejam grandes ou pequenas, à sua glória. Pois se tomarmos como regra, conforme o Apóstolo[1], tudo fazer – mesmo comer e beber – para glória de Deus, não apenas nos lembraremos de Deus, como ainda estaremos atentos, em todas as circunstâncias, para não agir mal e não irritar a Deus com alguma ação de nossa parte. Isso nos obrigará a nos dirigirmos a ele com temor e a pedir a ele que sempre nos ajude e nos esclareça. E como estamos em atividade quase sem parada, também sem cessar dirigiremos preces a Deus, nos manteremos constantemente em orante elevação de nossa alma a Deus. Assim ensinaremos nossa alma a se dirigir o mais frequentemente possível a ele durante cada dia.

Terceiro método: o terceiro método de educação de nossa alma consiste em habituá-la a chamar por Deus a partir do coração, com palavras curtas, segundo as necessidades e das ocupações. Ao iniciar qualquer coisa, diga: “Abençoa, Senhor”. Ao terminar, diga, não apenas com a língua, mas com o coração: “Glória a ti, Senhor!”. Se uma paixão ruim aparece, diga: “Salva-me, Senhor, estou em perigo”. Invadido por uma multidão de maus pensamentos, chame: “Livra minha alma da prisão”. Um engano surge num assunto e o pecado o chama, ore: “Guia-me, Senhor, pelos caminhos”, ou “Não deixe meu pé escorregar”. Quando os pecados pesam sobre você e o levam ao desespero, chame com as palavras do publicano: “Senhor, tem piedade de mim”. E assim em todas as circunstâncias. Ou então, diga com frequência: “Senhor, tem piedade”, “Mãe de Deus, Soberana, salve-me”, “Anjo, meu santo Guardião, defende-me”, ou peça com quaisquer outras palavras. Apenas, na medida do possível, chame constantemente, esforçando-se sobretudo para que as palavras provenham do coração, como se brotassem dele. Fazendo assim, obtemos frequentes elevações espirituais do coração para Deus, chamando-o com frequência por meio de uma prece frequente, e esta frequência nos inculcará o hábito da conversa espiritual com Deus.

Assim, portanto, além da regra de orações, o aprendizado da elevação da alma para Deus por meio da prece comporta também três procedimentos que nos conduzem ao espírito da prece: deixar tempo pela manhã para a meditação de Deus, em tudo trabalhar para a glória de Deus e se dirigir a Deus com frequência por meio de curtos apelos. Quando a medição matinal de Deus for boa, ela preservará uma disposição profunda do espírito para pensar em Deus. Este pensamento em Deus obrigará a alma a cumprir todo ato, interior ou exterior, com prudência e para a glória de Deus. E uma e outra a colocarão numa situação que a levará a fazer constantes apelos curtos a Deus. Essas três coisas – meditação de Deus, toda obra para glória de Deus e invocações frequentes – são as armas mais eficazes para a prece espiritual do coração. Cada uma delas eleva a alma para Deus. Desenraizando-se da terra, esta penetrará no seu domínio e viverá com delícia nas alturas; aqui, por intermédio do coração e do pensamento; e lá em cima, ela terá se tornado essencialmente digna de se colocar diante da Face de Deus.



[1] I Coríntios 10: 31.

2 comentários:

  1. Em momento de busca por silêncio interior, encontro estes ensinamentos preciosos de São Teófano, O Recluso, que preenchem e acalentam a minha alma. Gratidão imensa, em Paz e Bem!

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  2. Muito bom realmente, cada palavra soa com um tom de verdade muito grande e me levou a ir a um lugar mais profundo com o Senhor, grato pela vida de Teófano e por vocês.

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