GREGÓRIO PALAMAS
SOBRE OS SANTOS HESIQUIASTAS
Questão:
Você fez bem, ó Pai, em citar as palavras dos santos a propósito de
minha pergunta. De fato, quando o escutei solucionar minhas incertezas, admirei
a evidência da verdade, mas uma reflexão deslizou entre os meus pensamentos:
uma vez que toda palavra combate outra palavra, como você disse, uma palavra
poderá também contestar aquilo que você disse. No entanto, eu não temo isto. Eu
sei que só o testemunho dos santos é incontestável, e já ouvi santos dizerem a
mesma coisa que você. Pois quem não foi convencido por eles, como será ele
próprio digno de fé? Como não rejeitará este o Deus dos santos? Pois foi Deus
quem disse aos apóstolos, e, por intermédio deles, aos santos que os seguiram:
“Quem os rejeitar, estará rejeitando a mim[1]”,
ou seja, estará rejeitando a própria verdade[2].
Portanto, como poderão os que buscam a verdade aprovar alguém que se opõe à
verdade? É por isso que lhe peço, Pai, que me exponha cada um dos argumentos
que ouvi destes homens que perseguem a educação helênica por toda a vida, e que
depois me diga o que você pensa, acrescentando ainda a opinião dos santos.
Estes homens afirma que estamos errados em nos esforçar por conter no
corpo nosso intelecto. É fora do corpo, dizem eles, que devemos coloca-lo de
alguma maneira. Por isso eles fustigam duramente alguns dos nossos. Eles
escrevem contra eles, exortando os noviços a olhar para si mesmos e fazer
penetrar neles seu próprio intelecto por meio da inspiração do sopro. Eles
dizem que o intelecto não está separado da alma; mas como fazer penetrar aquilo
que não está separado, mas unido? Eles acrescentam que os nosso falam em
introduzir pelas narinas e alojar neles a graça divina. Mas eu sei que suas
alegações nos caluniam, pois ouvi isto de um dos nossos, o que me levou a penar
que em outros domínios seu comportamento deve ser também perverso. Pois é a
mesma coisa forjar o que não está à vista dos homens, e perverter o que está.
Mas ensine-me, Pai: por que escolhemos tão ardentemente fazer penetrar em nós o
intelecto, e não pensamos no mal que existe em contê-lo no corpo?
Resposta:
Aos que escolheram colocar sua atenção sobre si próprios na hesíquia,
não é inútil se esforçar para manter seu intelecto no interior de seu corpo.
Irmão, você ouviu o Apóstolo dizer: “Nosso corpo é o templo do
Espírito Santo que reside em nós[3]”,
e também: “Somos a morada de Deus, conforme Deus disse: Eu habitarei e
marcharei neles e serei seu Deus[4]”.
Então, porque, se temos a inteligência, nos indignar que a inteligência habite
naquilo que se torna naturalmente a morada de Deus? E de que maneira fez Deus
habitar a inteligência no corpo desde o princípio? Terá ele feito mal? Estas
questões, irmãos, cabe aos heréticos colocarem, eles que dizem que o corpo é
mau e que ele é obra do maligno. Quanto a nós, pensamos que o intelecto é mau
nos pensamentos corporais, mas que ele não é mau no corpo, uma vez que o corpo
não é mau. É por isso que, com Davi, cada um que se liga a Deus por toda a vida
chama por Deus assim: “Minha alma tem sede de ti. Quantas vezes te desejou
minha carne![5]”.
E: “Meu coração e minha carne se regozijam junto ao Deus vivo[6]”.
E com Isaías: “Meu seio ressonou como uma cítara, e tudo o que há dentro de mim
como um muro de bronze que reconstruístes[7]”.
E: “Por temor a ti, Senhor, concebemos o Espírito de tua salvação[8]”.
Confiando-nos a ele, não tombaremos.
Cairão aqueles que falam a linguagem da terra e que mentem atribuindo
à terra as palavras e as condutas celestes. Pois se o Apóstolo chama o corpo de
“morte” (com efeito, ele disse: “Quem me libertará deste corpo de morte?[9]”)
é por que o pensamento material e corporal tem realmente a forma do corpo. É
por isso que, comparando-o ao pensamento espiritual e divino, ele o chamou de
corpo, e não apenas de corpo, mas de corpo de morte. Isto ele já havia
demonstrado claramente um pouco antes, ao acusar não a carne, mas o impulso
faltoso suscitado pela transgressão. Ele disse: “Eu fui vendido ao pecado[10]”.
Ora, quem é vendido não é escravo por natureza. E mais: “Eu sei que o bem não
habita em mim, ou seja, na minha carne[11]”.
Veja, ele não diz que a carne é má, mas que é mau aquilo que reside no corpo,
ou seja, esta lei que vive em nossos membros e que se opõe à lei do intelecto[12].
É por isso que, ao nos opormos à lei do pecado, nós a fazemos sair dos
domínios do corpo e aí colocamos a atenção do intelecto. Por meio dela damos a
cada potência da alma sua lei própria e a cada um dos membros do corpo aquilo
que lhe convém. Aos sentidos, damos aquilo que eles devem perceber, e em qual
medida: esta obra da lei se chama “temperança”. Na parte passional da alma,
suscitamos o melhor estado, que se chama “amor”. E melhoramos também a razão,
recusando tudo o que impede a reflexão de se elevar a Deus, e chamamos esta
parte da lei de “sobriedade e vigilância” (nepsis). Aquele que purificou o
corpo pela temperança, que fez do amor e do desejo uma oportunidade de virtude
por meio do amor, que apresentou diante de Deus um intelecto despojado pela
prática da prece, adquire e vê em si mesmo a graça prometida aos corações
puros. Então ele poderá dizer com Paulo: “Deus, que disse: ‘Que a luz brilhe do
fundo das trevas’, fez brilhar a luz em nossos corações, para que resplandeça o
conhecimento da glória de Deus sobre a face de Jesus Cristo[13]”.
Mas, diz ele ainda, trazemos este tesouro em vasos de barro[14]:
nossos corpos. Se retivermos nosso intelecto dentro do corpo, estaremos agindo
de uma maneira indigna da nobreza do intelecto? Quem poderá afirmar uma coisa
destas, não digo do espiritual, mas daquele que possui um intelecto desprovido
da graça divina, e, no entanto, um intelecto de homem?
A partir do momento em que nossa alma constitui uma existência única
dotada de diversas potências, e que ela se serve do corpo, que vive
naturalmente em relação com ela, como se fosse um órgão, de quais órgãos se
serve em sua atividade a potência da alma a que denominamos “intelecto”?
Ninguém jamais supôs que a atividade do intelecto se situasse nas unhas ou nas
pálpebras, nem nas narinas ou nos lábios. Todos concordam em que ela se
encontra dentro de nós. Mas alguns se puseram a debater para saber de qual
órgão, dentre os que se encontram dentro de nós, ele se erve em primeiro lugar.
Alguns o colocam no cérebro, como numa espécie de acrópole. Outros lhe dão como
veículo o próprio centro do coração, onde não existe o sopro terrestre. Quanto
a nós, sabemos que nossa razão não está nem dentro de nós como num vaso, por
que ela é incorpórea, nem fora de nós, por que está ligada a nós, mas que ela
reside no coração como se este fosse seu órgão. Não aprendemos isto de um
homem, mas d’Aquele mesmo que criou o homem e que disse no Evangelho: “Não é o
que entra, mas o que sai da boca que suja o homem[15]”.
Pois “é do coração, completa ele, que vêm os pensamentos[16]”.
O grande Macário diz a respeito a mesma coisa: “O coração dirige todo o
organismo, e quando a graça ocupa as pastagens do coração ela reina sobre todos
os pensamentos e todos os membros. Pois aí está o intelecto e aí estão todos os
pensamentos da alma[17]”.
Assim é que nosso coração é o lugar do pensamento, e o primeiro órgão
carnal da razão. Assim, quando nos esforçamos para examinar e endireitar nossa
razão por meio do rigor da sóbria vigilância, com que a examinaremos, se não
reunirmos nossa inteligência dispersa no exterior pelos sentidos, e não a
conduzirmos para o interior, para o próprio coração, o lugar dos pensamentos? É
por isso que Macário, que não tem este nome à toa[18],
logo depois do que foi citado acima, acrescenta: “É, portanto, aí que se deve
observar se a graça gravou as leis do Espírito[19]”.
Aí aonde? No órgão diretor, sobre o trono da graça, onde estão o intelecto e
todos os pensamentos da alma, ou seja, no coração. Veja como é necessário, para
os que escolheram estar atentos a si próprios na hesíquia, reunir e conter o
intelecto no corpo, e, em especial, neste corpo que está no fundo último do
corpo, ao qual chamamos de “coração”.
Se, conforme o salmista, toda a glória da filha do rei vem de dentro[20],
porque iríamos buscá-la fora? E se, de acordo com o Apóstolo, Deus colocou em
nossos corações seu Espírito que clama “Abba, Pai[21]”,
como não iremos orar com o Espírito em nossos corações? E se, enfim, conforme o
Senhor dos profetas e dos apóstolos, o Reino dos céus está dentro de nós[22],
como poderia se colocar fora deste Reino dos céus aquele que se esforça por
extrair o intelecto daquilo que está no seu interior? O coração reto, disse
Salomão, busca o sentido[23],
que ele afirma em outra parte ser intelectual e divino, e ao qual nos conduzem
todos os Padres, quando dizem: “A inteligência propriamente intelectual se
reveste do sentido intelectual. Não cessemos de buscar este sentido em nós e
naquilo que não está em nós[24]”.
Como você pode ver, se nos esforçamos por nos opor ao pecado, para
adquirir a virtude, para obter a recompensa do combate da virtude, ou melhor, a
garantia da recompensa da virtude – que é o sentido intelectual – é preciso
remeter para o interior do próprio corpo o intelecto. Quanto a extrair o
intelecto, não para fora do sentimento corporal, mas para fora do próprio
corpo, para obter visões espirituais, este é o mais grave erro dos helênicos, a
raiz e a fonte de toda falsidade, uma invenção dos demônios, uma doutrina que
gera a estupidez[25] e
que provém da desorientação[26].
É por isso que aqueles que falem pelos demônios saem de si e não compreendem o
que dizem. Quanto a nós, coloquemos o intelecto não apenas no interior do corpo
e do coração, mas no interior dele mesmo.
Que falem, então, os que dizem que o intelecto não está separado da
alma, mas que está unido a ela, e que perguntam como ainda é possível enviá-lo
para o interior. Eles ignoram, ao que parece, que a essência do intelecto é uma
coisa e que sua energia é outra coisa. OU antes, eles o sabem, se se colocam
entre os impostores, jogando com a semelhança dos nomes. Pois ao não aceitarem
a simplicidade da doutrina espiritual, eles, a quem a dialética tornou agudos
na contradição, segundo o grande Basílio, invertem a força da verdade por meio
de antíteses de falso conhecimento[27],
sob a razão especiosa dos sofismas. É disto que se tornam mutuamente devedores
aqueles que não são espirituais e que se creem dignos de julgar o espírito e de
ensinar. Pois eles esqueceram que não ocorre com o intelecto o que acontece com
o olho, que vê as demais coisas sensíveis mas não enxerga a si mesmo. O
intelecto opera sobre outras coisas que ela pode observar: é o que Denis o
Grande chama de seu movimento retilíneo. Mas ele retorna sobre si mesmo e opera
sobre si mesmo, quando enxerga a si próprio: é o que o mesmo Denis chama de seu
movimento circular[28].
Ora, este movimento constitui a melhor energia do intelecto, aquela que lhe é
mais própria. Por meio desta energia é que o intelecto pode ultrapassar a si
mesmo e chegar a estar com Deus. Pois “o intelecto, diz o grande Basílio, não
se dispersa no exterior”. Como você vê, ele pode sair, e, se pode sair, é
preciso que retorne. É por isso que ele acrescenta: “Ele retorna sobre si
mesmo, e se eleva até Deus por si próprio[29]”,
como caminhando por uma via que não se perde nem desvia. Denis, este infalível
contemplador do inteligível, diz também que este movimento do intelecto não
pode cair em erro algum[30].
O pai do erro deseja sempre desviar o homem deste movimento e
conduzi-lo ao movimento que carrega seus erros. Ora, até hoje, que o saibamos,
ele ainda não encontrara ninguém que o ajudasse e se esforçasse por atirar o
homem a este movimento por meio de palavras sedutoras. É agora, ao que parece,
que ele encontrou auxiliares, se é verdade, como você disse, que existem homens
que chegaram a escrever tratados neste sentido e que tentam convencer a maior parte,
e até os que abraçam a vida hesiquiasta mais elevada, de que é melhor manter
fora do corpo o intelecto que ora. Eles não respeitam sequer o que disse João,
que nos construiu com seus tratados a escada que leva aos céus, de maneira
definitiva e decisiva: “O hesiquiasta é aquele que se esforça para conter o
incorpóreo em seu corpo[31]”,
que é o mesmo que unanimemente nos ensinaram nossos pais espirituais. Pois se o
homem não for capaz de conter o incorpóreo em seu corpo, como poderá ele conter
em si Aquele que se uniu ao corpo, e que progride, como uma forma natural,
através de toda a matéria organizada, cuja exterioridade e cuja divisão não
podem senão corresponder à essência do intelecto, dado que ao final esta
matéria se torna viva após ver suscitada nela uma forma de vida votada para a
união.
Você vê, irmão, de que modo João Clímaco mostrou que não é apenas de
um modo espiritual, mas também de uma maneira humana, que é possível
experimentar o modo como aqueles que escolheram ser e dar ao seu homem interior
o nome de monge, devem enviar e manter em si o intelecto no interior do
coração? Desta forma, ensinar aos noviços a ver em si mesmos e a enviar para o
seu interior, pela inspiração, seu próprio intelecto, não é de modo algum fora
de propósito. Nenhum homem de bom senso impediria o intelecto que ainda não
contempla a si próprio de se recolher sobre si mesmo por certos meios. Pois o
intelecto reunido escapa continuamente àqueles que acabam de se despojar para
conduzir tal combate. É preciso, portanto, que eles o reconduzam para si
continuamente também. Eles ignoram, por falta de experiência, que nada é mais
difícil de contemplar nem mais móvel do que o intelecto. É por isso que alguns
recomendam prestar atenção ao sopro, à inspiração e à expiração, retendo-a um
pouco, de modo a reter igualmente o intelecto vigiando a respiração, até que,
com a ajuda de Deus, depois de haver progredido, conseguir impedir o intelecto
saia em direção ao que o cerca, e, purificando-o, conseguir reuni-lo num
enovelamento que o unifique. Podemos ver nisto um efeito espontâneo da atenção
do intelecto, pois este sopro entra e sai pacificamente quando todo pensamento
que sustenta o combate está concentrado, sobretudo naqueles que vivem na
hesíquia do corpo e da reflexão. Estes se entregam ao sabbat espiritual. Repousando de todas as suas obras próprias, na
medida do possível, eles apagam das potências da alma todas as obras do
conhecimento, mutantes e passageiras em sua diversidade, todas as percepções
dos sentidos e em geral todas as atividades do corpo que dependem de nós.
Quanto àquelas que não dependem inteiramente de nós, como a respiração, eles
também de despojam delas, na medida do possível.
Tudo isto vem sem esforço e sem que seja preciso pensar, para aqueles
que progrediram na hesíquia. Pois tudo isto é necessária e espontaneamente
suscitado pela perfeita entrada da alma sobre si mesma. Mas entre os noviços
nada do que descrevemos é possível sem fadiga. Como a paciência é uma
consequência do amor – pois o amor suporta tudo[32]
e aprendemos a obter a paciência com todas as nossas forças, a fim de, graças a
ela, alcançar o amor – o mesmo acontece aqui. Mas porque dizê-lo desde logo?
Todos os que têm experiência riem dos que legislam se opondo a eles e à sua
experiência. Pois o mestre destes homens não é a palavra, mas o esforço, e a
experiência que provém das penas, que traz os frutos úteis e recusa as palavras
estéreis dos que amam disputar e acusar.
Um dos grandes monges disse a respeito que “depois da transgressão o
homem interior se adapta naturalmente às formas do exterior[33]”.
A partir daí, aquele que se esforça por fazer retornar o intelecto sobre si
mesmo, a fim de suscitar não o movimento linear, mas o movimento circular e
infalível, ao invés de deixar seu olho passear por aí, como não encontrará ele
um grande benefício em fixá-lo sobre o peito ou sobre seu umbigo como um
suporte? Pois, além de se enrolar sobre si mesmo num círculo diretamente no
mundo exterior, tanto quanto possível, à imagem do movimento interior do
intelecto ao qual ele se aplica, ele enviará para dentro do coração, com esta
disposição do corpo, a potência do intelecto que, pela vista, se dispersa no exterior.
Pois se a potência do animal inteligível assenta-se no centro do ventre[34],
uma vez que a lei do pecado aí exerce seu império e lhe concede pastar, porque
não colocaríamos aí a lei do intelecto, que, armado com a prece, combate esta
lei do pecado[35],
a fim de que o espírito mau expulso pelo banho do novo nascimento não volte a
se instalar aí com sete outros espíritos ainda piores e que nossa última
condição não se torne pior do que a primeira[36]?
Esteja atento a si mesmo[37],
disse Moisés, ou seja, a você mesmo por inteiro. Mas, por meio de qual órgão?
Certamente, pelo intelecto. Pois por nenhum outro é possível estar atento a si
mesmo por inteiro. Assim, coloque esta guarda sobre sua alma e seu corpo. É por
meio dela, com efeito, que você se desembaraçará facilmente das más paixões
corporais e psíquicas. Aplique-se, vigie a si mesmo, examine a si mesmo, ou
antes, exponha-se, observe e verifique. É assim que você submeterá ao Espírito
a carne que se revolta, e assim não haverá jamais palavra oculta no seu coração[38].
Se o espírito do dominador, ou seja, dos maus espíritos e das más
paixões, se ergue contra você, diz o Eclesiastes, não abandone seu lugar[39],
ou seja, não deixe nenhuma parte da alma, nenhum membro do corpo sem
supervisão. Você se elevará assim acima dos espíritos que o ameaçam desde baixo
e, por havê-los sondado, você se apresentará com segurança e sem ser você
próprio sondado, diante d’Aquele que sonda os corações e os rins[40].
Paulo diz, com efeito: “Se julgarmos a nós mesmos, não seremos julgados[41]”.
Provando desta bem-aventurada paixão de Davi, também você dirá a Deus: “As
trevas, graças a você, não serão mais obscuras e a noite será para mim tão
clara como o dia, pois você guarda meus rins[42]”.
Não apenas, dizia ele, você tornou seu a tudo o que minha alma deseja, mas se
um fogo em meu corpo reanimar a chama deste desejo, ele retornará para a
origem, ele voará para você, meu Deus, e se ligará e se unirá a você. Da mesma
forma, com efeito, como os que se dedicam aos prazeres corruptíveis dos
sentidos esgotam na carne todo o desejo da alma, e se tornam inteiramente carne
sem que seja possível ao Espírito de Deus habitar neles[43],
também nos que elevaram o intelecto a Deus e ligaram a alma ao desejo divino, a
carne, transformada, se eleva igualmente, desfruta da comunhão divina com a
alma e se torna ela também o domínio e a morada de Deus, cessando de ser hostil
a Deus e de desejar contra o Espírito[44].
Qual é, na carne e no intelecto, o lugar que mais convém ao espírito
que sobe até nós desde baixo? Não é na carne, na qual nada de bom habita,
conforme o Apóstolo, antes de que nela venha e permaneça a lei da vida[45]?
Portanto, será sobre ela que deveremos atentar sem relaxamento. Como torná-la
nossa? Como não abandoná-la? Como impedir o maligno de subir até ela, sobretudo
nós que ainda não sabemos rejeitar o mal espiritualmente, pelos próprios caminhos
do Espírito, senão nos educando sobre os caminhos da atenção sobre nós por
intermédio da atitude exterior? Mas porque falar dos que acabam de começar,
quando existem alguns mais perfeitos que adotaram esta atitude durante a oração
e que foram atendidos pelo divino, não apenas dentre os que viveram depois de
Cristo, mas dentre alguns que viveram antes que ele viesse a nós? O próprio
Elias, o mais perfeito dentre os que receberam a visão de Deus, depois de haver
apoiado a testa entre os joelhos e ter reunido seu intelecto em si e em Deus depois
de muito esforço, colocou fim a uma seca de muitos anos[46].
Mas estes homens de que você fala, irmão, ouvindo-os falar assim, me
parecem ter a doença dos fariseus. É por isso que eles não querem examinar nem
purificar o interior da taça[47],
ou seja, do coração. E ao mesmo tempo em que eles não seguem as tradições dos
Padres, eles se esforçam por ter a primazia sobre todos[48],
como se fossem novos doutores da lei. Eles mesmos desdenham esta forma de
oração que foi justificada no publicano[49],
e exortam os outros a não adotá-la quando oram. Com efeito, como disse o Senhor
nos Evangelhos: o publicano não tinha coragem sequer para erguer os olhos aos
céus[50].
Ora, é a ele que estão imitando os que em suas orações voltam o olhar sobre si
próprios. E os que os chamam de “onfalopsíquicos” o fazem manifestamente para
caluniá-los com esta acusação. Quem, dentre eles, jamais afirmou que a alma
ficava no umbigo?
Assim, além de se entregarem a uma manifesta calúnia, eles se mostram
como são: homens que ultrajam os que são dignos de louvor e que não corrigem os
que se enganam, pois eles não escrevem pela causa da hesíquia e da verdade, mas
pela vanglória, e não para conduzir à sóbria vigilância, mas para afastar dela.
Por todos os meios, e partindo das correspondentes ações, eles se esforçam por
desqualificar a própria obra e aqueles que a ela se dedicam corretamente. Tais
homens chamariam facilmente de “coilopsíquicos” aquele que disse: “a lei de Deus
está em meu ventre[51]”,
e que confiou em Deus: “Meu ventre ressoará como uma cítara, e o que há em mim
como um muro de bronze que você reconstruiu[52]”.
Eles englobariam numa mesma acusação todos os que, por meio de símbolos
corporais, representam, designam e buscam as coisas do intelecto, divinas e
espirituais. Nisto, em nada eles prejudicam os hesiquiastas. Antes eles os
cumularão de beatitudes e multiplicarão suas coroas nos céus. Mas eles próprios
permanecerão fora dos véus sagrados, e não poderão contemplar sequer as sombras
da verdade. E é de se temer que sejam passíveis do julgamento eterno, não
apenas por terem se separado dos santos, mas ainda por tê-los combatido com
suas palavras.
Você conhece a vida de Simeão o Novo Teólogo. Quase tudo ali é milagre,
a tal ponto Deus o glorificou com milagres sobrenaturais. Você conhece também
seus escritos: se os chamarmos de “escritos de vida” não estaremos longe da
verdade. Você conhece também Nicéforo, este santo que passou longos anos no
deserto e na hesíquia, que depois viajou pelas partes mais desérticas da Santa
Montanha e que, tendo se consagrado a recolher todos os testemunhos dos Padres,
nos transmitiu sua prática de sobriedade e vigilância. Ambos ensinaram aos que
a escolheram esta via, que, segundo você disse, alguns recusam.
E o que dizer dos santos de antigamente? Homens que, pouco tempo antes
de nós, testemunharam e experimentaram em si o poder do Espírito Santo e que
nos transmitiram pela sua boca. Assim é este renomado teólogo de nossos dias,
este verdadeiro teólogo, o mais seguro contemplador da verdade dos mistérios de
Deus, este Teolepto “que recebeu de Deus”, como seu nome indica, bispo de
Filadélfia, ou melhor, aquele que, desde Filadélfia, como um candelabro,
ilumina o mundo. E Atanásio, que durante anos ornamentou o trono patriarcal, e
cujo ataúde Deus honrou. E este Nilo, originário da Itália, imitador de são
Nilo. E Sebiotas e Elias, que em nada lhes são inferiores. E Gabriel e
Atanásio, que foram considerados dignos de um carisma profético. É deles
certamente que quero lhe falar, e de muitos outros antes deles, com eles ou
depois deles, louvando e exortando aos que desejam conservar esta tradição que
os novos “mestres” da hesíquia, que dela não conhecem nem traço, tentam
rejeitar, deformar, desqualificar, admoestando, não por sua experiência, mas
pelo mero falatório, sem nenhum proveito para os que os escutam[53].
Ora, dentre estes santos existem alguns com que nós mesmos pudemos
conversar, e que foram nossos mestres. Como poderemos considerá-los como nada,
a eles que receberam o ensinamento da experiência e da graça, para ceder diante
daqueles que se puseram a ensinar pelo orgulho e a disputa? Isto não pode
acontecer, e não acontecerá jamais. Portanto, você também, afaste-se de tais
homens[54].
E diga sabiamente a si próprio o que disse Davi: “Minha alma bendiz ao Senhor,
e tudo o que existe em mim bendiga o seu santo nome[55]”.
Deixe-se conduzir pelos Padres, e escute como eles o exortam sempre a
interiorizar o intelecto.
[1] Lucas 10: 16.
[2]
Cf. João 14: 16.
[3] II
Coríntios 6: 19.
[4] II
Coríntios 6: 16.
[5] Salmo 62 (63): 2.
[6] Salmo 83 (84): 3.
[7] Isaías 16: 11.
[8] Isaías 26: 18.
[9] Romanos 7: 24.
[10] Romanos 7: 1.4.
[11] Romanos 7: 18.
[12]
Cf. Romanos 7: 23.
[13]
II Coríntios 4: 6.
[14]
II Coríntios 4: 7.
[15] Mateus 15: 11.
[16] Mateus 15: 19.
[17]
São Macário, Homilias espirituais XV,
20.
[18]
Macário significa “bem-aventurado”.
[19]
São Macário, Op. cit.
[20]
Cf. Salmo 44 (45): 13.
[21] Gálatas 4: 6.
[22]
Cf. Lucas 17: 21.
[23]
Cf. Provérbios 15: 14.
[24]
João Clímaco, A escada santa XXVI,
17.
[25] Anoia: literalmente, ausência de
inteligência.
[26] Aponoia: literalmente, a desorientação
da inteligência.
[28] Nomes divinos IV, 9.
[29] Carta II.
[30] Nomes divinos IV, 9.
[31]
João Clímaco, A escada santa, XXVII,
7.
[32]
Cf. I Coríntios 13: 7.
[33] São
Macário, Homilias espirituais, XVI,
7.
[34] Cf.
Jó 40: 16.
[35] Cf.
Romanos 7: 23.
[36] Cf.
Mateus 12: 45.
[37] Cf.
Deuteronômio 15: 19.
[38] Cf.
Deuteronômio 15: 9.
[39]
Cf. Eclesiastes 10: 4.
[40]
Cf. Salmo 7: 10.
[41] I
Coríntios 11: 31.
[42] Salmo 138 (139): 12-13.
[43] Cf.
Gênesis 6: 3.
[44] Cf.
Gálatas 5: 17.
[45] Cf.
Romanos 7: 18.
[46]
Cf. II Reis 18: 42-43.
[47]
Cf. Mateus 23: 25.
[48]
Cf. Mateus 23: 6.
[49]
Cf. Lucas 18: 9-14.
[50]
Cf. Lucas 18: 13.
[51] Salmo 39 (40): 0.
[52] Isaías 16: 11.
[53]
Cf. II Timóteo 2: 14.
[54]
Cf. II Timóteo 3: 5.
[55] Salmo 102 (103): 1.
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