TEÓFANO O CLÍMACO
A ESCADA DAS GRAÇAS DIVINAS
Nada sabemos de Teófano. Mas este “miserável monge”
como ele próprio se intitula, nos dá, neste curto poema, uma obra-prima no
sentido medieval: aí ele condensou, em poucos versos, toda a experiência
hesiquiasta.
Da “escada” de João Clímaco Teófano só utiliza os
degraus; mas limita a dez (a cifra que conduz ao infinito) os estágios da vinda
do Reino de Deus a nós. É como um diagrama da deificação, entendendo-se – e aí
está o testemunho hesiquiasta – que é possível a Deus, sob a autoridade da
ressurreição de Cristo, dar ao homem, aqui e agora, as garantias do corpo
glorioso. Assim, a escada de Teófano, a “escada das graças”, lembra sobretudo a
escada de Jacó, que religa o home deitado sobre a terra a Deus que está acima
dos céus.
Teófano começa por representarem dez versos os dez
degraus: a oração, o calor, a energia divina, as lágrimas, a paz, a
purificação, a contemplação, o flamejamento, a iluminação, a perfeição. Depois
ele os comenta. O diagrama não é um programa: os degraus não correspondem nem a
esforços, nem a virtudes. Eles não são senão uma sequência de graças. A ascese
é anterior à escada: se desfazer dos cuidados desta vida, não se deixar levar
pelos elementos aparentes do mundo mas pelos degraus místicos, e então acessar
o primeiro: a oração pura. Pois acontece com a gestação espiritual antes do
segundo nascimento (a passagem do corpo terrestre para o corpo de glória) a
mesma coisa que na gestação biológica: todos os estágios da gestação são
imediatamente percebidos, a partir do primeiro, como uma mesma transfiguração
do corpo. Como diz Teófano: “Cada degrau possui uma amplitude infinita”.
Finalmente, depois de haver colocado a escada acima
do mundo, ele próprio se recusa a ensinar. Ele se retira para o lugar do homem
decaído e perdido, o único de onde pode sair humildemente a prece pura, como do
fundo do coração quebrantado: de baixo da escada.
A ESCADA DAS GRAÇAS DIVINAS
Miserável monge que se chama Teófano,
Eu exponho a escada das graças divinas
Que a experiência dá a conhecer aos que tem em si a
Deus.
Ela começa com uma prece toda pura
Que ao coração leva calor.
A seguir uma estranha e santa energia,
Depois divinas lágrimas do coração
E enfim a paz dos pensamentos em suas formas todas
De onde nasce a purificação da inteligência
E a contemplação dos mistérios altíssimos.
Surge então de modo indizível um flamejar estranho
A que segue a inefável iluminação do coração
E então, a perfeição que não tem fim.
Cada degrau, uma amplitude infinita,
Ainda que caiba num só verso.
Assim é que sob a escada, o degrau primeiro
Não fala senão da prece pura:
Mas é imenso o que representa
E se quiséssemos expor a tudo
Longe iríamos afastando-nos deste discurso.
Compreenda amigo, que o mesmo se dá nos demais
degraus:
Seu mestre é a experiência, não o discurso.
A escada, a outra via, se eleva até o céu.
Os degraus, dez, são o outro caminho dado à alma,
Dez degraus que anunciam a vida da alma.
Um Padre que trazia a Deus em si disse assim:
Quem não se esforça para possuir a vida aqui de baixo,
Que com vãs esperanças da alma não se engane
Sobre como a vida receberá no além.
Os dez degraus são a filosofia divina.
Os dez degraus são o fruto de todos os livros.
Os dez degraus mostram a perfeição.
Os dez degraus elevam aos céus.
Os dez degraus permitem conhecer a Deus.
A escada parece tão curta...
Mas se a tomamos para penetrar pela experiência
Lá dentro do coração,
Encontraremos uma riqueza que não pode o mundo conter,
Uma fonte divina que derrama a outra vida.
Esta escada é o melhor mestre.
A cada um ela permite conhecer a própria medida
sabiamente.
Vendo os dez degraus das graças divinas,
Se você pensa neles se firmar,
Pergunte a si próprio em que degrau está
Para o bem dos negligentes que somos.
Se quiser, pelo amor, aprender com esses degraus,
Com nada se inquiete,
Nem das coisas sem razão,
Nem das que parecem razoáveis.
Só digo isto para lembrar você.
É a palavra dos santos Padres que tinham a Deus em si
mesmos,
Mesmo que seja difícil de entender:
Quem não se achar num desses degraus
Ou não tiver nunca passado por eles,
Terá no fim e na hora da morte
Temor e tremor tão grandes,
Que não poderá escapar ao medo sem limites.
Meus versos tocaram o terrível,
Mas é bom que seja assim.
Pois para o arrependimento e a conduta bela e boa,
Os mais duros, de que o primeiro sou eu,
Menos se elevam pelo bem
Do que pelo terror que suscita o temor.
Quem tiver ouvidos, entenda[1].
Escute e compreenda, você que escreveu tais coisas:
Como ousará dizê-las, homem,
Que não tem em si nada absolutamente delas?
Como não tremerá as ensinando?
Não viu o que aconteceu a Ouzza[2]
Que pretendeu endireitar a arca de Deus?
Não pense que digo estas coisas para ensiná-las,
Mas, para por meio delas, incriminar-me
Quando vejo as recompensas dos que combatem
E como de tudo não trago eu nenhum fruto.
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