quarta-feira, 20 de abril de 2016

Arquimandrita Sofrônio - CARÁTER UNIVERSAL DA PRECE DE JESUS



O nome de “Jesus” foi dado por revelação do Alto. Ele proveio da esfera divina, eterna, e de modo algum representa o produto da inteligência humana, apesar de ser expresso por uma palavra criada. A revelação é um ato, uma energia da Divindade; como tal, ela pertence a outro plano e transcende as energias cósmicas. Em sua glória supraterrestre, o Nome de “Jesus” é metacósmico. Quando pronunciamos o Nome de Cristo, pedindo a ele que entre em relação conosco, a ele que a tudo preenche, ele presta atenção às nossas palavras, em entramos em contato vivo com ele. Como Logos eterno do Pai, Cristo permanece com ele numa unidade indivisível, e assim Deus Pai, por intermédio de seu Verbo, entra em relação conosco. Cristo é o Filho único e coeterno do Pai, e é por isso que ele pôde dizer: “Ninguém chega ao Pai se não for por mim[1]”. O Nome “Jesus” significa “Deus Salvador”; neste sentido, ele pode ser atribuído a toda a Santíssima Trindade, e também a cada uma das Hipóstases separadamente. Mas, em nossa prece, utilizamos o Nome de “Jesus” exclusivamente como nome próprio do Deus Homem, e é para ele que se dirige a atenção de nosso intelecto. “Nele habita corporalmente toda a plenitude da Divindade[2]”, disse o apóstolo Paulo. Nele se encontra não apenas Deus, mas todo o gênero humano. Ao chamarmos pelo Nome de Jesus Cristo, nós nos colocamos diante da plenitude absoluta, do Ser primeiro e incriado e do ser criado. Para podermos penetrar no domínio dessa plenitude do Ser, devemos recebê-lo em nós de tal maneira que sua vida se torne também a nossa, e isso pela invocação de seu Nome em conformidade com seu mandamento.

Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador.
Aquele que se une ao Senhor forma com ele um só espírito[3].

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Não será inútil precisar que orar por intermédio do Nome de Jesus nada tem de automático, nem de mágico. Se não fizermos esforços para observar seus mandamentos, será em vão que invocamos seu Nome. Ele próprio nos adverte: “Naquele dia, muitos dirão: ‘Senhor! Senhor!, não foi por intermédio de seu Nome que profetizamos, por seu Nome que expulsamos os demônios, por seu Nome que fizemos numerosos milagres?’. E então eu lhes direi: “Não os conheço; afastem-se de mim, vocês que cometeram iniquidades[4]”. É essencial para nós que nos mostremos firmes e pacientes nas dificuldades, como Moisés[5] que parecia ver o invisível, e invocá-Lo com a consciência da ligação ontológica que une o Nome ao Nomeado, com a Pessoa de Cristo. Nosso amor por ele crescerá e se tornará perfeito na medida em que aumentar e se aprofundar no conhecimento relativo à vida do Deus amado. Enquanto estamos no plano humano, amamos a qualquer um, mencionamos seu nome com prazer e não deixamos de repeti-lo. Isso é incomparavelmente mais verdadeiro com o Nome do Senhor.

Quando uma pessoa a quem amamos se abre progressivamente para nós com todos os seus dons, ela se nos torna cada vez mais preciosa, e é com alegria que nela discernimos a cada instante novas qualidades. O mesmo se passa com o Nome de Jesus Cristo. Com interesse crescente descobrimos nesse Nome novos mistérios dos caminhos de Deus, e nós mesmos nos tornamos portadores da realidade que está contido ali. Graças a esse conhecimento vivo, adquirido pela própria experiência de nossa vida, entramos em comunicação com a eternidade: “A vida eterna é que eles O conheçam, a você o único e verdadeiro Deus, e que conheçam aquele que você enviou, Jesus Cristo[6]”.

Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de nós e desse mundo que é seu.

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O homem que verdadeiramente crê que os mandamentos evangélicos nos foram dados pelo Deus único e verdadeiro, extrai dessa fé as forças necessárias para levar uma vida à imagem de Cristo. O fiel não se permite aproximar da palavra do Senhor com um espírito crítico; ao contrário, ele submete a si próprio ao seu julgamento. Nesse caminho, ele se reconhecerá como pecador e se afligirá por seu estado lamentável. Se ele não sentir contrição por seus pecados, este é um sinal de que ele não alcançou ainda a visão do modelo segundo o qual o homem foi concebido desde antes da criação do mundo. Quem quer que experimente um real e profundo arrependimento não buscará as contemplações sublimes, mas estará inteiramente absorvido pela luta contra o pecado e as paixões. Uma vez que se liberte das paixões, ainda que parcialmente, horizontes espirituais banhados de luz, de cuja existência ele sequer suspeitava, se revelarão naturalmente e sem dificuldade aos seus olhos; seu intelecto e seus olhos serão elevados pelo amor divino. Então nossa natureza. Ferida pela queda, se renovará e diante de nós se entreabrirão as ´portas da imortalidade.

A via que conduz à verdadeira contemplação passa pelo arrependimento. Enquanto formos dominados pelas trevas do orgulho – orgulho que se opõe a Deus, que se opõe à Luz na qual não existe mais trevas – não seremos admitidos em sua eternidade. Ora, essa paixão é extremamente sutil e, por nós mesmos, não temos poder para denunciar sua presença em nós até o fim. Daí provém nossa ardente oração: “Seus pecados, quem os conhece? Dos que se ocultam em mim, purifique-me, e dos que me são estranhos, preserve seu servidor; se eles não prevalecerem sobre mim, então nada me reprovará, e estarei puro do grande pecado. Então as palavras de minha boca lhe serão agradáveis, e a meditação de meu coração estará sempre diante do meu Senhor, meu amparo e meu Redentor![7]”.

Nenhum de nós, nenhum dos filhos de Adão é capaz de ver distintamente seus pecados. Somente quando somos iluminados pela Luz divina podemos nos libertar dessas terríveis correntes. E enquanto isso não acontece, devemos gritar entre lágrimas:

Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador.

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No início de nossa ascese, não chegamos a captar os caminhos indicados por Deus; tentamos evitar o penoso enfrentamento com a fornalha da prova[8]. Podemos permanecer num lancinante estado de incompreensão, perguntando-nos então porque Deus, que é um Amor absolutamente perfeito, quis que o caminho que nos leva a ele seja tão terrível em dados momentos. Nós lhe suplicamos que nos revele o segredo dos caminhos da salvação. Pouco a pouco nosso intelecto se ilumina e nosso coração reúne as forças necessárias para seguir a Cristo e, por meio de nossos pequenos sofrimentos, nos associarmos aos seus. É-nos indispensável viver a dor e o medo, se quisermos descobrir as profundezas do ser e nos tornarmos capazes do amor que nos é ordenado: fora da experiência do sofrimento o homem permanece espiritualmente preguiçoso, meio adormecido, estranho ao amor de Cristo. Sabendo disso, quando nosso coração parece um vulcão extinto, devemos reaquecê-lo por meio da invo0cação do Nome de Cristo:

Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus vivo, tem piedade de mim.

E a chama do amor divino tocará nosso coração.

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Adquirir a Prece de Jesus implica adquirir a eternidade. Nos instantes, dentre todos, solenes e penosos, em que nosso organismo físico se desintegra, a prece “Jesus Cristo” se torna as vestes da alma; quando nossa atividade cerebral se interromper e se tornar difícil lembrar e pronunciar qualquer outra oração, o luminoso conhecimento de Deus, procedendo do Nome e intimamente assimilado por nós será apagado de nosso espírito. Depois de assistir ao fim de nossos pais, mortos em oração, temos a firme esperança de que a paz celeste que ultrapassa toda inteligência nos envolverá, a nós também, por todos os séculos.

Jesus, salve-me, Jesus, tem piedade e me salve, Jesus, salve-me, Jesus, meu Deus.

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O triunfo – silencioso e santo – de conhecer o Deus de amor desperta na alma uma profunda compaixão pelo conjunto da humanidade. Este “homem total” é minha própria natureza, meu corpo, minha vida e meu amor. Eu já não posso me despojar de minha “natureza”, me arrancar de meu “corpo” continuamente dilacerado pela violência que opõem, umas contra as outras, as “células” que na realidade formam um organismo único. Esse imenso corpo do “homem total” se encontra permanentemente em estado de doloroso desmembramento. O mal parece ser incurável. Mas também isso faz parte de nosso destino sobre a terra. Na oração, a alma chora até o esgotamento; e, no entanto, a salvação não virá senão quando, em sua liberdade, os próprios homens a desejarem. Amem seus inimigos: eis onde reside a cura da vida histórica e a salvação por toda a eternidade. Quem conheceu a força do amor por seus inimigos, este conheceu o Senhor Jesus, crucificado por seus inimigos; desde logo ele se apodera de sua ressurreição e Reino de Cristo Vencedor[9].

Senhor Todo Poderoso, Jesus Cristo, tem piedade de nós e deste mundo que é seu.

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Quando oramos num lugar silencioso e solitário, costuma acontecer de toda sorte de pensamentos inoportunos virem solicitar nosso intelecto, desviando sua atenção do coração. A prece parece estéril, porque o intelecto não participa da invocação do Nome de Jesus, e somente os lábios continuam a repetir mecanicamente as palavras. Mas quando terminamos nossa oração, habitualmente os pensamentos se afastam e reencontramos a calma. Esse cansativo fenômeno pode se explicar da seguinte maneira: pela invocação do Nome de Jesus nós colocamos em movimento todo um mundo secreto que se esconde em nós; podemos comparar a prece a um facho luminoso dirigido às regiões escuras de nossa vida interior e que nos revela as paixões ou as inclinações que pavimentam nossas profundezas secretas. Em tais casos, é preciso pronunciar o santo Nome com mais intensidade, para que o sentimento de arrependimento cresça em nossa alma.

Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim, pecador.

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Incorruptível, segundo o desígnio de Deus a nosso respeito, nosso espírito fenece na estreita prisão das paixões pecaminosas. Quanto mais profunda é a dor provocada em nós pela consciência de nosso afastamento de Deus em razão de nosso pecado, mais intenso será o impulso de nossa alma para Deus, e ela rezará com grande desejo e numerosas lágrimas, buscando ardentemente se unir a ele. Deus não despreza o coração contrito e vem a nós, fazendo com que o coração “profundo” do homem tome consciência de nossa afinidade para com ele, “sensivelmente” presente em nós e agindo em nosso interior. Isso mostra que também nosso corpo é capaz de perceber, da maneira que lhe é própria, o sopro do Deus Vivo.

Jesus, Filho do Deus Vivo, tem piedade de mim.

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Para o fiel, o Nome de Jesus Cristo é semelhante à alta muralha de uma fortaleza. Não será fácil para o inimigo penetrar aí com truques ou atravessando as pesadas portas de ferro, desde que nossa atenção não seja distraída por objetos exteriores. Orar por esse Nome dá à alma não apenas a força para resistir às influências perniciosas provenientes do exterior, mas ainda mais: a possibilidade de influenciar o meio no qual vivemos, saindo do fundo de nosso coração e reencontrando nossos irmãos em paz e com amor. Quando a paz e o amor comandados por Deus se aprofundam, eles se tornam a fonte de uma prece ardente pelo mundo inteiro. O Espírito de Cristo nos conduz pelos vastos espaços de amor que abarcam toda a criação. Nesse estado, a alma ora com grande emoção.

Senhor Jesus Cristo, nosso Deus e Salvador, tem piedade de nós e desse mundo que é seu.

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Deus jamais constrange a vontade do homem, mas, por outro lado, tampouco o homem pode obrigá-lo a fazer seja lá o que for. Em nossa prece, aspiramos a nos colocarmos diante de Deus na unidade e na integridade de nosso ser, e em especial com o intelecto unido ao coração. Para realizar essa bem-aventurada união das duas principais potências de nossa personalidade, não recorremos a nenhum procedimento artificial do tipo psicotécnico. De início habituamos nosso intelecto a perseverar atentamente na oração, como nos ensinaram os Padres, ou seja, a pronunciar o Nome de Jesus Cristo e as demais palavras da prece com grande atenção. Invocar com concentração o Nome divino e se esforçar a cada dia para viver de acordo com os mandamentos do Evangelho têm como efeito produzir a fusão do intelecto e do coração numa única atividade.

Em nossa ascese, jamais devemos nos apressar. É preciso absolutamente descartar a ideia de fazer o máximo nos menores intervalos de tempo. A experiência secular mostra que a união do intelecto com o coração, realizada por meio de uma psicotécnica, nunca dura muito tempo; e, o que é mais grave, ela não une nosso espírito ao Espírito do Deus Vivo. Ora, estamos diante do problema da salvação eterna, no seu sentido mais profundo. Para tanto, toda nossa natureza deve ser renovada: de carnal, ela deve se tornar espiritual. E quando o Senhor nos considerar capazes de receber sua graça, ele não tardará em vir em resposta à nossa humilde invocação. Talvez sua vinda nos absorva de tal maneira que nosso coração e nosso intelecto fiquem inteiramente ocupados apenas com Ele: então, esse mundo visível dará lugar a uma realidade de outra ordem, superior. O intelecto cessa de pensar de modo discursivo: ele se torna inteiro atenção. O coração entra num estado difícil de descrever: ele se vê penetrado pelo temor, mas por um temos reverente, vivificante. Simultaneamente, retemos seu sopro. Deus preenche tudo, e o home inteiro – o espirito-intelecto, o coração-sentimento, e o próprio corpo – não mais vivem senão por Deus.

Senhor Jesus Cristo nosso Deus, tem piedade de nós e desse mundo que é seu.

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O Nome divino, revelado aos homens, serviu de ligação entre Deus e nós. É através do Nome de Deus, ou, melhor dizendo, pelos Nomes divinos, que se realizam na Igreja todos os sacramentos. Toda atividade deve ser cumprida ”em Nome de Deus”. Pela invocação do Nome Altíssimo, sua presença se torna viva, continuamente perceptível; enquanto nossa obra se faz segundo a vontade do Senhor, nosso coração está em paz, mas todas as vezes que nos desviamos da verdade, ele experimenta uma certa angústia. Assim, portanto, por meio da prece, operamos um vigilante controle interior sobre cada movimento de nosso espírito; nenhum pensamento, nenhuma palavra lhe escapa. Essa consequência da prece incessante permite reduzir nossos pecados ao mínimo.

Senhor Jesus Cristo, Filho e Verbo do Deus Vivo, tem piedade de nós.

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“Queira, Senhor, nesse dia guardar-nos sem pecado”. É assim que oramos pela manhã. Mas somente a sutil presença em nós do Espírito divino dá ao nosso espírito a possibilidade de permanecer numa vigilante sobriedade interior. “Ninguém pode dizer: ‘Jesus é o Senhor’, se não for pelo Espírito Santo[10]”. Mais uma vez nos damos conta de que é pela invocação mental do Nome do Senhor que nos protegemos do pecado em nossas palavras e em nossas ações: “Senhor Jesus, você que é a Luz que veio para salvar o mundo, ilumine os olhos espirituais de meu coração, para que eu seja digno de caminhar diante de sua Face sem vacilar, como à luz do dia[11]”.

Para que a prática da oração alcance os resultados de que falam com tanto entusiasmo nossos pais e nossos mestres, é indispensável seguirmos seus ensinamentos. A primeira condição consiste em crer em Cristo como Deus e Salvador; a segunda, de se reconhecer como pecador em vias de perdição. Essa consciência pode atingir tamanha profundidade que o homem chega a se sentir pior do que todos os outros; e isso lhe aparece como uma evidência, não em razão de seus atos exteriores, mas ao constatar seu afastamento de Deus e ao se ver como portador potencial do mal sob todas as suas formas.

Quanto mais nos humilhamos num doloroso arrependimento, mais rapidamente nossa prece alcançará a Deus. Mas quando perdemos a humildade, nenhuma ascese poderá nos ajudar. A presença do orgulho em nós, e do julgamento de nossos irmãos, o desprezo e a raiva de nosso próximo nos projetam para longe do Senhor.

Nós nos aproximamos de Deus como os últimos dentre os pecadores. Nós nos condenamos sinceramente em tudo. Não imaginamos nada, não buscamos nada senão o perdão e a misericórdia. Esse é o nosso constante estado interior. Suplicamos ao próprio Deus que nos ajude a não contristarmos o Espírito Santo com nossas miseráveis paixões, a não causar nenhum mal a nosso irmão nem a qualquer homem que seja. Nós nos condenamos como indignos de Deus aos tormentos do inferno. Não esperamos nenhum dom particular do Alto, e só aspiramos com todas as nossas forças a captar o sentido dos mandamentos de Cristo e viver de acordo com eles. Nós imploramos:

Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de nós e desse mundo que é seu.

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E Deus nos escuta, e a salvação se aproxima de nós. “Então, quem quer que invoque o Nome do Senhor [num estado de espírito semelhante ao seu] será salvo[12]”.

“Arrependam-se[13]”. Devemos levar muito a sério esse apelo de Cristo, mudar radicalmente nosso modo de vida interior e nossa visão do mundo, nossa atitude para com os homens e para com todo fenômeno que surge no ser criado: não matar nossos inimigos, mas vencê-los por meio do amor. Lembrarmo-nos de que o mal absoluto não existe; o único absoluto é o Bem sem origem. E esse Bem nos ordenou: “Amem a seus inimigos (...) façam o bem a quem os odeia (...) sejam perfeitos, como seu Pai celeste é perfeito[14]”. Deixar-se imolar por seus irmãos é o melhor modo de arrancá-los da escravidão do mentiroso – o Diabo – e de preparar sias almas para acolherem a Deus que deseja que todos os homens sejam salvos. Não existe homem em quem não esteja presente, numa ou noutra medida, a luz, pois Deus iluminou “todos os homens que vieram ao mundo[15]”. O mandamento de não resistir a quem faz o mal[16] é a forma mais eficaz da luta contra o mesmo mal. Quando opomos à violência os mesmos meios que utiliza aquele que comete a injustiça, o dinamismo do mal aumenta no mundo. O assassinato dos inocentes desloca, muitas vezes de maneira imperceptível, as forças morais da humanidade do lado do bem pelo qual morreu o inocente. Não é esse o caso quando de dois lados intervém a mesma tendência má em dominar. A vitória obtida pela força física não dura eternamente. Luz santa e pura, Deus se retira dos criminosos; estes se separam da única fonte de vida, e morrem: “Não se vinguem por si próprios, bem amados, mas deixem agir a cólera de Deus, pois está escrito: ‘Minha é a vingança, minha é a retribuição, diz o Senhor’ (...) Assim, não se deixe vencer pelo mal, mas supere o mal com o bem[17]”.

Os homens portadores de uma verdade apenas relativa lutam muitas vezes com fanatismo para assegurar o triunfo de suas ideias; dessa forma eles destroem a integridade do ser e, no fina de contas, levam tudo à ruína. Em sua cegueira, eles absolutizam o aspecto positivo de suas doutrinas políticas e estão prontos a eliminar todos os que gostariam de ver o mundo se edificar sobre princípios melhores, mais humanos e, certamente e acima de tudo, sobre os mandamentos de Cristo, levado à morte por causa de sua predicação de amor. No mundo contemporâneo, as palavras evangélicas de Cristo se revestem de uma atualidade especial: “Ouvirão falar de guerra e de rumores de guerras; não fiquem perturbados, pois é preciso que essas coisas aconteçam (...); vocês [os cristãos] serão odiados por todas as nações, por causa do meu Nome (...). E porque a iniquidade só fará crescer, a caridade da maioria esfriará (...) e então chegará o fim[18]”.

Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de nós e desse mundo que é seu.

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“Então o Senhor Deus modelou o homem com o barro do solo, e lhe insuflou nas narinas um sopro de vida, e o home se tornou um ser vivo[19]”. Nós somos atraídos a Ele, sedentos por estarmos eternamente unidos a Ele; e Ele próprio nos aguarda com amor. A sede de Deus é uma nota permanente de nossa existência terrestre; nós nos preparamos mesmo para morrer com ela. O próprio Cristo, antes de morrer sobre a cruz, gritou: “Tenho sede[20]”. Ele teve fome[21], ele teve sede, ele sofreu angústia[22], para que nós conhecêssemos o Pai. E nós languescemos sobre a terra, oprimidos por esse interminável e monstruoso espetáculo de violências, assassinatos e ódio; temos sede de nos dirigirmos ao Pai, e invocamos o Nome de seu Filho único:

Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de nós.

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A grande desproporcionalidade da tarefa que nos aguarda nos inspira o temor. Foi-nos dito: “O Reino dos céus sofre violência, e os violentos se apropriam dele[23]”. Uma ascese prolongada nos mostrará que na revelação evangélica tudo pertence a um plano diferente, superior. A ofuscante Luz da Divindade se reflete em nosso mundo sob a forma de mandamentos: “Amem seus inimigos (...). Sejam perfeitos como seu Pai celeste é perfeito[24]”. Somente a morada em nós Daquele que nos deu seus mandamentos nos ajudará a realizar tudo o que nos foi ordenado. Daí vem nosso grito:

Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus Vivo, tem piedade de nós.

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A invocação do Nome do Senhor nos une progressivamente a ele. Isso já se realiza em parte quando aquele que ora ainda não compreende “quem é Ele[25]” e ainda não percebe claramente o poder de santificação que emana do Nome. Todo progresso ulterior, no entanto, está estreitamente ligado ao reconhecimento cada vez mais lúcido de nosso estado de pecado, que chega até o desespero. Então, com energia redobrada, invocamos o Nome maravilhoso:

Jesus, meu Salvador, tem piedade de mim.

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Em que angústia vivem as pessoas que se sabem mortalmente atingidas por uma enfermidade incurável, como um câncer, por exemplo! É com o mesmo horror, e talvez maior ainda, que alguns sentem a presença em si das paixões pecaminosas que os afastam de Deus. Estes se reconhecem como sendo “os piores dentre todos”; ele se veem realmente nas trevas do inferno. Então, neles se concentra uma enorme energia de prece e arrependimento. Este último pode atingir tamanho grau que seu intelecto se imobiliza e não consegue encontrar outras palavras senão:

Jesus, salve a mim que sou pecador.

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 É salutar que se desenvolva em nós uma aversão ao pecado e que ela se transforme em raiva de si mesmo. De outro modo, nós nos arriscamos a nos acomodar e nos habituar ao pecado; este possui inúmeras facetas e, ao mesmo tempo, é tão sutil que na maior parte dos casos sequer percebemos sua presença em tudo o que fazemos, mesmo naquelas ações nossas que são boas em aparência. É uma ascese difícil, mas também bela, a de mergulhar nosso intelecto soberano no centro invisível de nossa personalidade com a invocação do Nome de Jesus Cristo. Sem fé nele, ninguém é capaz de discernir o veneno mortal que opera em nós. Graças a essa luta contra o pecado que vive em nós, descobrimos não apenas as profundezas de nosso próprio ser, como ainda os misteriosos abismos da vida cósmica. Então nosso espírito dará as costas aos eventos superficiais e sem importância da vida de todos os dias, e, horrorizado consigo mesmo, reconhecerá a santa força de outra oração, de outro plano, clamando:

Senhor Jesus, meu Salvador, tem piedade, tem piedade de mim, o maldito.

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Podemos falar da prece ao Nome de Jesus Cristo nos próprios termos da Sagrada Escritura e das obras dos Santos Padres. Mais precisamente: ela é um fogo que devora as paixões[26]; ela é uma luz que ilumina nosso intelecto, tornando-o perspicaz e capaz de discernir aquilo que acontece ao longe e tudo o que se passa dentro de nós. Podemos com justiça aplicar a ela as palavras da epístola aos Hebreus: “Ela é mais eficaz e incisiva do que uma faca de dois gumes, ela penetra até o ponto de divisão da alma e do espírito, das articulações e da medula, ela pode julgar os sentimentos e os pensamentos do coração. Não existe nada nas profundezas de nosso espírito que permaneça invisível diante dela, e à sua luz tudo está nu e a descoberto[27]”. A prática dessa oração nos faz encontrar várias potências escondidas no cosmos; ela provoca contra nós uma luta encarniçada de parte dessas “potências cósmicas”, ou melhor, desses “regentes do mundo das trevas, dos espíritos do mal que habitam os espaços celestes[28]”. A vitória, porém, pode ser conseguida por meio de um arrependimento que chega até a “raiva de si mesmo[29]”. O modelo dessa batalha está descrito no Apocalipse de São João: “Eles venceram [o Diabo ou Satanás, o sedutor do mundo inteiro] pelo sangue do Cordeiro e pela palavra da qual deram testemunho, porque eles desprezaram suas vidas até o ponto de morrer[30]”.

Acompanhada de um ardente arrependimento, essa prece eleva o espírito do homem às esferas situadas fora do alcance da “sabedoria dos sábios deste século[31]”. É temerário falar a seu respeito: fazendo-nos primeiro passar pelos abismos de trevas ocultos em nós, ela a seguir une nosso espírito ao Espírito divino e nos permite já aqui em baixo viver a santa eternidade. Em todos os séculos, os Padres ficaram estupefatos com a grandeza desse dom concedido ao mundo decaído.

Senhor Jesus Cristo, único Santo, único verdadeiro Salvador de todos nós,
tem piedade de nós e desse mundo que é seu.

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A majestade do mundo criado nos encanta, mas, ao mesmo tempo e com mais força ainda, nosso espírito é atraído para a incorruptível beleza do Ser divino e sem origem. Com uma clareza impressionante, o Senhor Jesus nos permitiu entrever a luz supracósmica do Reino. A contemplação desse esplendor nos liberta das consequências da queda, e a graça do Espírito Santo restaura em nós a imagem original e a semelhança de Deus, manifestadas em nossa carne por Cristo. Assim é que agora a invocação de seu Nome se torna nossa prece perpétua:

Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de nós e desse mundo que é seu.

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Em seu último florescimento, essa prece nos une inteiramente a Cristo. Não obstante, a hipóstase humana não é destruída, não se dissolve no Ser divino como uma gota d’água no oceano. A pessoa humana é indestrutível por toda a eternidade. “Eu sou (...) a verdade e a vida, Eu sou a Luz do mundo[32]”. O Ser, a Verdade, a Luz não são conceitos abstratos, essências impessoais, “o que”, mas “quem”. Onde não existe um modo pessoal de ser, tampouco existem vivos; e menos ainda poderá existir aí bem ou mal, luz ou trevas. Lá, de modo geral, nada pode existir: “Nada do que existe foi feito sem ele, pois nele estava a vida[33]”.

Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus Vivo, tem piedade de nós e desse mundo que é seu.

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“Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aqueles a quem o Filho quiser revelá-Lo[34]”. Mas nós conhecemos o Filho na medida em que permanecemos no espírito de seus mandamentos. Sem ele não temos forças para nos erguer à altura do que nos é ordenado, pois nos mandamentos se manifesta a vida do próprio Deus. É daí que vem o grito que lançamos ao alto para ele:

Senhor Jesus Cristo, Filho coeterno do Pai, tem piedade de mim!
Vem e habita em mim com o Pai e o Espírito Santo, segundo a sua promessa...
Senhor Jesus, tem piedade de mim, pecador.

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O Nome de “Pai” era conhecido no Velho Testamento, mas era contemplado dentro das trevas do desconhecimento. Foi Cristo que, de modo extremamente correto, nos fez conhecer nele o Pai; foi ele quem nos revelou as verdadeiras dimensões de tudo o q eu havia sido dado antes dele por Moisés e os Profetas. “Eu estou no Pai, e o Pai está em mim”; “Meu Pai e eu somos um”; “Eu os fiz conhecer seu Nome, e os farei conhecê-Lo [até a plenitude], para que o amor com o qual você me amou esteja neles, e eu neles”. O conhecimento do Nome de “Pai” é também o conhecimento de seu amor paternal por nós. Quando invocamos o Nome de Jesus, somos introduzidos no domínio da Vida divina, e o Pai, o Filho e o Espírito Santo nos são dados neste Nome:

Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de nós e deste mundo que é seu.

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Invocar o Nome de Jesus, se possível com a plena consciência daquilo que ele contém, significa que já estamos realmente unidos ao Deus Trinitário. Esse Deus se revelou a nós em sua nova relação para com o homem: não mais como Criador, mas como Salvador do mundo, como Luz da Verdade e da verdadeira eternidade.

Senhor Jesus Cristo, Filho do Pai eterno, tem piedade de nós.

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As teologias do Nome e do ícone têm pontos comuns. Ao contemplarmos um ícone de Cristo, entramos espiritualmente em contato pessoal com Ele. Nós confessamos sua aparição na carne: ele é Deus e homem; inteiramente homem, e perfeita semelhança com Deus. Vamos além das cores e das linhas, e penetramos até o mundo do intelecto, do espírito. Da mesma forma, na invocação do Nome, não nos detemos nos sons proferidos, mas vivemos o sentido. Os sons podem variar em função da diversidade das línguas nas quais oramos, mas o conteúdo – o conhecimento encerrado no Nome – permanece imutável.
Senhor Jesus Cristo, salve-nos.

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Conscientes da adoção filial por Cristo que nos foi prometida, glorificamos aquele que nos criou. Invocando o Nome de Jesus Cristo, deixamos ressoar em nos o poder e a majestade que lhe são próprias; possa ele destruir as raízes do pecado que vive em nós; que ele faça brotar a chama de seu amor em nossos corações de pedra; que ele nos dê luz e inteligência; que ele nos faça comungar de sua glória; que por intermédio de seu Nome, a paz que ultrapassa toda inteligência permaneça em nós[35]. Quando houvermos passado longos anos a pedir por esse Nome, que Deus nos conceda conhecer a plenitude da revelação contida nele: “Conselheiro maravilhoso, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz, Senhor de Sabaó[36]”.

Senhor Jesus Cristo, Filho do Deus Vivo, tem piedade de nós e deste mundo que é seu.

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Devemos invocar o Nome divino com humildade. Aqui, Cristo, Mestre do mundo, se encarnou, e como homem ele se rebaixou até a morte na Cruz. É por isso que seu nome foi exaltado mais acima de todo nome que se possa nomear, não apenas neste mundo, mas ainda no mundo por vir. O Pai o fez sentar-se à sua direita nos céus, e o constituiu como Cabeça da Igreja, que é seu Corpo, a plenitude daquele que preenche tudo em todos[37].

Senhor Jesus Cristo, nosso Deus, tem piedade de nós,
de sua Igreja e desse mundo que é seu,
pelas preces de Mãe de Deus, dos santos Apóstolos
e de todos os Santos desde a origem dos séculos.

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A verdadeira libertação começa quando aceitamos plenamente e sem dúvidas a Revelação “Eu sou Aquele que é[38]”, “Eu sou o alfa e o ômega, o Primeiro e o Último[39]”. Deus é o Absoluto pessoal, Trindade consubstancial e indivisível. Sobre essa Revelação se edifica toda nossa vida cristã. Esse Deus nos chamou do não-ser para esta vida. O conhecimento do Deus Vivo e a penetração no mistério dos caminhos da criação nos libertam da trevas de nossas próprias ideias (que vêm de baixo) referentes ao Absoluto, e nos salvam da vertigem, inconsciente mas com certeza fatal, de abandonar toda existência. Fomos criados com o objetivo de sermos associados ao Ser divino, àquele que É verdadeiramente. Cristo nos indicou o caminho: “A porta é estreita e apertado é o caminho que conduz à Vida[40]”. Captando as profundidades da sabedoria do Criador, aceitamos os sofrimentos por meio dos quais se adquire a eternidade divina. E quando sua Luz nos cobre com sua sombra, unimos em nós a contemplação das duas extremidades do abismo: de um lado as trevas do inferno e de outro o triunfo da vitória. Somos existencialmente introduzidos no domínio da Vida incriada. O inferno perde seu império sobre nós. Nos é dada uma graça: viver o estado do Logos incriado, de Cristo descendo aos infernos como Vencedor. Então, pelo poder de seu amor, abraçamos a criatura inteira em nossa prece:

Jesus, Mestre Todo-Poderoso e Bom, tem piedade de nós e desse mundo que é seu.

***
A revelação do Deus pessoal confere a tudo esse caráter admirável. A vida não é um processo cósmico qualquer submetido ao determinismo, mas Luz do indescritível amor das Pessoas divinas e das pessoas criadas, movimento livre dos espíritos pessoais cheios da consciência lúcida de tudo o que existe e de si próprios. Fora disso, nada tem sentido, tudo está morto. Mas nossa prece se torna o encontro vivo de nossa pessoa criada com a Pessoa divina, ou seja, absoluta, e esse encontro se expressa pela nossa invocação do Verbo do Pai:

Senhor Jesus Cristo, Verbo coeterno do Pai sem começo, tem piedade de nós,
habita em nós e nos salve, assim como todo esse mundo que é seu.

***
Quando começamos a compreender o sábio desígnio concebido para nós por nosso Deus e Criador, nosso amor por ele é estimulado, e quando oramos sentimos uma inspiração nova. A contemplação da Sabedoria divina que se reflete na beleza do mundo dá ao nosso espírito um novo impulso que nos desenraiza de todo o criado. Esse rapto não é um voo filosófico no domínio das ideias puras, por cativantes que estas possam nos parecer, nem uma criação artística no domínio da poesia, mas sim o esvaziamento de todo o nosso ser pela energia de uma vida até então desconhecida. A leitura do Evangelho, na qual começamos a discernir o Ato da auto-revelação de Deus, eleva nosso espírito acima de tudo o que foi criado. Nisso consiste a entrada na graça da teologia, concebida não como uma ciência humana, mas como um estado de comunhão com Deus. Não submetemos a palavra de Deus ao julgamento de nosso limitado entendimento, mas julgamos a nós mesmos à luz do conhecimento que ela nos concede. Depois disso, é natural que aspiremos a fazer da palavra evangélica o conteúdo de toda nossa existência; isso nos ajuda a nos libertarmos do império das paixões, e, com a força do Deus-Jesus, obtermos a vitória sobre o mal cósmico dissimulado nas profundidades do nosso ser. Então reconhecemos realmente que ele, Jesus, é, no sentido próprio, o único Deus Salvador, e que a prece cristã se realiza pela incessante invocação de seu nome:

Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de nós e desse mundo que é seu.

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Em nosso estado de morte espiritual, perdemos o sentido do pecado, e agora, sem Cristo e a graça do Espírito Santo, não podemos mais enxergá-lo em nós. Ora, em sua essência, o pecado é sempre uma transgressão contra o amor divino. Tal transgressão não é possível a menos que o “Eu sou”, ou seja, a menos que o Deus absoluto seja pessoal e que nossas relações com ele sejam também profundamente pessoais. Não existe outra fé ou religião na qual o mistério do pecado seja revelado dessa maneira. Eis como, cheio do Espírito Santo, orava São Efrém o Sírio: “Permita-me ver meus pecados”. Todos os Padres disseram que ver seus pecados é algo maior do que ver as aparições dos Anjos. Portanto, também nós, conhecendo o que está oculto desde a origem dos séculos, oramos com humilde enternecimento do coração:

Senhor Jesus Cristo, tem piedade do pecador que eu sou, pois eu caí.

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“Grande é o mistério da piedade: [Deus] se manifestou na carne, justificado no Espírito, visto pelos Anjos, proclamado entre os pagãos, crido no mundo, e levantado em glória[41]”. Somos todos herdeiros de Adão, que se deixou arrastar por Lúcifer em sua queda. A ideia da deificação é própria ao ser criado à imagem de Deus, mas toda a questão se resume em saber por quais meios é possível alcançar esse objetivo, realizar essa tarefa. Se somos seres criados e não o Ser em si e sem origem, é absurdo supor que poderemos nos tornar “iguais a Deus” evitando-o. “A manifestação de Deus na carne”, tal é o sentido de nossa vida. Se a esperança da deificação está enraizada no mais profundo de nós, a via que conduz até aí consiste em tornar nossa a vida do Deus que se mostrou a nós na nossa forma de existência; sim, devemos assimilar sua palavra, seu Espírito, nos tornarmos semelhantes a ele em todo o nosso comportamento. Quanto mais semelhantes a ele formos neste mundo, mais completa e perfeita será a nossa deificação. Novamente, é o apóstolo Paulo quem diz: “Aquele que se une [pela prece e a comunhão] ao Senhor, forma com ele um só espírito[42]”. E assim clamamos:

Senhor Jesus Cristo, Filho único do Pai, nossa única esperança,
conduze-nos consigo e por você ao Pai...
tem piedade de mim, pecador.

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Viver eternamente no seio da Trindade, este é o sentido do chamado evangélico. Mas esse Reino “sofre violência, e são os violentos que se apoderam dele[43]”. É preciso se obrigar, pois “a porta é estreita e apertado é o caminho que conduz à Vida[44]”. Desde que nós, cristãos, não estamos de acordo em seguir “aqueles que não encontram” porque não procuram[45], produzem-se inevitavelmente conflitos: tornamo-nos indesejáveis para os filhos deste mundo – esta é a sorte daqueles que amam a Cristo. Quando o Senhor está conosco, todos os sofrimentos da terra não nos parecem terríveis, porque com ele passamos da morte para a vida. Mas não podemos evitar passar horas ou períodos em que nos sentimos abandonados por Deus: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?[46]”. E se, além disso, nos sentimos repudiados pelos homens, nosso desespero poder tomar uma forma aguda; então é hora de invocarmos Aquele que passou, ele próprio, por essas provas, e que pode, por conseguinte, vir em socorro daqueles que estão sendo testados[47]:

Senhor Jesus, assim como você salvou a Pedro, salva-me também, pois me afogo[48].

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Na ascese da oração cada qual vai tão longe quanto suas capacidades o permitem. Não é fácil encontrar por si só o limite das próprias forças. Os que são guiados pelo Espírito Santo jamais cessam de se condenar, considerando-se como indignos de Deus. Mas no momento em que o desespero se torna insuportável, eles se afastam por um tempo da borda do precipício onde se mantinham espiritualmente, para conceder algum repouso ao seu psiquismo e ao seu corpo. A seguir eles retornam à beira do abismo. Porém, mesmo quando repousa, ou durante seus períodos de calma, o asceta sempre sente nas profundezas de seu coração uma chaga que o impede de se entregar a pensamentos de orgulho. A humildade ascética se enraíza sempre primeiro na sua alma e se torna por assim dizer parte de sua substância. As aflições e as enfermidades são características de nossa peregrinação terrestre. Sem elas, nenhum filho de Adão poderia se manter humilde. Mas aqueles que perseverarem até o fim serão considerados dignos de receber o dom da “humildade de Cristo”, a respeito da qual o estaroste Silouane disse ser “indescritível”, porque ela pertence a outro plano, mais elevado, do ser. A aquisição deste dom é possível mediante a constante lembrança de Cristo, e pela prece dirigida a ele:

Senhor Jesus Cristo, Deus Santo e Grande, ensina-me você mesmo sua humildade...
escute minha prece e tem piedade de mim, pecador.

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Assim, é apenas através do fogo do arrependimento que nossa natureza é reformulada, é pela prece acompanhada de lágrimas que são exterminadas as raízes do pecado, é pela invocação do Nome de Jesus que nosso ser é purificado, regenerado e santificado: “Agora vocês são puros, por causa da palavra que eu lhes anunciei. Permaneçam em mim...”. Mas, como permanecer? Meu Nome lhes foi dado e em meu Nome o Pai lhes dará tudo o que vocês pedirem: “Aquilo que pedirem ao Pai em meu Nome, ele lhes concederá[49]”.

Senhor Jesus Cristo, único verdadeiramente sem pecado, tem piedade de mim, pecador.

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Nossos Pais nos ensinaram a orar pelo Nome de Jesus sem modificar com frequência a fórmula da oração. Mas, por outro lado, de tempos em tempos precisamos renovar nossa atenção e também intensificar nossa prece quando o intelecto se eleva a contemplações teológicas, ou quando nosso coração se dilata, a fim de poder abraçar o mundo inteiro. Isso nos permite recobrir com o Nome de Jesus Cristo todos os eventos, interiores ou exteriores. E assim essa prece maravilhosa engloba a tudo e se torna universal.


Extratos do livro do Arquimandrita Sofrônio,
Sua vida é a minha, Éditions du Cerf, 1981.



[1] João 14: 6.
[2] Colossenses 2: 9.
[3] I Coríntios 6: 17.
[4] Mateus 7: 22-23.
[5] Cf. Hebreus 11: 27.
[6] João 17: 3.
[7] Salmo 18: 13-15.
[8] I Pedro 4: 12.
[9] Cf. João 17: 21-23; 11: 51-52; Efésios 2: 14-17; I Coríntios 3: 22-23.
[10] I Coríntios 12: 3.
[11] Cf. João 11: 9-10.
[12] Joel 3: 5.
[13] Mateus 4: 17.
[14] Mateus 5: 44 e 48.
[15] João 1: 9.
[16] Cf. Mateus 5: 39.
[17] Romanos 12: 19 e 21.
[18] Mateus 24: 6-14.
[19] Gênesis 2: 7.
[20] João 19: 28.
[21] Mateus 21: 18.
[22] Cf. Lucas 12: 50.
[23] Mateus 11: 12.
[24] Mateus 5: 44 e 48.
[25] Mateus 21: 10.
[26] Cf. Hebreus 12: 29.
[27] Cf. Hebreus 4: 12-13.
[28] Efésios 6: 12.
[29] Cf. Lucas 14: 26.
[30] Apocalipse 12: 11 e 9.
[31] Cf. I Coríntios 1: 19-20.
[32] João 8: 58; 14: 6; 9: 5.
[33] João 1: 3-4.
[34] Mateus 11: 27.
[35] Cf. João 14: 27; Filipenses 4: 7.
[36] Isaías 9: 5; 8: 18; cf. Atos 4: 12.
[37] Cf. Efésios 1: 20-23.
[38] Êxodo 3: 14.
[39] Apocalipse 1: 8.
[40] Mateus 7: 14.
[41] I Timóteo 3: 16.
[42] I Coríntios 6: 17.
[43] Mateus 11: 12.
[44] Mateus 7: 14.
[45] Cf. Mateus 7: 8.
[46] Mateus 27: 46.
[47] Cf. Hebreus 2: 18.
[48] Cf. Mateus 14: 30.
[49] João 15: 16.

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