sábado, 12 de dezembro de 2015

São Silouane o Athonita - Sobre a Prece (excertos)



Aquele que ama o Senhor se lembra constantemente dele, e a lembrança de Deus faz nascer a prece.  Se você não se lembra do Senhor, tampouco irá rezar. Sem a prece, a alma não se manterá no amor a Deus, pois é pela prece que nos chega a graça do Espírito Santo. Pela prece, o homem se guarda do pecado, pois o espírito em estado de prece é absorvido por Deus. Com humildade, ele se mantém diante da Face do Senhor, a quem sua alma conhece (...).

Deus concede a prece a quem ora; mas a prece que realizamos unicamente por costume, sem termos o coração quebrantado por causa de nossos pecados, não é acolhida pelo Senhor.

Interromperei por um instante meus propósitos sobre a prece.

Minha alma desfalece diante do Senhor; eu o busco com ardor e minha alma não suporta pensar em outra coisa. Minha alma desfalece diante do Senhor vivo, e meu espírito se lança para ele como para seu próprio Pai celeste. O Senhor nos une a ele pelo Espírito Santo. O Senhor é doce ao meu coração – ele é nossa alegria, nossa felicidade e o rochedo de nossa esperança. Senhor, em sua misericórdia venha em busca de sua criatura, e mostre-se aos homens pelo Espírito Santo, como você se revela aos seus servidores. Alegre, Senhor, com a vinda de seu Espírito Santo, toda alma aflita. Faça, Senhor, com que todos os homens que oram conheçam o Espírito Santo.

Nós, todos os homens, humilhemo-nos por amor ao Senhor e pelo Reino dos Céus. Humilhemo-nos, e o Senhor nos fará conhecer a força da “prece de Jesus”. Humilhemo-nos, e o próprio Espírito divino instruirá nossa alma.

Busque conselho junto a homens experientes, se os encontrar, e interrogue humildemente o Senhor; por causa da sua humildade, o Senhor lhe concederá a inteligência.

Quando nossa prece é recebida pelo Senhor, o Espírito divino dá testemunho disto na alma; ele é doce e pacífico; de outro modo eu não saberia se o Senhor aceitou ou não minha prece, nem por quais sinais reconhecê-lo.

Ó homem! Aprenda a humildade de Cristo, e o Senhor lhe permitirá provar da doçura da prece. Se você busca a prece pura, seja humilde, seja sóbrio, confesse-se sinceramente e a prece o amará. Seja obediente, submeta-se de bom grado às autoridades, esteja contente com tudo e então seu espírito de purificará dos vãos pensamentos. Lembre-se de que o Senhor o vê e tema ferir seu irmão; não o julgue, não o faça sofrer, mesmo que só com a expressão do seu rosto – e então o Espírito Santo o amará e o socorrerá em tudo.

O Espírito Santo é como uma mãe cheia de ternura. Assim como uma mãe ama seu filho e o protege, também o Espírito Santo nos protege, nos perdoa, nos cura, nos instrui, nos alegra; ele se dá a conhecer na prece realizada com humildade.

Quem ama a seus inimigos conhecerá sem tardança seu Senhor por intermédio do Espírito Santo; ao contrário, quem não os ama... Não quero nem escrever a respeito. Apenas o lamento, pois este atormenta a si mesmo, faz sofrer os outros, e não conhecerá o Senhor.

A alma que ama o Senhor não pode jamais deixar de orar, pois se sente atraída para ele pela graça que conheceu através da prece.

As igrejas nos foram dadas para a prece; nas igrejas, celebramos os ofícios de acordo com os livros litúrgicos; mas você não pode levar a igreja consigo, nem está todo o tempo com os livros, enquanto que a prece interior está sempre e em toda parte com você. Nas igrejas, celebramos os serviços divinos, e o Espírito Santo está presente; mas a melhor igreja de Deus é a alma. Para aquele que ora em sua alma, o mundo inteiro se torna um templo. Mas isto não é concedido a todos.

Muitos homens oram com os lábios e gostam de orar apoiados nos livros de oração. Isto é bom; o Senhor acolhe suas preces e derrama sobre eles sua graça. Mas se oramos pensando em outra coisa, o Senhor não escutará nossa prece. Quem ora apenas por hábito não experimenta as transformações de sua oração, mas quem ora com todo o seu coração descobre logo as provas que advém: ele se acha em luta contra o inimigo, em luta consigo mesmo, em luta com as paixões, em luta com os homens; e, em tudo isso, é preciso ser valente e valoroso.

Os sofrimentos e os perigos ensinaram muitos homens a orar. Um dia, um soldado veio me procurar numa loja de víveres[1]; ele estava lotado em Salonica. Minha alma sentiu afeto por ele, e eu lhe disse: “Ore ao Senhor, e suas penas serão aliviadas”. Ele me respondeu: “Eu sei rezar. Eu aprendi durante a guerra, quando estava em batalha. Eu suplicava ao Senhor que guardasse minha vida. Choviam balas, os obuses explodiam e poucos homens sobreviveram; eu tomei parte de muitos combates, mas o Senhor me preservou”. Falando assim, ele me mostrou como orava, e pela atitude de seu corpo podia-se ver que ele estava inteiramente mergulhado em Deus.

Muitos homens gostam de ler bons livros, o que é bom; mas orar é melhor do que tudo. Ao contrário, quem lê livros ruins ou jornais, é ferido com a fome da alma. Sua alma se torna faminta, porque o alimento da alma e suas delícias estão em Deus. É em Deus que encontram sua vida e sua alegria.

Se você deseja orar com o espírito unido ao coração, mas não o consegue, diga a prece com os lábios e fixe sua atenção nas palavras da prece, como disse São João Clímaco em sua Escada. Com o tempo, o Senhor lhe concederá a “prece do coração”, sem distração, e você poderá orar com facilidade. Alguns, na obra da prece, tendo forçado seu intelecto a descer até o coração, o abismaram a tal ponto que já não eram mais capazes de pronunciar a prece com os lábios. Mas você conhece a lei da vida espiritual: os dons não são concedidos senão à alma simples, humilde e obediente. A quem é obediente e contido em tudo – na alimentação, nas palavras e nos movimentos – o Senhor concederá a prece, e ela se realizará com facilidade em seu coração.

A prece incessante procede do amor, mas a perdemos por causa dos julgamentos, das palavras vãs e da intemperança. Quem ama a Deus pode pensar nele dia e noite, pois nenhuma ocupação pode impedi-lo de amar a Deus. Os Apóstolos amavam o Senhor sem que os mundo os perturbasse, e mesmo assim eles se lembravam do mundo, oravam por ele e por ele se entregavam à predicação. Entretanto, foi dito a Santo Arsênio: “Fuja dos homens”; mas o Espírito divino nos ensina, mesmo no deserto, a orar pelos homens e pelo mundo inteiro.

Neste mundo, cada qual tem uma tarefa: um é rei, outro é patriarca, outro cozinheiro, ferreiro ou professor, mas o Senhor ama a todos os homens, e aquele que é contemplado com um amor ainda maior de Deus receberá também uma recompensa ainda maior. O Senhor nos deu o mandamento de amar a Deus de todo nosso coração, de toda nossa inteligência e de toda nossa alma. Mas como é possível amar sem orar? É por isso que o intelecto e o coração do homem devem sempre estar livres para a prece.

Quando amamos alguém desejamos estar com a pessoa, pensar nela, falar com ela. A alma ama o Senhor como seu Pai e Criador, e diante dele se coloca com temor e amor; com temor, porque ele é o Senhor, e com amor, porque nele a alma reconhece seu Pai. Ele é misericordioso, e sua graça é mais doce do que tudo.

Também eu penso que é fácil orar, porque a graça de Deus nos auxilia. O Senhor nos ama e nos permite conversar com ele na prece. Faltam-me forças para descrever o quanto o Senhor nos ama. Conhecemos este amor por intermédio do Espírito Santo, e a alma de quem ora conhece o Espírito Santo.

Alguns dizem que a prece nos faz cair numa ilusão espiritual, mas isso é um erro. A ilusão provém de uma presunçosa confiança em si próprio, não da prece. Todos os santos oraram muito e chamaram os demais homens à prece. A prece é a melhor atividade para a alma. Por meio dela, chegamos até Deus; por meio dela, pedimos a humildade, a paciência e outros bens. Quem fala contra a prece claramente jamais provou o quanto o Senhor é bom. Nenhum mal provém de Deus. Todos os santos oraram sem cessar; eles não permaneciam um só instante sem a prece.

A alma, ao perder a humildade, perde também a graça e o amor a Deus, e então a prece ardente se extingue; mas quando as paixões se apaziguam na alma, esta readquire a humildade e o Senhor lhe concede sua graça. A partir daí, ela ora por seus inimigos como por si própria, e ora pelo mundo inteiro com lágrimas ardentes.



[1] São Silouane era ecônomo do mosteiro de São Panteleimon, responsável pelos questões materiais do mosteiro.

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