Eu gostaria de abordar de maneira simples o tema da hesíquia, a busca
de Deus. Talvez seja importante, para começar, tentar dar uma tradução, uma
definição da palavra hesíquia. Trata-se de uma palavra de origem grega que
podemos traduzir como “paz, silêncio”, mas também como “tranquilidade do
coração”. Vocês sabem como é difícil, a partir de um termo estrangeiro, dar uma
tradução justa e é por essa razão que eu invoco diversos significados. Em todo
caso, nesse termo que significa paz, silêncio, repouso, é preciso tomar cuidado
para não deformar o sentido da tradução. Por exemplo, se utilizamos o sentido
de “repouso”, não se trata de um repouso que evoque o sono. Não se trata de
adormecer na tradição hesiquiasta. Veremos mais adiante que se trata, ao
contrário, de uma tradição ativa e de vigilância.
Não pretendo dar um curso de história sobre as origens do Hesiquiasmo,
mas gostaria de lembrar rapidamente como se desenvolveu a hesíquia. Como e onde
ela nasceu? Pois bem, eu diria que nós a recebemos, como tantas outras coisas,
diretamente da parte de Cristo. Podemos aprender a partir das atitudes de Cristo
no Novo Testamento: uma curta passagem do Evangelho que nos mostra esse tipo de
atitude nos permitirá compreender o que é a hesíquia.
Esse episódio é aquele que narra a entrada de Jesus na sinagoga de
Nazaré, seu país de origem. Ali ele fala e é mal recebido. O final do relato
nos diz o seguinte: “Eles todos se encheram de cólera na sinagoga depois de ouvirem
essas coisas e, levantando-se, eles o expulsaram da cidade e o conduziram até o
alto da montanha onde ela estava construída, a fim de atirá-lo lá de cima. Mas Jesus,
passando no meio deles, se foi dali[1]”.
A última frase desse texto é significativa. O hesiquiasta, aquele que busca
viver na paz do coração, na quietude, encontra seu modelo nessa atitude de
Cristo, que, agredido, contestado, violentado, pôde passar pelo meio da
multidão sem nada dizer, sem mostrar nenhuma agressividade, porque ele possuía,
evidentemente até a perfeição, um coração cheio de paz. Somente um coração
silencioso, banhado na hesíquia, poderia responder à agressividade da massa.
A partir do estudo e da meditação sobre o modo de ser de Cristo
durante sua vida, os cristãos, e em especial os primeiros monges, buscaram
adquirir essa hesíquia, essa paz silenciosa, essa tranquilidade do coração. E podemos
dizer que o movimento monástico, o ideal monástico, é totalmente ligado à
tradição hesiquiasta. Às vezes ouvimos dizer, entre cristãos ortodoxos, que
existem monges hesiquiastas e monges não hesiquiastas. Não me agrada fazer esse
tipo de diferenciação. O monge, que é fundamentalmente um buscador de Deus –
assim como outros buscam o ouro – deve obrigatoriamente passar por essa procura
de paz, de silêncio, de abandono, que trazem consigo outras virtudes, como
veremos mais adiante. Assim, eu não faço diferença entre monges hesiquiastas e
não hesiquiastas. Para mim, são todos igualmente hesiquiastas.
Os primeiros monges foram também os primeiros eremitas; pois sabemos
que o monaquismo nasceu no século IV depois que homens e mulheres, dos quais
Santo Antônio foi o mais célebre, partiram para o deserto para buscar a Deus. Ali
imediatamente se estabelece o objetivo da hesíquia: esse objetivo é a
descoberta de Deus. Direi, antes, é o desejo de encontrar a Deus. O hesiquiasta
é um homem que deseja, seu coração está cheio com o desejo de Deus, e, por
causa disso, ele vai buscar um modo de libertar seu coração de suas paixões
para encontrar a Deus. Os primeiros monges partiam para o deserto, o que é
significativo. O deserto, sabemos, é um lugar de retiro, um lugar de silêncio.
De certo modo ele se opõe à cidade turbulenta. Essa solidão e esse isolamento
são desejados e serão um dos terrenos do hesiquiasta, do monge, para encontrar
a Deus.
Não podemos encontrar a Deus no meio da agitação. O próprio Deus no-lo
diz em certos textos do Antigo Testamento. Ele explica ao profeta Elias: “Eu
não estou na tempestade, nem nos relâmpagos, nem no turbilhão do vento violento,
mas na brisa suave que você sente[2]”.
Deus só pode ser encontrado no silêncio e é preciso que o monge hesiquiasta
parta para o deserto, ou que ele busque a solidão interior. Se eu falo em
monge, é porque tudo isso proveio da tradição monástica, mas é evidente que
cada um pode viver essa tradição hesiquiasta, se desejar encontrar a Deus. Um leigo
pode ser um hesiquiasta e alguns leigos foram canonizados e reconhecidos como
santos pela Igreja.
De início, o movimento monástico foi essencialmente eremítico, e os
primeiros monges eram acima de tudo solitários. Em seguida aconteceu uma
evolução que se deu muito rapidamente, privilegiando a vida em comunidade. Isso
se deu notadamente ao redor de São Basílio, no século IV, de São Teodoro
Estudita no século IX e muitos outros. Eles organizaram o monaquismo e
propuseram as regras de conduta referentes ao modo de viver em comunidade nessa
busca de Deus. Isso deu nascimento aos mosteiros que conhecemos e que sustentam
essa tradição até hoje.
Vemos, assim, duas correntes: os eremitas, que retiravam
verdadeiramente na distância e na total ou quase total solidão, e os monges que
viviam em comunidade. Ambos tinham a mesma busca, e ambos passaram pela
tradição da hesíquia, e não apenas pelo método. Eu sou reticente em empregar a
expressão “método”, porque é preciso muita atenção para isto. A hesíquia não
pode constituir um método, no sentido de técnica, como nos arriscamos a
entender esse termo hoje em dia, e que é uma coisa ambígua. O homem moderno
está como que perdido, e ele busca – e todos nós buscamos, desde que existimos
sobre esta terra – ele busca como encontra a si mesmo. Ele esquece de que é se
voltando para aquele que o criou, a saber, Deus, seu Criador, que ele poderá
encontrar a si mesmo. Mas ele vive essa busca numa tal agitação, em tamanha
desordem, que ele está disposto a experimentar não importa que meios para lograr
se encontrar.
A hesíquia não é um método similar a um método para aprender inglês,
ou como qualquer outro método existente que conduza necessariamente a um dado
resultado, desde que bem aplicado. Não, a hesíquia não é dessa mesma ordem. A hesíquia
é uma atitude, e não é porque o monge se retira para o deserto, não é porque o
monge foge do mundo, não é porque o monge busca o silêncio, que ele vai encontrar
a Deus. O método não é mágico. Ele é um suporte, mas necessita de uma tensão de
amor, de um profundo desejo de encontro com Deus, e só então o método se colocará
no lugar e no momento conveniente para que o monge comece a buscar viver essa
hesíquia. Ele viverá no silêncio, como foi dito, num certo retiro, e irá orar. Ele
utilizará aquilo a que chamamos de prece do coração, ou prece de Jesus. Essa forma
de prece é completamente ligada à tradição hesiquiasta. Qual é essa oração? Nós
repetimos usando um terço que temos sempre à mão: “Senhor Jesus Cristo, Filho
de Deus, tem piedade de mim pecador”. Essa é a fórmula mais completa. Mas a
oração pode ser simplificada, dizendo-se simplesmente “Senhor”, ou “Jesus”.
Os Gregos dizem Kyrie eleison,
“Senhor, tem piedade”. É a mesma coisa, é a mesma fórmula, mais ou menos
desenvolvida. Essa prece repetitiva que o monge utiliza tampouco constitui um
meio para que, ao final de 200 ou 300 repetições, encontremos a Deus. Ela é
simplesmente um grito de amor, pois quando amamos queremos chamar a pessoa
amada por seu nome ou apelido. O amor, sabemos bem, passa pela palavra, mas
pela palavra mais despojada. Quando um casal se encontra e decide se casar,
sabemos que o efeito amoroso lhes dá uma possibilidade de encontro que passa
pelas palavras. Cada qual quer dizer ao outro sem cessar que o ama, mas, quando
reencontramos este casal ao fim da vida, ele já não dizem mais nada, e apenas olham
um para o outro. O simples olhar lhes basta para manifestar esse amor, que
agora é vivido em silêncio, na paz, num coração inteiramente despojado de tudo
o que o torturava no início, provavelmente por causa da paixão.
O monge vive essa mesma coisa, à sua maneira, transpondo para si essa
experiência. É preciso que ele se cale, é preciso que ele se dirija para o silêncio,
e é preciso que ele repita esse nome de amor: “Jesus”. “Senhor Jesus Cristo,
Filho de Deus, tem piedade de mim”: trata-se de uma declaração de amor. Nós
reconhecemos nosso Deus e lhe dizemos: “Tem piedade de mim”, não numa atitude
miserabilista em que Deus tivesse pena de nós. Não se trata disso, de modo
algum. Nós simplesmente reconhecemos, com toda humildade, que não sabemos amar.
É por causa disso – por não sabermos amar, mas por queremos amar – que dizemos:
“Tem piedade, tem piedade de mim, ajude-me a amar”. Pois se quisermos ser amorosos
para com Deus, é preciso que ele, que nos criou e que é Amor, nos mostre esse
Amor, nos torne parte dele e nos acolhe em si. Não existe outra fonte. Então o
monge hesiquiasta se esforça ao longo de toda a sua vida em orar a Cristo, a
esse Cristo que disse: “Orai sem cessar[3]”.
E nós podemos lhe responder: “Mas como, Senhor, poderemos orar sem cessar?”.
O que significa esse convite à prece perpétua? Pois Cristo não disse: “Falem
comigo sem parar”, mas, ao contrário, ele advertiu: “Em suas orações, não usem muitas
palavras, como os pagãos: eles imaginam que falando muito eles serão melhor
ouvidos[4]”.
Como vocês sabem , nós lhe falamos muito, para pedir, pedir e pedir. Existem momentos
em que ele deve colocar algodão nas orelhas, dizendo: “Porque ele não para de
me pedir sempre seja lá o que for?”. Me parece que Cristo, nosso Deus, ao nos
pedir que oremos sem cessar, nos convida antes a contemplá-lo, a desejá-lo:
esta é a oração. Não se trata forçosamente de uma formulação exterior. É claro
que pode existir uma formulação exterior, mas trata-se, sobretudo – e aqui eu
volto ao que dizia no início – de uma atitude do coração: é preciso desejar o
Senhor. É neste desejo que se instala a prece perpétua. A prece de Jesus, a
prece do coração que utilizamos, nos ajuda a isso, por ser ela tão despojada. Ela
se torna, na verdade, um hábito, um apelo interior ao qual nós devemos
responder.
Frequentemente, quando chegam jovens monges ao meu mosteiro, eles me
dizem: “Ensine-nos a orar”. Eles não sabem orar direito, e então eu sempre lhes
dou um terço de oração. De resto, eles o recebem, diria eu, liturgicamente,
quando tomam o hábito, e eu lhes digo: “Agora, comecem essa oração!”. Como se
trata de jovens monges cheios de desejo, energia e ímpeto, eles pedem uma regra
de oração forte, densa, para dizer o máximo possível. Então eu deixo que façam
isso, e digo sim. Depois de quinze ou vinte dias eles vêm bater à minha porta e
dizem: “Não estou conseguindo”. Eles não entenderam que não se trata de um
método. Eles se cansam, se afadigam, e isso pode ser perigoso, repetindo essa
invocação obstinadamente. Isso não tem nenhum interesse sobre o plano
espiritual e pode representar um risco, sobre o próprio plano físico. Eles não
compreendem que é preciso começar suavemente, mas tendo uma atitude de desejo
por Deus.
De fato, talvez baste dizer simplesmente o Nome de Jesus. Vocês sabem
como, nas tradições espirituais, o Nome tem importância. Assim, basta apenas
dizer esse Nome e deixar fluir interiormente, suavemente, sem desejo de heroísmo.
É preciso que nossa prece seja humilde se ela quiser ser verdadeira e
hesiquiasta. A humildade é absolutamente indispensável. É preciso que, passo a
passo, aprendamos a ser humildes. É bem evidente que nenhum homem sobre a terra
é absolutamente humilde, nenhum. Somos todos aprendizes do amor e da humildade.
Devemos aceitar isso, mas também é preciso lutar para adquirir o máximo
possível dessa humildade que nos permitirá um verdadeiro encontro com Deus. Essa
é outra atitude indispensável ao monge hesiquiasta: buscar a humildade, pedir a
humildade a Deus.
Gostamos muito de um santo russo do século XIX, São Serafim de Sarov,
um homem extremamente humilde. Um dia ele explicou a alguém que o procurava
para saber como viver a hesíquia, como viver essa quietude em Deus, dizendo esta
frase: “Se você tiver paz em seu coração [ou seja, se você for hesiquiasta]
você salvará milhares de almas ao seu redor”. O que significa essa frase? É preciso
compreendê-la. Se São Serafim disse: “Se você tiver paz em seu coração você
salvará milhares de almas ao seu redor”, é porque ele passou por todo um
caminho que será para nós como um exemplo. Ele nos mostrou por toda a sua vida
que é preciso ser humilde, que é preciso aceitar que somos pequenos, que nada
sabemos, que não conhecemos a Deus e, sobretudo, que não possuímos Deus, e que
não devemos tentar possuí-lo, o que seria um erro fundamental. É preciso passar
pela humildade, e São Serafim passou por ela. É preciso passar pelo abandono.
O que é a humildade senão a descoberta objetiva de que somos pobres,
desprovidos e não amorosos? Isso pode nos conduzir ao desespero, o que não é um
bom caminho. É preciso que essa descoberta na humildade nos conduza à paz. E o
único caminho possível é o abandono nas mãos de Deus. Se eu descubro que sou
pobre, não devo me desesperar nem me revoltar; essa não é uma boa solução. Pois
se eu me desespero e me revolto, a quem faço referência? A mim, é claro, não ao
meu Criador! Mas se sou capaz de ver humildemente minha fraqueza, se eu sei não
me revoltar, se sei verdadeiramente me voltar para Deus, com toda confiança,
dizendo-lhe: “Eu sou pequeno e pobre, mas você, que pode tudo, tome a mim na
palma de sua mão e me guie...”, então, esse abandono, que é a segunda etapa –
primeiro a humildade, depois o abandono – esse abandono vai me conduzir à
quietude, à paz do coração, porque estarei enfim nas mão do Único, do Único que
pode me dar essa paz, aquele que é amor, nosso Deus. Eis aí, pelo exemplo de São
Serafim de Sarov, como é possível viver a tradição hesiquiasta.
Eu gostaria de terminar esta pequena exposição por um exemplo bíblico,
mais precisamente evangélico, que vocês devem conhecer. Trata-se do episódio em
que Jesus se encontra na casa de seus amigos Lázaro, Marta e Maria, judeus que
amavam o Senhor e que o acolhiam com frequência. Nesse episódio não se fala muito
de Lázaro, mas de suas irmãs Marta e Maria. Uma delas, Marta, atarefada,
prepara o jantar, se agita, põe a mesa, enfim, tudo aquilo que podemos
imaginar. A outra, Maria, está aos pés do Senhor, e apenas o olha e escuta. Então
aquela que põe a mesa vem e diz a Jesus: “Diga a ela para que venha me ajudar”.
E o Senhor responde: “Você se agita demais, e ela escolheu a melhor parte[5]”.
Dito de outra forma, nessa passagem evangélica, nessa experiência de
Marta e Maria, Cristo nos ensina: “Atenção à agitação inútil”. Ele não quis
dizer que essa agitação não era hospitaleira, ele não condenou aquela que
preparava a refeição, mas disse simplesmente: atenção, Maria escolheu a melhor
parte. Também nós, tentemos isso, pois no interior de cada um de nós vive uma
Marta e uma Maria: tentemos escolher sempre a melhor parte.
Exposição do Higoumeno Simeão
(mosteiro Saint-Silouane, Saint Mars de Locquenay, Sarthe)
Ao Institut des Hautes Études Islamiques, Paris, 13 de Maio
de 1995.
Revista Contacts,
no. 173, 1996.
Comecei a ler a Filocalia neste inicio de 2024. Daí o meu interesse pela tradição hesiquiasta. O texto acima é de leitura agradável e bastante esclarecedor. Graças a Deus!
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