Nos últimos
trinta anos, um grande número de publicações tem revelado aos Ocidentais um
método de vida espiritual familiar aos cristãos do Oriente, e cuja peça mestra consiste
na invocação repetida sem cessar: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem
piedade de mim, pecador”.
É
deliberadamente que falamos de método de vida espiritual: pois a Prece de Jesus
não pode ser considerada como uma simples oração jaculatória comparável àquelas
que a piedade católica recomenda, ainda que o método ocidental das “aspirações”
possa se ligar ao mesmo veio tradicional que remonta aos Padres do deserto. Mas
a Prece de Jesus é inseparável de uma doutrina de vida espiritual que os cristãos
bizantinos e eslavos consideram de bom grado como o coração da ortodoxia: o
Hesiquiasmo. Assim, é indispensável conhecer as grandes linhas desta doutrina,
se quisermos captar o significado e o alcance da invocação do Nome de Jesus na
espiritualidade ortodoxa.
1.
As origens do método
A via
hesiquiasta repousa sobre um duplo fundamento: a doutrina da deificação do
homem em Cristo, tal como os Padres da Igreja grega a formularam, e o
ensinamento prático dos Padres do deserto sobre a guarda do coração e a prece
contínua.
Confrontados
com as heresias trinitárias e cristológicas, os grandes bispos e os teólogos do
Oriente elaboraram uma doutrina que não era apenas especulativa, mas que
carregava em si profundamente uma concepção do destino espiritual do homem. Como
eles repetiram incansavelmente diante dos negadores da consubstancialidade do
Verbo ou das duas naturezas de Cristo, se o Verbo não é Deus, o homem não pode
ser divinizado; se uma natureza humana integral não estiver unida “sem
separação nem confusão” à natureza divina em Cristo, o homem tampouco pode ser
salvo e divinizado. Essa divinização deve ser concebida de uma maneira
extremamente realista, sem dúvida não como uma união hipostática de cada pessoa
humana com a essência divina, mas como uma co-penetração vital do agir humano
pelo agir incriado de Deus, segundo o modelo e no prolongamento da deificação
da natureza humana em Cristo.
As
controvérsias cristológicas que levaram os Padres a trazer à luz o papel
soteriológico da carne de Cristo, tiveram ainda duas consequências, aliás
conexas. De um lado, o pensamento bizantino tomou cada vez mais consciência, no
encontro das tendências espiritualistas que o cristianismo alexandrino herdara
do helenismo, que o homem é salvo como um todo: a deificação não está reservada
apenas à alma, mas se estende ao próprio corpo, como foi manifestado pelo
esplendor corporal de Cristo no Tabor. Por outro lado, a importância dos signos
sacramentais e litúrgicos, que prolongam até nós a ação deificadora da carne de
Cristo, foi percebida mais vivamente. As catequeses batismais dos Padres nos
transmitiram os primeiros ecos dessa mística sacramental, que permaneceria como
uma das constantes da espiritualidade oriental.
Nos meios
monásticos primitivos, a doutrina da deificação do homem estava também
presente, mas aparecia sobre uma luz um pouco diversa. A ênfase estava menos
nos fundamentos cristológicos e sacramentais do que sobre seu aspecto
experimental. O santo monge, o abba
do deserto, era um homem deificado, pneumatóforo, através de quem a presença do
Espírito na criatura se manifestava visivelmente; no secreto da prece, ele
fazia a experiência dessa Presença que transfigurava seu ser. Mas essa
experiência deificante requeria previamente longos combates de ascese, a guarda
do coração, a assiduidade na prece. A tentação fácil era de confundir a
divinização do cristão pela graça, com a experiência mística, e mesmo com as
suas contrafações sutis ou grosseiras; era ainda desconhecer o valor
insubstituível dos sacramentos, cujos efeitos não são imediatamente
perceptíveis, para não reconhecer senão a eficácia do esforço ascético, ou das
técnicas de oração que favoreciam uma exaltação mística de má qualidade. A
barreira foi rompida nos círculos monásticos tocados pela heresia messaliana,
em que a autêntica experiência da doçura de Deus se colocava ao lado das mais
perigosas aberrações.
Foi a obra de
mestres espirituais do século V – notadamente Marcos o Eremita e Diádoco de
Foticéia – que separou o trigo do joio e formulou uma doutrina na qual a
experiência mística autêntica, livre de suas contrafações imaginativas, seria
reconhecida como o desenvolvimento normal da graça batismal, mas onde a vida
sacramental e litúrgica estivesse colocada na base de toda a obra de salvação.
Marcos o
Eremita escreveu: “Aqueles que foram batizados em Cristo receberam misticamente
a graça, mas esta opera neles na medida em que eles cumprem os mandamentos
(...) Todos os que foram batizados na fé ortodoxa receberam misticamente a
graça. Mas a certeza só pode ser obtida mais tarde, exercendo os mandamentos”.
A “certeza” (plerophoria), a “operação” da graça,
designam aqui o aspecto experimental da divinização, o saborear a Deus, o
saborear as coisas de Deus; a “prática dos mandamentos” é desde Evagro o
Pôntico o termo técnico para designar o conjunto do esforço ascético do homem,
a cooperação de sua liberdade com a obra da graça. Diádoco de Foticéia,
utilizando a distinção frequente que os Padres faziam entre a “imagem” e a
“semelhança” de Deus no homem, descreve assim os dois tempos da divinização:
“Pelo batismo da regeneração, a santa graça nos confere dois bens, dos quais um
ultrapassa infinitamente o outro. Ela nos outorga imediatamente o primeiro, ou seja,
a imagem de Deus, apagando de nós todo traço de pecado. Quanto ao outro, ela
espera nosso concurso para produzi-lo, e este é a semelhança. Então, quando o
intelecto começa a experimentar, num sentimento profundo, a bondade do Espírito
Santo, devemos saber que a graça começa, por assim dizer, a pintar a semelhança
por sobre a imagem (...) assim, dia após dia, nosso homem interior se renova ao
provar da caridade, e na perfeição desta ele encontra a sua plenitude”.
É no contexto
dessa doutrina que a Prece de Jesus tomará lugar: ela se tornará, para toda a
tradição hesiquiasta, o meio privilegiado para tomar consciência da presença de
Cristo que habita em nossos corações desde o batismo; é por meio dela que se
realizará a “prática dos mandamentos”.
Entre os
Padres do deserto, o método preconizado para “realizar sua salvação”, vale
dizer, para atingir o pleno desenvolvimento da vida espiritual, comportava dois
elementos: de um lado, os “trabalhos corporais” – jejuns, vigílias,
austeridades de todos os tipos, trabalho manual – e de outro a guarda do
coração, que implicava simultaneamente um combate espiritual incessante contra
os “pensamentos” – ou seja, as más sugestões semeadas no coração pelos demônios
– e uma incansável assiduidade à prece. Consultado a respeito da importância
relativa desses dois elementos, o Abade Agatão declarou: “O homem é semelhante
a uma árvore: o labor corporal representa as folhas, enquanto que a guarda do
interior é o fruto. Ora, a Escritura diz: “Toda árvore que não produz bons frutos
será cortada e atirada ao fogo”. Fica assim manifesto que todo o nosso esforço
deve se voltar para o fruto, a guarda do Espírito; mas também temos necessidade
da cobertura e da vestimenta das folhas: é o trabalho corporal”.
Este será o
ensinamento dos mestres do Hesiquiasmo: eles não cessarão de recomendar antes
de tudo que estejamos atentos a nós mesmos, que penetremos em nosso coração;
ou, segundo a expressão de São João Clímaco, devemos “circunscrever o
incorporal (o espírito) no corpo”, ao invés de deixá-lo se dispersar no
exterior.
Com efeito, o
coração do homem, no sentido bíblico do termo, designa essa fonte secreta de
onde procede a vida espiritual mais profunda, feita dessas inclinações
espontâneas e desse sentido íntimo das coisas, que envolvem todo o seu ser. No
batismo, esse coração é recriado pelo Espírito, que nele grava sua lei e que o
penetra com sua unção; em outros termos, ele aí inscreve uma atração para o bem
capaz de triunfar sobre todas as solicitações do mal, e um sentido de Deus e de
seus mistérios em virtude do qual o cristão não deveria mais ter necessidade de
qualquer ensinamento exterior, porque essa unção o instruiria a respeito de
tudo[1].
Mas de fato, essas energias divinas estão no coração apenas no estado de germes
que requerem a cooperação
(sinergia) da graça e de nossa liberdade
para desabrochar numa orientação, que se torna espontânea, de todos os
movimentos de nosso psiquismo para Deus (apatheia)
e numa experiência intuitiva e saborosa da divina Presença (contemplação, theoria). Por outro lado, o batismo
deixa subsistir em nós outras atrações, vestígios do pecado, que a graça nos dá
o poder de combater, mas que permanecem temíveis. Se o home deixa seu espírito
(ou seu intelecto, nous) escapar
pelos sentidos do corpo e se dirigir sem controle para os objetos exteriores,
ele fornecerá um alimento a essas tendências centrífugas, as despertará e se
exporá a lhes dar seu consentimento. A presença dos objetos exteriores não é
sequer necessária para tal: basta que, com a ajuda dos demônios, nasça na alma
a lembrança de objetos capazes de nos trazer uma satisfação egoísta, e que a
vontade ceda à paixão assim suscitada. Então o homem viverá numa espécie de
sonho desperto, num mundo irreal onde o bem e o mal, o verdadeiro e o falso,
não serão mais avaliados senão em função de suas próprias tendências afetivas.
2.
A sobriedade espiritual e a invocação do Nome de
Jesus
A essa
perniciosa embriaguez espiritual, os Padres opõem a “sobriedade” e a vigilância
já recomendadas por São Pedro num texto muitas vezes retomado pelos mestres do
Hesiquiasmo: “Sejam sóbrios, vigiem. Sua parte contrária, o Diabo, como um leão
que ruge, ronda, buscando devorá-los[2]”.
A sobriedade espiritual (nepsis)
consiste assim na atividade do espírito que vigia e luta para se manter mestre
de si mesmo sob o assalto dos pensamentos que se esforçam para fazê-lo perder
sua lucidez interior. Ela implica primeiramente uma atenção sem falhas e um
discernimento do espírito que só pode ser substituído, entre os iniciantes,
pela abertura ao Pai espiritual: “A sobriedade é uma sentinela imóvel e
perseverante do espírito à porta do coração, e está ali para distinguir
sutilmente aqueles que se apresentam, escutar seus propósitos, espiar as
manobras destes inimigos mortais, reconhecer a marca demoníaca que tenta, por
intermédio da imaginação, sequestrar nosso espírito. Essa obra bem realizada
nos dará, se quisermos, a uma experiência excelente do combate interior”.
Mas a essa
vigilância os Padres do deserto aconselham acrescentar a repetição de uma
invocação, composta de uma única e breve fórmula – a “prece monológica”. Com
esta prática, os pensamentos são destruídos pelo poder vitorioso de Cristo, que
se faz presente tão logo é invocado; ao mesmo tempo, ela permite opor à
“lembrança do mal” a “lembrança de Deus”, que designa entre nossos autores a
tomada de consciência dessa atração divina e desse sentido íntimo das coisas de
Deus inscritas na alma no momento do batismo.
Cassiano deu a
este método uma formulação quase definitiva, embora não conhecesse ainda a
invocação do Nome de Jesus: “Todo monge que visa a lembrança contínua de Deus
deve se acostumar a murmurar interiormente e a repassar sem cessar em seu
coração a fórmula que vou lhes dar, e com ela expulsar a multidão de outros
pensamentos, pois ele não conseguirá se manter em oração sem se liberar de
todos os cuidados e solicitações do corpo. Esta é a doutrina na qual fomos
iniciados pelos raros sobreviventes dos mais antigos Padres, e que não
transmitimos senão a alguns raros privilegiados, que tenham realmente sede de
conhecê-la. Para conservar a lembrança de Deus, vocês devem sem cessar guardar
presente em seu espírito esta fórmula santa: “Meu Deus, venha em meu auxílio;
Senhor, apresse-se em me socorrer[3]”.
Não é sem razão que este versículo foi escolhido em meio a toda a Santa
Escritura. Ele permite todos os sentimentos que se possa conceber na natureza
humana, e convém perfeitamente a todos os estados e a toda as tentações. Nele
encontramos a invocação de Deus contra todos os perigos, a humildade de uma
humilde e piedosa confissão, a vigilância que procede de uma atenção e de um
temor contínuos, a consideração de nossa fragilidade, a confiança de sermos
atendidos, a segurança de um socorro sempre presente e pronto a intervir. Pois
aquele que invoca sem cessar seu Protetor está certo de tê-lo sempre presente”.
Os dois
elementos fundamentais da Prece de Jesus já se encontram presentes neste texto
notável: a humilde confissão de nossa miséria, a única que pode nos abrir para
a graça, e na qual os Padres do deserto viam, por isso mesmo, a única via de
salvação e a única ligação estreita estabelecida entre a invocação e a presença
íntima do Senhor. Apesar disso, foi um progresso apreciável a introdução, na
fórmula dessa prece monológica, do próprio Nome do Senhor Jesus.
Diádoco de
Foticéia se apresenta como um dos primeiros testemunhos desta “invocação do
Senhor Jesus”, que é também uma “meditação de seu santo e glorioso Nome”, dando
a este termo de “meditação” seu sentido arcaico de ruminação de uma palavra ou
de uma fórmula: “O intelecto exige absolutamente de nós, quando fechamos todas
as suas saídas pela lembrança de Deus, uma obra que deve satisfazer sua
necessidade de atividade. É preciso então dar-lhe o “Senhor Jesus”, como única
ocupação a satisfazer inteiramente seu objetivo. De fato, está escrito que
ninguém pode dizer “Senhor Jesus” se não for no Espírito Santo[4].
E que por todo o tempo ele contemple tão exclusivamente estas palavras dentre
seus próprios tesouros, que ele não se desvie delas por nenhuma outra
imaginação. Com efeito, todos os que meditam sem cessar na profundeza de seu
coração este santo e glorioso Nome, verão por fim a luz de seu próprio
intelecto. Pois, mantido com um estrito cuidado pelo pensamento, ele consome,
num intenso sentimento, toda sujeira ou mancha que recobre a superfície da alma;
e com efeito, nosso Deus, foi dito, é um fogo devorador[5].
Daí por diante, o Senhor solicitará da alma um grande amor por sua própria
glória. Pois a partir do momento em que ele persiste, por intermédio da memória
intelectual, no fervor do coração, este Nome glorioso e tão desejável implanta
em nós o hábito de amar sua bondade sem que nada mais possa se opor a isto.
Esta é a pérola preciosa que podemos adquirir vendendo todos os nossos bens,
para usufruir, com sua descoberta, de uma alegria inefável”.
Diádoco indica
aqui que o Nome de Jesus – assim como os versículos da Escritura que os antigos
gostavam de ruminar numa meditação incessante – possui uma eficácia excepcional
para despertar no coração o amor divino oculto nele, em virtude do batismo,
como uma brasa sob as cinzas. Sob o choque da invocação, o gosto por Deus e
pelas coisas de Deus se faz sentir e triunfa sobre as falsas doçuras do pecado.
O espírito pode então “ver sua própria luz”, expressão de Evagro que designa a
contemplação e significa que o espírito, ao tomar uma consciência experimental
da inclinação que o empurra para Deus, prova alguma coisa do próprio Deus,
porque essa atração é a manifestação da presença divinizante de Cristo e de seu
Espírito no homem.
Mais adiante,
Diádoco mostra a conexão íntima que deve se estabelecer entre a invocação
formulada pelo espírito do homem e a aspiração do Espírito Santo que se deixa
pouco a pouco experimentar no fundo do coração: “Então, com efeito, a alma se
apropria da própria graça que medita e que clama com ela o ‘Senhor Jesus’,
assim como uma mãe ensina a seu filhinho a palavra ‘pai’, repetindo-a com ele
até que em lugar dos balbucios infantis a criança se habitue com este nome a
ponto de chamar distintivamente por seu pai, mesmo dormindo. É por isso que o
Apóstolo disse: “Da mesma forma, o Espírito vem em socorro de nossa fraqueza;
pois nós não sabemos orar como se deve, mas o próprio Espírito intercede
soberanamente por nós com gemidos inefáveis[6]”.
Este hábito da
prece, que prossegue “mesmo dormindo”, é uma coisa bem diferente do que um
simples reflexo automático criado pela repetição de um ato. Ele é o fruto de
uma plenitude interior, de uma perfeita unificação de todas as energias da alma
colocadas a serviço da caridade e animadas por ela. A constante lembrança de
Deus, à qual os primeiros exercícios laboriosos da Prece de Jesus conduziram,
resulta menos de uma sucessão de atos do que de um estado, de uma orientação do
coração para Deus, que se torna espontânea e estável. Trata-se, como diz o Patriarca
Calixto num curto tratado que se inclui entre os mais importantes da Filocalia,
de “uma água viva que brota em jorro da alma como de uma fonte perpétua”. É ela
que frequentava a alma de Inácio o Teóforo e que o fez dizer: “O que eu tenho
em mim não é mais o fogo ávido de matéria, mas a água que opera e que fala”.
3.
A técnica corporal
O elemento
fundamental do método hesiquiasta é, portanto, a prece monológica: “Senhor Jesus
Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador”. Esta fórmula sem dúvida
ainda não estava constituída em sua integralidade nos tempos de Diádoco de
Foticéia, e poderia também ser abreviada “conforme as forças e o estado daquele
que ora”; para alguns, ela se reduziria apenas ao Nome de Jesus.
Mas é preciso
acrescentar à prática da invocação algumas condições mais exteriores. A
primeira – a única que é mencionada explicitamente na tradição mais antiga –
consiste no retiro para a solidão e o silêncio, longe de toda agitação mundana.
E numa época bem mais tardia, muitos espirituais se dedicaram a demonstrar que
os próprios leigos poderiam extrair grande benefício da Prece de Jesus. As
origens do método não deixam de ser monásticas e contemplativas; ele foi criado
por homens dedicados a dar testemunho absoluto de Deus e que viam na solidão o
melhor auxiliar da hesíquia interior.
Gregório
Palamas descreve assim o clima original da prática da Prece: “Quando o espírito
se entrega à sua própria energia que consiste no retorno e na vigilância sobre
si mesmo, quando, por meio desta energia, ele transcende a si mesmo, então ele
pode se unir a Deus. Eis porque aquele que deseja apaixonadamente viver com
Deus foge da vida sujeita à condenação. Este escolhe a vida monástica, estranha
ao casamento, ele deseja habitar sem preocupações nem perturbação no santuário
da hesíquia, longe de toda relação exterior. Ali ele desliga sua alma, na
medida do possível, de todos os laços materiais e une seu espírito à prece
ininterrupta a Deus. Por meio dela ele se concentra inteiramente em si mesmo e
contra um meio novo e misterioso para subir aos céus; ali está o que podemos
chamar da impalpável treva do silêncio iniciador”.
A tradição
hesiquiasta acrescentou mais tarde à vida retirada uma determinada postura
corporal e um certo controle da respiração. As primeiras descrições escritas
sistemáticas que chegaram até nós datam do século XIII, mas diversos indícios
permitem pensar que esse método psicofísico existia, ao menos num estado
rudimentar, numa época muito mais recuada. A absoluta necessidade do controle
de um Pai spiritual experiente justifica o caráter primeiramente oral da
tradição a este respeito; as próprias exposições literárias, aliás, nunca
pretenderam substituir a iniciação viva, e sempre permaneceram incompletas.
Gregório
Palamas, que defendeu o método contra as acusações fáceis de seus adversários,
comenta o seguinte a respeito: “Veja, irmão: João Clímaco mostrou que basta
examinar o problema de um modo humano, nem ainda espiritual, para ver que é
absolutamente necessário recolocar e manter o espírito no interior do corpo,
quando decidimos pertencer verdadeiramente a nós mesmos e nos tornamos monges
merecedores deste nome, segundo o homem interior. Por outro lado, não é fora de
cabimento ensinar, sobretudo aos iniciantes, a olhar para si mesmos e a enviar
seu espírito para dentro de si por meio da inspiração. Um homem sensato não
proibiria, com efeito, a ninguém, que reunisse em si mesmo, por meio de
determinados processos, seu espírito, ainda que este não seja capaz de
contemplar a si próprio. Os que começaram a empreender essa luta veem
constantemente seu espírito lhes fugir; com dificuldade eles o trazem de volta;
eles precisam reconduzi-lo a si próprios continuamente; na sua inexperiência,
eles não se dão conta de que nada no mundo é mais difícil de contemplar, nem
mais móvel do que o espírito. É por isso que alguns recomendam controlar o
vaivém da sopro e retê-lo um pouco, a fim de reter também o espírito, vigiando
a respiração até que, com a ajuda de Deus, haja progresso suficiente para proibir
o espírito de vagar pelo entorno, e que, com ele purificado, seja possível
conduzi-lo verdadeiramente a um recolhimento unificado. Podemos constatar que
este é um efeito espontâneo da atenção do espírito, pois o vaivém do sopro se
torna apaziguado depois de uma reflexão intensa, sobretudo nos que se encontram
em repouso de corpo e espírito”.
Palamas
prossegue: “Quem busca fazer seu espírito retornar a si mesmo a fim de
empurrá-lo, não num movimento em linha reta – para o exterior – mas num
movimento circular e infalível – do retorno sobre si mesmo – ao invés de
passear seu olhar por aí, como não tirará esta pessoa o maior proveito em fixar
os olhos sobre seu peito ou seu umbigo, como sobre um ponto de apoio? Pois ele
não apenas se recolherá exteriormente sobre si mesmo, tanto quanto lhe seja
possível, em conformidade com o movimento interior que ele busca para seu
espírito, mas ainda, impondo tal postura ao seu corpo, ele enviará para o
interior do coração o poder do espírito que de outro modo escoaria pela vista
em direção ao exterior”.
Essa
disciplina corporal está fundamentada em definitivo sobre a concepção bíblica
do composto humano. É todo o ser que deve participar da vida espiritual, porque
é todo o ser, corpo e alma, que deve receber a salvação. A mentalidade bíblica,
junto com a experiência tradicional, tornou os mestres espirituais do Oriente
cristão atentos para não dissociar o espírito do corpo e a simbolizar as
atitudes da alma por meio de gestos corporais, a fim de permitir “a integração
harmoniosa de todo o nosso ser em sua subida para Deus”. E quaisquer que tenham
sido os exageros ou as simplificações perigosas que atingiram o método
hesiquiasta em algumas ocasiões, eles sabiam ao menos que seu método não
poderia desempenhar mais do que uma função puramente instrumental, diante de
uma experiência que sempre permaneceu em sua essência como um dom da graça: “É
a graça divina que coroa a invocação monológica dirigida a Jesus Cristo com uma
fé viva, com toda pureza, sem distrações, pelo coração. Não é o efeito puro e
simples do método natural da respiração praticada num local tranquilo e escuro.
Não. Os santos Padres, ao inventar este método, não tinham em vista mais do que
um auxílio, se posso dizê-lo, para recolher o espírito, para retirá-lo de sua
distração habitual e fazê-lo buscar a atenção. Graças a essas disposições nasce
no espírito a prece constante, pura e sem distração. Quanto a você, meu filho,
se desejar percorrer seus dias feliz, ‘vivendo incorporeamente em seu corpo’,
viva segundo a regra que lhe expus”.
4.
Conclusão
Nossa
informação sobre as origens do método hesiquiasta comporta muitas lacunas para
que seja possível determinar se existem relações de influência entra as
espiritualidades muçulmanas, hindus ou budistas que relacionam igualmente a
invocação de um Nome divino a uma técnica respiratória. Uma influência com esta
nada que possa desmerecer o método: as leis do psiquismo humano são universais,
e a graça, longe de destruir a natureza, assume seu dinamismo profundo e a
transfigura. Sobretudo, a técnica é aqui sustentada por uma doutrina que nos
parece, junto com seus melhores representantes, autenticamente bíblica e
cristã. Sem a fé nos dogmas da criação do universo espiritual e material, da
salvação pela graça em Cristo, da ressurreição corporal, da deificação pelos
sacramentos, o ensinamento que os santos Padres népticos nos transmitiram sobre
a prece do coração seria ininteligível. O fundamento último do método permanece
sendo a confissão do corifeu dos Apóstolos diante do Sanedrim: “Pois não existe
sob o céu outro Nome dado aos homens pelo qual seja possível a salvação[7]”.
Numa época em
que muitos cristãos estão em busca de uma disciplina total de vida, inclusive
corporal, que seja favorável ao seu equilíbrio e ao seu desenvolvimento
espiritual, não é sem interesse que podemos escutar os velhos monges que
souberam colocar a serviço do desenvolvimento da graça de Cristo no homem uma
sabedoria humana da qual nosso Ocidente perdeu por completo o segredo.
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