domingo, 15 de maio de 2016

Hierotheus de Nafpaktos - Psicoterapia Ortodoxa - Capítulo I



CINCO PALAVRAS FUNDAMENTAIS

Antes de iniciarmos esse estudo, é preciso absorver alguns termos gregos cuja tradução nunca revela exatamente o sentido original. O primeiro desses termos é NOUS, palavra que se refere ao “olho do coração”, e que costuma ser traduzido como mente ou intelecto, e que dá origem ao adjetivo “noético”. Outras duas palavras, PRAXIS (ação) e THEORIA (visão) geralmente se referem nos escritos patrísticos, respectivamente, à prática ascética e à visão de Deus. NEPSIS indica a um tempo a sobriedade e a vigilância, características da vida dos santos Padres, e costuma ser traduzida apenas como “vigilância”, o que a faz perder seu segundo, mas não menos importante sentido, referente à “sobriedade”. Finalmente HESÍQUIA significa repouso, paz, a Paz de Cristo que não é a paz do mundo, a paz na presença de Deus.


PRÓLOGO DO AUTOR

O homem contemporâneo, cansado e desencorajado pelo vários problemas que o atormentam, busca por descanso e alívio. Basicamente, ele está procurando pela cura de sua alma, pois é principalmente aí que ele sente o problema. Ele está entrando em “depressão mental”. Por esta razão as explicações psiquiátricas têm circulado amplamente em nossos tempos. Em particular, a psicoterapia é muito difundida. Enquanto que essas coisas eram quase desconhecidas antigamente, elas estão horrivelmente prevalecendo agora, e muitas pessoas correm para psicoterapias para encontrar paz e conforto. Por isso eu repito, o homem contemporâneo sente que ele necessita curar-se.

Além de observar essa necessidade fundamental, eu noto que a cada dia o Cristianismo, e especialmente a Ortodoxia, que preserva a essência do Cristianismo, tem feito uso de uma certa “psicoterapia”, ou melhor, que a Ortodoxia é principalmente uma ciência terapêutica. Todos os meios que ela emprega, e mesmo seu objetivo fundamental, objetivam curar o homem e guiá-lo para Deus. Pois para alcançar a comunhão com Deus e adquirir o abençoado estado de divinização, devemos antes ser curados. Assim, para além de quaisquer outras interpretações, a Ortodoxia consiste basicamente numa ciência terapêutica e num tratamento. Ela difere claramente de outros métodos psiquiátricos por não ser antropocêntrica e porque não faz seu trabalho utilizando-se de meios humanos, mas com a ajuda e a energia da graça divina, essencialmente por intermédio da sinergia entre as vontades divina e humana.

Eu procurei enfatizar algumas verdades neste livro. Eu gostaria de apontar a essência do Cristianismo e também o método que ele emprega para obter a cura. Meu objetivo básico é o de ajudar o homem contemporâneo a encontrar sua cura no seio da Igreja Ortodoxa, do mesmo modo como estamos nós tentando obtê-la. Eu acredito que estamos todos doentes e buscando por um Médico. Todos buscamos a cura. A Igreja Ortodoxa é o hospital onde todos os enfermos e agoniados podem ser curados.

Se este livro se tornar ocasião para que algumas pessoas se voltem para buscar a cura na Igreja e em seus ensinamentos, eu agradecerei a Deus, que me deu a inspiração e a força para levar adiante esse difícil empreendimento, e pedirei a Ele que tenha misericórdia de mim pelas minhas inúmeras fraquezas.

Edessa, 30 de Setembro de 1987


INTRODUÇÃO

Creio que tenho a obrigação de fornecer algumas explicações básicas para o estudo e entendimento dos capítulos a seguir.

Eu dei o título de “Psicoterapia Ortodoxa” para este livro como um todo, porque ele representa o ensinamento dos Padres na cura da alma. Eu sei que o termo “psicoterapia” é bastante moderno e que ele é usado por muitos psiquiatras para indicar o método que eles seguem na cura de neuróticos. Mas uma vez que a maior parte dos psiquiatras desconhece os ensinamentos da Igreja, ou não desejam aplicá-los, e dado que sua antropologia é bastante diferente da antropologia e da Soteriologia dos Padres, ao usar o termo “psicoterapia” eu não estou aplicando seus pontos de vista. Teria sido muito simples em certos aspectos usar suas perspectivas, algumas das quais concordantes com os ensinamentos dos Padres, outras conflitantes, e apenas fazer os comentários correspondentes e necessários, mas eu não quis fazer isso. Eu pensei ser melhor seguir o ensinamento da Igreja através dos Padres, sem misturá-los com outras coisas. Por isso eu coloquei o termo “Ortodoxa” junto do termo “Psicoterapia” (cura da alma), para formar o título “Psicoterapia Ortodoxa”. Na verdade, o título também poderia ser “Tratamento terapêutico Ortodoxo”.

Muitos ensinamentos dos Padres estão citados com suas referências para sustentar o texto na medida de seu desenvolvimento. Estou ciente de que textos contendo muitas referências são difíceis de ler. Entretanto, eu preferi esse método a tornar simplesmente este estudo de fácil leitura[1]. Infelizmente, hoje em dia livros costumam ser escritos num estilo sentimental, e eu não quero que esse tema, tão crucial na atualidade, seja apresentado dessa maneira.

Consultamos muitos Padres no desenvolvimento de nosso tema, muitos dos quais Padres népticos, mas sem desdenhar dos assim chamados Padres “sociais”. Eu digo “assim chamados” porque não acredito que tal distinção exista essencialmente. Na teologia Ortodoxa aqueles que são chamados de népticos são eminentemente sociais e os sociais são essencialmente népticos. Os Três Hierarcas[2], por exemplo, levaram uma vida de vigilância ascética, purificaram suas mentes e apascentaram o povo de Deus. Eu acredito firmemente que a qualidade social dos santos é uma dimensão do ascetismo.

Existe uma porção considerável de ensinamento néptico nos trabalhos dos Três Hierarcas. Mas eu utilizei mais os Padres da Filocalia, por haver aí um material mais abundante e porque a Filocalia é uma coleção de textos místicos teológicos, e como tal “constitui uma efulgência altamente inspirada da consagrada experiência ascética das divinas figuras patrísticas, nas quais brilhou a sagrada luz vivificante do espírito[3]”. De acordo com os editores da edição Grega da Filocalia, depois do final dos conflitos hesiquiastas do século XIV surgiu a necessidade de coletar as principais obras dos Padres, relativas à vida hesiquiasta e à prece noética. Eles escreveram: “Existem fortes indicações de que a coleção tenha sido feita por monges altamente espirituais do Monte Athos a partir da biblioteca da Montanha Santa, e que tenha sido iniciada na segunda metade do século XIV, a partir de 1350. Esse período coincide com a cessação da famosa controvérsia hesiquiasta. Concretamente, esta termina com a triunfante justificação Sinódica dos Padres Athonitas. Por essa época ficou claro que era preciso o estabelecimento de uma nova visão dos Padres do Oriente Ortodoxo em relação ao ascetismo hesiquiasta e à prece noética. Esses dois pontos foram o principal alvo do racionalismo e do ativismo social do Catolicismo Romano com o protagonismo do pérfido monge Barlaam o Calabrês, que em seguida se tornaria bispo da Igreja Católica Romana[4]”.

A elaboração final dos textos da Filocalia foi feita por São Macário, primeiro bispo de Corinto, e São Nicodemos o Hagiorita, de modo que “de certo modo a Filocalia adquire a dimensão de uma apresentação Sinodal da Teologia Mística da Igreja Ortodoxa do Oriente”. Por essa razão foram utilizados os textos da Filocalia, com a finalidade de descrever e apresentar os ensinamentos da Igreja sobre a cura da alma, do nous, do coração e dos pensamentos. Por outro lado, onde houve necessidade, eu não hesitei em consultar os textos de outros grandes Padres, como São Gregório o Teólogo, São Gregório Palamas (especialmente suas “Tríades”), São João Crisóstomo, São Basílio o Grande, São Simeão o Novo Teólogo, etc.

É verdade que não existe um capítulo especial dedicado aos sacramentos do Santo Batismo e da Sagrada Comunhão. Em muitos lugares o grande valor da vida sacramental da Igreja é enfatizado. De qualquer modo, não existe uma palavra específica sobre o Batismo porque eu sei que estou falando com pessoas que já foram batizadas e assim é presumível que não haja necessidade disso. Por ouro lado, o sacramento da Divina Eucaristia é o centro da vida espiritual e sacramental da Igreja. A Sagrada Comunhão é o que diferencia o ascetismo da Igreja Ortodoxa de todos os demais “ascetismos”. Eu a considero como muito necessária para a vida espiritual do homem e para sua salvação. Mas é necessária uma preparação para estar convenientemente preparado para receber a comunhão do Corpo e Sangue de Cristo. Isto porque a Sagrada Comunhão, de acordo com as preces litúrgicas, é uma luz que ilumina para aqueles que estão preparados, e, para os que não estão, é um fogo devorador. O Apóstolo Paulo diz: “Quem comer o pão e beber do cálice do Senhor de maneira indigna será culpado de profanar o corpo e o sangue do senhor. O homem deve examinar a si mesmo, e então comer do pão e beber do cálice. Pois aquele que come e bebe sem discernir o Corpo, come e bebe seu próprio julgamento. É por essa razão que muitos de vocês estão fracos e doentes, e que alguns morreram[5]”.

Vivemos num tempo em que muito se tem dito sobre eclesiologia, eucaristologia e escatologia. Não temos objeção a isso. Acreditamos que estes são elementos essenciais da vida espiritual. Mas a Igreja, a santa Eucaristia e a escatologia estão estreitamente conectadas com a vida ascética. Eu acredito firmemente que deve ser dada prioridade ao tema da vida ascética, que é parte da preparação para a Sagrada Comunhão. E como esse aspecto vem sendo desdenhado, se torna necessária uma ênfase especial a respeito. A Sagrada Comunhão ajuda na cura, desde que sejam seguidos todos os demais tratamentos religiosos que são a base do ascetismo Ortodoxo.

Muito se tem falado sobre problemas psicológicos. Eu acredito que esses supostos problemas psicológicos são em grande parte problemas dos pensamentos, de uma mente obscurecida e de um coração impuro. O coração impuro, conforme é descrito pelos Padres, a mente escura e sombria, e os pensamentos impuros são a fonte desses chamados problemas psicológicos. Quando um homem está interiormente curado, quando ele descobre o lugar de seu coração, quando ele purifica a parte noética de sua alma e liberta seu intelecto, ele supera os problemas psicológicos. Ele passa a viver na abençoada e imperturbável paz de Cristo. Dizemos essas coisas com a reserva de que o corpo, naturalmente, pode ficar doente por fadiga, exaustão, fraqueza ou declínio.

O primeiro capítulo, intitulado “A Ortodoxia como uma ciência terapêutica”, pode ser caracterizado como um sumário de todo o livro. De fato, ele inclui muitos pontos dos demais capítulos. Eu confesso que o terceiro capítulo, intitulado “Psicoterapia Ortodoxa”, é difícil em algumas passagens. Eu não pude impedi-lo, porque eu tive que analisar os termos alma, nous, coração e intelecto e considerar suas inter-relações e diferenças.

Um sétimo capítulo, intitulado “A prece noética como método de cura”, talvez pudesse ter sido escrito. Mas como em todos os demais capítulos existem trechos nos quais o valor e a necessidade da prece foram enfatizados, especialmente no capítulo sobre a hesíquia e o método da terapia, e dado que existem livros excelentes que descrevem os métodos e o valor da prece noética, preferi não incluir esse capítulo, apesar de minha intenção original. Recomendo a leitura de outros livros já em circulação.

Eu gostaria de pedir que esse livro fosse não apenas lido, mas estudado. Talvez ele deva ser estudado uma segunda e uma terceira vez, com o propósito específico de ser aplicado. Possa os santos Padres cujos ensinamentos estão apresentados iluminar tanto a mim quanto aos leitores para que possamos criar um caminho de cura e salvação para nossas almas.

Peço sinceramente a Deus que os erros que eu tenha cometido possam ser corrigidos e que eles não prejudiquem a alma dos leitores, pois esses capítulos foram escritos para ajudar, e não para prejudicar. Da mesma forma, peço aos leitores que encontrarem quaisquer erros que me avisem, para que eu os possa corrigir.

Concluindo, eu gostaria de agradecer a todos que me ajudaram com esta publicação. O benefício que essa obra puder causar deve ser dedicado também a essas pessoas. “Possa Deus conceder a eles os desejos de seus corações”.


1.       A Ortodoxia como uma ciência terapêutica

Muitas interpretações do Cristianismo foram formuladas e muitas respostas foram dadas às questões: o que é o Cristianismo e qual sua missão no mundo? Muitas das respostas não são verdadeiras. A seguir, vamos tentar demonstrar que o Cristianismo, em especial a Ortodoxia, consiste numa terapia. Tentaremos descrever essa terapia, e o modo como ela deve ser adquirida.

1.1.  O que é o Cristianismo

 Muitas pessoas que interpretam o caráter do Cristianismo o veem como uma das numerosas filosofias e religiões conhecidas desde a antiguidade. Certamente, o Cristianismo não é uma filosofia, no sentido que prevalece hoje. A filosofia estabelecer um sistema de pensamento que, na maior parte das vezes, não traz em si relação alguma com a vida. A principal diferença entre o Cristianismo e a filosofia é que esta última consiste num pensamento humano, enquanto que o Cristianismo é uma revelação de Deus. Ele não foi uma descoberta do homem, mas uma revelação do próprio Deus ao homem. Teria sido impossível à lógica humana encontrar as verdades do Cristianismo. Na medida em que a palavra humana se revelou impotente, surgiu o Verbo divino-humano, Cristo o Deus-Homem, o Verbo de Deus. Essa revelação divina foi formulada nos termos filosóficos de seu tempo, mas, repetimos, é preciso enfatizar que não se trata de uma filosofia. Apenas a roupagem do Verbo divino-humano foi tomada da filosofia de seu tempo.

São João Crisóstomo, interpretando Isaías 3: 1 (“Vejam o Senhor, o Senhor dos Exércitos, tirou a sustentação de Jerusalém e de Judá (...) o homem forte e o soldado, o juiz e o profeta, o adivinho...”), observa: “Ele parece chamar aqui de adivinho uma pessoa que é capaz de conjecturar o futuro através de uma profunda inteligência e experiência das coisas. Adivinhação e profecia são de fato coisas diferentes: o profeta colocando-se à parte, fala sob inspiração divina; por sua vez, o adivinho parte daquilo que já aconteceu, coloca sua própria inteligência a trabalhar e prevê muitos eventos futuros, como o faria uma pessoa inteligente. Mas a diferença entre eles é grande: é a distância que separa a inteligência humana da graça divina”.

Portanto, a especulação (ou filosofia) é uma coisa, e a profecia, ou a palavra do profeta que teologiza, é outra. A primeira consiste numa atividade humana enquanto que esta última é a revelação do  Espírito Santo.

Nos escritos patrísticos, e especialmente nos ensinamentos de São Máximo, a filosofia é apontada como se situando no início da vida espiritual. Porém, ele usava o termo “filosofia prática” para significar a limpeza do coração de suas paixões, que é de fato o primeiro estágio para a jornada da alma em direção a Deus.

O Cristianismo também não pode ser visto como uma religião, pelo menos não como a religião de apresenta hoje em dia. Deus normalmente é visto como habitando nos céus e dirigindo a história humana desde lá: Ele seria extremamente detalhista, buscando a satisfação do homem, que teria caído na terra por sua fraqueza e enfermidade. Existe, assim, um muro separando Deus do homem. Esse muro tem que ser suplantado pelo homem, e a religião proveria um auxílio efetivo nessa tarefa. Vários ritos religiosos seriam assim empregados com este propósito.

De acordo com outro ponto de vista, o homem se sente impotente perante o universo e necessita de um Deus poderoso para ajudá-lo em sua fraqueza. Desta perspectiva, Deus não criou o homem, mas o homem criou seu Deus. Mais uma vez, a religião é concebida como um relacionamento do  homem com um Deus Absoluto, como um relacionamento do tipo “eu e o Outro Absoluto”. Novamente, muitos veem a religião como um meio através do qual as pessoas se iludem transferindo suas esperanças para a vida futura. Dessa maneira forças poderosas pressionariam o povo por intermédio da religião.

Mas o Cristianismo é algo muito além dessas interpretações e teorias; ele não pode ser contido dentro das concepções usuais e da definição de religião fornecidas pelas religiões “naturais”. Deus não é o Outro Absoluto, mas uma Pessoa viva, que está numa comunicação orgânica com o homem. Mais do que isso, o Cristianismo não transfere simplesmente o problema para o futuro, nem espera as delícias do reino celeste para depois da história e no final dos tempos. No Cristianismo o futuro é vivido no presente e o reino de Deus começa nesta vida. De acordo com a interpretação Patrística, o reino de Deus é a graça do Deus Triuno, é a visão da Luz incriada.

Nós, Ortodoxos, não estamos esperando pelo final da história ou pelo final dos tempos, mas, através de nossa vida em Cristo estamos nos dirigindo para encontrar o fim da história e deste modo viver a vida que se espera para depois da Segunda Vinda. São Simeão o Novo Teólogo diz que aquele que viu a luz incriada e se uniu a Deus não está mais esperando pela Segunda Vinda do Senhor, mas a está vivendo. Assim é que o eterno nos abraça e envolve a cada moimento do tempo. Dessa forma, o passado, o presente e o futuro são vividos essencialmente numa unidade inquebrantável. É o que se chama de “tempo condensado”.

Portanto, a Ortodoxia não pode ser caracterizada como “ópio do povo”, precisamente porque ela não adia o problema. Ela oferece a vida, transforma a vida biológica, santifica e transforma as sociedades. Onde a Ortodoxia é vivida do modo correto e no Espírito Santo, existe a comunhão entre Deus e o homem, do celeste com o terrestre, do vivo com o morto. Nessa comunhão todos os problemas que se apresentam em nossa vida são verdadeiramente resolvidos.

É claro que, uma vez que a comunidade da Igreja inclui pessoas doentes e iniciantes na vida espiritual, podemos esperar que algumas dessas pessoas entendam o Cristianismo como uma religião nos sentidos a que nos referimos acima. Acima de tudo, a vida espiritual é uma viagem dinâmica. Ela começa com o batismo, com a purificação da “imagem”, e continua através da vida ascética que objetiva alcançar a “semelhança”, que consiste na comunhão com Deus. De qualquer modo, deve ficar esclarecido que mesmo quando falamos do Cristianismo como uma religião, devemos fazê-lo apenas a partir de alguns pressupostos.

O primeiro deles é que o Cristianismo é principalmente uma Igreja. “Igreja” significa “Corpo de Cristo”. Existem muitos lugares no Novo testamento em que o Cristianismo é chamado de Igreja. Vamos citar apenas as palavras de Cristo a respeito: “Você é Pedro, e sobre essa pedra eu erguerei minha igreja[6]”, e as palavras do Apóstolo Paulo aos Colossenses: “Ele é a cabeça do corpo, a igreja[7]”, e ao seu discípulo Timóteo: “...desse modo você entenderá como deve se conduzir na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, o pilar e o terreno da verdade[8]”. Isso significa que Cristo não mora simplesmente nos céus, dirigindo desde lá a história e as vidas dos homens, mas que ele está unido a nós. Ele assumiu a natureza humana e a deificou; assim sendo, em Cristo a natureza deificada do homem encontra-se à direita do Pai. Assim é que Cristo é nossa vida e nós somos os “membros de Cristo”.

O segundo pressuposto é que o objetivo do Cristianismo é o de alcançar o abençoado estado de deificação. A deificação é idêntica à “semelhança”, ou seja, consiste em ser como Deus. É claro que, para atingir a semelhança, para alcançar a visão de Deus, e para que esta visão não se transforme num fogo devorador, mas numa luz vivificante, é preciso que primeiro seja feita uma purificação. Esta purificação e cura é o trabalho da Igreja. Quando o cristão participa do culto ser ter experimentado essa purificação vivificadora – principalmente dos atos de adoração que objetivam a purificação do homem – então ele não está, realmente, vivendo no seio da Igreja. O Cristianismo sem purificação é uma utopia. Assim, só podemos falar em religião na medida em que estamos sendo purificados, quando estamos buscando nossa cura. E isso concorda com as palavras do irmão do Senhor, Tiago: “Se alguém dentre vocês pensa ser religiosos, mas não refreia sua língua e ao contrário, ilude seu coração, sua religião é inútil. Uma religião pura e incorruptível diante de Deus e do Pai é essa: visitar os órfãos e as viúvas desamparados, e se manter imaculado perante o mundo[9]”.

Essa abstinência nos permite afirmar que o Cristianismo não é nem uma filosofia, nem uma religião “natural”, mas, principalmente, uma cura. É a cura das paixões da pessoa, de modo a que ela possa alcançar a comunhão e a união com Deus.

Na parábola do Bom Samaritano o Senhor nos mostrou muitas verdades. Assim que o Samaritano viu o home quem caíra nas mãos dos bandidos que o feriram e o deixaram à morte, ele “sentiu compaixão por ele, dirigiu-se a ele e pensou seus ferimentos, derramando sobre eles azeite e vinho; depois colocou-o sobre sua própria montaria, levou-o a uma hospedaria e cuidou para que ele fosse tratado[10]”. Cristo tratou do homem ferido e levou-o até a hospedaria, até o Hospital que é a Igreja. Aqui Cristo é apresentado como o médico que cura a enfermidade do homem, e a Igreja é mostrada como um Hospital.

É bem característico que ao analisar essa parábola, São João Crisóstomo tenha apresentado as verdades que acabamos de enfatizar. O homem proveio “de um estado celestial para o estado de ilusão demoníaca, e ele se sente no meio de ladrões, ou seja, em meio ao diabo e seus poderes hostis”. As feridas que ele apresenta são seus inúmeros pecados. Como disse Davi, “minhas feridas estão sujas e infectadas devido à minha loucura[11]”. Pois “todo pecado causa ferimentos e hematomas”. O Samaritano é o próprio Cristo, que desceu dos céus à terra para salvar os homens feridos. Ele emprega vinho e azeite nas feridas. Isso equivale a dizer que “misturando o Espírito Santo ao seu sangue, ele trouxe a vida ao homem”. De acordo com outra interpretação, “o azeite traz a palavra de conforto, o vinho traz a loção adstringente, a instrução que traz concentração à mente dispersa”. Ele colocou o homem sobre sua montaria: “Carregando a carne sobre seus ombros divinos, ele a ergueu até o Pai nos Céus”. Assim sendo, o bom Samaritano, Cristo, conduziu o homem “até a maravilhosa e espaçosa hospedaria, a Igreja universal”. Ele o entregou ao hospedeiro, que é o Apóstolo Paulo e “através de Paulo, aos altos sacerdotes, professores e ministros de cada igreja”, dizendo: “Cuide do povo dos Gentios que eu lhe entreguei na Igreja. Quando os homens estiverem doentes, feridos pelo pecado, cure-os, colocando sobre suas feridas um emplastro, ou seja, as palavras proféticas e os ensinamentos evangélicos, devolvendo-os incólumes por meio das admoestações e das exortações do Velho e do Novo Testamentos”. Assim, de acordo com São João Crisóstomo, Paulo é aquele que sustenta as igrejas de Deus “e cura os homens por meio das admoestações espirituais, distribuindo o pão da oferenda para cada qual”.

Na interpretação de São João Crisóstomo da parábola fica claramente evidente que a Igreja é o Hospital que cura aqueles que estão enfermos pelo pecado, sendo que os bispos e padres, tal como o Apóstolo Paulo, são os que curam o povo de Deus.

Essas verdades também aparecem em muitos outros lugares do Novo Testamento. O Senhor disse: “Os que têm saúde não precisam de médico, mas sim os que estão doentes[12]”. Assim é que Cristo, como um médico de corpos e almas, “curava todo tipo de enfermidades e todos os tipos de moléstias entre o povo (...) eles lhe levavam as pessoas doentes que eram afligidas por diferentes enfermidades e tormentos, e também as que estavam possuídas por demônios, e os epiléticos e paralíticos; e a todas ele curava[13]”. O Apóstolo Paulo também sabia que a consciência dos homens, especialmente dos mais simples, é fraca: “Quando você peca contra os irmãos e fere sua frágil consciência, você peca contra Cristo[14]”. O Livro do Apocalipse diz que João o Evangelista viu um rio de água da vida que procedia do trono de Deus e do Cordeiro. “De cada lado do rio havia uma árvore da vida (...) e as folhas da árvore eram para a cura das nações[15]”.

Portanto, o trabalho da Igreja é terapêutico. Ela procura curar as enfermidades do homem, em especial das da alma, que muito o atormentam. Este é o ensinamento fundamental do Novo Testamento e dos Padres da Igreja. Na sequência deste capítulo, e nos próximos, muitas passagens dos Padres trarão novamente essa verdade.

Mais uma vez, eu quero enfatizar que a Igreja é indispensável. Eu agradeço ao padre e professor Jean Romanides por dissertar sobre isso em seus escritos. Estou convicto de que ele é muito versado nos Padres népticos – em particular nos escritos contidos na Filocalia – e que ele realmente alcançou o sentido real do Cristianismo. Acredito ser esta sua maior contribuição. Pois nessa era, em que o Cristianismo vem sendo apresentado como uma filosofia ou como uma teologia cultural, ou ainda como uma cultura e tradição popular – usos e costumes – ele apresentou seu ensinamento a respeito da disciplina terapêutica e do tratamento.

Concretamente, ele diz: “Proclamar a fé em Cristo sem se submeter à cura em Cristo é como não ter fé absolutamente. É a mesma contradição que encontramos numa pessoa doente que tem uma grande confiança no seu médico, mas que não segue o tratamento que ele recomenda. Se o Judaísmo e seu sucessor, o Cristianismo, tivessem aparecido no século XX pela primeira vez, eles teriam sido caracterizados não como religiões, mas como ciências médicas relacionadas com a psiquiatria. Eles teriam uma larga influência sobre a sociedade devido ao seu sucesso em curar as doenças de uma personalidade que funciona apenas em parte. O Judaísmo e o Cristianismo não podem de maneira alguma ser colocados como religiões, que usam diversos métodos mágicos e crenças no sentido de prometer um escape de um mundo supostamente material, mau e cheio de hipocrisia, para um também suposto mundo de segurança e sucesso”.

Em um outro trabalho o mesmo professor diz: “A tradição patrística não é nem uma filosofia social nem um sistema ético, e menos ainda um dogmatismo religioso: ela é um tratamento terapêutico. A esse respeito ela lembra de perto a medicina, em especial a psiquiatria. A energia espiritual da alma que ora incessantemente no coração é um instrumento fisiológico que todos possuem e que requer ser curado. Nem a psicologia, nem nenhuma das ciências positivas ou sociais conhecidas são capazes de curar esse instrumento. Isso só pode ser feito através dos ensinamentos népticos e ascéticos dos Padres. Por essa razão, aqueles que nunca foram curados sequer suspeitam da existência desse instrumento”.

Assim sendo, na Igreja nos dividimos entre aqueles que estão doentes, os que estão sob tratamento terapêutico e aqueles – santos – que já foram curados. “Os Padres não categorizam as pessoas em morais ou imorais, em boas ou más, com base nas leis morais. Essa divisão é superficial. No fundo a humanidade se diferencia entre os enfermos na alma, os que estão sendo curados e os curados. Todos os que não possuem um estado de iluminação estão doentes na alma. E não basta apenas a boa vontade, uma boa resolução, uma prática moral e uma devoção à Tradição Ortodoxa para fazer um Ortodoxo, mas ainda a purificação, a iluminação e a deificação. Esses estágios de cura são o propósito da vida mística da Igreja, da qual os textos litúrgicos dão testemunho”.


1.2. A Teologia como uma ciência terapêutica

Daquilo que foi dito fica evidente que o Cristianismo é principalmente uma ciência que cura, vale dizer, um método psicoterapêutico e um tratamento.  O mesmo pode ser dito da teologia. Ela não é uma filosofia, mas em primeiro lugar um tratamento terapêutico. A teologia ortodoxa mostra claramente que, de um lado, ela é fruto de uma terapia e, de outro, ela mostra o caminho da terapia. Em outras palavras, apenas aqueles que foram curados e que alcançaram a comunhão com Deus são teólogos, e somente estes podem mostrar aos Cristãos o verdadeiro caminho para atingir o “lugar” da cura. Assim, a teologia é a um tempo o fruto e o método da terapia.

Aqui precisamos nos estender sobre o que foi dito para ver essas verdades com mais clareza. Citaremos alguns ensinamentos dos Santos Padres relativos à teologia e aos teólogos.

Creio que podemos começar com São Gregório de Nazianze, pois não foi ao acaso que a Igreja lhe atribuiu o título de Teólogo. No começo de seus famosos textos teológicos ele escreve que teologizar não é para qualquer um, que nem todos podem falar a respeito de Deus, porque esse assunto não é simples e fácil. Não se trata de uma tarefa para todos os homens, “mas para aqueles que foram examinados e que se tornaram mestres na visão de Deus, e que previamente purificaram suas almas e corpos, ou que, no mínimo, estão sendo purificados”. Apenas estes, que passaram da praxis para a theoria, da purificação para a iluminação, podem falar a respeito de Deus. E quando isso acontece? “É quando nos libertamos de toda contaminação e de toda perturbação, e quando aquele que nos regra não se encontra mais confuso com vexações e imagens errantes e desordenadas”. Então, adverte o santo: “Pois é preciso estar verdadeiramente desembaraçado para conhecer a Deus”.

Nilo o Asceta liga a teologia à prece, principalmente à prece noética. Sabemos bem, a partir dos ensinamentos dos Santos Padres, que qualquer um que tenha obtido a graça da prece do coração penetrou, por isso mesmo, nos primeiros estágios da visão de Deus, porque esse tipo de oração é uma forma de theoria. Por isso, todos os que oram com o nous estão em comunhão com Deus, e essa comunhão constitui o conhecimento espiritual de Deus para o homem. Assim é que São Nilo afirma: “Se você for teólogo, você irá orar verdadeiramente. E se você orar verdadeiramente, você é teólogo”.

São João Clímaco introduz a verdadeira teologia em muitos lugares de seu tesouro espiritual “A escada”. “A pureza total é o fundamento da teologia”. “Quando os sentidos do homem estão perfeitamente unidos com Deus, então as coisas que Deus fala são, de algum modo, misteriosamente esclarecidas. Mas onde não existe esse tipo de união, é extremamente difícil falar a respeito de Deus”. Ao contrário, o homem que de fato não conhece a Deus fala sobre ele apenas “em possibilidades”. De fato, conforme o ensinamento patrístico, é muito ruim falar sobre Deus conjecturalmente, porque isso leva a pessoa a se iludir. O santo sabe como a “teologia dos demônios” se desenvolve em nós. Num coração cheio de vanglória que não tenha sido previamente purificado pela operação do Espírito Santo, os demônios impuros “nos dão lições de interpretação das Escrituras”. Desse modo, a pessoa que é escrava das paixões não deve “babar teologia”.

Os santos receberam “as coisas divinas sem pensamentos” e, de acordo com os Padres, eles não teologizaram segundo uma forma de pensamento aristotélica, mas “à maneira dos Apóstolos”, ou seja, através de uma operação do Espírito Santo. Se uma pessoa não foi lavada de suas paixões, em particular da fantasia, previamente, ela não está capacitada para conversar com Deus ou para falar a respeito de Deus, uma vez que o nous “que constrói noções é incapaz de teologia”. Os santos vivem uma teologia “escrita pelo Espírito”.

Encontramos o mesmo ensinamento nos trabalhos de São Máximo o Confessor. Quando uma pessoa vive pela filosofia prática, com o arrependimento e a limpeza das paixões, “ela avança no entendimento moral”. Quando ela experimenta a theoria, “ela avança no conhecimento espiritual”. No primeiro caso ela pode discriminar entre as virtudes e os vícios; o segundo, a theoria, “conduz o participante às qualidades interiores das coisas incorpóreas e corpóreas”. São Máximo segue afirmando que o homem “é agraciado com a graça da teologia quando, levado pelas asas do amor” na theoria, e “com a ajuda do Espírito Santo, ele discerne – tanto quanto é possível ao nous humano – as qualidade de Deus”. A teologia, o conhecimento de Deus, se abre para a pessoa que alcançou a theoria. Em outra parte, o mesmo Padre diz que uma pessoa que sempre “se concentrou na vida interior” não apenas se torna moderada, resiliente, gentil e humilde, como “se torna capaz de contemplar, teologizar e orar”. Também aqui a teologia está estreitamente conectada com a theoria e a prece.

Devemos enfatizar que uma teologia que não é resultado da purificação, ou seja, da praxis, é demoníaca. De acordo com São Máximo, “conhecimento sem praxis é a teologia do demônio”.

São Thalassius, que partilhava do mesmo ponto de vista, escreveu que quando o nous do homem começa com uma simples fé, “eventualmente ele atingirá a teologia que transcende o nous e que se caracteriza por uma fé irredutível do mais alto grau e pela visão do invisível”. A teologia está além da lógica, ela é uma revelação de Deus ao homem, e os Padres a definem como theoria. Também aqui a teologia é sobretudo a visão de Deus. Em outra parte o mesmo santo escreve que o genuíno amor faz nascer o conhecimento espiritual, e que “este é sucedido pelo desejo dos desejos: a graça da teologia”.

Nos ensinamentos de São Diádoco de Foticéia a teologia é apresentada como o maior dos dons oferecidos ao homem pelo Espírito Santo. Todos os dons da graça de Deus são “perfeitos”, “mas o dom que inflama nosso coração e o coloca em movimento para o amor de Sua bondade, mais do que todos os demais, é a teologia”. Porque a teologia, “como as primícias da graça de Deus”, “concede à alma o maior de todos os dons”.

De acordo com o Apóstolo Paulo, o Espírito Santo concede o conhecimento espiritual a uma pessoa e a sabedoria a outra[16]. Interpretando essa colocação, São Diádoco diz que o conhecimento espiritual une o homem a Deus, mas não o move para expressar exteriormente aquilo que ele sabe. Existem monges que amam a hesíquia e que são iluminados pela graça de Deus “ainda que não falem sobre Deus”. A sabedoria é um dos dons mais raros, um dom que Deus concede a quem possui tanto a expressão quanto a capacidade intelectual. Assim sendo, o conhecimento de Deus “chega por intermédio da oração, de uma profunda calma e de um completo desprendimento, enquanto que a sabedoria provém de uma humilde meditação sobre as Sagradas Escrituras e, acima de tudo, por intermédio da graça concedida por Deus”.  O dom da Teologia é um trabalho do Espírito Santo em cooperação com o homem, uma vez que o Espírito Santo atualiza no home o conhecimento espiritual dos mistérios “independente desta faculdade que há nele e que busca naturalmente por tal conhecimento”.

Nos ensinamentos de São Gregório Palamas os teólogos propriamente ditos são aquele que veem a Deus, e a teologia é a theoria: “Pois existe um conhecimento sobre Deus e suas doutrinas, uma theoria a que chamamos de teologia”. Qualquer um que, sem conhecimento e experiência a respeito dos assuntos da fé, oferece ensinamentos sobre essas coisas “de acordo com seu próprio raciocínio, tentando, por meio de palavras, mostrar a Deus, que transcende todas as palavras, este simplesmente perdeu completamente a noção das coisas”. Sobretudo, existem casos em que pessoas que não realizaram obras, ou seja, que não se submeteram à purificação, mas encontraram e escutaram homens santos e “tentaram formar suas próprias concepções”, terminando por rejeitar os homens santos e inflar a si próprios de orgulho.

Todas essas coisas demonstram que a teologia é propriamente o fruto da cura do homem e não uma disciplina racional. Somente uma pessoa que tenha sido purificada, ou que, no mínimo, esteja em processo de purificação, pode ser iniciada nos mistérios inefáveis e nas grandes verdades, pode receber revelações e posteriormente levar essas coisas ao povo. Por essa razão, na tradição patrística Ortodoxa a teologia é ligada e identificada com o pai espiritual, e o pai espiritual é o teólogo por excelência – vale dizer, aquele que experimentou as coisas de Deus e que assim pode conduzir seu filho espiritual sem volteios.

O Padre Jean Romanides escreve: “O verdadeiro teólogo Ortodoxo é aquele que possui um conhecimento direto de algumas das energias de Deus através da iluminação, ou que as conhece mais ainda pela visão. Ora, ele as conhece indiretamente por intermédio dos profetas, apóstolos e santos ou pelas Escrituras, os escritos dos Padres e as decisões e atos de seus Concílios locais e ecumênicos. O teólogo é aquele que, através desse conhecimento espiritual direto ou intermediado, e da visão, sabe claramente como distinguir entre as ações de Deus e as das criaturas, em especial as obras do diabo e dos demônios. Sem o dom do discernimento dos espírito não é possível testar os espíritos para ver até que ponto alguma coisa é resultado da ação do Espírito Santo ou do diabo e dos demônios”.

“Assim sendo, o teólogo e o pai espiritual são a mesma coisa. Uma pessoa que pensa e fala na busca de um entendimento conceitual das doutrinas da fé a partir de um padrão Franco-Latino não é um pai espiritual, nem pode ser chamado de teólogo no sentido próprio do termo. A teologia não é um conhecimento abstrato ou prático, como a lógica, as matemáticas, a astronomia ou a química, mas ao contrário, ela possui um caráter polêmico como a logística e a medicina. A primeira está relacionada a matérias de defesa e ataque por meio de um treinamento corporal e a estratégias para o desenvolvimento de armas, fortificações e esquemas ofensivos e defensivos, enquanto a segunda luta contra doenças físicas e mentais na busca da saúde e dos meios para restaurar a saúde”.

“Um teólogo que não está familiarizado com os métodos do inimigo ou com a perfeição em Cristo é não apenas incapaz de lutar contra o inimigo para seu próprio aperfeiçoamento, como também não está em posição de guiar e curar a outros. É como ser chamado de general – ou mesmo ser um – sem ter jamais recebido treinamento ou lutado, sem ter estudado a arte da guerra, tendo apenas prestado atenção à bela e gloriosa aparência do exército em seus esplêndidos e brilhantes uniformes nas recepções e desfiles. É como um açougueiro posando de cirurgião, ou como sustentar uma posição de médico sem conhecer as causas das doenças ou os métodos para curá-las, ou mesmo até qual estado de saúde o paciente pode vir a ser recuperado”.


1.3. O que é a Terapia


Uma vez que dissemos que o Cristianismo e a teologia são fundamentalmente uma ciência terapêutica, devemos agora delinear brevemente no que consiste uma terapia. O que faz com que a Ortodoxia, com sua teologia e seu culto de adoração, nos cure?

A terapia da alma significa essencialmente terapia e libertação do nous. A natureza humana se torna “doente” por causa de sua queda para longe de Deus. Essa enfermidade consiste principalmente no cativeiro e na queda do nous. O pecado ancestral é o afastamento do homem em relação a Deus, a perda da graça divina, que resulta em cegueira, escuridão e morte do nous. Podemos dizer com mais exatidão que “a queda do homem ou a situação de haver herdado o pecado consiste em: a) a incapacidade de seu poder noético em funcionar completamente, ou mesmo a perda total dessa função; b) a confusão desse poder com as funções do cérebro e do corpo em geral; e c) a consequente sujeição à angústia mental e às condições circunstantes. Toda pessoa experimenta a queda de sua própria faculdade noética em graus variados, na medida em que é exposta a um meio no qual essa faculdade não funciona ou está abaixo de sua potencialidade. O mau funcionamento do poder noético resulta em más relações entre o homem e Deus e entre as pessoas. Também resulta numa utilização individual de Deus e do homem decaído para fortalecer uma sensação pessoal de segurança e felicidade”.

Essa perda da graça de Deus obscureceu o nous do homem: toda a sua natureza adoeceu, e ele legou essa enfermidade aos seus descendentes. No ensinamento Ortodoxo é assim que entendemos a herança do pecado. Os Padres interpretam as palavras de São Paulo, “por causa da desobediência de um homem muitos se tornaram pecadores[17]”, não em termos legais, mas “medicamente”. Ou seja, a natureza humana se tornou doente. São Cirilo de Alexandria interpreta desse modo a situação: “Depois que Adão caiu em pecado e afundou na corrupção, primeiro os prazeres impuros o devastaram, e a lei da selva se alastrou pelos seus membros. Dessa maneira a natureza se tornou enferma por intermédio da desobediência de um único, Adão. Então muitos se tornaram pecadores, não como companheiros transgressores de Adão, porque ainda não existiam, mas por ser da mesma natureza que havia tombado sob a lei do pecado (...) A natureza humana em Adão se tornou enferma por intermédio da corrupção da desobediência, e desde então as paixões penetraram nela”. Em outro lugar o mesmo Padre usa a imagem da raiz. A morte atingiu toda a raça humana por meio de Adão, “do mesmo modo como a raiz de uma planta é prejudicada, e todos os brotos que nascem dela embranquecem”.

São Gregório Palamas diz: “O nous que se rebelou contra Deus se tornou tanto bestial como demoníaco, depois de ter se rebelado contra as leis da natureza, cobiçando aquilo que pertencia a outros”.

Através do “rito do nascimento em Deus”, o santo batismo, o nous humano se ilumina, se liberta da escravidão do pecado e do diabo, e se une a Deus. É por isso que o batismo é chamado de iluminação. Mas depois disso, por causa do pecado, novamente o nous é obscurecido e entorpecido. Os escritos patrísticos deixam claro que cada pecado e cada paixão contribuem para entorpecer o nous.

São João Clímaco escreve que os demônios malignos se esforçam “para obscurecer nosso espírito”. Em especial, o demônio da luxúria, “obscurecendo nossa mente, que nos guia”, empurra as pessoas “para fazer coisas que somente os loucos pensariam em fazer”.

Num próximo capítulo daremos mais atenção à natureza do nous humano. Neste momento, estamos mais interessados no tema do obscurecimento. São Máximo ensina: “Assim como o mundo do corpo consiste de coisas, o mundo do nous consiste em imagens conceituais. Então, se o corpo fornica com o corpo de uma mulher, o nous, formando uma imagem de seu próprio corpo, fornica com a imagem conceitual da mulher”. Nisto consiste o obscurecimento e a queda do nous.

Em outra comunicação o mesmo santo Padre ensina que “assim como o corpo peca por intermédio de coisas materiais, mas possui as virtudes corporais para ensinar-se a se dominar, também o nous peca através de imagens conceituais passionais, mas possui as virtudes da alma para instruí-lo”. Essa verdade mostra que a queda do nous cria uma confusão em todo o organismo espiritual. Ela cria angústia e agitação e de modo geral faz com que a pessoa viva a queda em toda sua dramaticidade. Assim, muitos problemas que nos assolam provêm dessa moléstia interior. É por isso que os psicoterapeutas não podem ajudar muito, porque somente Cristo pode restaurar o nous entorpecido pelas paixões.

Mais uma vez São Máximo, tentando definir mais claramente no que consiste a impureza do nous e, consequentemente, sua queda, escreve que ela contempla quatro itens: “em primeiro lugar, um falso conhecimento; depois, a ignorância sobre os universais (...); em terceiro lugar, possuir pensamentos passionais; em quarto, aceder ao pecado”.

Assim é que o nous precisa de terapia, de uma terapia que os Padres chamam de “estimular e purificar o nous”.

Muitas coisas estão ditas sobre a pureza da mente e do coração nos ensinamentos do Senhor e dos Apóstolos. O Senhor, referindo-se aos fariseus de seu tempo, zelosos de uma extrema pureza externa, mas negligentes com a pureza interna, disse: “Fariseu cego, primeiro limpe o lado de dentro do cálice e do prato, e o lado de fora ficará limpo também[18]”. No encontro dos Apóstolos em Jerusalém, Pedro, confrontando o problema de se os Cristãos gentios deveriam ser circuncidados e manter a lei do Antigo Testamento, disse: “Deus, que conhece os corações, os reconhece, pois deu a eles o Espírito Santo tanto quanto deu a nós, e não fez distinção entre nós e eles, purificando seus corações pela fé[19]”. O Apóstolo Paulo recomendou aos Cristãos de Corinto: “Devemos nos limpar de toda imundície da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade com temor a Deus[20]”. O sangue de Cristo deve “purgar nossa consciência das obras  mortas[21]”. Do mesmo modo, escrevendo ao seu discípulo Timóteo, ele afirma que só podemos captar o mistério da fé “com uma consciência pura[22]”. E o Apóstolo Pedro também está consciente de que o amor pelo próximo constitui o fruto de um coração puro, dizendo: “Amem uns aos outros fervorosamente com um coração puro[23]”.

Dessa forma, a purificação do nous e do coração é essencial. Escrevemos a respeito do nous e do coração, ainda que saibamos que na teologia patrística esses dois termos são colocados juntos. Voltaremos a essa questão em outro capítulo.

São Máximo divide a vida espiritual em três estágios, que são: a filosofia prática, a theoria natural e a teologia mística. De acordo com os estudos sobre Máximo, “seus ensinamentos sobre a perspectiva pessoal da salvação se dividem em três partes: 1) a ‘filosofia prática’, ou praxis; 2) a ‘theoria natural’, ou simplesmente theoria; e 3) a ‘teologia mística’ ou simplesmente teologia. A primeira purifica a pessoa das paixões e a adorna de virtudes; a segunda ilumina seu nous com o conhecimento verdadeiro; e a terceira a coroa com a mais alta experiência mística, que São Máximo chama de ‘êxtase’. Essas três partes constituem os estágios fundamentais no caminho da salvação pessoal do homem”.

Deve-se notar inclusive que muitos Padres distinguem esses três estágios na vida espiritual: a filosofia prática ou purificação do coração, a theoria natural ou iluminação do nous e a teologia mística ou a comunhão com Deus através da theoria.

De acordo com outra divisão que aparece nos escritos patrísticos, a vida espiritual é dividida em praxis e theoria. A praxis sempre precede a theoria, a visão de Deus. “A praxis é a padroeira da theoria”. De uma forma mais analítica, “a praxis, naquilo que se refere ao corpo, consiste no jejum e na vigília, assim como a boca está para a salmodia. Mas orar é melhor do que salmodiar, e o silêncio é mais valioso do que a fala. No caso das mãos, a praxis é o que elas fazem sem reclamar”. Quanto à theoria, “ela é a visão do nous; para se admirar e compreender o que foi e o que será”.

Certamente, de acordo com o ensinamento de São Máximo, a theoria não é independente da praxis. “A praxis não é segura sem a theoria, nem esta é verdadeira sem aquela. Pois a praxis deve ser inteligente, e a theoria deve ser eficaz”. Máximo enfatiza que “no caso dos mais instruídos, a theoria precede a praxis, enquanto que para os mais simples a praxis vem em primeiro lugar”. Nos dois casos, porém, o resultado é bom, ambas conduzem ao mesmo resultado, que é a purificação e a salvação do homem.

De fato, quando falamos em purificação da alma, queremos dizer principalmente liberá-la de suas paixões, ou antes, transformar essas paixões. Mais do que isso, a purificação implica também um “desenvolvimento uniforme” do ser humano, que conduz à iluminação do nous. Portanto, a purificação não é apenas negativa, mas também positiva. As qualidades da alma pura são “a inteligência desprovida de inveja, a ambição livre de malícia e um incessante amor pelo Senhor de glória”. Em outras palavras, se estivermos motivados pela inveja, ou se nossa ambição contiver malícia, e se nosso amor por Deus for intermitente, isso significa que nosso coração ainda não foi purificado.

O nous é aquilo que foi feito à imagem de Deus. Nós desfiguramos essa imagem com o pecado e agora ela deve ser restaurada. É assim que Abba Dorotheos ordena: “Tornemos nossa imagem tão pura quanto a recebemos”. Devemos sofrer trabalhos e uma intolerável amargura até que purifiquemos o nous, “este vira-latas que fareja em torno do açougue no mercado e que se alegra na balbúrdia”. Se um homem luta para não cometer pecados e se bate contra os pensamentos passionais, ele é humilhado e se despedaça durante a luta, “mas os sofrimentos do combate o purificam pouco a pouco e o trazem de volta para o seu estado natural”.

Apesar do esforço do homem, se o Espírito Santo não descer sobre ele, o nous morto não poderá ser purificado e trazido à vida, porque “somente o Espírito Santo é pode purificar o nous”.

Em qualquer caso, quando, por meio de um trabalho conjunto da graça divina e da vontade do homem, o nous é purificado, então ele se ilumina, uma vez que “onde há purificação, há iluminação”. Depois de purificado, se a pessoa guardar o nous de ser desfigurado pelo pecado, seu nous será iluminado e iluminará. É por isso que a guarda do nous pode ser chamada de “produtora de luz e de iluminação, iluminante e portadora do fogo”.

Em poucas palavras, podemos afirmar que a cura do home é de fato a purificação do nous, do coração, da imagem, a restauração do nous ao seu estado de beleza primordial e original, e algo mais: sua comunhão com Deus. Quando ele se torna um templo do Espírito Santo, podemos dizer que a cura teve sucesso. Os que se curam são os santos de Deus.


1.4. O método da terapia: o tratamento terapêutico

Tendo visto no que consiste o Cristianismo, qual o caráter da teologia Ortodoxa, o que é uma terapia, devemos agora nos voltar para o método de tratamento terapêutico, que é o método da fé Ortodoxa. Se demoramos tanto para colocar o problema, devemos agora nos esforçar para fazer um inventário dos métodos para a aquisição da pureza do coração, ou seja, para a cura. Pois não existe mérito em listar os estados mais elevados a menos que possamos trazê-los à nossa consciência e aplicá-los.

1.4.1.        Como se dá a cura da alma?

Primeiro, devemos enfatizar a fé correta. Nós, Ortodoxos, damos grande importância em preservar a fé, porque sabemos que quando a fé é distorcida, também a cura é distorcida, automaticamente. Já enfatizamos que a teologia deve ser interpretada como uma medicina. A ciência médica tem em vista a pessoa saudável, quando tenta guiar a pessoa enferma para a saúde mediante os vários métodos terapêuticos. O mesmo podemos dizer a respeito da teologia. A teologia é o ensinamento da Igreja sobre a saúde espiritual, mas também versa sobre o caminho que nós, os doentes, devemos seguir para sermos curados. É por isso que os Ortodoxos damos tanto peso em manter a doutrina intacta, não apenas porque tememos o enfraquecimento do ensino e da transmissão, mas porque podemos perder a possibilidade de cura e, portanto, da salvação. Ademais, “o conflito entre Palamas e Barlaam não foi tanto sobre o tipo da doutrina, mas sobre sua fundamentação metodológica. Barlaam estava baseado num metafísica e numa epistemologia metafísica e lógica, enquanto Palamas tinha seu fundamento numa verificação empírica e na confirmação de resultados demonstráveis”.

Agora, para sermos curados é essencial que nos sintamos doentes. Quando uma pessoa enferma não tem consciência de sua moléstia, ela não irá procurar um médico. O autoconhecimento é, assim, um dos primeiros passos para a cura. São Máximo ensina: “A pessoa que chegou a entender a fraqueza da natureza humana, adquire por isso mesmo uma experiência do poder divino”, e assim se torna ávida para adquirir novas coisas além das que adquiriu por intermédio desse poder divino. Pedro de Damasco, descrevendo o grande valor da oração à noite, diz: “A prática das virtudes morais é efetuada pela meditação sobre aquilo que aconteceu durante o dia”, quando meditamos a respeito dos deslizes ocorridos “na confusão do dia”, “de modo que no repouso da noite podemos nos tornar conscientes dos pecados cometidos e podemos nos afligir por causa deles”. Somente quando conhecemos nosso estado podemos nos afligir por ele.

É indiscutível que muitos Cristãos hoje em dia não estão conscientes de sua condição espiritual. Nós estamos mortos pelo pecado, mas não apenas não percebemos isso como ainda cremos estar cheios de dons do Espírito Santo, adornados de virtudes. Desafortunadamente, essa autossatisfação, quando estamos cheios de chagas, está destruindo o trabalho da salvação. Como pode Cristo falar a alguém que se autojustifica?   Somos como o Fariseu do tempo do Senhor, que não sentia a necessidade de médico. Como pode o grande dom do arrependimento e do enlutamento habitar num coração que não sente sua desolação, quando sua vida interior é incapaz de se desenvolver?

Em conexão com a sensação de estar doente deve existir também uma “autocondenação”, ou seja, o grande dom da autocrítica. Isso mostra que existe humildade na alma, pois “a autocrítica está sempre associada com a humildade”. Essa autocrítica é uma responsabilidade espiritual que, quando colocada na alma, “esmaga, pressiona e espreme o vinho que regozija o coração do homem, vale dizer, do homem interior. A compunção é esse vinho”. A autocrítica, juntamente com o enlutamento que a caracteriza, também esmaga as paixões e enche o coração com a mais ditosa felicidade. “Devemos sempre condenar e criticar a nós mesmos de modo a que, por meio de uma humilhação deliberadamente escolhida, possamos nos proteger do pecado da presunção”.

Mas a sensação de estar doente não é suficiente em si. Em qualquer caso, o terapeuta será necessário. Esse terapeuta é o padre ou o pai espiritual. Ele já foi curado de suas aflições, ou, no mínimo, luta por se curar, e assim é capaz de curar seus filhos espirituais. Já dissemos que o pai espiritual deve ser um teólogo, e vice-versa. Mas neste caso se aplica o dito: “Médico, cura a ti mesmo[24]”. Alguém que conseguiu passar pelas armadilhas do diabo pode com segurança guiar seu filho espiritual. Alguém que sabe do valor do imenso tesouro chamado saúde espiritual pode ajudar os outros a se curarem. Alguém que encontrou seu próprio nous pode ajudar outros a encontrá-lo. “O nous, aquele que é como um verdadeiro médico, é aquele que primeiro curou a si mesmo e que então passou a curar em outros as doenças das quais ele próprio se curou”.

Muitos Cristãos contemporâneos veem padres e ministros do Altíssimo como oficiais de igreja que são úteis em diversos assuntos burocráticos, que celebram os diferentes sacramentos quando são chamados, ou que celebram a Divina Liturgia, e desse modo satisfazem as necessidades de suas almas ou cumprem um dever tradicional. Eles são vistos como mágicos que operam magia! Sabemos, é claro, que a graça de Deus não é transmitida magicamente ou mecanicamente, mas sacramentalmente. É verdade que até o mais indigno dos sacerdotes pode celebrar os sacramentos – mas ele não pode curar. Pois a remissão dos pecados é uma coisa e a cura é outra. Muitos Cristãos ficam satisfeitos com uma confissão formal ou um acompanhamento formal da Liturgia, ou mesmo com uma Comunhão formal e nada mais. Eles não se preocupam com a cura de suas almas. Mas os padres, os pais espirituais, não apenas celebram a Comunhão como também curam as pessoas. Eles possuem um sólido conhecimento a respeito do caminho da cura das paixões e o transmitem aos seus filhos espirituais. Eles lhes mostram como se livrar do cativeiro, de que modo seu nous pode se ver livre da escravidão.

Eis como os santos Padres encaravam a paternidade espiritual. O pastor é também um médico. “O médico é alguém cujo corpo está perfeito, não necessitando de curativos”. São João Clímaco é bastante específico em relação ao que o padre deve fazer para curar:

“Ó homem maravilhoso, adquira emplastros, poções, navalhas, colírios, esponjas, instrumentos para sangria e cauterização, unguentos, poções para dormir, facas, bandagens, algo contra a náusea (repulsa ao fedor das feridas). Se não colocarmos essas coisas em uso, como poderemos praticar nossa ciência? É impossível, porque um médico não recebe seu pagamento por suas palavras, mas pelos seus feitos”.

“Um emplastro é uma cura para paixões exteriores, ou seja, paixões corporais. Uma poção é uma cura para paixões interiores, para drenar para fora impurezas invisíveis. Uma navalha é a humilhação que morde, mas que purifica a putrefação da empáfia. O colírio serve como um castigo cáustico que traz uma cura rápida. A sangria é uma drenagem para purulências ocultas. Ela também é um instrumento que constitui eminentemente um remédio intenso e breve para a salvação dos doentes. Uma esponja é usada após a sangria para aliviar e refrescar o paciente com as palavras gentis, delicadas e ternas do médico. A cauterização é uma regra de penitência dada com amor ao pecador por um período definido de arrependimento. Um unguento é um tranquilizante oferecido ao paciente como algumas palavras ou uma breve consolação após a cauterização”.

“Uma poção para dormir é o que usamos para aliviar o peso de uma pessoa, e, por meio da obediência, dar a ela descanso, o sono da vigília e uma sagrada cegueira em relação às suas próprias virtudes. As bandagens servem para atar e fortalecer aqueles que estão nervosos e debilitados pela vanglória. O último instrumento é a faca, que é uma sentença ou um decreto para cortar fora o membro pútrido e um corpo morto na alma para que não espalhe seu contágio por todo o resto”.

“Abençoado e louvável é a resistência à náusea dos médicos, como é a imparcialidade entre os pastores. Os primeiros, evitando a náusea, incansavelmente se esforçam para dissipar o fedor. Os últimos serão capazes de restaurar a vida a toda alma fenecida”.

O Padre João escreve ainda: “Assume-se que acima de todos os outros terapeutas, quem guia os enfermos para esses estágios de terapia são os bispos e os sacerdotes, sendo que os primeiros de modo geral são egressos do monaquismo. Hoje, porém, depois de um século de uma catastrófica propaganda neo-helenística contra o Hesiquiasmo, esse tipo de clérigo é raro. Existem poucos monges hesiquiastas. O sacerdócio, tal como descrito por Dionísio o Areopagita, praticamente desapareceu”.

O sacerdote terapeuta também recomenda ao seu filho espiritual um caminho ortodoxo, que é o caminho da devoção ortodoxa. Assim sendo, veremos a seguir o método por meio do qual a pessoa doente poderá obter sua cura espiritual, sob a orientação do seu pai espiritual.

Queremos focar em especial o ascetismo. “A poderosa prática do autocontrole e do amor, da paciência e da perseverança, destruirá as paixões ocultas em nós”. Nicetas Sthethatos, discípulo de São Simeão o Novo Teólogo, descreve essa prática ascética. O homem possui cinco sentidos, de maneira que as práticas ascéticas são também em número de cinco: a vigília, o estudo, a prece, o autocontrole e a hesíquia. O asceta deve combinar seus cinco sentidos com essas cinco práticas: a visão com a vigília, a audição com o estudo, o olfato com a prece, o paladar com o autocontrole e o tato com a hesíquia. Quando ele tiver sucesso com essas cinco ligações, “ele rapidamente purificará o nous de sua alma e, por esse refinamento, a tornará desapaixonada e lúcida”.

Em poucas palavras, podemos dizer que a prática do ascetismo consiste em aplicar as leis de Deus, em aplicar seus mandamentos. O esforço que fazemos para subordinar a vontade do homem à vontade de Deus, e para transformar aquela por meio desta, se chama ascese. Estamos cientes, a partir dos ensinamentos de nossos santos Padres, que todo o Evangelho consiste em “preceitos de salvação”. Tudo o que está contido nas Escrituras são mandamentos de Deus, que devem ser observados por aqueles que buscam sua salvação. Isso está bastante claro nas Beatitudes[25].

“Bem-aventurados os pobres em espírito”, é o mandamento do Senhor que devemos observar para nossa pobreza espiritual, ou seja, para que possamos experimentar nossa miserabilidade. “Bem-aventurados os que choram”, é o mandamento do Senhor para que choremos sobre as paixões que existem em nós, para que choremos sobre nossa desolação. “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça”, é o mandamento do Senhor sobre a fome e a sede que precedem a comunhão com Deus. “Bem-aventurados os puros de coração”, é o mandamento de Cristo para que purifiquemos nossos corações. Quando ele nos diz “bem-aventurados”, é como se dissesse: “Tornem-se pobres, chorem, sejam sedentos por justiça”, e assim por diante.

Portanto, os mandamentos de Cristo consistem numa prece incessante, numa celebração da Divina Liturgia, numa vigilante atenção sobre o nous, na pureza do coração, etc. “A lei é santa e o mandamento é santo, justo e bom[26]”. João Evangelista, o discípulo do amor, enfatiza aos Cristãos: “Agora é desse modo que sabemos que o conhecemos, se guardarmos seus mandamentos. Aquele que diz “eu o conheço”, mas não guarda seus mandamentos, é um mentiroso e a verdade não está nele. Mas quem mantém Sua palavra, verdadeiramente o amor de Deus neste é perfeito. Por essas coisas sabemos que estamos nele[27]”. O mesmo Evangelista enfatiza com toda autoridade: “Pois este é o amor de Deus, que sigamos Seus mandamentos”.

De acordo com Dionísio o Areopagita, “o objetivo de nossa hierarquia é nos tornarmos o tanto quanto possível semelhantes a Deus e unidos a Ele. Mas a Escritura nos ensina que nosso desejo só terá sucesso através da amorosa observância dos mandamentos e da realização dos serviços divinos”. São Gregório Palamas nos ensina que o conhecimento das coisas criadas vem por meio das ações virtuosas. E quando perguntado a respeito da finalidade dessas ações, ele escreve: “A união com Deus e a semelhança para com Ele”. Realizar ações virtuosas está ligado à observância dos mandamentos. O santo hesiquiasta observa ademais que o amor por Deus “só vem por intermédio da sagrada realização dos mandamentos divinos”.

A seguir eu gostaria de mencionar alguns preceitos dos Padres a respeito do valor dos mandamentos. “O propósito dos mandamentos do Salvador é o de libertar o nous do ódio e da dissipação[28]”. Os mandamentos de Deus “excedem todos os tesouros do mundo. O homem que recebeu sua posse interior encontra neles o Senhor[29]”. “Manter os mandamentos de Deus gera a impassibilidade. A impassibilidade da alma preserva o conhecimento espiritual[30]”. A obediência aos mandamentos de Deus “é a ressurreição dos mortos[31]”.

São Gregório o Sinaíta, descrevendo os dois modos de operação do Espírito Santo, que recebemos secretamente no Santo Batismo, considera a observância dos mandamentos como sendo um deles: “Quanto mais conservamos os mandamentos, mais se manifesta a brilhante luz do Espírito Santo em nós[32]”.

Todas essas coisas mostram o quão essencial é a vida ascética para a cura e a restauração da alma. Como dissemos, essa vida ascética consiste basicamente na observância dos mandamentos de Cristo, nosso Salvador.

Os mandamentos básicos que afetam nossa cura espiritual – conforme estão nos Tropários que cantamos na Igreja – são “jejuns, vigílias e preces”.

Se a esmola cura o poder insensível da alma e a prece purifica o nous, o jejum enfraquece o desejo sensual, de modo que toda a alma se oferece curada a Deus. O jejum também torna o corpo mais humilde: “A provação de comida mortifica o corpo do monge”. Mas o jejum em excesso não apenas enfraquece o corpo, como ainda “faz com que a faculdade contemplativa da alma se desanime e tenha dificuldades de concentração”.

São João Clímaco fala a respeito do jejum: “Jejuar é fazer violência contra a natureza. Ele deve ser dirigido contra tudo o que agrada ao paladar. O jejum acaba com a luxúria, desenraiza os maus pensamentos, liberta dos sonhos diabólicos. O jejum permite a pureza na oração, uma alma iluminada, uma mente alerta, a libertação da cegueira. O jejum é a porta da compunção, dos suspiros de humildade, da contrição alegre, e acaba com a tagarelice, fazendo-se uma ocasião para o repouso da mente, para a custódia da obediência, para a iluminação do sono, a saúde do corpo, sendo ainda um agente da impassibilidade e da remissão dos pecados: uma porta para as delícias do Paraíso”.

Todas essas coisas que mencionamos, por um lado mostram o âmbito do jejum, e por outro indicam os frutos que obtemos para a alma que se esforça. É por isso que todos os santos amavam o jejum. É importante mencionar que quando uma pessoa começa a se arrepender, ela também começa a jejuar por si mesma, o que mostra que o jejum acompanha a oração e o arrependimento.

É claro que o jejum é um meio e não um fim, “é uma ferramenta para treinar os que desejam o autocontrole”; porém, sem essa ferramenta, é quase impossível dominar as paixões e alcançar a impassibilidade. São João Clímaco é claro a esse respeito. Assim como os Hebreus se libertaram do Faraó e celebraram a Páscoa depois de comer ervas amargas e pão sem fermento, também nós devemos nos libertar de nosso Faraó interior através do jejum e da humildade: “Vocês não devem se enganar. Vocês não irão escapar do Faraó, nem verão a Páscoa celeste a menos que comem constantemente ervas amargas e pão sem fermento: as amargas ervas do trabalho árduo e o pão sem fermento da mente que se humilha”.

É essencial manter os jejuns fixados pela Igreja, e tentar sempre não satisfazer por inteiro os desejos da carne.

Além do jejum, outro meio de cura é a vigília. Mantendo a vigília, que é também um método ascético de terapia, a pessoa é purificada e curada das paixões. O Senhor nos disse que orássemos à noite, e ele próprio passava noites inteiras na montanha. “E depois de ter despedido as multidões, ele se dirigiu sozinho à montanha para rezar. E quando chegou a manhã, ele ainda estava lá[33]”.

Os santos Padres experimentaram em suas vidas o efeito benéfico das vigílias. Santo Isaac diz em seus escritos ascéticos: “O monge que persevera na vigília com um nous atento, não será visto como coberto de carne, porque esse é um trabalho do estado angélico”. Uma alma que trabalha e se excede na prática das vigílias “terá os olhos do Querubim, e poderá sempre olhar e contemplar as visões celestiais”.

São João Clímaco, com sua delicadeza característica apresenta o modelo do monge desperto e os benefícios da vigília: “Uma atitude alerta mantém a mente limpa. A sonolência amarra a alma. O monge alerta luta contra a fornicação, enquanto que o sonolento se deixa levar por ela. O alerta extingue a luxúria, liberta das fantasias, mantém os olhos em lágrimas, suaviza o coração e o torna gentil, domina os pensamentos, digere os alimentos, domestica as paixões, submete os espíritos, controla a língua, afasta as imaginações ociosas. O monge vigilante é um pescador de pensamentos, e na calada da noite ele pode observá-los e capturá-los”.

A prece acompanha a vigília. Esse é o método por excelência que cura as moléstias da alma. Pois muitas graças alcançam a alma do homem por intermédio da prece. Mais adiante veremos a prece noética como método de libertar o nous e ver a Deus, no capítulo denominado “A hesíquia como método de terapia”. Nós consideramos este como o mais importante meio para a salvação do homem. Existem ainda outros meios terapêuticos de cura para todas as paixões da alma. Mas vamos tratar deles mais adiante, no capítulo “Patologia Ortodoxa”.

Talvez o leitor esteja pensando que todos esses métodos terapêuticos, que são bálsamos para o olho do coração[34], só podem ser praticados por monges. Isso não é verdade. Qualquer um, mesmo os que vivem no mundo, pode viver pelos mandamentos de Cristo. Prece, arrependimento, lamentações, compunção, jejum, vigília e tudo o mais, são mandamentos de Cristo, o que significa que todos podem viver segundo eles. Cristo nunca disse coisas que fossem impossíveis para o homem. São Gregório Palamas, falando sobre a pureza do coração, enfatiza que “é possível, mesmo para aqueles que são casados, buscar essa pureza, embora com bem mais dificuldade”. Todo mundo pode desenvolver uma vida de acordo com o Evangelho, fazendo para si o correspondente ajuste.

Acima de tudo, se existir um bispo e a divina Liturgia, isso significa que a salvação é possível. Afinal, por que a Igreja existe e funciona? E mais, existe uma aplicação apropriada dos mandamentos de Cristo para cada pessoa. Na literatura patrística encontramos muitos desses casos. Os Padres, eles próprios tendo sido curados, adquiriram a graça do discernimento e aconselharam a cada pessoa sobre como encontrar seu caminho, que é essencialmente o caminho da tradição Ortodoxa.

São João Clímaco é característico a esse respeito. Ele conta ter visto um médico estúpido ter desonrado e levado ao desespero um homem doente que se apresentara contrito e com o espírito humilde. Ao mesmo tempo, ele viu outro médico espiritual “inteligente” operar um “coração arrogante” com a faca da desonra e assim drenar deste todo fedor pecaminoso. Ele também disse ter visto o mesmo homem enfermo tratar suas impurezas com os remédios da obediência, e às vezes curar “o olho doente de sua alma” com repouso e silêncio. Fica assim claro que o mesmo homem enfermo precisava de obediência num dado momento, e de repouso e silêncio em outro. O remédio apropriado deve ser ministrado no tempo apropriado.

Confessor criterioso, o mesmo santo disse: “O remédio de um homem pode ser o veneno de outro”. E mais, o mesmo preparado para a mesma pessoa doente pode num momento ser um remédio e noutro um veneno. Quando ministrado no momento oportuno, serve como remédio, mas no tempo errado se torna um veneno.

Assim é que enfatizamos uma vez mais que um terapeuta Ortodoxo criterioso (médico-confessor) é essencial para ajustar a medicação e fornecer a orientação terapêutica adequada.

A seguir eu gostaria de apresentar alguns ditos de padres do deserto nos quais fica claro que existe uma variedade de práticas ascéticas, com grandes possibilidades de ajustes.

Alguém perguntou a Santo Antônio: ”Quais boas obras poderei ei realizar?”. Ele respondeu: “Não são todas as boas obras iguais entre si? A Escritura diz que Abrahão era hospitaleiro, e que Deus estava com ele. Davi era humilde, e Deus estava com ele. Elias amava a paz interior, e Deus estava com ele. Assim faça o que sua alma desejar, de acordo com Deus, e guarde o seu coração”.

João de Tebas disse: “Três obras ganham aprovação aos olhos do Senhor: a primeira, quando um homem está doente e as tentações caem sobre ele, se ele as recebe com gratidão; a segunda, quando alguém realiza suas obras apenas na presença de Deus, sem buscar nada humano; e a terceira, quando alguém é submisso ao seu pai espiritual em completa renúncia de sua própria vontade. Esta última receberá ainda uma eminente coroa”. E ele acentua: “Quanto a mim, eu escolhi a doença”.

Do mesmo modo o Abade Poêmio disse: “Se três homens estiverem no mesmo lugar e um deles preservar sua paz interior, o segundo agradecer a Deus por sua enfermidade e o terceiro O servir com uma mente pura, os três terão realizado a mesma obra”.

A partir desses exemplos podemos ver que a luta do homem é comum a todos, mas que existem diferentes modos de lutar. Todos devem guardar as palavras de Deus, os mandamentos de Deus, todos devem guardar a pureza de seus corações enquanto estiverem trabalhando. Não obstante, existe uma variedade de aplicações que o pai espiritual pode fazer.

Pode ser considerada uma falta não termos listado a Santa Comunhão como um tratamento terapêutico. Mas devemos sublinhar e enfatizar o fato de que vemos a Eucaristia, a comunhão do Corpo e Sangue de Cristo, como indispensável ao homem. O Senhor enfatizou: “A menos que vocês comam a carne do Filho do homem me bebam seu sangue, vocês não terão vida em si[35]”. Mas é sabido que a santa Comunhão é precedida pela purificação e a preparação. Se a terapia sobre a qual falamos não vier antes, então a recepção do Corpo e Sangue de Cristo acarretará “juízo e condenação”. A eclesiologia e a escatologia não podem ser compreendidas sem a prática terapêutica. Assim, não estamos subestimando a Santa Eucaristia, mas, enfatizando o valor da prática ascética e da terapia, exaltamos o grande dom da Eucaristia. Por outro lado, o objetivo daquilo que escrevemos é principalmente o de esclarecer o caminho preciso que termina do altar, de modo que a Santa Comunhão se torne a luz da vida.

Espero que essas poucas palavras tenham mostrado com clareza que o Cristianismo é uma ciência terapêutica. Ele cura as pessoas doentes. Essa doença se manifesta no nous. A Igreja, com seus ensinamentos, seu culto, sua ascese e sacramentos liberta o nous e o torna Templo do Espírito Santo. Esse caminho terapêutico foi aplicado e confirmado por todos os santos. É o único caminho que conduz a Deus. Eu acredito que a perda da tradição deve ser vista como o principal motivo da perda do método terapêutico e dos terapeutas atuais. O retorno ao caminho da Tradição Ortodoxa é essencialmente o caminho de volta para esses dois fundamentos.





[1] A edição que serviu de base para esta tradução não contém as referências mencionadas. (https://pt.scribd.com/doc/204181139/Orthodox-Psychotherapy-Metropolitan-Hierotheos-Vlachos).
[2] Basílio o Grande, Gregório o Teólogo e João Crisóstomo.
[3] Prólogo dos editores, Filocalia Grega, pg. 9.
[4] Filocalia Grega I, pgs. 1-11.
[5] I Coríntios 11: 27-30.
[6] Mateus 16: 18.
[7] Colossenses 1: 18.
[8] I Timóteo 3: 15.
[9] Tiago 1: 26-27.
[10] Lucas 10: 33 ss.
[11] Salmo 38: 5.
[12] Mateus 9: 12.
[13] Mateus 4: 23 ss.
[14] I Coríntios 8: 12.
[15] Apocalipse 22: 1 ss.
[16] I Coríntios 12: 8.
[17] Romanos 5: 19.
[18] Mateus 23: 36.
[19] Atos 15: 8 ss.
[20] II Coríntios 7: 1.
[21] Hebreus 9: 14.
[22] I Timóteo 3: 9.
[23] I Pedro 1: 22.
[24] Lucas 4: 23.
[25] Mateus 5: 1-12.
[26] Romanos 7: 12.
[27] I João 2: 3-5.
[28] Máximo o Confessor, Filocalia.
[29] Isaac o Sírio, Homilias Ascéticas.
[30] Thalassus, Filocalia.
[31] Ibid.
[32] Filocalia 4.
[33] Mateus 14: 23.
[34] Cf. Apocalipse 3: 18.
[35] João 6: 53.

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