GREGÓRIO PALAMAS
SOBRE A PRECE E A PUREZA DO CORAÇÃO
1, Uma vez que o divino é a bondade mesma e propriamente a compaixão e
o abismo de doçura, ou antes, é o que abraça este abismo, na medida em que
ultrapassa todo nome que pode ser nomeado[1]
e toda coisa concebível, não é possível encontrar a compaixão senão unindo-se a
ele.
Ora, o modo de nos unirmos a ele, na medida do possível, consiste em
partilhar com ele as virtudes semelhantes, partilhando o pedido e a união na
prece a Deus.
A partilha das virtudes torna naturalmente o menos fervoroso apto a
receber o divino por semelhança. Mas ela não conduz à união. É o poder da
oração que celebra esta comunhão e realiza a tensão do homem em direção ao
divino e sua união com ele, pois ela é um laço que amarra ao Criador as
criaturas dotadas de razão quando, por uma ardente compunção, os movimentos da
prece superam as paixões e os pensamentos. Pois é impossível ao intelecto passional
unir-se a Deus.
Assim, o intelecto, na medida em que não se encontra em estado de
prece, é incapaz de descobrir a compaixão. Mas quanto mais ele se desembaraça
dos pensamentos, mais ele alcança a tristeza. E, na medida desta tristeza, ela
participa da compaixão que a consola. Se, com humildade, ela consagra seu tempo
a esta ascese, ela transforma a parte passional da alma.
2. Quando a unidade do pensamento se torna tripla ao mesmo tempo em
que permanece uma, então ela se une à Unidade trinitária da divina Origem,
depois de haver fechado rodas as entradas do erro e de se ter colocado acima da
carne, do mundo e daquele que mantém o mundo sob seu domínio. Escapando assim
aos seus projetos, ela permanece em si e em Deus: na medida em que ela permanece
sendo o que é, ela desfruta da alegria espiritual que brota do coração.
Mas a unidade do intelecto se torna tripla ao mesmo tempo em que
permanece uma quando este se volta para si mesmo e quando, através de si
próprio, se eleva a Deus. Ora, o retorno do intelecto sobre si mesmo é sua
própria proteção. Sua elevação para Deus de início é operada pela prece e, na
medida em que a prece se desenvolve, pode acontecer que ele se expanda
subitamente, o que exigirá mais trabalho. Mas se perseverarmos neste
desdobramento do intelecto e na sua tensão em direção ao divino, à custa de nos
violentarmos para avançarmos pouco a pouco até a reflexão divina, será assim
que, por meio do intelecto, nos aproximaremos de Deus: descobriremos o
indizível, provaremos do século futuro e conheceremos pelo próprio sentido do
intelecto que o Senhor é bom, como disse o Salmista: “Provem e vejam que o
Senhor é bom[2]”.
Descobrir o intelecto triplo ao mesmo tempo em que se conserva a
identidade única, guardando e orando por sua guarda, não é, portanto, uma coisa
muito difícil. Mas perseverar longamente neste estado pela geração do indizível
é da mais alta dificuldade. Todos os outros esforços exigidos pelas demais
virtudes são mínimos e suportáveis comparados a este. É por isso que muitos,
por recusarem o que existe de mais estreito e estrito nas virtudes orantes, não
alcançam além dos carismas. Mas aos que perseveram, os socorros divino os
protegem, tornando-os maiores e, transportando-os e sustentando-os, os conduzem
adiante com prazer, e assim tornam a eles mais acessível a difícil capacidade de
orar, a fazem por assim dizer angélica e dão à nossa natureza a força de
dialogar com o sobrenatural, como disse o profeta: “Os que perseverarem
renovarão sua força. E receberão asas[3]”.
3. O que é chamado de intelecto é a energia desta inteligência
suscitada nos raciocínios e nos pensamentos. O intelecto é também a potência
que coloca em movimento estes pensamentos, e que a Escritura chama de coração.
Por intermédio do coração, a mais importante das nossas potências interiores, o
intelecto é a alma dotada de razão que está em nós.
É claro que a energia do intelecto nos pensamentos se estabelece e se
purifica facilmente naqueles que se consagram à oração, em especial à prece do
nome único de Deus. Mas o poder que suscita esta prece não pode se purificar se
não o forem as demais potências da alma, pois a alma constitui uma única e
mesma atividade com múltiplas potências. Assim, ela se mancha inteira quando
sobrevém o mal, por qualquer uma das potências que existem nela, uma vez que
todas comunicam com a potência única na unidade da alma.
Uma vez que cada uma das potências dispensa uma energia diferente, é
possível, vigiando-a, purificar qualquer uma delas no momento em que ela age,
mas nem por isso esta potência se tornará pura. Pois, comunicando-se com as
demais, esta potência pura pode se tornar outra vez impura. É por isso que
quando alguém, dedicando-se à oração, purifica a energia do intelecto e se
torna numa certa medida iluminado pela luz do conhecimento ou pela iluminação
intelectual, esta pessoa se perde se enganar a si própria pensando estar por
causa disso purificada; por sua presunção ela estará abrindo de par em par a
porta àquele que tenta nos enganar todo o tempo. Mas se, conhecendo a impureza
de seu próprio coração, ele não se satisfizer com esta pureza mitigada e
solicitar a ajuda das demais potências da alma, ele verá com mais pureza sua impureza
e progredirá na humildade, acrescentando a tristeza e encontrando o remédio que
convém a cada potência da alma: ele purificará por si própria a potência
prática por meio da ação, a potência cognitiva pelo conhecimento, a potência
contemplativa pela oração, e chegará assim à perfeita, verdadeira e certíssima
pureza do coração e do intelecto que só pode ser concedida pela perfeição na
ação, pela constante aplicação, pela contemplação e pela prece na contemplação.
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