DO NOSSO SANTO PADRE FILOTEU O SINAÍTA
QUARENTA CAPÍTULOS NÉPTICOS
1.
Existe em nós um combate do intelecto mais duro do que o combate dos sentidos.
O operário da piedade deve correr e perseguir este objetivo[1]
em seu intelecto: guardar perfeitamente, como uma pérola ou uma pedra preciosa[2],
a lembrança de Deus em seu coração. É preciso renunciar a tudo, até ao corpo,
desprezar mesmo a vida presente, a fim de possuir em seu coração apenas a Deus.
Pois, disse o divino Crisóstomo, basta a visão de Deus no intelecto para
derrotar os espíritos maus[3].
2.
Os que conduzem o combate do intelecto devem assim, com toda sua força, extrair
das divinas Escrituras as práticas espirituais e aplicá-las à sua inteligência
como salutares medicamentos. Já foi dito que desde a manhã, com a lembrança
precisa de Deus e a prece contínua de Jesus Cristo na alma, devemos
corajosamente e com todo rigor nos manter à porta do coração levando à morte, pela
guarda do intelecto, todos os pecados da terra[4]
e, em êxtase e na extensão da fiel lembrança de Deus, abater as cabeças dos poderosos[5],
graças ao Senhor, cortando pela raiz os pensamentos inimigos. Com efeito,
sabemos que nos suores do intelecto reside um trabalho e um mandamento divinos.
É assim que devemos agir, nos violentado até a hora do almoço. Então, depois de
dar graças ao Senhor que, em seu amor único pelo homem, nos sacia duplamente de
alimento, no espírito e no corpo, devemos nos dedicar à lembrança e à meditação
da morte, continuando firmemente aplicados à obra da manhã. Se agirmos assim a
cada dia, sem economizar nossas penas, conseguiremos a força para escapar no
Senhor às redes do inimigo invisível. Com o tempo, tudo isto engendrará em nós
estas três coisas: a fé, a esperança e o amor. A fé nos dispõe a temer a Deus
verdadeiramente. A esperança, superando o temor servil, liga o homem ao amor de
Deus, pois a esperança não admite confusão[6]
uma vez que ela engendra o duplo amor do qual estão suspensos a Lei e os
Profetas[7].
Quanto ao amor, ele não passa jamais[8],
além de permitir a quem dele partilha cumprir as vontades divinas neste século
e no século futuro.
3.
É muito raro encontrar homens cuja razão esteja em estado de hesíquia. Isto é
próprio daqueles que fazem o seu melhor, por meio das coisas que tratamos aqui,
para que deles se aproxime a graça e a consolação divinas. Assim, se queremos
seguir a filosofia segundo Cristo – a ascese espiritual na guarda do intelecto,
a sobriedade e a vigilância – devemos nos engajar nesta via nos abstendo de
comer demais, até não tomarmos mais do que a justa medida de alimento e bebida,
na medida em que isto nos for possível. Com efeito, temos todas as razões para
chamar a sobriedade e a vigilância de caminho que conduz ao Reino, tanto que
está em nós quanto aquele por vir; e para as chamarmos de ascese espiritual, na
medida em que elas moldam e purificam as disposições do intelecto e o transformam
levando do passional ao impassível. Pois elas são semelhantes a uma janela
iluminada pela qual Deus se debruça para aparecer ao intelecto.
4.
O verdadeiro lugar de Deus[9],
o céu do coração onde a armada dos demônios não fica porque Deus habita ali,
está onde estão a humildade, a lembrança de Deus suscitada pela sobriedade e a
vigilância e a permanência da prece dirigida contra os inimigos.
5.
Nada perturba mais do que a falação, nada pior e mais capaz de turbar a
condição da alma do que uma língua destemperada. Com efeito, ele destrói aquilo
que construímos a cada dia[10].
Com uma linguagem inconsiderada ela dispersa o que reunimos com grande esforço.
O que existe de pior do que a língua? Ela é um mal irresistível[11].
É preciso assinalar-lhe limites, opor-se a ela com força e sufocá-la, por assim
dizer, a fim de constrangê-la a não servir além do necessário. Quem poderá
descrever todo o mal que a língua pode fazer à alma?
6.
A primeira porta que conduz à Jerusalém inteligível, à atenção do intelecto, é
o silêncio da boca com conhecimento de causa, mesmo que o intelecto ainda não
tenha alcançado a hesíquia. A segunda porta é a temperança calculada em matéria
de alimentos e bebidas. A terceira porta é a memória e a meditação da morte,
que purificam o intelecto e o corpo. Eu vi uma vez a hora desta morte e,
semimorto e arrebatado em espírito, não com os olhos, eu a quis por companheira
para toda a minha vida, prisioneiro que me tornei de sua beleza e de sua
nobreza, a tal ponto ela é humilde, a um tempo alegre e dolorosa, refletida,
temente do justo julgamento e avessa às marcas das lembranças desta vida. Dos
olhos do corpo ela faz jorrar naturalmente uma água viva que cura, e dos olhos
da alma uma fonte que espalha pensamentos sábios que, murmurando e saltitando,
alegram o coração. Esta filha de Adão, como eu a chamei – falo da memória da
morte – eu a quis para minha esposa, eternamente, quis dormir com ela,
conversar com ela, buscar com ela pelo que nos acontecerá depois que nos
retirarmos do corpo. Mas a filha tenebrosa do diabo, o nefasto esquecimento,
não o permitiu.
7.
Pois existe uma guerra que é secretamente travada pelos espíritos do mal e que
os lança contra a alma por intermédio dos pensamentos. Como a própria alma é em
si invisível estas potências maléficas se adaptam à sua natureza e se voltam
contra ela travando esta guerra invisível. Podemos ver, entre estas potências e
a alma, as armas, uma batalha organizada, armadilhas enganosas, uma guerra
terrível, o envolvimento nos combates e, de parte a parte, vitórias e derrotas.
Mas esta guerra invisível de que falamos se distingue da guerra visível num
ponto: o cronograma da guerra. Pois a guerra visível pode ser fixada num tempo
e numa ordem. Mas a outra guerra, sem previsão, despeja subitamente no meio do
coração todas as tropas necessárias e leva a alma à morte pelo pecado. Por que
razão e com que objetivo este combate e esta luta são dirigidos contra nós? Para
que a vontade de Deus, da qual dizemos na oração: “Seja feita a sua vontade”,
não seja cumprida por nós. O que deve ser cumprido por nós são os mandamentos
de Deus. E se, depois de termos atentamente, sóbria e vigilantemente mantido no
Senhor e guardado do erro seu próprio intelecto, se depois disto tivermos
superado rigorosamente os truques das potências maléficas e seus ataques
surgidos da imaginação, acabaremos por encontrá-lo através da prova. É por isso
que o Senhor, que toma a seu encargo opor-se aos maléficos demônios – pois ele
prevê seus projetos – conduzindo-os ao seu próprio objetivo, estabeleceu os
mandamentos e ameaçou aqueles que os transgridem.
8.
Depois de alcançarmos um certo estado de
temperança, ou seja, de abstenção do mal a parente que se exerce pelos
cinco sentidos, poderemos daí em diante guardar nosso coração com Jesus, vê-lo
iluminado por ele e, levados por um desejo ardente, provar de sua bondade em
nosso intelecto. Pois não é por outra razão que recebemos a lei da purificação
do coração: quando as nuvens da malícia deixarem o espaço do coração e forem
dissipadas pela continuidade da atenção, então poderemos, com toda pureza, como
num céu sereno, ver a Jesus, o Sol de justiça, e também, de certo modo, as
razões de sua grandeza brilharem em nosso intelecto. Com efeito, estas razões
não se manifestam a todos, mas apenas aos que purificam seus pensamentos.
9.
Estes devem a cada dia se colocar num estado em que possam aparecer diante de
Deus. Com efeito, diz o profeta Oséias: “Guarde o amor e a justiça e
aproxime-se constantemente de seu Deus[12]”.
Malaquias, por sua vez, diz da parte de Deus: “Um filho glorifica seu pai e um
servidor, seu mestre, Mas se eu sou pai, onde está minha glória, e se sou
mestre, onde o respeito que me é devido? – diz o Senhor todo-poderoso[13]”.
Também o Apóstolo diz: “Purifiquemo-nos de toda mancha da carne e do espírito[14]”.
E a Sabedoria: “Guarde seu coração com toda vigilância, pois é dele que procede
a vida[15]”.
Quanto ao Senhor Jesus Cristo, ele diz: “Purifique o interior do cálice, para
que o exterior se torne puro[16]”.
10.
As conversas intempestivas nos trazem às vezes a aversão dos que nos escutam e
outras vezes as injúrias e ironias dos que percebem a inépcia de nossas
propostas. Outras conversas nos mancham a consciência. Outras, enfim, atraem
sobre nós a condenação de Deus e a tristeza do Espírito Santo, o que é ainda
mais terrível do que todo o resto.
11.
Aquele que, no Senhor, purifica seu coração, arranca o pecado até a raiz, se
esforça por chegar ao mais alto conhecimento de Deus e ver com o intelecto
aquilo que é invisível à maioria, este não deve se glorificar em nada. Pois
nenhum dos seres criados é mais puro que o incorpóreo nem mais cheio de
conhecimento do que o anjo. E por ter se orgulhado, este foi precipitado dos
céus como um raio. O mesmo acontecerá com este homem: o orgulho é considerado
por Deus como uma impureza. Mas os que cavam a terra para obter ouro vivem na
claridade.
12.
O Apóstolo disse: “Aquele que luta se abstém de tudo[17]”.
Pois não é possível aos que estão ligados a esta carne miserável, que não cessa
de conspirar contra o Espírito[18],
se alinhar contra os poderes, contra as potências invisíveis e maléficas,
estando locupletado de alimentos. Pois o Reino de Deus não é feito de comidas e
bebidas[19].
Ele acrescenta que o cuidado com a carne implica aversão a Deus, por não se
submeter à lei de Deus, e até mesmo por não poder fazê-lo[20].
É evidente que não pode fazê-lo, pelo fato de que o ser terrestre – sendo uma
mistura de fluxo, sangue e humores, constantemente puxado para baixo – não
cessa de se desfrutar das coisas da terra e dos prazeres perecíveis do século
presente. Pois o cuidado com a carne é a morte[21],
e os que se agarram à carne não podem agradar a Deus[22].
13.
Precisamos de muita humildade para nos dedicar no Senhor à guarda do intelecto,
primeiro diante de Deus, depois diante dos homens. De todos os modos e de todos
os lados devemos quebrantar nosso coração, praticando todas as coisas que o
forçam a se humilhar. Ora, o que mais contribui para quebrantar e humilhar o
coração são as lembranças de nossa antiga conduta perante o mundo, desde que
dela nos lembremos com precisão. A lembrança de nossos pecados desde a infância
– que nosso intelecto deve examinar um por um, com exceção dos pecados da
carne, cuja recordação é nociva – pode também humilhar, produzir lágrimas e nos
levar a dar graças a Deus de todo nosso coração, do mesmo modo como a lembrança
constante e manifesta da morte. Pois esta mesma lembrança gera também o luto,
junto com uma certa doçura, uma alegria, a sobriedade e a vigilância do
intelecto. Também o que humilha fortemente o coração são as lembranças dos
sofrimentos de nosso Senhor Jesus Cristo, uma por uma, tais como a leitura e a
meditação mantêm na memória. Enfim, para humilhar verdadeiramente a alma estão
as numerosas benesses de Deus, que podemos enumerar e considerar uma por uma,
quando tivermos que lutar contra os demônios do orgulho.
14.
Também você, não recuse por amor próprio estes remédios que salvam a alma. Pois
assim você com certeza não será discípulo de Cristo, nem imitador de Paulo,
dele que disse: “Eu não sou digno de ser chamado de Apóstolo[23]”,
e também: “Eu que antes era blasfemador, perseguidor e violento...[24]”.Você
vê, orgulhoso, como o santo estava longe de esquecer sua vida pregressa? E
todos os santos, desde a origem da criação até hoje, se cobriram com a última
das vestes, a santa vestimenta de Deus. Pois o próprio nosso Senhor Jesus
Cristo, que é Deus além de toda compreensão, de todo conhecimento e de toda
linguagem, querendo mostrar o caminho da vida eterna e da santidade,
revestiu-se de humildade durante toda sua vida na carne. A santa humildade deve
ser assim denominada virtude verdadeiramente divina: o mandamento do Mestre e
sua vestimenta. O anjos e todas estas potências luminosas e divinas praticam e
observam esta virtude, pois eles sabem o que foi a queda de Satanás quando se
orgulhou, e é para inspirar o temor de tal queda aos anjos e aos homens que o
maligno jaz no abismo. Deus fez dele aos olhos de todos os seres o mais
desonrado de toda a criação, por causa de seu orgulho. E sabemos como Adão caiu
por causa de seu orgulho. Tendo assim tantos exemplos desta virtude útil à
alma, humilhemo-nos continuamente e de todas as maneiras, seguindo-os tanto
quanto pudermos. Humilhemo-nos em nossa alma, em nosso corpo, em nosso coração,
nossa vontade, nossas palavras, nossos pensamentos, nosso comportamento, tanto
interior quanto exteriormente. É isto que devemos buscar acima de tudo, a fim
de não termos contra nós Aquele que é por nós: Jesus Cristo, o Filho de Deus e
ele próprio Deus. Pois o Senhor se opõe aos orgulhosos, mas concede sua graça
aos humildes[25].
E: “Todo coração orgulhoso é impuro diante do Senhor[26]”.
E: “Aquele que se rebaixa será elevado[27]”.
E: “Aprendam comigo que sou manso e humilde de coração[28]”.
Por tudo isto, devemos estar atentos.
15.
“Vigiem, disse nosso Salvador, para que seus corações não fiquem pesados e
insensíveis”, e depois: “Aquele que luta deve se abster de tudo”. Sabemos de
tudo isto, pois a Escritura nos disse: levemos nossa vida na temperança. Antes
de tudo, na ordem e no costume da virtude, acostumemos nosso corpo a não comer
demasiado, dando-lhe alimento comedidamente. Assim apaziguaremos com mais
facilidade os levantes do desejo, aos quais devemos acrescentar provavelmente
os levantes do ardor, para submetê-los à razão que nos governa. Assim nos
iremos abster com mais facilidade também de outras faltas. Pois os que tiveram
a experiência da virtude consideram que aí está a virtude: numa temperança que
a tudo abarca, ou seja, na abstenção de toda espécie de mal. Com efeito, antes
de tudo, a fonte da pureza é Deus, que suscita e concede todos os bens. Depois
vem a temperança, igual e comedida a cada dia, nos afastando dos excessos na
comida.
16.
Com efeito, do mesmo modo como Satanás, em sua oposição a Deus e para que não
se cumpra a vontade de Deus – ou seja, os mandamentos – combate contra Deus por
nosso intermédio se esforçando por nos separar de sua vontade, também é por
meio de nós que Deus quer que se cumpra sua santa vontade, ou, como já
dissemos, seus mandamentos divinos e vivificantes, derrubando por nosso
intermédio e com seu impulso os desígnios funestos do maligno. Com efeito, a
vontade vã do inimigo, que parece se opor a Deus através daqueles que o maligno
leva a transgredir os mandamentos, o próprio Deus a destrói pela fraqueza
humana. Veja se não é assim que acontece. Todos os mandamentos do divino
Evangelho parecem fornecer leis para sanear as três faculdades da alma[29]
naqueles que são regidos pelas suas ordens. Melhor, elas não só parecem sanear,
elas de fato saneiam as três faculdades. Por isso o diabo as combate noite e dia.
E, se Satanás combate estas três faculdades, é claro que ele está combatendo os
mandamentos de Cristo. Por que Cristo, com seus mandamentos, deus suas leis às
três faculdades da alma, que são o ardor, o desejo e a razão. Considere o
seguinte: “Quem se irrita com seu irmão sem motivo será passível de julgamento[30]”,
e outras advertências: assim é tratado o ardor. Mas o inimigo, por seu turno,
por meio de querelas e pensamentos de inveja e ressentimento tentará, de
dentro, destruir este mandamento e os que lhe são correlatos. Pois o adversário
sabe que o guia que dirige o ardor é a razão. Crivando-o de flechas por meio
dos pensamentos de suspeita, de inveja, de discórdia, de querela, de mentiras,
de vaidade, ele persuade a razão a abandonar sua autoridade própria e deixar as
rédeas ao ardor, sem mais conduzi-lo. E o ardor, tendo escapado à razão que o
governava, deixa escapar em palavras, pela boca, tudo o que foi depositado
diante de si e acumulado no coração pelos pensamentos do inimigo e a
negligência do intelecto. Então vemos o coração cheio, não do Espírito de Deus
e de pensamentos divinos, mas de malícia, como disse o Senhor: “A boca fala
daquilo que o coração está cheio[31]”.
Pois se o maligno é capaz de fazer sair em palavras aquilo que meditamos
internamente, o irmão que caiu nesta falta não dirá apenas a seu irmão “idiota”
ou “estúpido[32]”,
mas das palavras injuriosas poderá chegar até o assassinato. Por causa de Deus,
que em seu mandamento ordenou que não nos irritemos sem razão, o maligno se
serve desses pensamentos que ele não poderia fazer surgir em palavras de
injúria e tudo o que se segue, se, no momento da agressão, elas tivessem sido
expulsas do coração pela prece e a atenção interior. É assim que o maldito
alcança seus fins, porque ele consegue dissolver o mandamento divino com aquilo
que ele atira dentro do coração por intermédio dos pensamentos.
17.
O que foi ordenado ao desejo pelo divino mandamento do Mestre: “Aquele que olha
uma mulher para deseja-la já cometeu adultério com ela em seu coração[33]”.
E quando obreiro do mal vê uma mulher assim exposta, que rede não tece ele ao
redor do intelecto contra o mandamento! Levando a guerra bem mais longe do que
o corpo que provocou o desejo, ele desliza para o interior do intelecto.
Podemos então ver desenhadas por ele as formas e as imagens da prostituição e
ouvir as palavras que provocam a paixão, sem falar do resto que bem conhecem
aqueles que tem a experiência do intelecto.
18.
E qual o mandamento que foi dado à razão? “Eu lhes proíbo jurar[34]”.
“Que seu sim seja sim, seu não seja não[35]”.
“Quem não renunciou a tudo para me seguir não é digno de mim[36]”.
E: “Entrem pela porta estreita[37]”.
Isto tudo foi ordenado à razão. Mas também aí, o inimigo, como querendo
submeter ao seu poder este excelente general que é a razão, entorta sua cabeça
sugerindo-lhe pensamentos de gula e de indiferença. Depois, fazendo-a se
comportar por um general bêbado e expulsando-a do comando, o dragão se serve do
ardor e do desejo como executores de suas próprias vontades. E estas potências,
o desejo e o ardor, livres da razão, se servem dos nossos cinco sentidos para
ajudá-los a pecar abertamente. E assim sucumbimos. Então os olhos não têm mais
o intelecto interno para detê-los e se tornam indiscretos, o ouvido começa a
apreciar bobagens, o olfato relaxa, a boca se torna intemperante e as mão tocam
o que não devem. Como consequência, a injustiça toma o lugar da justiça, a
irracionalidade substitui o bom senso, o deboche toma o lugar da castidade, a
escravidão o lugar da coragem. Estas são exatamente as quatro virtudes gerais:
a justiça, o bom senso, a castidade e a coragem. Quando bem dirigidas, elas
impedem os sentidos de se desenvolver. Então o intelecto, em paz consigo mesmo,
com suas potências divinamente governadas e dóceis, conduz corajosamente e com
facilidade seu bom combate. Mas se, por negligência, ele põe em confusão suas
potências, vencido pelos ataques do maligno, ele transgride os mandamentos
divinos. Certamente, esta transgressão será seguida ou de um arrependimento
proporcional à falta, ou de um castigo no século futuro. É bom, portanto, que o
intelecto seja sóbrio e vigilante. Mantido em seu estado natural, ele se torna
o verdadeiro guardião das ordens divinas.
19.
A alma foi sitiada, encerrada, acorrentada nas trevas pelos espíritos do mal.
Por causa das trevas que a cercam ela é incapaz de orar como desejaria. Pois
ela está acorrentada na escuridão e seus olhos interiores estão cegados. Quando
ela começar a orar a Deus e a velar graças a esta oração, então, graças à oração,
ela será libertada das trevas. É impossível que se liberte de outro modo. Pois
agora a alma reconhece que existe dentro do coração uma outra luta, outra
oposição oculta, outra guerra contra os pensamentos dos espíritos do mal, como
testemunham as santas Escrituras. De fato, elas dizem: “Se o espírito daquele
que tem o poder se eleva contra você, não abandone seu posto[38]”.
Ora, o lugar do intelecto é a firme constância na virtude, a sobriedade e a
vigilância. Pois existe uma constância na virtude e uma constância no vício.
Foi dito: “Bem-aventurado o homem que não se senta na assembleia dos ímpios nem
se detém no caminho dos pecadores[39]”.
E o Apóstolo: “Sejam firmes, cingidos com o cinturão da verdade[40]”.
20.
Agarremo-nos com toda força a Cristo, por causa daqueles que se esforçam
continuamente para separá-lo da alma, a fim de que Jesus não se vá[41],
afastando-se da multidão de pensamentos que estão no lugar da alma. Não é
possível nos agarrarmos com toda força a ele sem que a alma se esforce.
Tentemos nos aproximar de sua vida na carne, a fim de conduzirmos a nossa com
humildade. Agarremo-nos à sua Paixão, a fim de suportarmos o que nos aflige,
tentando imitá-lo. Provemos da inefável economia que ele fez descer a nós:
quando a alma tiver experimentado de sua doçura, saberemos então que o Senhor é
bom[42].
Além de tudo isso, ou antes de tudo isso, creiamo-lo, tenhamos uma fé
inquebrantável naquilo que ele nos disse, aceitemos dia a dia o que nos traz
sua providência. E seja o que for que nos traga, acolhamos com ações de graça,
com alegria e com todo o coração, a fim de aprendermos a não ver senão Deus,
que governa o universo com as razões divinas de sua sabedoria. Quando tivermos
feito tudo isso não mais estaremos longe de Deus, pois a piedade é uma
perfeição que jamais se esgota, como disse um dia um destes homens que traziam
a Deus em si e eram perfeitos em espírito[43].
21.
Pois quem bem resgata sua vida, quem se consagra inteiramente ao pensamento e à
lembrança da morte e retira sabiamente o intelecto do domínio das paixões, este
homem, por isso mesmo, vê com naturalidade chegar sobre si os ataques dos
demônios quando estes vêm, muito mais depressa do que o que decidiu descartar
de sua vida a lembrança da morte. Este último, que purifica seu coração só com
seu conhecimento, sem no entanto o subtrair aos pensamentos de luto, mesmo que
às vezes ele pareça dominar com maestria e habilidade todas as paixões
desastrosas, pode ainda ser prisioneiro de uma delas, a pior de todas, e cair
no orgulho, longe de Deus. Ele precisará de uma extrema vigilância para não
afogar seu coração nas brumas do orgulho. Com efeito, como diz Paulo, as almas
que vão daqui para ali em busca de conhecimento enchem-se naturalmente de
orgulho diante das que sabem menos[44].
Na minha opinião, nelas não existe a menor centelha da caridade que edifica.
Mas quem não se esquece de meditar toda tarde sobre a morte, percebendo mais
depressa os ataques do demônio do que o outro, os repele e expulsa.
22.
A alegre lembrança de Deus, ou seja de Jesus, unida ao ardor do coração e a uma
aversão salvadora, dissipa naturalmente todos os sortilégios dos pensamentos,
as reflexões, os raciocínios, as imaginações, as formas tenebrosas, numa
palavra, tudo aquilo por meio de quê o malfeitor se prepara para combater as almas
e as enfrenta tentando desencorajá-las e engoli-las. Mas se o invocamos, Jesus
consome tudo isto facilmente. Pois nossa salvação não é outra senão em Cristo
Jesus. De resto, o Salvador disse de si mesmo: “Sem mim vocês nada podem[45]”.
23.
Então, a toda hora e a cada instante guardemos em segurança nosso coração[46]
dos pensamentos que vêm obscurecer o espelho da alma, sobre o qual Jesus
Cristo, a sabedoria e o poder de Deus Pai[47]
coloca sua marca e inscreve sua imagem luminosa, e busquemos sem descanso no
interior do coração o Reino dos céus[48].
O grão de cevada[49],
a pérola[50],
o levedo[51] e
todo o resto, tudo isso encontraremos misticamente dentro de nós mesmos se
purificarmos o olho de nosso intelecto. É por isso que nosso Senhor Jesus
Cristo disse: “O Reino dos céus está dentro de vocês[52]”.
Com isto ele quis dizer que a divindade habita no interior do coração.
24.
A sobriedade e a vigilância iluminam e purificam primeiro a consciência.
Depois, tendo purificada a consciência, como uma luz oculta que brilha
subitamente, ela expulsa as densas trevas. E, quando as trevas são expulsas por
uma contínua e verdadeira vigilância, a consciência revela outra vez o que
estava escondido. Por meio da sobriedade da vigilância ela ensina a luta
invisível do intelecto e o combate da razão. Ela mostra como o intelecto deve
atirar as lanças neste combate singular por Cristo, a luz desejada, face às
trevas maléficas, como, com flechas que atingem o alvo, ela deve evitar as
flechas que vêm sobre si, bater os pensamentos sem ser batido. Quem provou
desta luz compreenderá o que digo. Provar desta luz dá mais fome à alma, que
dela se alimenta mais jamais fica saciada; quanto mais come, mais fome tem.
Esta luz, que atrai o intelecto como o sol atrai os olhos, esta luz
inexplicável que a palavra não pode explicar, que só pode ser experimentada por
quem a provou, ou, para falar com mais exatidão, por quem foi por ela
abençoada, esta luz ordena que eu me cale. Pois o intelecto se arrisca à
arrogância se falar disto, do qual foi dito: “Procurem com todos a paz e a
santificação, sem as quais ninguém verá o Senhor[53]”.
Isto tudo para adquirir o amor e a pureza; pois neles estão a paz e a
santificação.
25.
É preciso armar nosso ardor apenas contra os demônios que, na ordem da razão,
nos acossam e exercem seu ardor contra nós. Quanto ao modo de conduzir conforme
as circunstâncias esta guerra que se desenrola em nós, escute e faça o
seguinte: junte à prece a sobriedade e a vigilância, pois a vigilância purifica
a prece, e a prece purifica a vigilância. A sobriedade e a vigilância, que não
cessam de velar, percebem os que entram e os impedem de entrar, chamando pelo
socorro do Senhor Jesus Cristo para que ele expulse os inimigos pérfidos. A
atenção os impede de entrar, pondo-se a eles; e Jesus, invocado, expulsa os
demônios e seus fantasmas.
26.
Coloque o máximo de rigor em guardar seu intelecto. Uma vez que você toma
ciência de um pensamento, refute-o. Mas rapidamente peça ajuda a Cristo. O doce
Jesus, antes mesmo que você tenha acabado de falar, lhe dirá: “Eu vim para
assegurar sua defesa”. E quando a oração houver derrubado todos esses inimigos,
volte a vigiar seu intelecto. Pois vagas ainda mais numerosas do que as
primeiras virão umas após outras, e sobre elas se debaterá sua alma a nadar.
Mas Jesus voltará, chamado por seu discípulo, e em Deus comandará os maus
ventos[54].
Por estas graças, consagre uma hora, se puder, ou um só instante, para
glorificar Àquele que o salvou, e para pensar na morte.
27.
Tomemos o caminho com o coração totalmente atento e a alma desperta. Pois se
ambos seguem juntos ao longo dos dias, a atenção e a prece se parecem com o
carro de fogo de Elias[55]:
elas transportam às alturas do céu os que vão com elas. Mas, que digo eu? Se o
coração alegre obtém ou se esforça por obter a sobriedade e a vigilância, com o
sol, a lua e as estrelas ele se desdobra como um céu inteligível e, na ordem da
contemplação e da elevação místicas ele se torna o espaço de Deus que nada pode
conter. Quem ama a virtude divina deve tentar com todas as suas forças
manifestar o Senhor e transmitir com todo o coração suas palavras em seus atos.
E se ele controlar com rigor os cinco sentidos, que ele sabe serem nocivos à
alma, ele permitirá ao seu intelecto sustentar mais facilmente o combate e a
guerra do coração. Repila, então, por meio de uma ascese do intelecto, todos os
pensamentos que lhe vierem de fora e combata pelos caminhos divinos e
incorpóreos os pensamentos de dentro provocados pelos primeiros. Expulse os
prazeres com a fadiga das vigílias. Quanto ao alimento e à bebida, seja
temperante. Extenue seu corpo o suficiente para tornar mais facilmente
suportável a guerra do coração: é a você que fará bem, não a outra pessoa.
Proteja sua alma com o pensamento da morte. E com a lembrança de Jesus Cristo
recolhe seu intelecto disperso. Com efeito, é na noite que primeiro descobre em
si o intelecto a serenidade do céu nas contemplações luminosas de Deus e do
divino.
28.
Não recusemos as fadigas da ascese corporal. Pois o trigo sai da terra, e das
fadigas nascem a alegria espiritual e a experiência dos bens. Não enganemos
nossa consciência quando ela nos engaja a seguir os caminhos da salvação e da
ação, e não cessa de nos falar de nossas obrigações e de nossos deveres, e mais
ainda se ela for purificada por uma sobriedade e uma vigilância ativas,
efetivas e rigorosas do intelecto. A partir daí, por causa de sua pureza, ela
traz em si julgamentos penetrantes, equilibrados e indiscutíveis. É por estas
razões que não devemos enganar a consciência: ela anuncia dentro de nós a vida
que agrada a Deus e, com sua firme reprovação à alma quando esta Às vezes
mergulha o coração no pecado, ela lhe mostra como endireitar sua falta,
repreendendo este coração que não soube se arrepender e lhe mostrando o remédio
que prescreve com doçura.
29.
Os olhos ardem ao suportar a fumaça da madeira queimando, mas esta fumaça lhe
mostra a seguir a luz e regozija aqueles a quem antes incomodara. Da mesma
forma, a atenção, que nos força a velar sem descanso, acaba por nos pesar. Mas
se a seguir você chamar Jesus em sua oração, ele iluminará seu coração. Pois
sua lembrança lhe levará, com a iluminação, o melhor dos bens.
30.
Por assim dizer, é natural que o inimigo tente nos forçar a comer da terra[56]:
ele deseja que fiquemos com ele. Ele gostaria que aquele que foi criado à
imagem de Deus[57]
também rastejasse sobre o ventre[58].
Por isso Deis disse: “Eu colocarei inimizade entre você e ele[59]”.
E esta é a razão pela qual devemos respirar continuamente Deus, a fim de passar
a nossa vida, dia após dia, sem sermos feridos pelas flechas inflamadas do
diabo[60].
Foi dito: “Eu o protegerei, porque ele conhece meu nome[61]”.
E: “Sua salvação está próxima daqueles que o temem[62]”.
31.
O bem-aventurado Apóstolo, o vaso de eleição[63],
que falava em Cristo[64]
e tinha uma grande experiência no combate interior e invisível do intelecto,
que acontece dentro de nós mesmos, escrevia aos Efésios: “Não lutamos contra a
carne e o sangue, mas contra as autoridades, contra os poderes, contra as
potências das trevas deste século que dominam o mundo, contra os espíritos do
mal que habitam os lugares celestes[65]”.
Por sua vez, o apóstolo Pedro disse: “Permaneçam sóbrios, vigiem, pois seu
adversário, o diabo, ronda como um leão que ruge, buscando ao que devorar.
Resistam a ele, firmes na fé[66]”.
E nosso Senhor Jesus Cristo, falando das diversas escolhas que devem fazer
aqueles que ouvem as palavras do Evangelho, disse: “Depois vem o diabo, e
retira do coração a palavra – ou seja, ele a rouba mergulhando-o num
esquecimento ruim – de medo que eles creiam e sejam salvos[67]”.
E de novo o Apóstolo: “O homem interior em mim ama a lei de Deus, mas eu vejo
uma outra lei que se opõe à lei de meu intelecto e que em trava[68]”.
Eles disseram estas coisas para nos ensinar e para que saibamos aquilo que nos
escapa.
32.
Por assim dizer, é natural que o conhecimento infle o orgulho com o pensamento
de que somos mais do que os outros, se não soubermos acusar a nós mesmos e
sermos humildes. Partilhemos os sentimentos dos que reconhecem suas fraquezas,
escutando aquele que disse: “Irmãos, eu não considero que já tenha alcançado.
Só afirmo uma coisa: esquecendo o que ficou para trás, miro o que está adiante
e corro para o objetivo com vistas a obter a recompensa com a qual Cristo nos
chama do alto[69]”.
E ainda: “Assim corro eu, mas não ao acaso. Assim bato eu, mas não como alguém
que soca o ar. Mas eu conduzo duramente meu corpo e o submeto, por medo de,
depois de haver pregado aos outros, eu me veja eliminado[70]”.
Você conhece uma humildade grande assim, capaz de ser também, no mesmo homem,
uma corrida para a virtude? Vê como havia em são Paulo, um homem tão eminente e
tão importante, tamanha humildade? “Cristo, disse ele, veio ao mundo para
salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro[71]”.
Assim sendo, não é uma necessidade para nós, que nos humilhemos, se
considerarmos a baixeza de nossa própria natureza? O que há de mais baixo, de
fato, do que lama? Devemos nos lembrar de Deus, porque fomos criados a partir
dela. E também devemos nos dedicar à temperança, para podermos correr ligeiros
ao Senhor.
33.
A quem se entrega a maus pensamentos é impossível guardar seu homem interior a
salvo dos pecados. E se ele não desenraizar de seu coração os maus pensamentos,
ele não poderá impedi-lo de se voltar para as más obras. A causa do olhar
adúltero está em que o olho interior já se entregou ao adultério e às trevas. E
a causa do desejo de escutar infâmias está em que escutamos o que nos murmuram
os demônios infames que habitam em nós. Devemos assim cada um de nós, no
Senhor, nos purificarmos por dentro e por fora, guardar nossos próprios
sentidos, nos mantermos puros de toda atividade inspirada pela paixão e pelo
pecado. E assim como antes estávamos ligados à vida do mundo e, na nossa
ignorância e na vaidade de nosso intelecto, estávamos sujeitados de toda nossa
inteligência e de todos os nossos sentidos às mentiras do pecado, retornando à
vida em Deus devemos, com toda nossa inteligência e nossos sentidos, nos
sujeitarmos ao Deus vivo e verdadeiro[72],
à sua justiça e à sua vontade.
34.
Primeiro existe a sugestão. Depois vem a adesão, depois o consentimento, depois
o cativeiro, e enfim uma paixão formada pelo hábito e a continuidade. Assim é a
vitória do inimigo em sua luta contra nós. Assim é que a definem os santos
Padres.
35.
Eles dizem que a sugestão é um pensamento simples, ou talvez a imagem de uma
coisa, que nasce no coração como uma aparição fortuita e que subitamente se
mostra ao intelecto; que a adesão consiste em se entreter, de modo passional ou
sem paixão, com isto que apareceu; que o consentimento é a complacência da alma
por isto que lhe foi dado ver; que o cativeiro é o que arrasta consigo o
coração à força e contra sua vontade, ou o que o une duravelmente ao que nos
acontece, porém destruindo nosso estado mais nobre. Enfim, eles dizem que a
paixão é o que se esconde por um longo tempo e apaixonadamente na alma. De
todos estes graus, o primeiro não é um pecado; o segundo não o é inteiramente;
o terceiro coloca em cheque o estado daquele que combate. A luta conduz, seja
ao coroamento, seja ao castigo.
36.
Pois o cativeiro não tem o mesmo sentido, conforme somos arrebatados no momento
da oração ou em qualquer outro momento. Quanto à paixão, ela é o fundamento, ou
bem do arrependimento que lhe corresponde, ou bem do castigo que virá.
Portanto, quem resiste desde o começo, ou seja, desde a sugestão, e que a
recebe impassivelmente, corta pela raiz todas as infâmias. Esta luta dos
demônios do mal contra os monges e os não monges se resolve, como dissemos, por
uma derrota ou por uma vitória. O resultado será a coroa em caso de vitória ou
as penas para os derrotados que não se arrependerem. Assim, devemos conduzir o
combate do intelecto contra estes demônios, a fim de não deixar que suas
vontades maléficas passem para nossas obras como pecados reais. Se arrancarmos
o pecado de nossos corações, encontraremos em nós mesmos o Reino de Deus[73].
Por meio desta bela ascese, guardemos em nome de Deus a pureza e a contínua
compunção do coração.
37.
Muitos monges não se apercebem dos erros do intelecto para os quais os levam os
demônios. Eles se voltam para a ação e não se preocupam com o intelecto. Eles
são simples e rústicos e atravessam esta vida, imagino eu, o que é a pureza do
coração e ignorando totalmente as trevas das paixões exteriores. Portanto,
aqueles que não conhecem a luta de que fala Paulo[74],
e que, provavelmente tampouco receberam por experiência a marca do bem,
imaginam que apenas os pecados por ação representam quedas e não consideram que
os pecados em pensamento possam ser desafios que podem dar lugar a vitórias,
porque nenhum olhar pode vê-los: eles permanecem secretos e só são conhecidos
por Deus, o único árbitro do combate, e da consciência daquele que luta. É
deles, penso eu, que foi dito nas Escrituras: “Eles disseram: paz. Mas não
havia paz neles[75]”.
Sua simplicidade os consagra, dentre os irmãos, a rezar por eles e a se
instruir o melhor que podem para evitar o mal que possam vir a praticar pelas
ações. Quanto àqueles cujo desejo por Deus leva a purificar o olhar da alma,
estes estão consagrados a outra ação e outro mistério, o mistério de Cristo.
38.
A clara memória da morte é verdadeiramente comum a muitas virtudes. Ela produz
o luto, incita à temperança em tudo, lembra a Geena, é a mãe da prece e das
lágrimas. Ela é a guarda do coração, que torna a terra enquanto tal
indiferente, e é uma fonte de perspicácia e discernimento. Seus filhos são o
duplo temor a Deus, bem como a purificação que retira do coração os pensamentos
passionais e que contém numerosos mandamentos do Mestre. É nela que podemos ver
o duro combate que devemos combater no tempo oportuno, e que é a preocupação da
maior parte dos que lutam por Cristo.
39.
Um acidente ou uma infelicidade súbita não perturba pouco a atenção dos
pensamentos. Atirando o intelecto fora dos caminhos que o levam ao melhor
estado, na virtude e na beleza, estas coisas o desviam para disputas e querelas
que desembocam no pecado. A causa daquilo que nos fere assim é nossa total
despreocupação em relação às agressões.
40.
Nada nos perturbará e nada nos oprimirá dentre as aflições que encontramos a
cada dia, se de uma vez por todas o saibamos e colocarmos em nossa meditação
contínua. É por isso que o divino Paulo disse: “Eu me comprazo nas fraquezas,
nos ultrajes, nas angústias[76]”,
E: “Todos os que querem viver com piedade em Cristo Jesus serão perseguidos[77]”.
A ele a glória pelos séculos dos séculos[78].
Amém.
[1] Cf. Filipenses
3: 14.
[2] Cf. Mateus
13: 41-46.
[3] João Crisóstomo, Homilias
sobre são João III.
[4] Cf. Salmo
100 (101): 8.
[5] Cf. Habacuque
3: 14.
[6] Cf. Romanos
5: 5.
[7] Cf. Mateus
22: 40.
[8] Cf. I Coríntios
13: 18.
[9] Cf. Gênesis
28: 16-17.
[10] Cf. Gálatas 2:
18.
[11] Cf. Tiago 3:
8.
[12] Oséias 12:
17.
[13] Malaquias 1:
6.
[14] II Coríntios
7: 1
[15] Provérbios
4: 23.
[16] Mateus 23:
26.
[17] I Coríntios
9: 25.
[18] Cf. Gálatas
5: 17.
[19] Cf. Romanos 14:
17.
[20] Cf. Romanos 8:
7.
[21] Cf. Romanos 8:
6.
[22] Cf. Romanos
8: 8.
[23] I Coríntios
15: 9.
[24] I Timóteo 1:
13.
[25] Cf. Provérbios
3: 34; Tiago 4: 6.
[26] Provérbios
16: 5.
[27] Mateus 23:
12.
[28] Mateus 11:
29;
[29] As três partes da alma: desejo, ardor e razão.
[30] Mateus 5:
22.
[31] Mateus 12:
34.
[32] Cf. Mateus
5: 22.
[33] Mateus 5:
28.
[34] Mateus 5:
34.
[35] Mateus 5:
37.
[36] Mateus 10:
37-38.
[37] Mateus 7:
13.
[38] Eclesiastes 10:
4.
[39] Salmo 1: 1.
[40] Efésios 6:
14.
[41] Cf. João 5:
13.
[42] Cf. Salmo 33
(34): 9.
[43] João Clímaco, A escada santa XXIX, 4.
[44] Cf. I Coríntios
4: 6.18.19.
[45] João 15: 5.
[46] Cf. Provérbios
4: 23.
[47] Cf. I Coríntios
1: 24.
[48] Cf. Mateus
6: 33.
[49] Cf. Lucas
13: 19.
[50] Cf. Mateus
13: 45.
[51] Cf. Mateus
13: 33.
[52] Cf. Lucas
17: 21.
[53] Hebreus 12:
14.
[54] Cf. Mateus
8: 23-27.
[55] Cf. II Reis
2: 11.
[56] Cf. Gênesis 3: 14.
[57] Cf. Gênesis 1: 27.
[58] Cf. Gênesis
3: 14.
[59] Gênesis 3:
15.
[60] Cf. Efésios
6: 16.
[61] Salmo 90
(91): 14 LXX.
[62] Salmo 84 (85): 10.
[63] Cf. Atos 9:
15.
[64] Cf. II Coríntios
2: 17.
[65] Efésios 6:
12.
[66] I Pedro 5:
8.
[67] Lucas 8: 12.
[68] Romanos 7:
22-23.
[69] Filipenses
3: 13-14.
[70] I Coríntios
9: 26-27.
[71] I Timóteo 1:
15.
[72] Cf. I Tessalonicenses
1: 9.
[73] Cf. Lucas
17: 21.
[74] Cf. Efésios
6: 12.
[75] Ezequiel 13:
10.
[76] II Coríntios
12: 10.
[77] II Timóteo
3: 12.
[78] Romanos 11:
36.
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