GREGÓRIO PALAMAS
150 CAPÍTULOS
FÍSICOS, TEOLÓGICOS, ÉTICOS E PRÁTICOS
1. Que o mundo começou um dia, a natureza o ensina, a história
confirma, a invenção das artes, a instituição das leis, os costumes no governo
das cidades o representa claramente. Conhecemos os que inventaram quase todas
as artes, os que instituíram as leis, os que estão na origem do governo das
cidades e até, com certeza, os que estão na origem de tudo o que foi escrito
sobre não importa qual assunto. E vemos que nenhum deles vai além da gênese do
mundo e do tempo descrita por Moisés. O próprio Moisés, que relatou o começo da
gênese do mundo, deu provas incontestáveis da sua verdade, e o fez por meio de
tantas obras e palavras extraordinárias que convenceu o gênero humano e expôs o
ridículo daqueles que haviam imaginado o contrário. Pois a natureza deste
mundo, que sempre teve necessidade do novo começo de cada um de nós e que não
pode de modo algum se manter sem isto, representa com isto sua própria origem,
que não proveio de outro começo.
2. Que o mundo não apenas começou, mas ainda terá um fim, está
evidente pela natureza das coisas contingentes, uma vez que ele nunca cessa de
se encaminhar parcialmente para o seu final. A profecia de outros inspirados,
como a de Cristo Deus que domina o universo, fornece a prova certa e
incontestável. Não apenas os homens de piedade, mas também os ímpios, devem
necessariamente concordar que estas coisas são verídicas: é visível que os
profetas, em tudo o que anunciaram, disseram a verdade. E não é preciso ensinar
que este mundo inteiro não terminará no completo nada, mas, na medida em que
ele é análogo a nós, será transformado como o serão nossos próprios corpos,
dissolvido e transformado em vista do pleno divino, pelo poder do Espírito
Santo.
3. Os sábios gregos ensinam que o céu gira, levado pela natureza da
alma cósmica, e que ele ensina a justiça e a razão. Qual justiça? Qual razão?
Pois se o céu não gira por sua própria natureza, mas pela natureza daquilo a
que eles chama “alma cósmica”, e se a alma cósmica é a alma do mundo todo, como
não giram também a terra, a água e o ar? Embora a alma esteja sempre em
movimento, segundo os sábios gregos, a terra, por sua própria natureza, é
imóvel, e o mesmo acontece com a água que ocupa a região inferior. Da mesma
maneira o céu, que mantém a região superior, está sempre em movimento, e seu
movimento é circular. Mas o que seria esta alma cósmica cuja natureza colocaria
o céu em movimento? Será ela dotada de razão? Mas então ela seria independente,
e o corpo celeste não suscitaria os mesmos movimentos perpétuos. Pois aquilo
que é independente possui outro tipo de movimento. Que traço da alma dotada de
razão vemos sobre esta esfera mais baixa, quero dizer outra vez da terra, o
daquilo que está próximo dela, a água e o ar, e o próprio fogo? Pois a alma
cósmica seria também a sua alma. Ou como, mais uma vez, uns seriam dotados de
alma e outros não? Tudo isto, segundo os sábios gregos. Não há nada aqui por
acaso: falo de toda pedra, todo metal, todo pó, toda água, todo fogo. Pois eles
próprios dizem que o fogo é movido por sua própria natureza e não pela alma.
Portanto, se a alma é comum, como é possível que somente o céu seja
movido pela natureza da alma, e não por sua própria natureza? A alma que,
segundo eles, coloca em movimento o corpo celeste não é dotada de razão. Mas
como poderá não sê-lo, se ela própria, ainda segundo eles, é a fonte das nossas
almas? Porém, ainda que não seja dotada de razão, ela deve possuir sentidos, ou
deve ter uma natureza. Não vemos como uma alma pode colocar em movimento um
corpo que não possui órgãos. E não vemos que a terra ou o céu ou qualquer de
seus elementos possua um membro orgânico. Pois todo órgão é composto de
diferentes naturezas. Ora, cada um dos elementos citados é de natureza simples,
em especial o céu.
A alma seria assim a energia ativa de um corpo orgânico que tem uma
vida potencial. E o céu, que não possui nenhum membro ou parte orgânica, não
poderia ser vivo. Mas então, como algo que não tem possibilidade de vida pode
possuir uma alma?
Ora, aqueles cujos raciocínios foram reconhecidos como vãos[1]
criaram a partir de seu coração sem inteligência uma alma que não o é, que
nunca existiu nem existirá. E desta alma disseram eles ser a criadora, o guia e
a provedora de todo o mundo sensível e de nossas almas, ou antes, de todas as
almas, como uma raiz e uma fonte, que extrai de sua inteligência a própria
origem. Ora, esta inteligência ordinária dizem eles ser, em sua essência,
diferente da inteligência extrema a que eles mesmos chamam de Deus. É isto o
que ensinam aqueles que, segundo eles, estão no cume da sabedoria e da
teologia. Estes não são melhores do que os que deificam os animais e as pedras,
pelo contrário, seu culto é bem pior. Pois os animais, o ouro, a pedra e o
cobre são alguma coisa, mesmo que sejam as últimas criaturas. Mas a alma
cósmica e condutora dos astros não existe e não é nada: ela não passa de uma
imaginação nascida do mau gênio do intelecto.
4. Dado que é necessário – dizem eles – que o corpo celeste se mova,
mas que para além deles não há nenhum lugar para onde possam se dirigir, seu
movimento retorna sobre si mesmo e volta para o ponto de onde partiu. Bem. Se
ao menos houvesse um lugar, eles se dirigiriam para o alto, como o fogo, e
ainda mais do que o fogo, pois sua natureza é ainda mais leve do que a do fogo.
Ora, este movimento não é da natureza da alma, mas da natureza da leveza.
Então, se o movimento do céu consiste em girar, e se ele se mantém neste
movimento por sua própria natureza, mas não pela natureza da alma, então o
corpo celeste gira, não pela natureza da alma, mas por sua própria natureza. Portanto,
ele não tem alma, e tampouco existe uma alma celeste ou universal. A única alma
dotada de razão é a alma humana, que não é celeste, mas mais do que celeste,
não pela localização, mas por sua
própria natureza, dado que ela é um ser de inteligência.
5. O corpo celeste não pode nem avançar, nem estender-se para o alto,
mas não que não haja ligar lá. Com efeito, a esfera etérea que se segue a ele e
que ele engloba tampouco se dirige para o alto, embora não deixe de existir
lugar para onde ela poderia ir. Com efeito, ela é envolta pelo espaço celeste.
Ela não se estende para o alto, por que aquilo que é mais alto do que ela é
também mais sutil do que ela; o alto é mais alto do que ela por sua própria
natureza. Assim, o céu não se dirige para o alto, não por que não exista lugar
mais alto do que ele, mas por que não existe corpo mais fino nem mais leve do
que ele.
6. Não há corpo mais elevado do que o celeste, não por que o que é
mais alto não possa receber um corpo junto de si, mas por que o céu abarca
todos os corpos. Não há outro corpo além; mas, se fosse possível atravessá-lo,
como cremos nós que nos votamos à piedade, este corpo mais alto do que o céu
não seria acessível. Pois Deus, que preenche tudo e se estende ao infinito para
além do céu, preenchia por completo, antes mesmo que existisse o mundo, o lugar
que foi dado ao mundo, como o faz ainda hoje. E nada impede que ele se torne um
corpo ali. Portanto, nada impede que haja, além do céu, um lugar que abarque o
universo e que esteja no interior do mundo a fim de formar um corpo com ele.
7. Uma vez que nada o impede, como então o corpo celeste não se dirige
para o alto, mas retorna sobre si mesmo e se move em círculo? Por que, ao se
elevar, ele que é o mais sutil dos corpos é o mais alto de todos e também o
mais móvel. Com efeito, assim como algo que foi comprimido ao extremo se torna
mais denso, mais baixo e mais estável, o que é menos denso e mais leve é ao
mesmo tempo o mais alto e o mais móvel. Pois ele se move elevando-se ao alto,
por natureza. Mas é impossível que aquilo que assim se eleva se separe, por
suja própria natureza, dos corpos acima dos quais se eleva. Ora, são os corpos
esféricos estes acima dos quais se eleva o corpo celeste, e, por necessidade,
ele não cessa de girar ao redor deles, não por causa da natureza da alma, mas
por causa da forma corporal de sua própria natureza. Pois ele passa, a cada
volta, de lugar em lugar. Este é o movimento próprio a estes corpos, como o
estado contrário é próprio dos corpos que estão no outro extremo oposto.
8. Podemos igualmente considerar os ventos que sopram nas regiões que
estão próximas de nós e nos rodeiam. Eles se elevam naturalmente acima destas
regiões e giram ao redor delas sem jamais se separar, mas eles não se dirigem
mais para o alto. Não que eles não tenham para onde ir, mas por que o que está
acima deles é mais levedo que eles. Eles permanecem lá, até onde se elevaram,
acima dos corpos, uma vez que são por natureza mais leves do que eles. Mas
também giram ao redor destes corpos, não pela natureza da alma, mas por sua
própria natureza. Penso eu, esta é a semelhança que Salomão, que em tudo era
sábio, quis mostrar quando chamou o corpo celeste pelo mesmo nome dos ventos,
escrevendo a respeito: “O vento gira ao redor, ele avança e retorna em círculos[2]”.
A natureza dos ventos que nos cercam é tão diferente dos lugares do alto e de
seu movimento rapidíssimo quanto de sua leveza.
9. Duas zonas da terra são temperadas e habitáveis, segundo os sábios
gregos. Como cada uma é dividida em duas partes habitadas, eles sustentam que
estas partes são em número de quatro. É por isso que eles afirmam que existem
sobre a terra quatro raças de homens, que não podem passar de uma parte a outra.
Com efeito, existem, segundo eles, homens que habitam do outro lado, na parte
temperada oposta à nossa, e que estão separados de nós pela zona tórrida da
terra. É do mesmo lado que habitam também, apo que parece, os que habitam
abaixo desta zona, e que têm por assim dizer a mesma posição que nós. Os sábios
gregos dizem que dentre estes homens, alguns estão ao nosso lado enquanto
outros nos são antípodas e estão voltados em sentido contrário. Por que eles
ignoram que fora da décima parte da esfera terrestre quase todo o resto, e tudo
ao redor, está mergulhado no abismo das águas.
10. Sabemos que fora das regiões onde estamos, nenhuma outra parte da
terra é habitável, por estar mergulhada no abismo, se considerarmos que os
quatro elementos dos quais é composto o mundo têm partes iguais. Ora, em razão
de sua densidade própria, cada um deles ocupa uma esfera bem maior que o outro,
como também pensa Aristóteles. De fato, ele diz que existem cinco elementos,
contidos em forma de esfera nas cinco regiões, sendo os menores contidos dentro
dos maiores: a terra pela água, a água pelo ar, o ar pelo fogo e o fogo pelo
éter. Assim está constituído o mundo.
11. O éter possui assim um volume bem maior do que o fogo, a que chamamos abrasamento; o fogo possui um volume maior do que a esfera aérea; por sua vez, o ar tem um volume maior do que a água; e a água tem um volume bem maior do que a terra, que, comprimida ao extremo, tem o menor volume dentre os quatro elementos que estão sob o céu. Sendo a esfera das águas bem maior do que a terra, se ela estivesse espalhada ao redor de toda a superfície terrestre, de modo a que as duas esferas, a terra e a água, girassem ao redor do mesmo centro, a água não deixaria nenhum lugar do globo conter animais de terra firme: ela recobriria totalmente o solo terrestre e se estenderia amplamente sobre toda a superfície. Mas, uma vez que ela não engloba toda a superfície da terra (pois a terra firme que ocupamos não está recoberta) a esfera das águas necessariamente deve ter outro centro. É preciso determinar o quanto ela é excêntrica, e onde fica seu centro. Ele está acima ou abaixo de nós? É impossível que esteja acima. Com efeito, vemos que a superfície das águas está em parte abaixo de nós. O centro da esfera das águas está assim, em relação a nós, abaixo do próprio centro da terra. Mas ainda falta determinar o quanto este centro está afastado do centro da terra.
12. Saberemos o quanto, aparentemente, em relação a nós, para baixo, está o centro da esfera das águas afastado do centro da terra, se considerarmos que a superfície das águas que vemos e que está abaixo de nós como o solo da terra sobre o qual caminhamos, se ajusta à superfície da esfera terrestre, que é o mundo no qual habitamos. Ora, a parte da terra habitável é cerca de um décimo de sua circunferência. Pois a terra possui cinco zonas e apenas a metade de uma destas zonas é habitada por nós. Se quisermos ajustar a esta décima parte de sua superfície a uma esfera que abarca a terra, encontraremos a esfera que lhe corresponde. O diâmetro desta esfera que lhe corresponde exteriormente e que a contém é, de forma aproximada, o dobro. Sua superfície é oito vezes maior e seu centro nos aparece na extremidade mais baixa da terra, como o mostra a figura.
13. Seja um círculo representando a esfera da terra, no interior do
qual estão inscritos os pontos A, B, C e D, e outro círculo, que representa a
esfera das águas e se coloca ao redor do primeiro tangenciando o ponto mais
alto do círculo que lhe é interior. Sobre este círculo estão marcados os pontos
E, F, G e H. O ponto mais baixo do círculo interior, em relação a nós, será o
centro do círculo exterior. Tendo esta esfera um diâmetro duplo, tem-se por uma
demonstração geométrica que a esfera cujo diâmetro é duplo é oito vezes maior
do que a esfera cujo diâmetro é a sua metade. Segue-se que a esfera da terra é
oito vezes menor do que a esfera das águas que a engloba. É por isso que tantas
fontes brotam na superfície terrestre. É também por isso que sobre esta
superfície se distribuem as correntes abundantes e inesgotáveis dos rios,
comunicam entre si os seios de numerosos mares e flui o transbordamento das
águas dos lagos. E não existe lugar sobre a terra onde, cavando, não se
encontre a água que corre abaixo.
14. A figura e o raciocínio acima demonstram que não existe outra
terra senão aquela que habitamos. Pois, assim como a terra seria inabitável
caso tivesse o mesmo centro das águas, com mais razão ela seria inabitável caso
as águas tivessem como centro um ponto fora da terra que habitamos e que se
encontra no alto da esfera da terra. É impossível que sejam habitadas terras
inundadas por tal massa de água. Ora, já ficou provado que a alma dotada de
razão recebeu um corpo na única terra habitada, a qual, por ser uma, a única e
a nossa, constitui agora uma prova a mais. Segue-se daí que é sobre ela que
habitam, dentre os animais irracionais, os animais de terra firme.
15. A visão se forma a partir das cores e das formas dispostas de
várias maneiras. O olfato se forma a partir dos vapores. O paladar, a partir
dos sabores. A audição, a partir dos sons. O tato, a partir do que é rude ou
liso segundo seu estado. As formas que assim nascem nos sentidos provêm dos
corpos, mas não são corpos, embora sejam corpóreas. Pois elas não provêm
simplesmente dos corpos, mas da aparência dos corpos. Não obstante, elas
tampouco são a aparência dos corpos, mas suas marcas e como que imagens
inseparavelmente separadas da aparência dos corpos. Isto é ainda mais evidente
no caso da visão e em especial naquilo que vemos nos espelhos.
16. São estas marcas dos sentidos, o imaginário da alma reintegrada em
si a partir dos sentidos, que separam completamente dos corpos e de suas
aparências não apenas os sentidos em si, mas as imagens que se formam neles, como
dissemos. O imaginário os mantém fechados como tesouros, às vezes um, às vezes
outro, mesmo na ausência de corpos, projetando-os sucessivamente no interior
para seu próprio uso e dispondo à vontade tudo o que pode ser visto ouvido,
saboreado, sentido ou tocado.
17. O imaginário da alma, no animal dotado de razão, é assim uma
fronteira entre o intelecto e os sentidos. Quando o intelecto vê e faz girar ao
redor de si as imagens nele fixadas pelos sentidos, como que separadas dos
corpos e transformadas em formas incorpóreas, produz os pensamentos mais
diversos: ele distingue, recapitula, conclui de muitas maneiras, passional,
impassível, moderado, perdido, infalível, pois de tais pensamentos nasce a
maior parte das virtudes e dos vícios, bem como os bons e os maus juízos. Com
efeito, nem todo pensamento do intelecto provém das imagens ou lhes diz
respeito. Podemos encontrar coisas que não podem ser submetidas à observação
dos sentidos, por que são fornecidas ao pensamento pelo intelecto. É por isso
que eu disse que nem toda verdade ou todo erro, toda virtude ou todo vício nos
pensamentos têm sua origem na imaginação.
18. É digno de admiração e de se considerar o modo como, a partir do
temporal e do sensível, fixam-se na alma seja a beleza, seja a feiura, seja a
riqueza ou a indigência, a glória ou a desonra, numa palavra, a luz do
intelecto, que dispensa a vida eterna ou as trevas inteligíveis do castigo.
19. O intelecto que é levado pelo imaginário da alma e que por meio
deste imaginário se une aos sentidos gera o conhecimento composto. Se, com
efeito, alguém vê com seus olhos a lua seguir o sol poente e ser iluminada em
sua parte mais estreita voltada para o sol, para depois afastar-se pouco a
pouco nos dias seguintes e então brilhar mais e mais até se colocar em oposição
ao sol, para novamente diminuir progressivamente até que sua luz se extinga,
afastando-se do ponto de origem onde recebera a iluminação, este homem, após
ter impregnado seu intelecto com tais visões, e pelo fato de que algumas
permanecem na imaginação enquanto outras estão presentes nos sentidos,
compreenderá, a partir dos sentidos, da imaginação e da intelecção, que a lua
extrai sua luz do sol, mas também que o círculo que ela descreve está mais
próximo da terra e ainda que está abaixo do polo solar.
20. Não apenas as coisas da lua, mas também as do sol, seus eclipses e
conjunções, as paralaxes e as distâncias dos outros planetas que estão no céu,
os numerosos aspectos de suas configurações, numa palavra, tudo que sabemos das
coisas do céu, e, por outro lado, as razões de sua natureza, todas as maneiras
pelas quais eles avançam, em suma, todo conhecimento de todas essas coisas,
reunido a partir de compreensões parciais, foram obtidos por nós a partir dos
sentidos e da imaginação, por meio do intelecto. Mas nenhum destes
conhecimentos pode ser jamais chamado de espiritual. É melhor chama-lo de
conhecimento natural, ou físico, uma vez que ele não contém em si coisas do
Espírito.
21. De onde aprendemos nós a respeito de Deus, de onde aprendemos
sobre o mundo todo, de onde aprendemos sobre nós mesmos alguma coisa de sólido
e verdadeiro? Não é por meio dos ensinamentos do Espírito? É este ensinamento,
com efeito, que nos ensina que somente Deus é Aquele que é verdadeiramente,
Aquele que é sempre, Aquele que é imutavelmente, por não ter recebido seu ser
do nada e por não se dirigir ao nada novamente. Ele nos ensinou também que
existem três Hipóstases e que Deus é todo-poderoso, ele, que em seis dias e
apenas por sua palavra tirou os seres do nada – ou melhor, a tudo fundou
conjuntamente, como disse Moisés. Pois nós ouvimos o que foi dito: no princípio
criou Deus os céus e a terra[3],
sem o menor espaço vazio, sem que qualquer coisa houvesse neste intervalo. Pois
a terra estava misturada à água. Cada qual trazia em seu seio o ar, os animais
e as plantas segundo suas espécies. O céu trazia os diferentes luminares e os
diversos fogos que iriam constituir o universo. Assim fez Deus no princípio os
céus e a terra, como uma matéria que contém tudo e que carrega em si, em
potência, o universo: isto afasta de modo perfeito os que pensam erroneamente
que a matéria preexistiu por si mesma.
22. Depois disto, ornando de beleza e enfeitando o mundo, Aquele que
tirou tudo do nada dispensou em seis dias a ordem acordada aos que se regozijam
nele e que completam seu mundo, distinguindo a cada um com um único mandamento,
extraindo de tesouros ocultos aquilo que ia depositando em cada espécie,
envolvendo com um círculo altíssimo a terra imóvel como um centro e ligando a
ela, com toda sabedoria, através de intermediários, o movimento perpétuo do
céu, a fim de que este mundo permaneça ao mesmo tempo móvel e imóvel. Pois, a
partir do momento em que os corpos com movimento perpétuo e rápido estavam por
toda parte dispostos ao redor de um círculo, o imóvel recebeu necessariamente o
posto central: ele ocupou o lugar que contrabalança o movimento, a fim de que a
esfera do universo não se torne um cilindro.
23. Depois de atribuir um lugar assim a cada um dos confins do
universo, o artista supremo reuniu e colocou em movimento, em boa ordem, este
universo, este “cosmos” – a um tempo universo, mundo e ordem – como foi dito.
Depois ele atribuiu a cada coisa dentro destes confins aquilo que mais lhe
convinha. Algumas ele fixou no alto e lhes ordenou permanecer no céu e ali
girar por todo o tempo ao redor do limite mais elevado do universo, com
inteligência e boa ordem. São os corpos leves e ativos que transformam para seu
benefício os corpos que estão neles. Com muita sabedoria, eles se elevam acima
do centro a uma altura tal que sob sua ronda abrasadora eles quebram
equilibradamente o frio central, mantendo seu calor desmedido, refreando ainda
a desmedida impulsão dos confins mais elevados movendo-se em sentido contrário,
e assim, por meio desta rotação em sentido contrário, eles mantêm em seus
lugares os confins e nos propiciam, aos que compreendemos, as utilíssimas
diferenças das estações naturais, as medidas do tempo e do espaço e o
conhecimento do Deus que criou, ordenou e enfeitou a beleza do mundo. Alguns
ele deixou girando assim nas alturas, onde eles se elevam em círculos
numerosos, por duas razões: a beleza universal e todas as formas de utilidade.
Outros ele colocou em baixo e ao redor do centro, por pesados e vulneráveis em
suas naturezas, submetidos ao devir e à mudança, separando-se e reunindo-se,
adstritos a se transformar cada vez mais para seu próprio benefício: e assim
ele fundou em boa ordem estas coisas e a razão que une umas às outras, a fim de
que tudo possa, no sentido etimológico do termo, ser chamado de “cosmos”.
24. Assim é que um primeiro ser foi conduzido à criação, e depois
deste primeiro veio outro. Depois deste veio outro ainda, e assim por diante, e
depois de todos os seres veio o homem. O homem foi considerado digno de tal
honra e de tal solicitude da parte de Deus, que todo este mundo sensível que
fora criado antes dele foi feito para ele, que o Reino de Deus foi igualmente
preparado para ele desde a fundação do mundo[4]
antes dele, que o projeto de sua criação precedeu a esta fundação, que ele foi
formado pela mão de Deus e à imagem de Deus[5],
e que ele não dispõe de tudo e do mundo sensível como os outros animais, mas
que do mundo ele só recebeu seu corpo. Sua alma ele recebeu daquilo que é mais
alto do que o mundo, em especial do próprio Deus que lhe concedeu seu sopro[6]
inefavelmente como uma grande e maravilhosa realização que ultrapassa o
universo, que vela sobre tudo, que domina tudo, que assim conhece a Deus, que
recebe e mostra em todas as coisas a magnificência do artista no mais alto dos
céus. E não apenas por receber de Deus por meio do combate e da graça, mas
também porque lhe é possível unir-se a Deus em uma hipóstase.
25. É nessas coisas e em outras semelhantes que se encontram a
verdadeira sabedoria e o conhecimento salvador que buscam a beatitude do alto.
Qual Euclides, qual Marinus, qual Ptolomeu as pode abarcar de um só golpe? Qual
Empédocles, qual Sócrates, qual Aristóteles, qual Platão puderam descobri-las
pelos caminhos da lógica ou pelas demonstrações matemáticas? Ou antes, que
sentidos estão ligados a estas coisas? Que inteligência deve ser aplicada a
elas? Ora, se a estes homens que cultivavam a filosofia natural, e a seus
epígonos, a sabedoria do Espírito pareceu vulgar, aqui está o que a ultrapassa
no mais alto grau. Pois aquilo que são os animais irracionais diante da sua
sabedoria e de todos os seus conhecimentos (ou, se preferirmos, o que são as
crianças, para quem os doces que têm à mão são melhores do que a coroa real ou
que todos os conhecimentos de nossos filósofos), são estes filósofos diante da
verdadeira sabedoria e o verdadeiro ensinamento do Espírito, que permanecem
muito acima deles.
26. Não apenas conhecer a Deus em verdade (na medida em que isto é
possível) é incomparavelmente melhor do que a filosofia dos gregos, mas ainda
simplesmente saber qual é o lugar do homem junto a Deus ultrapassa toda a sua
sabedoria. Com efeito, único dentre todos os seres terrestres e celestes, o
homem foi feito à imagem do Criador de tal maneira a que ele pudesse
contemplá-lo e amá-lo, ser iniciado apenas nos seus mistérios e não adorar
senão a ele, e, pela fé, a inclinação, a disposição que o abrem para ele,
conservar sua própria beleza, enfim, ver que todas as demais coisas que o céu e
a terra trazem em seu bojo estão abaixo dele e não participam de sua
inteligência. Isto é uma coisa que os sábios gregos nunca puderam saber. Eles
desonraram nossa natureza e não veneraram a Deus, mas reverenciaram e adoraram
a criatura em lugar do Criador, atribuindo aos astros visíveis e invisíveis uma
inteligência proporcional, em poder e dignidade, para cada um deles, à sua
grandeza corporal. Venerando miseravelmente estes astros, dirigindo-se a eles
como a deuses maiores e menores, eles validaram a soberania do universo.
Ligados assim às coisas sensíveis e à filosofia destas coisas, não infligiram
eles às suas próprias almas a vergonha, a desonra, a miséria definitiva e as
reais trevas dos tormentos do intelecto?
27. Saber que fomos feitos à imagem do Criador não nos permite
deificar o mundo inteligível. Pois havermos sido criados à imagem não pertence
à condição do corpo, mas à natureza do intelecto, que é o que temos de melhor.
Se, com efeito, houvesse alguma coisa que fosse melhor, é nela que estaria o
ser criado à imagem. Ora, o melhor que há em nós é o intelecto, e este melhor,
embora tenha sido feito à imagem divina, foi criado por Deus. Isto posto, que
dificuldade existe em saber, ou melhor, como não é claro por si só que o
Criador de nosso ser dotado de intelecto é também o Criador de todo ser dotado
de intelecto? Toda natureza dotada de intelecto serve, portanto, a Deus,
conosco, e foi feita à imagem do Criador, embora estes seres sejam mais
veneráveis do que nós, na medida em que eles existem fora dos corpos e se
aproximam diretamente da natureza absolutamente incorpórea e incriada. Ou
antes, dentre eles, alguns, que mantiveram seu lugar e que amam aquilo pelo quê
foram criados, ainda que sejam nossos companheiros de serviço, são por nós
venerados e são de longe, por sua ordem, mais veneráveis do que nós. Outros,
que não mantiveram seu posto, mas que dele se afastaram e que rejeitaram aquilo
pelo quê foram criados, afastaram-se também profundamente dos que se
aproximaram de Deus e decaíram de sua honra. Mas se eles tentam nos arrastar
com eles na sua queda, não apenas se tornam inúteis e desonrados, como ainda se
opõem a Deus, maltratam nossa raça e são completamente hostis ao Criador.
28. Mas os que estudam a natureza, que observam os astros, que se vangloriam
de seu saber, e que, por meio de sua filosofia jamais puderam conhecer as
coisas que mencionamos, não apenas colocam acima de si o príncipe das trevas do
intelecto e todas as potências que ele arrastou à apostasia, como ainda os
chamam de deuses, honram-nos em templos, oferecem-lhes sacrifícios e se submetem
aos seus oráculos perniciosos, brincam com eles com suas consagrações
sacrílegas, suas purificações que os mancham impondo-lhes uma presunção
maldita, enfim, por meio de seus profetas e profetizas que os desviam para
longe da verdade real.
29. Que o homem seja não apenas instruído por Deus e conheça a si
próprio e à sua ordem (o que agora é também próprio dos que são considerados
como pessoas simples, e que são cristãos), este é um conhecimento mais elevado
do que o estudo da natureza, dos astros e toda a filosofia; do mesmo modo, que
nosso intelecto seja instruído a respeito de sua própria enfermidade e procure
curar-se é também incomparavelmente melhor do que saber e buscar a grandeza dos
astros, as razões das naturezas, a natureza do que está em baixo e o curso do
que está no alto, as revoluções e as elevações dos astros, suas estações e
movimentos retrógrados, seus distanciamentos e suas conjunções, numa palavra,
todas as relações tão diversas que lhes impõe a variedade de seus movimentos.
Pois o intelecto que conheceu sua própria enfermidade encontra por onde entrar
para alcançar a salvação, por onde se aproximar da luz do conhecimento e de
onde receber a verdadeira sabedoria que este século tenta por todas as formas
destruir.
30. Toda natureza dotada de razão e intelecto tem em si a vida como
uma essência, podemos dizer, seja angélica, seja humana, graças à qual, em sua
existência, ela permanece imortal, sem ser alterada pela corrupção. Mas a natureza
que existe em nós dotada de intelecto e de razão não apenas tem a vida como
essência, mas tem também a energia da vida. Pois esta vivifica o corpo que está
ligado a ela. Por isso ela pode ser chamada de vida do corpo. É por algo que
não ela que ela é chamada de vida e que possui uma energia própria. Pois não se
pode dizer que, por si mesma, uma essência exista em função de outra. Ora, a
natureza angélica dotada de intelecto não possui em si a vida como uma energia
semelhante. Pois Deus não lhe concedeu, ligado a ela, um corpo extraído da
terra, a fim de que, por intermédio deste corpo, ela recebesse um poder
vivificante. Em compensação, ela recebeu pares antagônicos, como a malícia e a
bondade. Isto é o que produziu os anjos maus, que caíram por causa de seu
orgulho. Portanto, num sentido, os anjos são também compostos: eles têm sua
própria essência, e trazem em si uma das qualidades contrárias, ou seja, a
virtude ou o vício. Assim eles demonstram que não possuem em si a bondade como
uma essência.
31. A alma de cada um dos animais irracionais é a vida do corpo vivo
em si mesmo. Por isso ela traz consigo a vida, não como uma essência mas como
uma energia, porque ela existe por causa de outra coisa, e não por si mesma.
Vemos que neles não há nada diferente do que aquilo que age através do corpo.
Quando este se dissolve, esta coisa se dissolve com ele, por ser tão mortal
quanto o corpo. Tudo o que ela é existe em função do mortal, e é assim que
existe; por isso esta coisa morre juntamente com o que morre.
32. A alma de cada homem é também a vida do corpo vivo, em si mesma, e
possui em si a energia vivificante em função de outra coisa, a energia que
busca esta outra coisa, ou seja, aquilo que é vivificado por ela. Entretanto,
ela traz em si a vida não apenas como uma energia, mas como uma essência,
porque ela vive por si própria. Vemos que ela traz em si a vida dotada de razão
e de intelecto, esta vida que é visivelmente outra coisa que a vida do corpo e
de tudo o que passa pelo corpo. É por isso que, quando o corpo se dissolve, ela
não se dissolve com ele. E, como ela não se dissolve com ele, ela permanece
imortal, porque ela não existe em vista de outra coisa, mas traz em si como uma
essência a própria vida.
33. A alma dotada de razão e de intelecto traz a vida como uma
essência, mas também recebe os pares antagônicos, ou seja, a malícia e a
bondade. Donde se segue que ela não traz em si a bondade como uma essência,
tampouco a malícia, mas como uma espécie de qualidade, por estar disposta a uma
ou outra quando uma ou outra se apresenta a ela. Ora, a malícia e a bondade se
apresentam não diretamente, mas apenas quando a alma dotada de intelecto, tendo
recebido do Criador a liberdade, se dirige para uma ou outra destas qualidades
e decide viver segundo ela. É por isso que, num sentido, a alma dotada de razão
e intelecto é composta, mas não a partir da energia de que falamos acima. Pois
esta, embora vise outra coisa, não gera naturalmente uma mistura. É a partir da
essência em si que ela engendra uma ou outra das duas qualidades contrárias de
que falamos, a virtude ou o vício.
34. A Inteligência suprema[7],
o bem soberano, a natureza mais do que viva e mais do que divina, que não
admite contrários, não traz em si, evidentemente, a bondade enquanto qualidade,
mas como essência. É por isso que tudo o que se pode conceber de bom está nela.
Ou antes, ela é o bem e está acima de tudo o que é bom. E tudo o que podemos
conceber nela é bom, ou antes, ela é a bondade, e uma bondade mais do que boa.
Também a vida está contida nela, ou antes, ela é a própria vida[8].
Pois a vida é o bem, e na Inteligência divina a vida é a bondade. Enfim, a
sabedoria está contida nela, ou antes, ela é a própria sabedoria. Pois a
sabedoria é o bem, e na Inteligência divina a sabedoria é a bondade. O mesmo
acontece com a eternidade e a beatitude, numa palavra, com tudo o que é
possível conceber de bom. Assim, não existe diferença entre a vida, a
sabedoria, a bondade e outros bens semelhantes.
Pois esta bondade engloba a todos em sua unidade e em sua extrema
simplicidade. Ela extrai sua concepção e seu nome de todos os bens. E tudo o
que podemos conceber e chamar de bom na Inteligência divina é uno e verdadeiro.
Ora, esta bondade não é apenas o que é concebido em verdade pelos que a pensam
com uma inteligência perfeitamente exercida sobre a sabedoria divina, e pelos
que dela falam por meio de uma linguagem teológica animada pelo Espírito. Na
medida em que ela é inefável e incompreensível, ela é igualmente mais do que
esses bens e não lhe falta nem a unidade nem a simplicidade sobrenaturais, uma
vez que ela é uma única e mesma essência inteiramente boa e mais do que boa.
Somente assim podemos concebê-la, e somente assim podemos chamá-la. E é assim e
por isso que, em suas próprias energias voltadas para a criação, o Criador e
Mestre da criação é pura bondade e mais do que bom, e por isso ele tem a
bondade como essência; pois Deus não pode admitir em si nada que seja contrário
a esta bondade. Pois nenhuma essência possui contraditório.
35. Esta bondade inteiramente boa é mais do que boa é também a fonte
da bondade. Este é o bem, o bem mais extremo: e ele não seria possível se lhe
faltasse a bondade perfeita. A partir do momento em que a Inteligência divina é
a bondade transcendente e perfeita, aquilo que dela provém (como de uma fonte)
não poderia ser outra coisa que o Verbo – mas não a palavra que nós mesmos
proferimos. Pois esta não provém da inteligência, mas do corpo animado pela
inteligência. E não no sentido de uma palavra que seria interior a nós e que em
nós correspondesse a tipos de sons. Tampouco no sentido de uma palavra que
passasse pelos nossos pensamentos, ainda que sem nenhum som, e que fosse
inteiramente suscitada por impulsos incorpóreos. Pois o Verbo é anterior a nós,
e necessita de espaços e de grandes intervalos de tempo para progredir em
direção ao seu objetivo e para nos conduzir de uma origem imperfeita a uma
realização perfeita. Antes, ele passa pela palavra que a inteligência colocou
em nós de maneira inata, esta palavra por meio da qual o Criador nos fez à sua
imagem[9]:
o conhecimento que sempre acompanha a inteligência. Este conhecimento está aí,
na suprema Inteligência da bondade perfeita e transcendente, junto da qual nada
existe de imperfeito (salvo o que sai dela), porque todas as coisas são
indistintamente a bondade. É por isso que o Verbo supremo é o Filho e é assim
chamado por nós, a fim de que o reconheçamos como um ser perfeito, numa
hipóstase perfeita que lhe é própria: pois ele extrai seu ser do Pai, e nada
lhe falta da essência paterna, mas ele se mantém imutavelmente o mesmo que o
Pai, salvo em sua hipóstase. Ou ainda, o ser nascido divinamente do Pai revela
o Verbo.
36. A bondade que, por nascimento, como de uma fonte, provém da
bondade da Inteligência suprema, é, portanto, o Verbo. Mas quem quer que possua
inteligência não poderá conceber o Verbo sem o Espírito. É por isso que é
juntamente com o Espírito Santo que o Verbo, Deus de Deus, provém do Pai. Não o
espírito no sentido do sopro que acompanha a palavra que sai de nossos lábios.
Tampouco o espírito no sentido da palavra interior que passa pelos nossos
pensamentos, ainda que de maneira incorpórea. Pois este é um impulso da
inteligência desdobrado no tempo com nossa própria palavra, requerendo os
mesmos intervalos e se dirigindo do imperfeito para a perfeição. Este Espírito
do Verbo supremo é como um desejo ardente – o eros – indizível do Pai pelo Verbo engendrado indizivelmente: este
desejo ardente – este eros – é o
mesmo que o Verbo e Filho amado pelo Pai dedica àquele que o gerou. E ele lhe
dedica como algo proveniente com ele do Pai e que repousa nele numa mesma
natureza. É por meio deste Verbo que nos falou na carne que aprendemos o nome
da existência diferente junto ao Pai: a existência do Espírito. O Espírito não
é apenas o Espírito do Pai, mas o Espírito do Filho. Pois foi dito que o
Espírito da verdade precede do Pai[10],
a fim de que conheçamos não apenas o Verbo, mas o Espírito do Pai, que não é
engendrado, mas que procede. E ele é o Espírito do Filho, que o tira do Pai como
Espírito de verdade, de sabedoria e de razão. Pois o Verbo é a verdade e a
sabedoria que concorda com Aquele que o engendrou. Ele se regozija com o Pai
que se regozija nele, como disse Salomão a respeito: “Eu estava onde eu me
regozijava com ele[11]”.
Esta alegria do Pai e do Filho, esta alegria anterior aos séculos, é o Espírito
Santo que, em suas relações, lhes é comum (e é por isso que ele é enviado por
um e outro aos que são dignos). Mas ele só extrai do Pai sua existência; e é
por isso que, em sua existência, ele procede apenas do Pai.
37. Nossa inteligência criada à imagem de Deus traz em si a imagem
deste desejo ardente – deste eros
altíssimo – no conhecimento que nunca cessa de existir por ela e nela. Este
amor aí reside e permanece por ela e nela, e dela provém juntamente com a
palavra interior. O insaciável desejo de conhecer que possuem os homens é um
exemplo claríssimo disto para aqueles que não conseguem ver o mais profundo de
si mesmos. É neste modelo original, nesta bondade perfeita e transcendente, na
qual nada existe de imperfeito (salvo o que sai daí), que o ardente desejo de
Deus – o eros divino – é, de
modo imutável, tudo o que é a própria
bondade. É por isso que este eros
divino é também chamado por nós de
Espírito Santo além de Consolador, pois ele acompanha o Verbo, a fim de que nós
o reconheçamos como um ser perfeito, numa hipóstase perfeita e própria, uma vez
que ele não é absolutamente desprovido da essência do Pai, sendo ao contrário
imutavelmente o mesmo que o Pai e o Filho, salvo por sua hipóstase, que o
revela para nós em seu ser procedente divinamente do Pai. Assim é que nós
veneramos um único Deus verdadeiro e perfeito em três hipóstases verdadeiras e
perfeitas: ou seja, um Deus que não é triplo, mas simples. Pois a bondade não é
tripla nem é uma tríade de bondade, mas a bondade suprema é a Trindade Santa,
venerada e adorada, derramando-se divinamente de si própria em si própria antes
de todos os séculos. Ela não tem limites e não pode ser definida senão por si
mesma; ela define tudo, estende-se para além de tudo e não deixa nenhum ser
fora de si própria.
38. A natureza dos anjos, que é dotada de intelecto e de palavra tem
também, portanto, uma inteligência, uma palavra nascida desta inteligência e um
desejo ardente – um eros – da
inteligência pela palavra. O próprio eros
nasce da inteligência, está sempre com a palavra e a inteligência, e podemos
chamá-lo de espírito, uma vez que, por natureza, ele acompanha a palavra. Mas a
natureza dos anjos não possui este espírito vivificante, porque ela não recebeu
de Deus um corpo ligado à terra, a fim de receber igualmente, por intermédio
deste corpo, um poder vivificante que o mantenha. Mas a natureza da alma,
dotada de inteligência e de palavra, por ter sido criada com um corpo
terrestre, recebeu também de Deus o espírito vivificante, por meio do qual ela
mantém e faz viver o corpo que está ligado a ela. Donde se demonstra aos que
compreendem que o espírito do homem, que vivifica o corpo, é um desejo ardente
– um eros – da inteligência. Este eros nasce da inteligência e da palavra.
Ele está na inteligência e na palavra, e tem em si a palavra e a inteligência.
Pois através dele a alma carrega naturalmente e com enorme amor a relação que a
une ao seu próprio corpo, o qual ela não quer jamais deixar, e que não deixaria
jamais se não sobreviesse do exterior uma enfermidade muito grave ou uma ferida
mortal.
39. A natureza da alma, que é dotada de inteligência e de palavra, a
única que contém em si a inteligência, a palavra e o espírito vivificante, é
também a única, e acima dos anjos incorpóreos, criada por Deus à sua imagem.
Ela traz tudo isto em si de maneira imutável, mesmo que, não reconhecendo sua
própria dignidade, ela não pense nem se comporte de maneira digna Daquele que a
criou à sua imagem. Assim, mesmo depois da transgressão ancestral do Paraíso
por causa da árvore do conhecimento[12],
nós que, antes da morte corporal, sofremos a morte da alma – que é a sua
separação em relação a Deus – e que rejeitamos ser à semelhança divina, não
perdemos o ser à imagem. Portanto, se a alma toma aversão à sua relação com o
pior, se ela se liga ao melhor com amor, e se submete a ele por meio das obras
e dos modos da virtude, ela é consolada por Deus com a luz e a beleza,
confortada e persuadida por seus conselhos e exortações, graças aos quais ela
recebe a vida eterna. Através desta, quando chegar o tempo, ela imortaliza o
corpo ligado à ressurreição prometida, que participará da glória por toda a
eternidade. Mas se ela não afastar a tendência à queda que a puxa para o pior e
que suscita na imagem de Deus a vergonha desonrosa, ela será separada e
afastada da vida realmente bem-aventurada de Deus, pois, por havê-la
abandonado, abandonou também o melhor.
40. A natureza trinitária que acompanha a Trindade suprema – pois,
mais do que todas, ela foi criada por esta Trindade à sua imagem, dotada de
inteligência, palavra e espírito (assim é a alma humana) – deve preservar sua
ordem, seguir apenas a Deus, submeter-se apenas a ele, somente se inclinar diante
dele, só obedecer a ele, voltar seu olhar exclusivamente para ele, enfeitar-se
com sua lembrança contínua e com sua contemplação e lhe dedicar o ardor de um
amor maior do que tudo. É por meio destas coisas que ela é atraída para si
mesma de forma maravilhosa. Ou antes, pode acontecer que ela atraia para si o
esplendor místico e indizível desta natureza. Então o ser feito à imagem de
Deus terá também a semelhança em verdade. Esta semelhança torna a natureza
trinitária graciosa, sábia e divina. Com efeito, é por meio dela, quer esteja
visivelmente presente, quer se aproxime invisivelmente, que ela passa a ensinar
agora e sempre a amar a Deus mais do que a si própria e ao próximo como a si
mesma[13],
e, a partir daí, a conhecer e manter sua dignidade e sua ordem, e a amar a si
mesma em verdade. Pois “aquele que ama a injustiça detesta sua alma[14]”.
Destruindo e tornando inútil o ser feito à imagem de Deus, este se carrega de
uma paixão próxima dos que, por loucura, rasgam a própria carne sem sequer
sentir. Pois também ele, sem o sentir, arranha e rasga impiedosamente sua
beleza inata, destruindo, com sua loucura, as vestes de sua própria alma, esta
vestimenta trinitária mais alta que o mundo, cujo amor havia outrora enchido
seu coração. Ora, o que existe de mais injusto e de mais ruinoso do que não
lembrar nem querer contemplar continuamente, não amar Aquele que nos criou e
nos vestiu de beleza à sua imagem, Aquele que, por meio disto, nos concedeu o
poder do conhecimento e do amor e que, aos que utilizam bem este poder,
concede, além disto, a abundância dos dons indizíveis e da vida eterna?
41. Um dos piores inimigos de nossa alma, bem pior dos que os outros,
é, de longe, a serpente espiritual que se encontra na raiz dos males, e que se
tornou agora, pelos maus conselhos dados aos homens, o anjo de sua malícia. A
tal ponto ele é mais baixo e malvado do que todos que chegou a pensar, em seu
orgulho, tornar-se semelhante em poder a Deus. Ao final, foi, com toda justiça,
abandonado por Deus na mesma medida em que o abandonou, e a tal ponto que se
tornou seu opositor, adversário e contrário. Portanto, se um é a bondade
vivificante e vivifica os vivos, o outro é a maldade morta e mortificante. Pois
Deus tem a bondade por essência e sua natureza não admite contrário, vale
dizer, o mal, uma vez que lhe é impossível se aproximar dos que parte com o
mal, qualquer que seja ele; quanto mais o próprio faltoso e príncipe do mal,
que suscita este mal nos outros! Já o maligno, que tem como essência não a
malícia mas a vida (e é por isso que nela ele permanece imortal), admite por
isso simultaneamente a vida e o mal, e foi honrado com a liberdade, a fim de
que, submetido interiormente e ligado à fonte eterna da bondade, ele possa
ainda participar da verdadeira vida. Mas como ele não se sacia de seu impulso
para o mal e continua a provocar as piores infâmias, acaba fazendo de si mesmo
um espírito mortificante, e se esforça para atrair também o homem, de modo a
fazê-lo participar de sua própria morte.
42. Tortuoso em suas maneiras e prolixo em mentiras, o mediador e
autor da morte revestiu-se outrora da serpente tortuosa no paraíso de Deus,
embora não tendo se tornado ele mesmo uma serpente (pois não é possível que o
tenha feito, senão pela imaginação, pois sabia que nada poderia fazer por si
próprio, temendo ser pego em flagrante), mas, evitando uma relação direta,
escolhendo a relação pérfida. Ele escolheu esta via na medida em que já estava
resolvido a permanecer oculto, a fim de que, mostrando-se como amigo, pudesse
introduzir invisivelmente as coisas mais hostis, mesmo tendo que lançar mão do
prodígio da palavra (pois a serpente real não é dotada de razão, e é pouco
provável que algum dia tenha sido dotada de palavra), disfarçando-se e atraindo
para si como uma presa fácil aquela que o escutava, a fim de submetê-la
rapidamente ao pior e sujeitá-la doravante aos que a ele foram dados dominar,
como se fosse a serpente única entre os seres dotados de sentido a ter sido
honrada com a razão pela mão de Deus e a ter sido feita à imagem do Criador.
Mas Deus concedeu ao homem que, vendo o conselho provir do pior (e quão pior do
que o homem é a serpente!), este se aperceba suficientemente que este conselho
não é útil e se indigne com a injustiça de se submeter ao que é visivelmente
pior; ao homem foi dado guardar a fé no Criador observando seus mandamentos,
conquistando a vitória sobre aquele que decaiu da verdadeira vida e recebendo
com justeza a bem-aventurada imortalidade, permanecendo vivo junto a Deus pelos
séculos dos séculos.
43. Nada é melhor para o homem do que querer e trazer em si um
pensamento que lhe permita conhecer e transmitir o que é importante. Somente se
ele aguardar sua ordem própria e conhecer a si mesmo e Àquele que é melhor do
que ele, somente se observar igualmente o que aprendeu e o que não aprendeu do
melhor, é que ele não desejará receber mais ninguém além de Deus como seu
conselheiro. Pois os anjos, embora nos ultrapassem em dignidade, servem, eles
também, às decisões divinas que nos dizem respeito, por serem enviados para
aqueles que deverão herdar a salvação[15].
Ou melhor, nem todos servem, mas apenas aqueles que são bons e que mantêm sua
ordem. Pois também eles possuem estas três faculdades inerentes à sua natureza:
a inteligência, a palavra e o espírito, e, como nós, devem obedecer ao Criador,
que é Inteligência, Verbo e Espírito. Eles nos superam em muitas coisas, mas
existem outras nas quais nós os ultrapassamos, coo já dissemos e voltaremos a
dizer, no que se refere a realizar o ser à imagem do Criador. Isto porque, mais
do que eles, nós fomos criados à imagem do Criador.
44. Os anjos foram destinados a servir ao Criador e lhes foi
assinalado ser comandados, mas não lhes foi ordenado que comandassem os que
viessem depois deles, se para tanto não fossem conduzidos por Aquele que domina
o universo. Em seu orgulho, Satanás pretendeu comandar, contra a vontade do
Criador. E, por ter abandonado sua ordem própria, juntamente com os anjos que
com ele se afastaram de Deus, foi abandonado pela fonte que distribui a
verdadeira vida e a verdadeira luz, e se revestiu de morte e trevas eternas. Mas
uma vez que o homem recebeu a ordem de não apenas ser comandado mas de comandar
tudo o que há sobre a terra, o príncipe do mal, olhando-o com inveja, se
empenha por todos os meios tentando derrubá-lo deste mandamento. Assim ele
rouba os homens, ou melhor, os persuade a trair o mandamento, a considerá-lo
como nada, a anulá-lo, e mesmo a se opor a ele e fazer o contrário da ordem e
do conselho dados pelo melhor, enfim, partilhando com ele sua apostasia e
também as trevas eternas que são dele, e também a morte.
45. Que a alma dotada de razão possa morrer enquanto ainda está em
vida, é o que nos ensina o grande Paulo quando escreve: “A viúva que só busca o
prazer é uma morta viva[16]”.
Não se poderia imaginar nada pior para a alma dotada de razão: pois a alma
privada do esposo espiritual, se não se recolhe e se entrega ao luto levando
uma vida fechada e aflita pelo arrependimento, mas ao contrário, se esparrama e
se dissipa nos prazeres, se torna uma morta viva (pois ela é imortal por sua
essência) e traz em si ao mesmo tempo a pior morte e a melhor vida. Mas se a
viuvez é corporal, aquela que se entrega ao deboche enquanto vive em seu corpo
está certamente, diz Paulo, morta em sua alma. Mas ele próprio diz em outra
parte: “A nós que estávamos mortos por nossas faltas, ele nos deu a vida em
Cristo[17]”.
E o que diz João? “Existe um pecado que leva à morte[18]”.
Mas o próprio Senhor, ao ordenar a alguém que deixasse os mortos enterrarem
seus mortos[19],
mostrou que os que se enterram vivos em seus corpos estão certamente mortos em
suas almas.
46. Desde que se afastaram voluntariamente da lembrança e da
contemplação de Deus, desde que transgrediram o mandamento do paraíso, desde
que se acomodaram ao espírito morto de Satanás e que comeram do fruto proibido
contra a vontade do Criador[20],
os ancestrais de nossa raça, despojados das vestes luminosas e vivificantes
tecidas pelo esplendor do alto, se viram também, como Satanás, mortos em
espírito. Uma vez que Satanás é não apenas um espírito morto mas também um
espírito que leva a morte aos que dele se aproximam, e que aqueles que
participam desta morte possuem igualmente um corpo por intermédio do qual se
realiza o cumprimento do conselho que leva à morte, estes espíritos mortos e
mortificantes acabam por transmitir a morte também a seus próprios corpos.
Também o corpo humano se dissolve retornando à terra de onde foi tirado[21],
uma vez que, deixando de ser mantido por uma solicitude e um poder mais fortes,
sofre a sentença Daquele que conduz o universo com sua simples palavra,
sentença sem a qual nada do que acontece alcança seu termo. Esta sentença é
sempre proclamada com justiça. Pois “o Senhor é justo, como disse o salmista, e
ele ama a justiça[22]”.
47. Como está dito nas Escrituras, Deus não criou a morte[23].
Ele impediu que ela viesse, mas para isto precisou dissuadir aqueles a quem
concedera a liberdade, e convencê-los de que era possível exercê-la com
justiça. Com efeito, logo de início ele deu um conselho que abria para a
imortalidade, e, para que desde logo houvesse a certeza disto, ele transformou
este conselho num mandamento específico. Ele preveniu com toda clareza e deixou
explícita a ameaça, sublinhando que a transgressão do mandamento de vida
representava a morte[24],
a fim de que os homens pudessem se proteger da experiência da morte, fosse pelo
desejo, fosse pelo conhecimento, fosse pelo temor. Pois Deus ama, conhece e
pode conceder o que é bom a cada uma das criaturas. Assim, se ele apenas
conhecesse o que é bom mas não amasse, com a proibição ele teria deixado
imperfeito aquilo que sabia ser o bem; se ele amasse sem conhecer o que é bom e
sem poder concedê-lo, aquilo que ele desejava e conhecia teria, sem dúvida,
permanecido imperfeito. Mas uma vez que ele conhece, ama e pode nos conceder
nosso maior bem, aquilo que provém dele, ainda que venha malgrado nós mesmos,
vem, de um modo ou de outro, para nosso benefício. Ao contrário, se, na medida
em que recebemos uma natureza livre, evoluímos contrariamente por nossa própria
conta, isto nos será forçosamente prejudicial. Desde que, sob a vigilância de
Deus, foi dada uma proibição, como no Paraíso[25],
como no Evangelho pelo próprio Senhor, ou como aos descendentes de Israel pelos
profetas, ou como na lei da graça pelos apóstolos de Cristo e seus sucessores,
está claro que é desvantajoso e desastroso desejar voluntariamente cometer tal
gesto e nos esforçarmos para tanto. Quem quer que nos proponha ou nos engaje
neste esforço, persuadindo-nos com palavras ou nos encantando com uma aparência
agradável, estará sendo manifestamente hostil e oposto à nossa vida.
48. Portanto, seja pelo desejo, uma vez que Deus deseja que vivamos
(pois porque teria ele criado seres vivos se não os quisesse vivos?), seja por
que reconhecemos que ele sabe melhor do que nós o que é bom para nós (pois como
Aquele que nos deu o conhecimento não haveria de ser incomparavelmente o Senhor
do conhecimento[26]?),
seja por temor à sua autoridade onipotente, não devemos nos deixar roubar, nem
seduzir, nem persuadir a transgredir sua ordem e seu conselho. Da mesma forma,
tampouco agora devemos transgredir os mandamentos e os conselhos salutares que
nos foram dados depois daquele. Também agora, com efeito, os que escolheram não
se opor nobremente ao pecado e que desconsideram os mandamentos divinos,
acolhem o conselho contrário. Isto equivale a dizer que eles recebem o conselho
que os leva à morte interior e eterna, a menos que, por meio do arrependimento,
reconquistem sua alma. Da mesma maneira o casal ancestral, não resistindo aos
que os persuadiam a desobedecer, transgrediram o mandamento: a decisão,
anunciada previamente, Daquele que os haveria de julgar com justiça, foi
imediatamente aplicada. Segundo esta decisão, tão logo comessem do fruto da
árvore, eles morreriam. E eles sabiam, de fato, que este era uma mandamento de
verdade, de amor, de sabedoria e de poder que lhes havia sido dado e que eles
haviam esquecido. Por vergonha eles se esconderam, despojados da glória[27]
que cumula de vida superior os espíritos imortais. Sem esta glória, a vida dos
espíritos é de longe bem pior do que muitas mortes; nisto cremos.
49. Que tampouco teria sido útil que os ancestrais comessem do fruto
da árvore, é o que mostra aquele que disse: “a meu ver, a árvore simbolizava a contemplação”,
aquela que pode ser alcançada por aqueles cujo estado é suficientemente
perfeito. Mas ela não é boa para os que são ainda toscos e ávidos em seu
desejo, assim como o alimento sólido não é útil aos que são ainda bebês e
necessitam de leite[28].
Mas se quisermos transformar em contemplação, num sentido espiritual, esta
árvore e o alimento que ela fornece, não será difícil, penso eu, ver como ela
permanece inútil aos seres ainda imperfeitos. Pois me parece que, para os
sentidos, ver seu fruto e comê-lo é a última razão de ser da mais agradável das
árvores do Paraíso. Ora, o alimento mais agradável aos sentidos não pertence
nem àquilo que é verdadeira e completamente bom, nem ao que é sempre bom, nem
ao que é bom para todos. Este alimento é bom para aqueles que podem utilizá-lo
sem morrer, no momento conveniente, da maneira conveniente e para a glória
Daquele que o criou. Para os que não são capazes de utilizá-lo assim, ele não é
bom. É por isso, penso eu, que chamaram esta árvore de árvore do conhecimento
do bem e do mal[29].
Pois somente os perfeitos no estado da contemplação divina e da virtude são
capazes de se dedicar ao que existe de mais agradável aos sentidos e não
desviar seu intelecto da contemplação de Deus, dos hinos e das orações que lhe
dedicam, mas de fazer do que é agradável aos sentidos a matéria e a ocasião de
sua tensão em direção a Deus, e de dominar o prazer dos sentidos por meio do
movimento do intelecto para o melhor. Mesmo não tendo o hábito do prazer, e
mesmo que o prazer seja ainda maior e mais violento devido à sua inexperiência,
eles não esvaziam a razão da alma para correr para este ser mau, que apresenta
como bom aquilo que eles já haviam vencido.
50. Este era um benefício para os ancestrais que, vivendo neste lugar
sagrado, não deveriam jamais se esquecer de Deus. Eles deveriam se dedicar e
como que se educar sempre mais aos bens puros e simples e elevá-los até o
estado de contemplação. Mas como eles ainda não haviam alcançado este termo,
mas se encontravam a meio caminho, e porque eram, pela força das coisas de que
se serviam, facilmente levados ao bem ou ao seu contrário, eles acabariam
fazendo esta experiência. E fizeram isto empurrando para baixo, dominando e
abatendo por meio dos sentidos o intelecto inteiro, dando espaço às ações más e
mostrando o quanto era persuasivo o iniciador e artífice de tais paixões, cuja
origem, a partir daí, consiste na nutrição excitante oferecida pelos alimentos
mais agradáveis. Com efeito, se a simples visão desta árvore, segundo a
história, permitiu à serpente fazer-se admitir e ser recebida confiantemente
como conselheira, quanto mais o será o alimento dado em abundância! Não fica
assim claro que não era útil aos ancestrais, com seus sentidos, comer do fruto
desta árvore? E não deveriam os que dele comeram ser expulsos do Paraíso de
Deus[30],
para não fazer do lugar divino um local onde se tramasse e se elaborasse o mal?
Não deveriam estes transgressores sofrer desde logo a morte do corpo? Mas o
Mestre tinha paciência.
51. A sentença de morte da alma, que a transgressão desatou, estava em
conformidade com a justiça do Criador. Ele abandonou os que o haviam
abandonado, porque eles havia agido por sua própria vontade: ele não os forçou
a nada. Deus havia anunciado esta sentença previamente[31],
em seu amor pelo home, pelas razões que já mencionamos. Mas primeiro ele
aplicou e estabeleceu a sentença da morte do corpo. E quando ele a pronunciou,
na profundeza de sua sabedoria e na superabundância de seu amor pelo homem, ele
reservou para o futuro sua aplicação real, não dizendo a Adão: “Volte para o
lugar de onde veio”, mas: “Você é terra e retornará à terra[32]”.
É possível, para os que escutam com inteligência, ver nestas palavras que Deus
não criou a morte da alma nem a morte do corpo[33].
Pois quando ele estabeleceu sua ordem, ele não disse: “Morram no dia em que
comerem”, mas “Vocês morrerão no dia em que comerem[34]”.
Como ele não diz agora: “Volte para a terra”, mas: “Você voltará”. Ele adverte,
deixa fazer e, com justiça, não impede o que acontecerá.
52. Assim é que nossos ancestrais deveriam comer a morte, como comemos
nós, os que ainda estamos neste estado: nosso corpo se tornou mortal. É por
isso que este é por assim dizer como que uma longa morte, ou antes, uma miríade
de mortes, cada uma recebendo a outra, cada uma por sua vez, até que chegamos à
morte única, última e definitiva. Pois nascemos para morrer. E uma vez nascido,
escoamos até deixar de escoar e de vir a ser. Não somos jamais os mesmos, ainda
que aos olhos dos que não prestam atenção pareçamos sê-lo. Somos como um fogo
que peja na extremidade de um junco, que ora é uma chama, ora outra, e que tem
como medida de sua existência o comprimento do junco. Da mesma forma, para nós
que estamos submetidos à mudança, a medida é o intervalo de vida que é
atribuído a cada qual.
53. Para que não ignoremos a superabundância do seu amor pelo homem e
a profundidade da sabedoria por cuja causa Deus, após aplicar a sentença da
morte, não concedeu ao homem que vivesse doravante, mas primeiro lhe mostrou
que o castigava com compaixão, ou melhor, que lhe aplicava o castigo com
justiça, para que nós não nos desesperemos totalmente. Ele nos deu tempo para o
arrependimento e para nos conduzirmos de modo a agradá-lo desde o começo. Ele
aliviou com as alternâncias do devir a tristeza da morte. Ele aumentou a raça
com descendentes, para que a multitude dos que nascessem superasse o números
dos que morrem. Em lugar de um único Adão tornado miserável e indigente por
causa da beleza da árvore sensível, Deus suscitou inúmeros homens, nascidos do
sensível, que foram, por sua beatitude, ricos da ciência de Deus, de virtude,
de conhecimento e de bem-aventurança divina, como Seth, Enoque, Né,
Melquisedeque, Abraão e todos os que se revelaram dentre eles, antes, depois ou
junto deles. Mas dentre tantos e tais homens, nenhum houve que vivesse
totalmente sem pecado, para poder reparar com seu combate a derrota dos
ancestrais, curar a ferida recebida na raiz da raça e bastar daí por diante
para alcançar a santificação, a bênção e o retorno da vida para todos. Deus
havia previsto isto e no tempo azado escolheu as raças e as tribos de onde
haveria de extrair o ramo[35]
célebre que daria a flor por meio da qual iria se realizar a economia capaz de
salvar o gênero humano.
54. Ó profundezas da riqueza, da sabedoria[36]
e do amor de Deus pelo homem! Pois se não tivesse havido a morte, e se nossa
raça, saída de tal raiz, não tivesse se tornado mortal antes mesmo da morte,
não seríamos nós ricos das primícias da imortalidade, não seríamos chamados aos
céus, nossa natureza não seria entronizada acima de toda autoridade e de todo
poder, à direita da Majestade, nos céus[37].
Assim por sua própria sabedoria e seu próprio poder, Soube Deus, em seu amor
pelo homem, transformar com vistas ao melhor a perdição na qual nos fez cair
nosso livre arbítrio.
55. Muitos acusam Adão por haver transgredido o mandamento divino ao
se deixar persuadir pelo mau conselheiro, e por ter, através desta
transgressão, suscitado em nós a morte. Mas não é a mesma coisa provar de uma
erva mortal antes de ter tido esta experiência e desejar comê-la depois de ter
aprendido pela experiência que ela é mortal. Quem, depois de haver
experimentado, devora o veneno e atrai miseravelmente a morte sobre si mesmo é
bem mais condenável do que aquele que, inexperiente, faz este gesto e sofre
suas consequências. É por isso que cada um de nós está bem mais sujeito à
vergonha e à condenação do que o próprio Adão. Mas esta árvore não está em nós?
Não existe agora, dirigido a nós, um mandamento de Deus que nos proíbe de comer
seu fruto? Assim é que esta árvore pode também não estar em nós. O mandamento
de Deus permanece para sempre entre nós, e hoje como sempre. Aos que o obedecem
e que desejam viver na sua observância, ele os livra dos castigos pelos pecados
cometidos, assim como da maldição e da condenação ancestral. Mas aos que ainda
agora o transgridem, preferindo a sugestão e o conselho do maligno, é
impossível que não sejam expulsos para longe desta vida, para fora dos caminhos
do Paraíso, e que não caiam na Geena do fogo eterno que a todos nos ameaça.
56. Qual é então este mandamento de Deus que hoje nos é proposto? O
arrependimento, cujo princípio é de não mais tocar no que foi proibido. Com
efeito, quando fomos justamente rejeitados do campo das delícias divinas e
excluídos do Paraíso de Deus, quando tombamos no fundo deste abismo, quando
fomos condenados a viver e permanecer entre os animais desprovidos de razão e
perdemos a esperança de ver chegar a nós o chamado do Paraíso, o próprio Deus,
trazendo-nos um julgamento justo, ou melhor, permitindo a nós nos aproximarmos
deste julgamento, na superabundância de seu amor pelo homem e de sua bondade,
das entranhas de sua compaixão[38],
por nós, desceu até nós. E tornando-se, embora sem pecado, homem como nós[39],
por sua benevolência, a fim de ensinar e salvar o mesmo pelo mesmo, nos trouxe
o conselho e o mandamento salutar do arrependimento, dizendo-nos:
“Arrependam-se, pois o Reino de Deus está próximo[40]”.
Antes que o Verbo de Deus se fizesse homem, o Reino dos céus estava tão
distante como está o céu afastado da terra. Mas quando o Reino dos céus veio e
pe3rmaneceu entre nós, e se uniu a nós em sua benevolência, ele se aproximou de
todos nós.
57. Uma vez que o Reino dos céus se aproximou de nós, fazendo descer a
nós o Verbo de Deus pelo amor que nos dedica, não nos afastemos dele levando
uma vida sem arrependimento. Fujamos da miséria daqueles que estão sentados nas
trevas e na sombra da morte[41].
Tentemos adquirir as obras do arrependimento, um pensamento humilde, uma
compunção e uma tristeza espirituais, um coração manso e doce, cheio de
piedade, tomado de justiça, esforçando-nos pela pureza, dóceis, pacíficos,
tenazes, acolhendo com alegria as perseguições, as injúrias, os ultrajes, as
calúnias e os sofrimentos pela verdade e a justiça. Pois o Reino dos céus, ou
antes, o Rei dos céus – ó magnificência indizível! – está em nós[42].
É a ele que devemos nos ligar sempre pelas obras do arrependimento, amando,
tanto quanto nos é possível, Aquele que tanto nos amou.
58. A ausência de paixões e a abundância de virtudes suscita o amor
que dedicamos a Deus. Pois a aversão aos vícios, da qual procede a ausência de
paixões, deixa espaço para o desejo e a aquisição dos bens. Ora, aquele que se
afeiçoa a estes bens e os possui, como não amará acima de tudo ao Mestre que é
o bem em si, o único que dispensa e guarda todos os bens: é nele que está o bem
por excelência, e é ele que o traz consigo por amor, segundo o Apóstolo que
disse: “Quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele[43]”.
E nisto podemos ver não apenas o amor a Deus nascendo das virtudes, mas também
as virtudes nascendo do amor. É por isso que o Senhor nos Evangelhos tanto diz:
“Quem guarda meus mandamentos, este me ama[44]”,
como diz: “Quem me ama guardará meus mandamentos[45]”.
Mas nem as obras das virtudes são louváveis naqueles que agem sem amor, nem o
amor é louvável e útil sem as obras. É o que Paulo mostra sobejamente quando
escreve aos Coríntios: “Se eu fizer isto, mas não tiver o amor, isto de nada me
servirá[46]”.
Reciprocamente, o discípulo que Cristo amava disse: “Não amemos com palavras e
com a língua, mas em ato e verdade[47]”.
59. O Altíssimo, o Pai adorado, é o Pai da própria verdade, ou seja,
do Filho único, e ele traz o Espírito de verdade, o Espírito Santo, como
mostrou previamente a palavra de verdade. Portanto, os que adoram o Pai no
Filho e no Espírito e creem neles, agem com o que por intermédio deles. É pelo
Espírito, diz o Apóstolo, que adoramos e oramos[48].
Da mesma forma: “Ninguém chega ao Pai senão por mim[49]”,
disse o Filho único de Deus. Os que assim adoram o Pai Altíssimo em espírito e
em verdade, são estes os verdadeiros adoradores[50].
60. Deus é espírito, e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito
e verdade[51],
ou seja, concebendo de modo incorporal o incorpóreo. É assim que eles o verão
verdadeiramente em toda parte, em seu Espírito e em sua verdade. Com efeito, a
partir do momento em que Deus é Espírito, ele é incorpóreo. Ora, o incorpóreo
não pode ser localizado num lugar, nem circunscrito a limites espaciais.
Portanto, quem diz que é preciso adorar a Deus num dado lugar em detrimento de
todos os outros lugares da terra, nem diz a verdade, nem adora verdadeiramente.
Pois se Deus é incorpóreo ele não está em parte alguma, mas, como ele é Deus,
está em toda parte. Com efeito, se Deus estivesse numa montanha, ou num lugar,
ou numa criatura – lugares onde ele não está – ele estaria circunscrito por
alguma coisa. Ora, ele está em toda parte porque ele não tem limites. Mas como
pode ele estar em toda parte? Estará ele contido, não numa parte, mas no todo?
Certamente não, porque neste caso ele continuaria sendo um corpo. Mas uma vez
que ele mantém e contém o todo, ele está em si mesmo, em toda parte e acima de
tudo, adorado por seus verdadeiros adoradores, em seu Espírito e sua verdade.
61. O anjo e a alma, seres incorpóreos, não estão em parte alguma, mas
também não estão em toda parte. Porque eles não sustentam o todo, mas têm
necessidade Daquele que os sustém, a eles também. Assim é que eles estão
contidos Naquele que mantém e sustém o todo, determinados por ele à sua medida.
Porém a alma, que sustenta o corpo, para o qual foi criada, permanece ligada ao
corpo, não como ligada a um lugar, nem como contida nele, mas como algo que
mantém, contém, vivifica e porta o corpo, à imagem de Deus.
62. Não é apenas por possuir em si mesmo um poder englobante e
vivificante que o home foi feito à imagem de Deus mais do que os anjos, mas
também porque ele comanda. Pois existe na natureza de nossa alma, de uma parte,
algo que dirige e comanda e, de outra, algo que está naturalmente sujeito e que obedece: a vontade, o desejo, os sentidos,
numa palavra, tudo o que, depois do intelecto, foi criado com ele por Deus,
mesmo que, por amor ao pecado, nos sirvamos destas faculdades para nos revoltar
não apenas contra o Deus Todo-Poderoso, mas ainda contra Aquele que é por
natureza o próprio poder e que está ligado a nós. Mas Deus, ao nos conferir o
poder de comandar, nos concedeu dominar a terra inteira[52].
Os anjos não estão ligados a corpos, na medida em que não têm corpos submetidos
à inteligência. Alguns, os decaídos, mantêm a vontade de seu intelecto
continuamente voltada para o mal. Outros, os bons, têm sua vontade
continuamente dirigida para o bem, sem que haja necessidade de que ela seja
dirigida. O maligno não tinha poder sobre a terra, mas a tomou para si, donde
fica claro que ele não foi criado para comandá-la. Mas os anjos bons receberam
do Todo-Poderoso a ordem de velar sobre o que se passa na terra, depois da nossa
queda, quando perdemos nossa dignidade, embora não por completo graças ao amor
que Deus tem pelo homem. Pois Deus fixou os limites dos anjos quando separou as
nações[53],
como diz Moisés em sua ode. Esta partilha ocorreu depois de Caim e Seth, entre
os homens chamados filhos de Caim e os homens nascidos de Seth, chamados filhos
de Deus. Foi este nome que, desde então, penso eu, efetuou a divisão e anunciou
previamente a raça da qual deveria nascer o filho único de Deus.
63. Podemos dizer com muitos outros que o caráter trinitário do nosso
conhecimento mostra que, mais do que os anjos, fomos nós feitos à imagem de
Deus, e não apenas porque nosso conhecimento é trinitário, mas porque ele ainda
engloba toda espécie de conhecimento. Com efeito, únicos dentre todas as
criaturas, trazemos em nós o domínio dos sentidos, além do intelecto e da
razão. A parte de nós naturalmente ligada à razão encontrou uma grande
multitude e variedade de artes, de ciências e de conhecimentos: cultivar a
terra, construir, criar a partir do que não existia (mas não a partir do nada
absoluto, que só pertence a Deus), isto foi concedido apenas aos homens. Pois é
quase impossível fazer ou destruir o que foi realizado por Deus, mas nós
podemos misturar as coisas umas com as outras para gerar outras formas. Mais
ainda, as coisas trazidas pela palavra invisível do intelecto não apenas são
percebidas pelo ouvido quando ela se une ao ar, como ainda podem ser
transformadas em escrita: Deus concedeu apenas aos homens vê-la, com o corpo e
por intermédio do corpo, levando-os a acreditar constantemente na vinda do
Verbo Altíssimo e na sua revelação na carne. Nada disto foi dado aos anjos.
64. Mas se, mais do que os anjos, somos feitos à imagem de Deus,
estamos bem abaixo deles, em especial agora, no que diz respeito à semelhança
com Deus. Pois, se me é permitido deixar o resto de lado por um momento, a
semelhança com Deus se realiza pelo flamejar divino que provém de Deus. Os
anjos maus foram privados disto: por isso se foram para as trevas[54].
Mas os intelectos divinos o trazem consigo: por isso são chamados de segunda
luz e efusão da luz primeira, se, como espero, não ignoro nenhuma dos que leram
com atenção e inteligência as palavras inspiradas de Deus. É assim que os anjos
têm também o conhecimento das coisas sensíveis. Pois eles não as concebem em
função de uma potência sensível e natural, mas em função de uma potência
semelhante à de Deus, para a qual nada do que existe, de um modo ou de outro,
seja passado, presente ou futuro, pode permanecer oculto.
65. Os que participam deste flamejamento e que o trazem em si mesmos
numa certa medida possuem também o conhecimento dos seres na proporção desta
medida. Também os anjos participam deste flamejamento, pois ele é incriado, mas
não como no caso da essência divina, como sabem todos os que leram os apóstolos
e os teólogos dotados da sabedoria de Deus. Quem pensa o contrário blasfema
contra o flamejamento divino, sustentando, ou bem que ele é uma criatura, ou
bem que ele é uma essência de Deus. Quando se diz que ele é uma criatura, não
se admite que seja a luz dos anjos. Ouçamos então Denis o Areopagita, o
Teofante, que explica brevemente estas três coisas: “As inteligências divinas
que se movem em círculos se unem aos flamejamentos sem começo nem fim do Deus
belo e bom. É claro para todos que as inteligências divinas são os anjos bons[55]”.
Uma vez estabelecida a pluralidade dos flamejamentos, ele as separa da essência
de Deus. Pois esta é una e totalmente indivisível. E ao mostrar que estes
flamejamentos não têm começo nem fim, que nos mostra ele, senão que eles são
incriados?
66. O Verbo de Deus se apiedou da pesandez de nossa natureza
desprovida desta flamejamento e deste esplendor divino por causa da
transgressão, e a assumiu, nas entranhas de sua compaixão[56],
e a mostrou tal como é aos seus discípulos eleitos quando a revestiu claramente
sobre o monte Tabor[57]:
aquilo que fomos outrora e que por ele seremos no século futuro se escolhermos
viver aqui em baixo segundo ele, na medida em que nos for possível, como disse
João que tinha uma língua de ouro[58].
67. Também Adão partilhava deste flamejamento e deste esplendor de
Deus antes da transgressão, quando ainda se cobria de uma veste de glória: ele
não estava nu. Antes, ele se vestia de mais beleza, não é preciso dizer, do que
os que hoje são coroados com diademas ornados de ouro e pedras preciosas. A
este flamejamento e a esta graça de Deus, o grande Paulo chama de nossa morada
celeste, quando diz: “É neste estado que gememos, desejando vestir nossa morada
que vem do céu, para que sejamos encontrados vestidos e não nus[59]”.
Paulo recebeu de Deus as garantias deste flamejamento divino e desta vestimenta
de luz no caminho de Jerusalém a Damasco[60],
quando, para retomarmos as palavras de Gregório o Teólogo, “antes de ser purificado
das perseguições ele encontrou o Perseguido, ou melhor, um breve lampejo da
grande luz[61]”.
68. A supra-essência divina jamais é mencionada no plural. Mas a graça
de Deus, sua energia divina e incriada, indivisivelmente repartida, à imagem da
irradiação solar, aquece, ilumina, vivifica, faz crescer, leva seu próprio
esplendor àqueles a quem ilumina e aparece aos olhos dos que a veem. Ora, neste
esplendor, que no fundo é como uma imagem obscura, a divina energia de Deus não
é apenas nomeada no singular pelos teólogos, mas também o é no plural, como
quando Basílio o Grande diz: “As energias do Espírito, quais são elas? Sua
grandeza é indizível, sua multitude inumerável. De fato, como poderíamos
conceber o que está além dos séculos? Quais eram estas energias antes da
criação do inteligível?[62]”.
Certamente, ninguém disse nem jamais pensou que antes da criação inteligível e
além dos séculos (pois os séculos são também criaturas inteligíveis) o
esplendor fosse incriado. As potências e as energias do Espírito divino são,
portanto, incriadas, mas a teologia as considera como plurais, inseparavelmente
separadas da essência única e inteiramente inseparáveis do Espírito.
69. Os teólogos, como mostrou acima Basílio o Grande, afirmam que a
energia incriada de Deus é inseparavelmente repartida na pluralidade. Portanto,
o flamejamento divino e deificante – a graça – não é a essência, mas a energia
de Deus. É por isso que ela não se desenvolve apenas no singular, mas também na
pluralidade, uma vez que ela está na medida daqueles que dela participam, e
sendo assim está em maior ou menor grau naqueles que recebem, segundo sua
qualidade própria, o esplendor deificante.
70. Isaías disse que estas energias eram em número de sete. Ora, a
cifra sete, entre os hebreus, significa muitas coisas. Com efeito, ele disse:
“Uma ramo nascerá da raiz de Jessé, e deste ramo nascerá uma flor. Sobre esta
flor repousarão sete espíritos: de sabedoria, de inteligência, de conhecimento,
de piedade, de conselho, de força e de temor[63]”.
Os que tolamente professam doutrinas heréticas sustentam que estes sete
espíritos foram criados. Esta doutrina, já a expusemos e recusamos ampla e
suficientemente em nossas “Refutações[64]”.
Mas Gregório o Teólogo, depois de haver mencionado estas sete energias do Espírito,
diz que lhe agrada chamar de espíritos, como Isaías, às energias do Espírito[65].
E este último, que foi a maior voz dentre os profetas, não apenas mostrou por
meio do número a diferença entre as energias e a essência divina, como também
estabeleceu o caráter incriado destas energias divinas, dizendo que elas
“repousam”. Pois “repousar” é próprio da suprema dignidade. Se as energias
repousam sobre esta carne que é a nossa e que o Mestre assumiu, como poderão
elas ser criaturas?
71. Nosso Senhor Jesus Cristo disse, segundo Lucas, que ele expulsava
os demônios com o dedo de Deus[66];
e segundo Mateus, por meio do Espírito de Deus[67].
O grande Basílio disse que o dedo de
Deus é uma das energias do Espírito[68].
Portanto, se uma destas energias é o Espírito Santo, as demais certamente o
serão também, como ele próprio nos ensinou. Mas isto não significa que existam
numerosos Deus ou numerosos Espíritos. Pois tais manifestações são as
sentinelas, os reveladores e as energias naturais do Espírito único: é o mesmo
Espírito que trabalha em cada energia. Os que professam o erro, dizendo que
estes espíritos são criaturas, rebaixam sete vezes ao grau de criatura o
Espírito de Deus. Que sejam sete vezes confundidos! Pois o Profeta disse ainda
que estes sete espíritos são os olhos do Senhor que observam toda a terra[69].
E quando o Apóstolo escreve no Apocalipse: “Que a graça e a paz lhes sejam
dadas por Deus, dos sete espíritos que estão diante de seu Trono, e de Cristo[70]”,
ele mostra claramente aos fiéis que estes espíritos são o Espírito Santo.
72. Deus Pai, ao anunciar previamente pelo profeta Miquéias que o
Filho único nasceria na carne, e querendo mostrar que sua Divindade não possuía
começo, disse: “Suas origens remontam ao começo, aos dias da eternidade[71]”.
Os Padres divinos explicaram que estas “origens” eram as energias da Divindade.
Trata-se com efeito das potências e das energias do Pai, do Filho e do Espírito
Santo, que aqueles que se esforçam em professar e justificar as opiniões dos
construtores de mentiras proclamam ser criadas. Mas se algum dia eles receberem
a inteligência, deverão se perguntar quem é Aquele que existe desde a origem,
quem é Aquele de quem Davi disse: “Você existe desde a eternidade” (o que
equivale a dizer: “Você existe desde os dias da eternidade”) e “Você existirá
até a eternidade[72]”,
e, neste dia, que eles considerem com inteligência que ao dizer pela voz do
profeta que no começo havia “origens” Deus não disse que elas haviam sido
suscitadas, feitas ou criadas. Basílio, que falava como teólogo no Espírito de
Deus, disse também que as energias do Espírito não haviam sido suscitadas, mas
que elas existiam antes da criação inteligível e além dos séculos. Portanto,
somente Deus é ativo e todo-poderoso desde a origem, uma vez que ele possuía as
potências e as energias anteriores aos séculos.
73. Evidentemente opostos aos santos, os que professam a opinião
contrária[73]
dizem: “O incriado é um, a natureza divina. Tudo o que difere desta, de um modo
ou de outro, é criado”. Logo, eles tornam criaturas o Pai, o Filho e o Espírito
Santo. Pois também a energia dos três é uma. Ora, se a energia de Deus é
criada, ele próprio deixa de ser incriado. Portanto, não é a energia de Deus,
longe disto, mas aquilo que recebe esta energia e se realiza a partir dela que
é criatura. É por isso que o maravilhoso Damasceno ensinou que a energia,
diferente da natureza divina, é também um movimento da essência, vale dizer, um
movimento da natureza divina[74].
Uma vez que é próprio da energia de Deus criar, disse o divino Cirilo[75],
como poderá ela ser uma criatura, a menos que ela tenha sido posta em ação por
outra energia, e esta por outra, e sucessivamente, até o infinito? Nós, ao
contrário, buscamos e proclamamos a causa incriada da energia.
74. Uma vez que a essência divina e a energia divina estão presentes
em toda parte sem ser divididas, a energia de Deus pode ser recebida também por
nós, as criaturas. Pois, segundo os teólogos, elas se dividem sem se dividir,
pois a natureza divina, dizem eles, permanece inteiramente indivisível. É por
isso que nosso Pai Crisóstomo, quando disse quem a gota da graça preencheu de
conhecimento o universo, que por meio dela aconteceram os milagres e foram
absolvidos os pecados, e quando mostrou que esta gota de graça é incriada, logo
se apressou em precisar que ela consiste na energia, mas não na essência. Além
disso, ele lembra a diferença que separa a energia divina da essência divina e
da hipóstase do Espírito, ao escrever: “Eu digo que tal é a parte da energia,
mas o Consolador certamente não foi dividido. A graça divina e a energia não
são menos recebidas por cada um de nós. Pois elas se distribuem sem se dividir.
Mas a essência de Deus, que em si mesma é absolutamente indivisível, como
poderia ela ser recebida por uma criatura?”.
75. Uma vez que existem três caracteres de Deus, a essência, a energia
e as hipóstases divinas da Trindade, aqueles que foram considerados dignos de
se unir a Deus até se tornarem com ele um só Espírito (como disse o grande
Paulo: “Quem se une ao Senhor se torna com ele um só Espírito[76]”,
pois foi dito mais acima que os que são dignos disto não se unem a Deus em sua
essência), e todos os teólogos, atestam que Deus não é participável em sua
essência. A união segundo a hipóstase pertence apenas ao Verbo, o Deus-Homem.
Os que se tornaram dignos de se unir a Deus se unem através da energia. E o
Espírito por meio do qual ele se une a Deus é um com Deus, é e é chamado de
energia incriada do Espírito, mas não de essência de Deus, mesmo que isto
desgoste os que pensam o contrário[77].
Pois Deus predisse através do Profeta: não será meu Espírito, mas “de meu
Espírito, que repartirei sobre aqueles que creem[78]”.
76. Foi dito: “Ao chamado de Deus levantaram-se Moisés e Davi”, e
todos os que receberam a energia divina por se terem despojado das marcas da
carne. E: “Eles se tornaram ícones vivos de Cristo, iguais a ele, mas mais pela
graça do que pela assimilação”. E: “A pureza em Cristo e a pureza nos santos é
a mesma coisa”. E: “O esplendor de nosso Deus está sobre nós[79]”,
como cantou o mais divino dos poetas. Pois “as almas que trazem o Espírito e
são por ele iluminadas se tornam elas próprias – segundo o grande Basílio –
espirituais, e enviam a outras a graça, da qual procedem a presciência do
futuro, a inteligência dos mistérios, a compreensão do que está oculto, a
partilha dos carismas, a cidadania celeste, a ronda com os anjos, o regozijo
que não tem fim, a efusão divina, a semelhança a Deus, o desejo máximo:
tornar-se Deus[80]”.
77. Na ordem desta graça, do esplendor e da união com Deus, os anjos
superam os homens. Por isso eles são “o segundo esplendor, os liturgistas do
esplendor do alto”. E: “As potências
intelectuais e os espíritos litúrgicos[81]
são as luzes segundas, as irradiações da luz primigênia”. E: “Os anjos são a
primeira natureza luminosa após a natureza original, da qual recebem a
irradiação”. E: “Um anjo é uma luz segunda que jorra ou participa da luz
primigênia”. E: “As inteligências divinas, girando em círculos, se unem às
irradiações sem começo nem fim do Deus belo e bom”. “Pois Deus é em si mesmo
luz para os eternos, e nada senão isto”. “Aquilo que é o sol para o sensível, é
Deus para o inteligível. Ele é em si a primeira e mais alta luz que ilumina
toda natureza dotada de razão”. “Mesmo que você ouça a palavra do Profeta: ‘Eu
vi o Senhor sobre seu Trono[82]’,
disse nosso Pai Crisóstomo, não imagine que ele tenha visto esta essência, mas
sim a irradiação de sua compaixão que desce a nós. E ele não viu esta
irradiação mais obscuramente do que a veem as Potências do alto[83]”.
78. Toda natureza está como que afastadíssima da natureza divina e é
totalmente estranha a ela. Pois se Deus é uma natureza, tudo o que não é ele
não poderia ser uma natureza. E se os outros são uma natureza, é ele quem não
é. Também ele não será um ser, se os outros forem seres. E se Deus for um ser,
os outros não o serão. E se admitirmos o mesmo raciocínio em relação à
sabedoria, a bondade, numa palavra, em relação a tudo o que é dito ao redor de
Deus ou sobre Deus, estaremos falando dele corretamente, na mesma linha dos
santos. Deus é e é chamado de natureza de todos os seres, na medida em que
todos participam dele e são constituídos por esta participação nele, não pela
participação em sua natureza, longe disto, mas pela participação em sua
energia. Ele é assim a essência dos seres, a forma das formas – na medida em
que é a própria origem das formas –, a sabedoria dos sábios, numa palavra, o
tudo de todos. E ele não é uma natureza, na medida em que está acima de todas
as naturezas. E ele não é um ser, na medida em que está acima de todos os
seres. E não é uma forma, nem possui uma forma, na medida em que está acima das
formas. Como então poderemos nós nos aproximar de Deus? Será em nos aproximando
de sua natureza? Mas jamais uma criatura, uma sequer, teve ou terá, mesmo que
uma única vez, a possibilidade de entrar em comunhão com a natureza suprema, ou
de se aproximar dela. Portanto, se nos aproximarmos de Deus, esta aproximação
terá sido por meio da energia. Mas como? Participando naturalmente desta
energia? Mas isto é comum a todas as criaturas. Portanto, não é por intermédio
do que está ligado a nós devido à natureza, mas por intermédio daquilo que
provém de uma resolução, que nos aproximamos ou nos afastamos de Deus. A
resolução é característica apenas dos seres dotados de razão. Portanto, apenas
estes, dentre todos os seres, podem estar perto ou longe de Deus, dele se
aproximando ou se afastando por meio da virtude ou do vício. A apenas eles
também recebem a beatitude ou a infelicidade. Quanto a nós, esforcemo-nos para
receber a beatitude.
79. Comparada a outra, uma criatura pode ser considerada unida a Deus
segundo a natureza, ou estranha a ele. Aquilo que está unido à Divindade,
diz-se, são as naturezas intelectuais que somente o intelecto é capaz de captar.
E o que lhe é completamente estranho são as naturezas que captam os sentidos, e
dentre estas aquelas que são inteiramente sem alma e sem movimento são ainda
mais afastadas. Comparadas entre si, as criaturas podem ser chamadas de unidas
a Deus segundo a natureza, ou estranhas. Mas todas as que são por si mesmas
segundo a natureza são estranhas a Deus. Com efeito, é tão impossível dizer o
quanto a natureza intelectual está afastada de Deus quanto dizer o quanto os
sentidos e o sensível estão afastado dos seres intelectuais. É neste ponto que
estamos afastados de Deus por nossa própria natureza, em realidade, para nossa
infelicidade, se, devido a uma nobre resolução de nossa parte, não nos
aproximarmos dele por meio das boas obras e de uma boa conduta.
80. A língua divina e comum aos que pregam a Deus, Damasceno o
Teóforo, diz no segundo de seus capítulos teológicos: “Quem pretende dizer ou
ouvir algo sobre Deus deve saber claramente que nem tudo é indizível e que nem
tudo é dizível, tanto na ordem da teologia como na ordem da economia, assim
como nem tudo é desconhecido e nem tudo é conhecido[84]”.
Mas, sabemos nós, aquilo que é permitido dizer das coisas de Deus ultrapassa a
palavra, na medida em que provém de uma palavra supra-eminente que temos viva
em nós, não exteriormente a esta palavra que nos falta, mas fora de nossa
própria palavra, e que a partir de nós mesmos levamos ao ouvido dos outros.
Pois nem quem interpreta pode se apropriar dela, nem quem se ocupa de tudo são
capazes de alcançá-la. Nem a nós mesmo é permitido dizer seja o que for de
Deus. Mas é permitido aos que dizem em espírito as coisas do Espírito, e também
quando os adversários pedem que lhes dirijamos uma palavra.
81. Diz-se que na porta da academia de Platão estava escrito: “Não
entre aqui se não for geômetra”. Ora, não é geômetra quem não é capaz de pensar
ou dizer que os indivisíveis podem ser divididos. Pois sem o finito, é
impossível que exista um limite. A geometria é quase toda ela um discurso sobre
os limites, que são definidos e traçados sem os corpos finitos, às vezes com
eles, quando o intelecto divide o indivisível. Mas quem ainda não aprendeu em
seu intelecto a separar os corpos das coisas que os cercam, como poderá
compreender quando ouvir falar da natureza em si mesma, que não apenas não pode
ser separada das coisas naturais – por existir nelas – como sequer existe sem
elas. Como compreenderá, quando ouvir falar do universal enquanto universal,
uma vez que este também se encontra no particular, dividido apenas pela
inteligência e a simples razão do particular, ele que é concebido antes do
múltiplo e totalmente sem o múltiplo pela razão verdadeira? Como compreenderá
quando ouvir falar do inteligível e do intelectual? Como compreenderá que cada
inteligência em nós que falamos tenha pensamentos, e que cada um de nossos
pensamentos seja uma inteligência? E como não nos acusará de erro e não nos
refutará, nos acusando de dizer que cada homem possui duas, e mesmo muitas,
inteligências? Quem, a propósito destas noções, não consegue compreender nada
nem dizer nada sobre os indivisíveis capazes de se dividir, como poderá, a
propósito de Deus, dizer ou compreender semelhantemente, uma vez que existem
inúmeras uniões e distinções, assim denominadas pelos teólogos? Mas “as uniões
superam as distinções e as ultrapassam”: elas não as suprimem nem são impedidas
por elas. Em todo caso, os adversários[85]
recusam e são incapazes de conhecer a indivisível divisão e a união divisível
que estão em Deus, quando nos ouvem dizer – em acordo com os santos – que Deus
é ao mesmo tempo incompreensível e compreensível ao mesmo tempo em que
permanece sendo um, incompreensível na sua essência e compreensível pelas
criaturas em suas energias divinas, vale dizer, sua vontade, sua providência,
sua sabedoria que ele dirigiu a nós antes dos séculos, e, para falarmos como o
divino Máximo, seu poder, sua sabedoria e sua bondade infinitas. Quando os
adversários e os que os seguem nos ouvem dizer estas verdades necessárias, eles
nos acusam de afirmar que existem muitos Deuses e muitos incriados, e de fazer
de Deus um ser composto. Pois eles ignoram que Deus é indivisivelmente
dividido, que ele permanece um, mesmo se dividindo, e que nisto ele não conhece
nem multiplicação nem composição.
82. O grande Paulo, a boca de Cristo, o vaso de eleição[86],
aquele que mais claramente levou o nome divino, disse: “Aquilo que Deus tem de
invisível desde a fundação do mundo se deixa ver ao intelecto nas criaturas,
como seu poder e sua eterna divindade[87]”.
Será então a essência de Deus que se deixa ver ao intelecto das criaturas?
Absolutamente. Este é o delírio de espíritos falsos[88],
e antes deles a loucura de Eunomo. Pois este, antes deles e como eles, escreveu
que através das criaturas, o que se deixe ver ao intelecto não é outra coisa
que a essência de Deus. Ora, falta muito para que o Apóstolo divino houvesse
falado a mesma coisa. Depois de haver ensinado que o que é conhecido de Deus é
manifestado, e de haver demonstrado que existe outra coisa, que está além
daquilo que conhecemos de Deus e que o próprio Deus revelou aos que têm
inteligência, ele acrescentou: “O que Deus tem de invisível desde a criação do
mundo se deixa ver ao intelecto nas criaturas”. Assim, é possível saber o que
conhecemos de Deus: os Padres teóforos o explicam. Eles disseram: o que não
conhecemos de Deus é sua essência, e o que conhecemos é tudo o que envolve esta
essência: a bondade, a sabedoria, o poder, a divindade, ou, em verdade, a
grandeza. É isto que Paulo chama de invisível, mas visível ao intelecto das
criaturas. Ora, o que é visível ao intelecto das criaturas e que envolve a
essência de Deus, como poderá isto ser ainda uma criatura? Portanto, a energia
de Deus visível ao intelecto das criaturas é também ela incriada, e ela não é a
essência. Pois ela é suscitada não apenas no singular, mas na pluralidade.
83. “As criaturas permitem conhecer a sabedoria, a arte, o poder, mas
não a essência[89]”,
disse o grande Basílio, replicando Eunomo, que afirmava que a essência de Deus
era representada pelas criaturas. Portanto, a energia de Deus representada
pelas criaturas é também incriada, e ela não é a essência. E os que dizem que a
energia divina em nada difere da essência divina são manifestamente eunomianos.
84. Nas suas “Refutações”, seu irmão teve razão em dizer-lhe com sentimento
fraterno: “Quando consideramos a beleza e a grandeza dos milagres da criação, e
que recebemos destes milagres e de coisas semelhantes outros pensamentos do
divino, damos os nomes que lhes convêm a cada um destes pensamentos que nos
ocorrem. Com efeito, é a partir da grandeza e da beleza das criaturas que
consideramos por analogia o autor da existência. E damos ao Criador o nome de
demiurgo, o chamamos de poderoso, a ele, a quem basta o poder de criar seres
apenas com sua vontade, e o chamamos de justo, porque ele é um juiz íntegro.
Mas compreendemos também que o que prevalece a partir da energia criadora é o
enunciado do nome de Deus, de tal modo que depois de havermos aprendido uma
energia particular da natureza divina, pelo enunciado deste nome, não estejamos
em condições de compreender a essência em si mesma”.
85. Denis o Areopagita, o mais eminente de todos os teólogos que
sucederam aos maravilhosos apóstolos, depois de haver examinado o que distingue
as hipóstases de Deus, disse: “A distinção divina é a processão que a bondade suscita,
uma vez que a união divina cresce e se multiplica além de si mesma pela bondade[90]”.
Ele acrescenta: “Dizemos que a distinção divina consiste nas processões da
Tearquia, suscitadas pela bondade. Pois ela é concedida a todos os seres e
distribui abundantemente as participações a todos os bens, e assim se distingue
primeiramente na união para em seguida crescer na unidade e se multiplicar
inseparavelmente no Um[91]”.
E ele acrescenta ainda: “Nós nos esforçaremos tanto quanto possível para
celebrar estas distinções da divindade, comuns e unidas à divindade em sua
inteireza, ou as processões suscitadas pela bondade[92]”.
Ele mostra claramente aqui que em Deus existe uma outra distinção: não apenas a
distinção das hipóstases, mas a distinção diferente daquela das hipóstases: a
distinção da divindade. Pois a distinção das hipóstases não é a distinção da
divindade. É segundo as processões e as energias divinas que se diz que Deus
cresce e se multiplica. Ele diz que estas processões são a mesma processão que
se desenvolve aqui e agora. Mas por outro lado o divino não se multiplica,
longe disto, nem se separa do próprio Deus. Pois para nós Deus é tríade, e não
triplo. Por fim ele mostra o caráter incriado destas processões e destas energias.
Pois ele as chama de divinas e diz que elas são as distinções da divindade em
sua inteireza, acrescentando ainda que é a própria Tearquia que cresce e se
multiplica por intermédio de suas processões e de suas energias, não por
receber qualquer acréscimo do exterior, longe disto, mas por ordenar que suas
processões sejam celebradas. E ele acrescenta: “tanto quanto possível”. O mais
eminente dos compositores sacros mostra aqui o quanto as processões são
celebradas acima de tudo.
86. O mesmo teofante, depois de haver dito acima que a processão
suscitada pela bondade é uma distinção divina, acrescenta: “As difusões
absolutas estão unidas na origem, segundo a distinção divina[93]”.
Abarcando pelo pensamento as difusões aqui e agora, ele as chamou de processões
e energias de Deus. E acrescentou que elas são absolutas, a fim de que ninguém
pense que elas são resultados, como a essência de cada um dos seres, ou como a
vida sensível que reside nos vivos, ou como a razão e o intelecto nos seres
racionais e inteligentes. Pois como seriam estas qualidades absolutas em Deus
se forem criadas? E como as processões e as difusões absolutas de Deus seriam
criaturas, uma vez que a difusão absoluta está naquele que difunde, como vemos
pela luz?
87. Indo adiante, este grande teólogo celebra estas processões e estas
energias de Deus com outros nomes divinos: ele as denomina participações e
autoparticipações, e mostra, em diversos pontos de seus discursos, que elas
estão acima dos seres e que, preexistindo em Deus numa união supraessencial,
elas são modelos dos seres. Assim, como poderiam elas ser criaturas? Ensinado
então quais são estes modelos, ele prossegue: “Chamamos de modelos às razões – logoi – que em Deus criam os seres, que
preexistem na unidade e que a teologia denomina predeterminações, vontades
divinas e boas que definem e criam os seres: é por meio delas que Aquele que é
mais alto que o ser predeterminou e suscitou todos os seres[94]”.
Como poderiam ser criadas as predeterminações e as vontades criadoras dos
seres? Como não denunciar aqueles que, reduzindo a providência de Deus ao
estado de criatura, considera que estas processões e estas energias são
criadas? Pois a energia que gera o ser,
a vida e a sabedoria, e que, numa palavra, fundamenta e engloba os seres criados,
consiste nas vontades de Deus, estas participações divinas e os dons da bondade
que são a causa de tudo.
88. A participação do ser que existe por si mesmo não participa de
nada em nenhum modo que seja, como ainda afirma o grande Denis: as demais participações,
na medida em que são participações e princípios dos seres, não participam de
absolutamente nada, pois nem a providência participa da providência, nem a vida
participa da vida. Mas na medida em que elas têm o ser, nós dizemos que elas
participam do ser que existe por si mesmo, pois sem ele elas não existiriam,
nem teriam como ser participadas, assim como não pode existir presciência sem
conhecimento. É por isso que as autoparticipações não são absolutamente
criadas. Segundo o divino Máximo, elas jamais começaram a ser. Elas se revelam
em sua essência ao redor de Deus. Elas sempre existiram. Os adversários[95],
que, em sua impiedade, pensam que a vida em si, a bondade em si e as energias
semelhantes sejam seres criados, porque elas participam da denominação comum
dos seres, ao mesmo tempo não percebem que, mesmo que sejam chamadas de seres,
elas estarão ainda acima dos seres, como disse o grande Denis. Em sua
leviandade, aqueles que colocam assim as autoparticipações no nível das
criaturas consideram que também o Espírito Santo é criado, pois o grande
Basílio diz que o próprio Espírito Santo participa dos nomes divinos[96].
89. Se alguém afirmar que apenas a existência em si consiste em
participação, como se fosse a única que não participa de nada mas que é apenas
participada – porque as outras participam dela – saiba que não está concebendo
com inteligência as demais participações. Pois aquilo que vive, ou o que é
santo, ou o que é bom, não é chamado de vivo, santo ou bom pelo simples fato de
existir e de participar da existência em si, mas pelo fato de participar da
vida em si, da santidade em si ou da bondade em si. Ora, a vida em si, ou outra
energia semelhante, não se torna vida em si por participação a alguma outra
vida em si. É por isso que, enquanto vida em si, ela pertence às energias
participadas, não às que participam. Ora, o que não participa da vida mas é ele
próprio participado e que vivifica os vivos, como poderá ser uma criatura? E o
mesmo acontece com as demais participações.
90. O divino Máximo nos diz que a providência que gera os seres
consiste nas processões de Deus, quando escreve em seus Comentários: “As
providências e as bondades criadoras, ou seja, as energias que geram o ser, as
que suscitam a vida e as que suscitam a sabedoria, são inerentes à Mônada das
três hipóstases em suas distinções[97]”.
Ao afirmar que estas energias são numerosas e distintas, ele demonstra que elas
não são por si mesmas a essência de Deus. Pois esta é uma e completamente
indivisível. Mas ao dizer que elas são inerentes à Mônada das três hipóstases
em suas distinções, ele nos sinaliza que elas não são nem o Filho nem o
Espírito Santo. Pois a energia não teria como ser identificada a estas três
hipóstases. Mas ao afirmar não apenas que elas são providências e bondades, mas
ainda que elas são criadoras, ele demonstrou que elas são incriadas. Pois se
não for assim, o que cria será também criado. Ou seja, por algum outro criador,
que, por sua vez, terá sido criado por outro, e assim ao infinito, se levarmos
a coisa até o último grau do absurdo, o que seria inconcebível. Portanto, as
processões e as energias de Deus são incriadas, e nenhuma delas é nem a
essência, nem uma hipóstase.
91. A partir do momento em que Aquele que gerou e qualificou o
universo lhe atribuiu numerosas formas na incomparável abundância de sua
bondade, ele quis também que algumas possuíssem apenas o ser, enquanto outras,
para ter o ser, adquirissem também a vida. Ele quis que umas tivessem parte
nesta vida recebendo também o intelecto, enquanto outras desfrutassem apenas de
uma das duas coisas, e ainda que algumas tivessem em si uma mistura de vida e
inteligência. E dentre estas que receberam dele a vida dotada de razão e de
inteligência, ele quis que, chamando-as para si, elas se descobrissem unidas a
ele e vivessem assim sobrenatural e divinamente, tornadas dignas de sua graça e
de sua energia teúrgicas. Com efeito, sua vontade foi a gênese dos seres, seja
dos que ele tirou do nada, seja dos que ele aperfeiçoou. E tudo diferentemente.
Mas no coração desta diferença da vontade divina a respeito dos seres existe
esta única providência e esta única bondade, que é a compaixão de Deus voltada,
por sua bondade, àquilo que é de mais baixo. Existem numerosas providências e
numerosas bondades, é também o que dizem os teólogos que possuem a sabedoria de
Deus: elas estão indivisivelmente divididas e repartidas em tudo o que é
partilhado. É assim que eles chamam a uma poder previdente de Deus, e à outra
poder criador e englobante, pois, dentre estas, segundo o grande Denis, umas
engendram o ser, outras a vida, outras a sabedoria[98].
E cada uma delas é comum ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. No coração de
cada vontade boa e divina que nos cerca assim, o Pai, o Filho e o Espírito
Santo são a energia que gera o ser, a vida e a sabedoria, às quais ele chamou
também de difusões absolutas[99]
e irredutíveis, retirando-as de tudo o que é criado e ensinando que elas estão
naturalmente Naquele que difunde.
92. Assim como o sol, difundindo irredutivelmente sobre aqueles que
participam de seu calor e luz, possui aí energias inatas e essenciais, também
as difusões divinas, irredutivelmente inerentes Àquele que as difunde, são
energias naturais e essenciais: são elas, portanto, incriadas. Assim é que não
desaparece a impressão da luz solar a quem está sobre a terra quando o sol se
põe sob a terra, e não é possível que o olhar que desfrutou desta claridade não
se tenha misturado a ela e, por meio dela, se unido àquele que espalha esta
luz: então vem o calor que provém dele e tudo o que se realiza por meio deste
calor, na medida em que ele contribui para o nascimento e o crescimento das
coisas sensíveis e para as variadas diferenças de sabores e de qualidades –
nada falta, mesmo às coisas que não estão ligadas ao sol por intermédio dos
seus raios. Da mesma maneira, através da imagem obscura que está nas coisas
sensíveis é possível aos que se voltam para a luz sobrenatural e divina – e
apenas a eles – participar da graça deificante e por meio dela se unir a Deus. Todas as demais coisas são o resultado da
energia criadora: elas são geradas a partir do nada pela graça, vale dizer,
gratuitamente. Mas elas não são iluminadas por esta graça, que é outro nome do
esplendor de Deus.
93. Este esplendor de Deus, esta energia deificante que deifica os que
dela participam, é uma graça divina, mas não é a natureza de Deus. Não que esta
esteja ausente em quem recebe a graça, segundo a tola calúnia dos adversários[100]
– pois a natureza de Deus está em toda parte – mas ela não é participável,
pois, como dissemos, nenhum ser criado é capaz de recebê-la em partilha. Mesmo
a energia divina, a graça do Espírito, presente em toda parte e inseparável
dele, não poderia ser recebida em partilha pelos que, por causa de sua
impureza, estão impróprios para a comunhão: neste caso, a graça está como que
ausente. Pois foi dito: “Assim como a expressão das máscaras de teatro não se
adequa a todas as situações, mas apenas àquelas mais móveis e transparentes,
também a energia do Espírito não se imprime em todas as almas, mas apenas
naquelas que nada têm de tortuoso e enganador”. E ainda: “O Espírito Santo não
está presente em todos. Mas ele revela seu próprio poder aos que se purificam
de suas paixões. E aos que ainda possuem a razão queimada pelas manchas do
pecado, ele não se revela”.
94. Assim como a luz do sol é inseparável da irradiação e do calor que
ela distribui, mas aqueles que não podem ver não conseguem participar desta luz
– estes apenas recebem o calor que provém da irradiação, pois, estando privados
da visão, não conseguem perceber a luz – também, e com mais razão ainda, nenhum
dos que desfrutam do esplendor divino são capazes de participar da essência do
Criador, porque não há criatura capaz de ter o poder que lhe permita receber a
natureza do Criador.
95. Que a divina energia participada não é nem uma energia criada nem
a essência de Deus, é o que para nós testemunham aqui e agora João, que batizou
a Cristo, João, a quem Cristo amou mais do que os outros discípulos[101],
e João, que tinha uma língua de ouro[102].
Um conta e descreve. O outro, Precursor e Batista de Cristo, diz que o Espírito
foi dado a Cristo por Deus Pai sem medidas. Enfim, o que fala como o ouro
explica e descreve: “Está dito que a energia é Espírito. Pois todos recebemos a
energia do Espírito comedidamente. Mas ele, Cristo, possui toda energia
desmedida e integralmente. Ora, se sua energia é desmedida, quanto mais será
sua essência[103]”.
Com efeito, dizer que a energia é Espírito, e em especial o próprio Espírito de
Deus, como disse o Batista, mostra que esta energia, por ser sem medidas, é
incriada. E o fato de que recebemos esta energia comedidamente mostra que a
energia incriada difere da essência incriada. Pois ninguém recebe a essência de
Deus, mesmo que recolha todas as energias conjuntamente: esta graça é recebida
por cada um parcialmente, na razão mesma de sua purificação. Indo além, nosso
Pai João Crisóstomo mostra também outra diferença entre a essência incriada e a
energia incriada, na medida em que diz que “se a energia do Espírito é incriada,
quanto mais o será a essência”.
96. Se, de acordo com as bobagens dos adversários[104]
e dos que pensam como eles, a energia divina em nada difere da essência de
Deus, a criação, que é apanágio da energia, em nada diferirá da geração e da
ecporese[105],
que são o apanágio da essência. E, se criar não é outra coisa que engendrar e
suscitar a ecporese, as criaturas em nada se diferenciarão do que foi
engendrado e do que foi projetado. Enfim, se as coisas forem como eles dizem, o
Filho de Deus e o Espírito Santo em nada diferirão das criaturas. Todas as
criaturas terão sido engendradas e projetadas por Deus Pai, a criação será
deificada e Deus será colocado entre as criaturas. É por isso que o divino
Cirilo, ao mostrar a diferença entre a essência de Deus e a energia, disse que
a geração é própria da natureza divina e que a criação é própria de sua
energia. E ele acrescenta claramente: “A natureza e a energia não são a mesma
coisa[106]”.
97. Se a essência de Deus não diferir em nada da energia divina, a
geração e a ecporese em nada diferirão da criação. Deus Pai criou pelo Filho no
Espírito Santo. Assim, segundo a opinião dos adversários e dos que pensam como
eles, Deus engendra e suscita a ecporese, pelo Filho, no Espírito Santo.
98. Se a essência de Deus em nada difere da energia divina, ela
tampouco difere da vontade. E o Filho único nascido da essência do Pai teria
sido, segundo eles, ao que parece, criado por sua vontade.
99. Se a essência de Deus em nada difere da energia divina, enquanto
que na verdade os Padres teóforos atestam que Deus possui em si inúmeras
energias, como, por exemplo, suas providências e suas bondades criadoras, como
demonstrado acima, então Deus possui muitas essências: e isto ninguém que traga
em si o nome de Cristo jamais disse nem jamais pensou.
100. Se as energias de Deus em nada diferirem da essência divina, elas
também não apresentarão diferenças entre si. Portanto, a vontade de Deus não
será diferente da sua presciência. Desta forma, ou bem Deus não conhece tudo
previamente, por que não deseja tudo o que acontece; ou bem, se conhece tudo
previamente, deseja também o mal. Mas se ele não conhece tudo com antecedência,
isto equivale a dizer que ele não é Deus. E se ele não é bom, isto equivale
também a dizer que ele não é Deus. Portanto, a presciência deve diferir da
vontade divina. Por conseguinte, também a essência divina diferirá destas
energias.
101. Se as energias divinas não apresentam diferenças entre si, então
a energia criadora não se distinguirá da presciência. Desde o momento em que
Deus começou a criar, ele começou também a conhecer por antecipação. Pois como
seria ele Deus se não conhecesse tudo antes dos séculos?
102. Se a energia criadora de Deus em nada difere da presciência
divina, as criaturas andarão de par com a presciência de Deus. Elas terão sido
criadas fora de todo começo, como ele próprio criou antes de qualquer começo.
Pois ele conhecia tudo antes do começo: o que é conhecido previamente é
conhecido antes do começo. Como seria ele Deus se suas criaturas não viessem
depois dele?
103. Se a energia criativa não se diferenciar em nada da presciência
de Deus, criar não dependerá da vontade, uma vez que tampouco da presciência
dependerá dela. Pois não será Deus a criar por sua vontade, mas apenas a
natureza. E como seria ele Deus se não pudesse criar somente com sua vontade?
104. De um lado, Deus permanece em si mesmo. Assim, as três hipóstases
divinas estão conjuntamente na união eterna e envolvem umas às outras numa
pericorese sem confusão. Por outro lado, Deus está no universo, e o universo
está em Deus. Deus, porque o contém; e o universo, porque nele está contido.
Assim, o universo participa da energia englobante, mas não da essência de Deus.
E os teólogos dizem que, se Deus está em toda parte, é devido à sua energia.
105. Os que agradaram a Deus e que alcançaram aquilo pelo que foram
criados – ou seja, a deificação – dizem que Deus nos fez para que possamos
comungar com sua própria Divindade[107].
Tais homens estão em Deus, porque foram deificados por ele, e Deus está neles,
pois foi ele quem os deificou. A partir daí, eles também participam da energia
divina, mesmo que de outra maneira, mas não da essência de Deus. É por isso que
os teólogos dizem que a divindade é o nome da energia divina.
106. A natureza mais alta do que o ser, mais do que viva, mais do que
divina e mais do que boa, se ela for mais do que boa, mais do que divina e tudo
o mais, não poderá nem ser nomeada, nem concebida, nem contemplada de modo
algum, uma vez que, separada de tudo, ela é mais do que desconhecida, levada
por uma potência inalcançável acima das inteligências mais do que celestes, e,
para todos, totalmente incompreensível e completamente indizível para sempre.
Pois não existe nome que a possa denominar neste século presente ou no século futuro[108].
Não existe palavra que a possa suscitar na alma ou proferi-la pela língua. Não
há contato ou participação, sensível ou intelectual, nem imaginação qualquer
que a possa captar. É por isso que os teólogos acrescentam a ela a mais total
incompreensibilidade expressa pelas apofases[109],
porque ela apaga com sua transcendência tudo o que existe e tudo o que pode ser
nomeado. Portanto, não é permitido a quem nomeia propriamente falando, chamar
de essência ou natureza a esta natureza mais alta do que o ser, desde que ele
reconheça a verdade que está acima de toda verdade. Porque está é, de resto, a
origem de tudo, tudo gira ao redor dela, tudo existe por ela, ela existe antes
de todas as coisas, ela preparou todas as coisas em si mesma simplesmente e sem
limites, e é apenas abusivamente, mas não propriamente, que ela pode ser
nomeada a partir de tudo. Devemos antão chamá-la essência e natureza e
propriamente processão e energia de Deus criadoras dos seres. Pois esta é a
real denominação do ser em si, conforme disse também o grande Denis[110].
107. Podemos encontrar a denominação de natureza igualmente aposta aos
atributos naturais, tanto para os seres criados quanto para Deus, como disse
Gregório o Teólogo em seus escritos: “A natureza de meu mestre consiste em oferecer
a felicidade”. Pois dar não consiste na natureza de qualquer um, mas é um
atributo natural do benfeitor. É como com o fogo: podemos dizer do fogo que sua
natureza consiste em subir e em levar a luz aos que veem. Mas para o fogo sua
natureza não está no movimento, nem na criação, mas na origem do movimento.
Também denominamos natureza às coisas naturais, como o próprio Denis afirma ao
escrever: “A natureza consiste em conduzir ao bem e em salvar”. Isto equivale a
dizer que a salvação está naturalmente ligada ao bem. Assim, quando ouvimos ao
Padres dizer que a essência de Deus não pode ser participada, devemos
considerar que ela não pode nem se dividir, nem se manifestar. E quando ouvimos
dizer que ela é participável, devemos considerar que se trata da processão, da
manifestação e da energia, que estão naturalmente ligadas a Deus. Amando a
ambas – a essência e a energia – estaremos de acordo com os Padres.
108. Uma parte da essência – ainda que a mais ínfima – contém em si
todas as potências desta. Como a chama, ela é luminosa e ilumina: esta
distingue e queima os que dela se aproximam, e, por sua própria natureza, se
move sozinha e se eleva ao alto: numa palavra, a chama é tudo o que o fogo é, e
não uma parte. Da mesma forma, a gota traz em si todas as propriedades da água
da qual é feita. E o lingote contém todas as propriedades do metal de que é
feito. Portanto, se participamos da essência não-manifestada de Deus, seja da
essência como um todo ou de parte dela, sermos todo-poderosos. Cada ser será,
portanto, todo-poderoso: e isto nem todos juntos podemos ser, ainda que
afirmemos abarcar toda a criação. É o que Paulo demonstra sobejamente: ele
atesta que a totalidade dos carismas do Espírito não se liga a cada um que
obtém um desses carismas deificantes: “Mas a um, diz ele, foi dada uma palavra
de sabedoria, a outro uma palavra de conhecimento, a um terceiro outro carisma,
segundo o mesmo Espírito[111]”.
Nosso Pai Crisóstomo, denunciando com antecedência e clareza o erro dos
adversários[112],
afirmou que “não recebemos todos os carismas para que não creiamos que a graça
é uma natureza”. Mas ninguém dotado de inteligência pensará que a graça da
natureza divina, tal como a distinguimos aqui, seja criada. Não há o menor
perigo que isto aconteça: é impensável que a criatura seja a natureza de Deus.
Ora, se a graça do Espírito é diferente da natureza divina, ela não pode ser
separada dela, mas antes conduz à união com o Espírito de Deus aqueles que se
tornaram dignos disto.
109. A essência possui tantas hipóstases quantas pessoas que dela
participam. Pois quanto mais lâmpadas forem acesas a partir de uma primeira,
mais hipóstases do fogo serão suscitadas nelas. Decorre daí, portanto, que, se
a essência de Deus é participável, como sustentam os adversários – e todos eles
dizem a mesma coisa – esta essência não possui apenas três hipóstases, mas
miríades delas. Quem, dentre os que se nutriram dos dogmas divinos, não
reconhecerá aí a opinião dos Messalianos, a saber, que aqueles que chegam ao
extremo daquilo a que eles chamam virtudes participam da essência de Deus?
Nossos adversários[113],
que se vangloriam de ir ainda além nesta blasfêmia, dizem, por um motivo
totalmente insensato, que não apenas aqueles que se distinguiram dos homens
pela virtude, mas absolutamente todos os homens, participam da essência divina:
esta estaria presente em toda parte. Gregório, o grande teólogo, derrubando as
opiniões aberrantes de uns e outros, disse: “Aquele que foi ungido – Cristo – o
foi por intermédio da divindade. Pois esta é a unção da humanidade. Ora, não
foi por sua energia que ela santificou a Cristo, como no caso dos demais
ungidos, mas pela presença Daquele que ungiu, inteiramente[114]”.
Os Padres, que tinham a sabedoria dada por Deus, mostraram também, de comum
acordo, que a divindade habita naqueles que se purificaram, mas não como se
eles a possuíssem por natureza. Portanto, não é nem segundo a essência, nem
segundo uma hipóstase que participamos de Deus. Pois nem uma nem outra se
divide em absoluto, nem se transmite a ninguém de modo algum. É por isso que,
neste sentido, Deus é absolutamente inacessível, mesmo que, por outro lado,
esteja presente em toda parte. Mas a energia e a potência que são comuns às
três hipóstases da natureza divina são partilhadas de maneira diferente e
apropriada dentre aqueles que participam: é por isso que elas são acessíveis
aos que receberam a graça. Pois o Espírito Santo, como disse o grande Basílio,
“não é participado numa só medida pelos que são dignos dele, mas ele distribui
a energia na proporção da fé. Simples por essência, ela é múltipla em suas
potências[115]”.
110. Aquilo do qual se diz participar de alguma coisa deve ter em si
uma parte daquilo de que participa. Com efeito, se participarmos, não de uma
parte, mas da totalidade de uma coisa, podemos dizer que a possuímos, mas não
que participamos dela. Aquilo que é participado é, portanto, sempre parcial,
pois necessariamente aquilo que participa só pode fazê-lo em parte. Ora, a
essência de Deus é absolutamente indivisível: portanto, ela é igualmente imparticipável.
A distribuição é apanágio da energia divina, como o declara nosso Pai
Crisóstomo em numerosas passagens de seus discursos. Assim, é ela que é dada em
partilha aos que se tornaram dignos da graça teúrgicas. Ouça sua língua de ouro
ensinar claramente estas duas coisas: “É a energia, não a essência, que é
indivisivelmente dividida e participada; não a essência, que é imparticipável,
e da qual procede a divina energia”. E, citando de início estas palavras da
Escritura: “Nós todos recebemos de sua plenitude[116]”,
ele acrescenta: “Com efeito, se dividimos e deixamos de dividir o fogo, cuja
divisão consiste numa essência e num corpo, quanto mais dividiremos e
deixaremos de dividir a energia, esta energia saída de uma essência incorpórea[117]”.
111. E ainda: “Participar de algo em sua essência implica a
necessidade comum de possuir em si a essência do participado e de ser de algum
modo a mesma essência. Mas quem jamais ouviu dizer que a essência de Deus e a
nossa sejam a mesma?”. E isto, pela boca do grande Basílio: “As energias de
Deus descem até nós, mas sua essência permanece inacessível[118]”.
Também o divino Máximo disse: “Tudo o que Deus é, sê-lo-á aquele que foi
deificado pela graça, com a exceção da identidade segundo a essência”.
Portanto, mesmo os que foram deificados pela graça divina não podem tomar parte
na essência de Deus. Mas a eles é possível participar da energia divina. “Pois
é a ela diz Gregório o Teólogo, que me leva o modesto brilho de verdade que me
foi dado aqui em baixo: ver e experimentar o esplendor de Deus[119]”.
E: “O esplendor de nosso Deus está sobre
nós[120]”,
disse o profeta salmista. E Máximo, glorioso entre todos, escreveu
precisamente: “A energia de Deus e a dos santos são a mesma energia”. E: “Os
santos são ícones vivos de Cristo, um só ser com ele, mas mais pela graça do
que por assimilação”.
112. Deus é idêntico a si mesmo, uma vez que as três hipóstases
divinas estão umas nas outras e se envolvem mutuamente de uma forma total,
eterna e inseparável, mas também sem mistura e sem confusão, pois sua energia é
uma, coisa que não se pode encontrar em nenhuma criatura. A energia, com
efeito, é semelhante em seres da mesma raça, mas é própria a cada pessoa quando
esta age por si mesma. Ora, não é o que acontece com estas três hipóstases
divinas e adoradas. Pois aí existe em verdade uma só e mesma energia. Suscitada
pela causa primeira que é o Pai, desdobrando-se no Filho e se manifestando no
Espírito Santo, o movimento da vontade divina é um. Isto é evidente se
observarmos os efeitos. Pois aqui toda energia natural é conhecida. Não é um
casulo semelhante, mas outro casulo que produz outra borboleta, outra página
escrita por outro escritor, mesmo que o casulo e a página sejam constituídos
pelos mesmos elementos. Assim é com o Pai, o Filho e o Espírito Santo: cada
hipóstase provoca um efeito que lhe é próprio. Mas tudo o que é criado pelos
três constitui uma só e mesma obra. É a partir desta criação que os Padres nos
fazem compreender que a energia divina é uma só e mesma energia nas três
pessoas, que ela não é particular a nenhuma delas, e que ela é semelhante em
todas.
113. Uma vez que o Pai, o Filho e o Espírito Santo estão uns contidos
nos outros sem confusão nem mistura, sabemos que seu movimento e sua energia
são estritamente únicos: a vida ou a potência que o Pai contém em si não é
outra que a do Filho, na medida em que o Filho contém em si a mesma vida e a
mesma potência. E o mesmo acontece com o Filho em relação ao Espírito Santo. Mas
os que pensam que não existe diferença alguma entre a essência de Deus e a
energia divina – por que nossa vida não é outra coisa que o próprio Deus, por
que ele não existe em função de outra coisa, mas existe por si mesmo uma vida
anterior aos séculos – estes são ímpios e ignorantes. São ignorantes, por que
não aprenderam que a Trindade suprema não é outra senão o próprio Deus, e que
nada impede de distinguir a Unidade na Trindade. E são ímpios, por que destroem
uma contra a outra a essência e a energia. Pois existir em função de outro não
constitui uma essência, e ser por si mesmo não é a mesma coisa que existir em
função de algo outro. Assim, se a essência e a energia em nada diferem uma da
outra, elas destroem uma à outra. Ou melhor, elas excluem do número dos que
veneram a Deus aqueles que dizem que elas não diferem em nada.
114. Mas nós, nós confessamos que nossa vida segundo a causa e a
energia é o Filho de Deus. E dizemos que é ele mesmo a vida em si, e que ele
traz ambas – a vida em si e a nossa vida – no incriado, de modo irredutível e
absoluto. O mesmo acontece com o Pai e o Espírito Santo. Esta vida nossa, que
nos vivifica como causa dos vivos, não é outra coisa que o Pai, o Filho e o
Espírito Santo. É segundo a causa que nosso Deus em três Pessoas é chamado de
nossa vida. Ora, se a vida divina, tal como a teologia a considera, não existe
nem segundo a causa nem em função de algo outro, mas existe absolutamente e em
si mesma, ela não é outra coisa senão o Pai, nem outra coisa que o Filho e o
Espírito Santo. Isto não se opõe aos que pensam que Deus é incriado não apenas
em sua essência e suas hipóstases, mas também na energia divina comum aos três.
Pois nós afirmamos teologicamente que existe um único Deus em três hipóstases,
e que, portanto, uma é a essência, uma a potência, uma a energia e tudo o mais
que possa haver ao redor da essência: é o que a Escritura chama de coesão e
plenitude da Divindade[121],
que a teologia considera como as mesmas para cada uma das três santas
hipóstases.
115. Os que recusam esta energia divina dizendo ora que ela é criada,
ora que ela não difere em nada da essência de Deus, inauguram uma nova
impiedade, ensinando que existe apenas uma única energia incriada, o Filho
único do Pai. Pretendendo impor esta opinião, eles acusam as ideias de são
Cirilo, a saber: “A vida que o Pai contém em si não é outra coisa que a do
Filho, e a vida que está no Filho não é outra que a do Pai, conforme é verdade
o que foi dito: ‘Eu estou no Pai, e o Pai está em mim’[122]”.
Na medida em que isto nos for possível, mostraremos agora o que quis dizer o
Santo com estas palavras, e denunciaremos a impiedade daqueles que nos
contradizem a partir de suas confusas trevas. Aos que afirmam falsamente que o
Filho não apenas não é semelhante ao Pai, mas que veio depois do Pai – uma vez
que não é pela natureza que ele vive e tem a vida – mas que a vida lhe foi dada
por participação e adjunção, e que a recebeu do Pai, conforme está escrito:
“Assim como o Pai tem a vida em si, ele concedeu ao Filho que tivesse a vida em
si[123]”,
a estes, que compreendem de forma ímpia esta passagem do Evangelho, o divino
Cirilo replica: “Deus é chamado de vida segundo a energia, na medida em que ele
vivifica os vivos. Pois ele próprio é a vida dos que vivem segundo a natureza,
uma vez que ele é o Criador da natureza. Mas ele também é a vida dos que vivem
divinamente, por que é ele quem dispensa a graça. Mas ele próprio é também
chamado de vida em si, não em vista de outra coisa, mas de modo livre e
absoluto[124]”.
Demonstrando que o Filho em nada difere do Pai segundo cada uma destas duas
vidas, e que o Filho recebeu do Pai, o divino Cirilo mostra que o Filho não vem
depois do Pai, nem é segundo no tempo, e diz, entre outras coisas: “Ele não
possui o ser por receber algo, mas ele recebe algo por que ele é[125]”.
Concluindo, ele acrescenta: “Receber algo do Pai não obriga o Filho e a ser em
realidade segundo no tempo”. Aqui ele admite que a vida que o Pai possui e que
o Filho recebe do Pai não constitui a essência.
116. O divino Cirilo mostra
ainda que se o Filho de Deus é chamado, em sua energia, vida para os vivos, uma
vez que ele os vivifica e é chamado de sua vida, nisto ele em nada difere do
Pai, pois sua natureza consiste em ser sua vida e em vivificá-los como o faz o
Pai. Indo adiante, ele escreve: “Se o Filho não for a vida segundo a natureza,
como será verdade: ‘Quem crê em mim terá a vida eterna[126]’,
e ‘Minhas ovelhas ouvem a minha voz e eu lhes dou a vida eterna[127]’?”.
E ele acrescenta: “Desde que ele prometeu dar a vida aos que creem nele[128],
vida esta que está ligada a ele por natureza e que nele está em essência, como
será possível entender aqui que o Filho não possui esta vida e que a recebe do
Pai?[129]”.
Sejam, portanto, confundidos os insensatos que, ouvindo dizer que a vida está
ligada a Deus naturalmente, afirmam que ela é sua própria essência. Pois não é
sua essência que o Pai, ou o Filho, ou o Espírito Santo nos dão, a nós os
fiéis. Longe de nós esta impiedade.
117. Continuando, o grande Cirilo não se opõe menos aos que professam
os pensamentos do adversário[130].
Prosseguindo, ele diz: “O Filho traz em si, por natureza, provindo do Pai, tudo
o que o Pai possui. Ora, a vida é um dos atributos do Pai”. Assim, ao dizer “um
dos atributos do Pai”, ele mostra claramente que estes atributos são numerosos.
E se a vida for a própria essência de Deus, para os que pensam assim, Deus terá
numerosas essências. Mas afirmar que o ser e os atributos são a mesma coisa,
ainda que isto fizesse algum sentido, não deixa de ser, além de uma impiedade,
um excesso de ignorância. Dizer que o ser e os atributos não diferem em nada é
ainda mais insensato do que dizer que a unidade e a multiplicidade são a mesma
coisa. Pois é impossível e irrazoável que uma coisa possa ser ao mesmo tempo
uma e plural.
118. O divino Cirilo, ao dizer que a vida é um dos atributos do Pai,
deixa claro aqui que ele não chama a essência de Deus de vida. Acompanhemo-lo,
quando ele diz que tais atributos de Deus são numerosos. Aprofundando a
questão, são Cirilo afirma: “Foi dito que o Pai possui como atributos numerosas
qualidades. Mas o Filho tampouco está desprovido delas[131]”.
Como poderão estes numerosos atributos de Deus constituir a essência divina?
Citando algumas destas qualidades que são os atributos do Pai, ele cita Paulo,
que disse: “Ao Deus incorruptível, invisível, o único sábio[132]”.
Por aí fica demonstrado, definitivamente, que nenhum dos atributos de Deus é
sua essência. Pois como a essência poderia ser incorruptível ou invisível, ou
seja, atributos privativos ou negativos, tomados em conjunto ou separadamente?
Com efeito, não existe essência que não esteja ligada a um ou muitos atributos
reais. Quanto a estes atributos de Deus, classificados de maneira afirmativa
pelos teólogos, nenhum deles representa a essência de Deus, mesmo que, por
necessidade, nos sirvamos de todos estes nomes para designar esta
supra-essencialidade que é absolutamente sem nome.
119. É preciso buscar ao que se ligam os atributos. Se eles não
estiverem ligados a nada, tampouco serão atributos. Mas se os atributos
estiverem ligados a uma coisa e esta coisa for a essência, esta não diferirá
deles, nem de cada um deles, nem deles todos. Se esta única essência possuir
numerosos atributos, existirão aí numerosas essências. Aquilo que é um por
essência se tornará plural em sua essência: haverá assim numerosas essências, e
aquilo que possui numerosas essências é necessariamente composto. O divino
Cirilo, refutando os que se deixam persuadir por estas ignorâncias ímpias, diz
em seus Tesouros: “Se o que existe
apenas por Deus é sua essência, ele, para nós, será composto de muitas essências.
Pois numerosas são as coisas que existem naturalmente apenas por ele e por
nenhum outro ser. As divinas Escrituras dizem dele ser ele o Rei, Senhor,
incorruptível, invisível. E lhe atribuem ainda outros nomes. Se cada um destes
atributos for classificado na ordem da essência, como poderá Aquele que é
simples não ser também composto? Conceber tal coisa é completamente absurdo”.
120. Cirilo, que possuía a sabedoria do divino, depois de ter dito em
várias passagens de seus escritos que, se o Filho é a vida e se se diz que ele
possui a vida segundo a energia – uma vez que ele nos vivifica – nisto ele não
será distinto do Pai, por que também o Pai vivifica. São Cirilo quer mostrar
com isto que se o Filho não existe em função de algo outro, é por que ele existe
de modo livre e absoluto a vida e por que ele possui a vida. Assim, não é pela
vida que ele é distinto do Pai. Com efeito, quando não chamamos a Deus de nossa
vida por que ele nos vivifica, mas o chamamos assim livre e absolutamente, nós
nomeamos sua essência a partir da energia que está ligada a ele por natureza. O
mesmo acontece com a sabedoria, a bondade e todos os demais atributos.
Demonstrando isto, ele diz: “Quando dizemos que o Pai tem em si a vida, é ao
Filho que estamos chamando de vida. O Filho só é distinto do Pai por sua
hipóstase, mas não pela vida. Por isso nenhuma composição ou dualidade é
concebível nele. E quando, reciprocamente, dizemos que o Filho possui a vida em
si, chamamos esta vida de Pai, concebida de modo absoluto. Pois o Pai, que não
existe em função de outra coisa, mas existe livremente por si próprio, e o
Filho, estão contidos um no outro. O Filho disse: ‘Eu estou no Pai, e o Pai
está em mim[133]’.”.
Estas são as palavras do divino Cirilo, ao mostrar que a vida contida no Pai,
ou seja, o Filho, é de certa maneira outra coisa e não é outra coisa do que o
Pai. Mas os que dizem que a vida que está nele não é absolutamente outra que
ele, e que ela é a mesma em tudo, por não ser em nada diferente, estes, ao
sustentar que esta vida é o Filho único do Pai, necessariamente não estão
conduzidos pelos ensinamentos do divino Cirilo, mas pelos de Sabélio
121. Mas ao tentar colocar o grande Cirilo em contradição consigo
mesmo, os que seguem os adversários[134]
atraem sobre si a maior condenação. Pois dizer ora uma coisa, ora outra, sendo
as duas coisas verdadeiras, é típico de todo teólogo que se exprime com
piedade. Mas dizer por si mesmo coisas contraditórias não é típico de quem
possui inteligência. Pois como é possível que aquele que afirmou que o Filho
tem por natureza a vida que concede aos que nele creem, e que mostrou com isto
que não apenas a essência de Deus – que ninguém recebe – mas também a energia
segundo a natureza são chamadas de sua vida (esta vida que os santos
vivificados por ele receberam na graça, a ponto de serem capazes de salvar por
si mesmos, ou seja, de imortalizar no Espírito aqueles que antes não viviam no
Espírito e de ressuscitar criaturas mortas em um de seus membros ou de corpo
inteiro), como será possível que aquele que demonstrou isto correta e
sabiamente poderia em seguida, para suprimir esta energia divina, chamar de
vida a essência de Deus, como afirmam tolamente os que distorcem suas palavras
e o caluniam?
122. Não é apenas o Filho de Deus, mas também o Espírito Santo que é
chamado pelos santos de energia e potência. Mas eles possuem exatamente as
mesmas potências e as mesmas energias que o Pai, uma vez que Deus, segundo o
Grande Deus, é chamado de Potência, por que a traz em si desde sempre e
transcende ainda todo poder[135].
Por isso o Espírito Santo, quando é chamado de potência e energia em sua
hipóstase, contém em si cada uma das hipóstases que com ele fala e escuta,
conforme disse o grande Basílio: “O Espírito Santo é a potência vivificante,
que em si é inerente à essência, à existência e à hipóstase[136]”.
Quanto às demais potências que provêm do Espírito, ele mostra que elas não
existem todas em uma hipóstase. É claro que aí ele distingue as potências das
criaturas. Os seres que provêm do Espírito vêm numa hipóstase, mesmo sendo
criaturas, uma vez que Deus suscitou os seres criados.
123. A teologia negativa não se opõe à teologia afirmativa, nem a
suprime. Ela mostra que aquilo que afirmamos a respeito de Deus é verdadeiro e
é dito com piedade, mas que Deus não possui seus atributos como nós. Por
exemplo: Deus, como nós, possui o conhecimento dos seres. Mas nós o temos como
um conhecimento dos seres que existem e que existiram, enquanto com Deus as
coisas não se passam assim, pois ele já conhecia estes seres antes mesmo de seu
nascimento. Em todo caso, aquele que diz de Deus que ele não conhece os seres
enquanto seres, não se opõe ao que diz que Deus conhece os seres e que os
conhece como tais. Existe igualmente uma teologia afirmativa que tem a mesma
faculdade da teologia negativa, como quando é dito que todo conhecimento se
refere a um dado objeto, ou seja, àquilo que é conhecido. Mas o conhecimento de
Deus não se refere a nenhum objeto. Isto equivale a dizer que Deus não conhece
os seres enquanto seres, e que, portanto, ele não tem o conhecimento dos seres
como nós o temos. Extrapolando neste sentido, podemos afirmar que Deus é o
não-ser. Mas quem afirma isto para mostrar que não falam corretamente os que
dizem que Deus é, não está usando a teologia negativa por extrapolação, mas por
falta, como se Deus não existisse na realidade. Existe aí um excesso de
impiedade, da qual sofrem, aliás, aqueles que, por meio da teologia negativa,
tentam suprimir a essência e a energia incriada tais como Deus as tem. Quanto a
nós, longe de suprimir uma pela outra, apreciamos as duas, confirmados que
somos por uma e outra na piedade.
124. Penso que basta uma breve palavra dos Padres para derrubar
totalmente as futilidades dos adversários[137]
e mostrar que elas não passam de um vasto falatório. Pois está dito: “O que não
tem começo, o começo e o que existe com o começo são um só Deus. Mas o começo
não é separado daquilo que não tem começo pelo fato de ser o começo. Pois o
começo não é a natureza de um, assim como o não começo não é a natureza do
outro. O começo e o não começo envolvem a natureza, mas não são a natureza”. E
então? Pelo fato de o começo e o não começo não serem a natureza, mas
envolverem a natureza, diremos que eles são criados? Isto seria tolice. Mas, se
o começo e o não começo fossem incriados e fossem por natureza atributos de
Deus, então seria Deus composto? De modo algum. Pois os atributos não diferem
da natureza divina. Ao contrário, se os atributos naturais de Deus fossem sua
natureza, então o divino seria composto: é o que ensina o grande Cirilo, junto
com os outros Padres. Mas você, mostre-me os escritos que o grande Basílio e
seu irmão endereçara, a Eunomo, mostrando sentimentos fraternais em relação a
ele. Aí você encontrará aqueles que seguem os adversários[138]
e concordam com Eunomo, e você terá amplamente com que os refutar.
125. Para os Eunomistas que pensam que a essência do Pai e a do Filhos
não são as mesmas, por que consideram que tudo o que é dito de Deus é dito da
essência, e que sustentam que as essências são diferentes por que existe uma
diferença entre engendrar e nascer, e para os que dizem que não é o mesmo Deus
que tem a essência divina e a energia divina, por que acreditam que tudo o que
se diz de Deus é essência, e que sustentam que existem muitos Deuses
diferentes, por que existe uma diferença entre a essência e a energia divina:
para uns como para outros, mostramos que tudo o que é dito a respeito de Deus
não é dito segundo a essência, mas é dito de maneira relativa, ou seja, em
vista daquilo que ele próprio não é. Assim, o Pai é chamado em função do Filho,
pois o Filho não é o Pai. Da mesma forma, o Senhor é denominado em função da
criação submetida. Pois Deus domina os que existem no tempo e no século, e os
próprios séculos. Ora, dominar pertence à energia incriada de Deus, que difere
da essência, por que ela é denominada em função de outra coisa que não é ela
mesma.
126. Os Eunomistas afirmam que tudo o que é dito sobre Deus é
essência. Assim, eles têm como doutrina que a essência consiste no não gerado.
A partir daí, ao menos no que lhes concerne, como o Filho é distinto do Pai,
eles o reduzem ao estado de criatura. Justificam dizendo que não pode existir
dois deuses: o primeiro, não gerado, e o segundo, posterior a ele, gerado. À
imitação dos Eunomistas, nossos adversários afirmam que tudo o que é dito sobre
Deus é essência, a fim de reduzir, eles também, de maneira ímpia, a energia ao
estado de criatura, que não é separada mas que difere da essência de Deus na
medida em que procede desta, e que é participada pelas criaturas. Pois foi dito
que tudo participa da providência, tal como ela emana da Divindade que é causa
de tudo. E eles justificam dizendo que não é possível haver duas divindades: a
essência em três pessoas, além de qualquer designação, de toda causa e de toda
participação, e a energia de Deus, que provém da essência, e que é participada
e nomeada. Pois eles não veem o seguinte: como Deus Pai é chamado de Pai em
função de seu próprio Filho, e como ser Pai pertence à ordem do incriado, mesmo
que ser Pai não significa a essência, terá Deus a energia de modo incriado,
mesmo que a energia seja distinta da essência. Quando nós falamos de uma só
Divindade, dizemos que tudo é Deus: a essência e a energia. São eles que
dividem de maneira ímpia a Divindade única de Deus em criada e incriada.
127. O acidente é aquilo que aparece e desaparece, uma vez que mesmo
no invisível encontramos acidentes. O atributo natural, na medida em que cresce
ou diminui, é também de certo modo um acidente: por exemplo, o conhecimento, na
alma dotada de razão. Mas não há nada disto em Deus, pois ele permanece
imutável, pelo fato de que nele nada pode ser tratado como acidente.
Entretanto, nem tudo o que é dito a respeito de Deus se refere à essência. Pois
é possível dizer que também Deus existe em função de alguma coisa: isto indica
um sentido relativo e indica relações com outra coisa, mas não essências. É o
que acontece com a energia divina em Deus. Pois ela não é nem a essência nem um
acidente, mesmo que os teólogos a chamem assim de certa maneira, apenas para
mostrar que ela está em Deus, mas não é a essência.
128. Temos ainda o seguinte: a energia divina, mesmo se for um
acidente, como se usa dizer, está contemplada em Deus e não implica composição.
É o que nos ensina Gregório o Teólogo quando escreve sobre o Espírito Santo: “O
Espírito Santo, diz ele, pertence ou bem ao que existe em si, ou bem àquilo que
é considerado em outro. Os que são capazes de falar disto dizem que a primeira
ordem é a da essência, e a segunda a do acidente. Mas se acidente existe, este
é a energia de Deus. Como poderia ser outra coisa? Ou de quem? Pois, desta
maneira, este acidente escapa à composição[139]”.
Ele diz claramente que aquilo de que está falando pertence ao que é contemplado
em Deus, e que não se trata da essência, mas de um acidente a que ele dá o nome
de Espírito. Não é possível que este acidente seja outra coisa do que uma
energia de Deus. É o que ele mostra ao dizer: “Como poderia ser outra coisa? Ou
de quem?”. Estabelecendo desde logo que nada senão a energia – nem a qualidade,
nem a quantidade, nem nada semelhante – pode ser considerado em Deus, ele
acrescenta: “Pois, desta maneira, este acidente escapa à composição”. De que
modo a energia considerada em Deus escapa à composição? Por que só existe a
energia mais impassível, uma vez que ele é um ato puro e não se altera em
função da energia: ele não muda nem se torna outra coisa.
129. Pois o Teólogo sabe que esta energia é incriada, e ele o mostrou
um pouco acima quando a opôs à criatura. “Dentre os nossos sábios, disse ele,
alguns compreenderam que a energia era o Espírito, outros uma criatura, outros
Deus[140]”.
Ele diz com isto que Deus é a própria hipóstase. Depois, mostrando que a
energia se distingue da criatura, ele prova claramente que ela não é uma
criatura. E um pouco adiante, ele fala que esta energia é um movimento de Deus[141].
E como um movimento de Deus não seria incriado? Damasceno o teóforo escreve em
seu 59º Capítulo: “A energia é o movimento ativo e essencial da natureza. A natureza
é atividade, é dela que provém a energia. O efeito é o resultado da energia.
Quem age é aquele que usa a energia, ou seja, a hipóstase[142]”.
130. A partir do que disse aqui o Teólogo, a saber, que se a energia é
operada e não opera ela, por isso mesmo, cessará de ser operada[143],
os adversários[144]
logo conjecturaram e declararam que esta energia divina é criada. Pois eles
ignoram que também dos incriados se diz serem operados, como o mostra o Teólogo
quando escreve: “Se o Pai é o nome da energia, a consubstancialidade será o
efeito desta energia”. Damasceno o teóforo também afirma: “Realizando
divinamente a providência universal, Cristo se assenta à direita do Pai[145]”.
Mas Damasceno não aplica o termo “ele repousa” ao caráter incriado da energia.
Pois ao criar, Deus começa e termina, como disse Moisés: “Deus repousou de
todas as obras que começara[146]”.
Permanecer criando, aquilo em que Deus começa e termina, tal é a energia
natural e incriada de Deus.
131. Em outra parte o divino Damasceno, depois de afirmar que a
energia é o movimento ativo e essencial da natureza, para mostrar de que modo o
Teólogo disse que esta energia era operada e cessava, acrescentou: “É preciso
saber que a energia é o movimento, e que ela é operada mais do que opera, como
disse Gregório o Teólogo em seu tratado sobre o Espírito Santo: se a energia
existe, ela será operada e não operará, e, por isso mesmo, ela cessará de ser
operada[147]”.
Daí fica claro que aqueles que professam as opiniões dos adversários[148]
ensinando que é criado aquilo que Gregório o Teólogo chama aqui de energia,
esta energia natural e essencial de Deus, a reduzem tolamente ao estado de
criatura. São João Damasceno, ao declarar que ela não apenas é operada, como é
opera, estabeleceu que ela é incriada, no que, de resto, ele não está em
desacordo com o epônimo da teologia[149],
como abundantemente já mostrei em meus tratados.
132. Os caracteres próprios das hipóstases se reportam igualmente a
Deus, uns e outros de maneira relativa, e as hipóstases diferem umas das
outras, mas não segundo a essência. É possível reportar Deus à criação, de
maneira relativa. Pois não ele não é chamado de anterior aos séculos, anterior
ao começo, grande, bom, Deus, Santíssima Trindade, da mesma maneira como ele
pode ser chamado de Pai. Não é cada uma das hipóstases, mas apenas uma dentre
as três, que é o Pai. É dele que vem o seguimento, e a ele que retorna. Mas
diante da criação, por ser esta a obra única dos Três e por que os filhos são
formados pela graça comum que os Três lhes concedem, a Trindade pode ser
chamada de Pai. Dizer: “O Senhor seu Deus é um[150]”
e “Nosso Pai único está nos céus[151]”
equivale a dizer que a Santa Trindade é um só Senhor e nosso Deus, e em
especial nosso Pai, que nos regenera por sua graça. Mas isto é dito de maneira
relativa, como vimos. Só o Pai é o Pai em vista do Filho consubstancial. Ele
próprio é chamado também de começo em vista da criação, como Mestre e Criador
de todas as criaturas. Então, quando o Pai é assim chamado em vista da criação,
também o Filho é o começo, em vista da criação, como um mestre perante seus
servidores. O Pai e o Filho com o Espírito são, portanto, em vista da criação,
um único Mestre, um só Criador, um só Deus e Pai, previdente, vigilante e tudo
o que segue Mas nenhum destes atributos é essência. Pois nenhum estaria em
relação com outro qualquer, se fosse sua essência.
133. As adoções, os estados, os lugares, os tempos e tudo o que lhes é
assemelhado não são chamados de Deus no sentido próprio, mas de forma
metafórica. Criar e operar não podem em verdade ser ditos senão de Deus apenas.
Pois somente Deus cria. Ele próprio não se torna nem está submetido a nada, na
medida em que pertence apenas à sua própria essência. Somente ele cria
continuamente todas as coisas. Só ele criou do nada, pois a energia nele é
todo-poderosa. É segundo esta energia, em vista da criação, e de maneira
relativa, que se diz que ele tem o poder. Ele próprio, com efeito, não pode
estar submetido a nada em sua natureza. Mas ele pode aumentar as criaturas, se
quiser. Pois estar submetido à força, ter e receber qualquer coisa em sua
essência é próprio da fraqueza. Mas criar com poder, ter e aumentar as
criaturas ao bel prazer é próprio de uma força divina e todo-poderosa.
134. Para além daquilo que pode ser recapitulado em dez caracteres, ou
seja, a essência, a quantidade, a qualidade, a relação, o lugar, o tempo, o
fazer, o sofrer, o ter, o estado e os caracteres subsequentes considerados na
essência, Deus é uma essência supra-essencial, na qual, consideradas
isoladamente, a relação e a criação não operam nenhuma composição nem nenhuma
alteração. Pois Deus criou todas as coisas e ele próprio não sofreu [mudança]
em sua essência. Diante da criação, ele é Criador, Começo e Mestre, uma vez que
ela própria começou e ela própria foi extraída. Mas ele é também nosso Pai, que
nos regenera por meio da graça. E ele é igualmente Pai para o Filho, que também
não começou no tempo. E o Filho existe para o Pai. E o Espírito é a processão
do Pai, eterno com o Pai e o Filho, e todos pertencem a uma só e mesma
essência. Quanto aos que dizem que Deus não é senão uma essência na qual nada
existe a considerar, estes não se dão conta nem que Deus cria e opera, nem que
ele tem em si a relação. Mas se o Deus no qual pensam não possui estes
atributos, ele não será nem ativo, nem demiurgo, e não terá em si a energia.
Tampouco será o começo e o Criador, nem Mestre, nem nosso Pai segundo a graça.
Pois como poderia ele ser estes atributos se não tiver a relação e a criação
consideradas em sua própria essência? Mesmo as três Pessoas da Trindade serão
apagadas e a relação não será considerada na essência de Deus. Ora, o que não
existir em três Pessoas não será nem Mestre do universo, nem Deus. Portanto,
serão ateus os que pensam assim, ao modo dos adversários.
135. Deus possui também aquilo que não tem essência. Não que aquilo
que não tem essência seja um acidente. Pois o que não apenas não passa, como
também não recebe nem opera nenhuma espécie de crescimento ou diminuição, não
pode de nenhum modo ser contado como acidente. Mas, como esta energia não é nem
acidente nem essência, ela tampouco pertence ao nada, mas existe, e existe em
verdade. Ela não é acidente, por que é imutável. Mas também não é essência, por
que não pertence ao que existe por si mesmo. Por isso ela é de certo modo um
acidente para os teólogos que a chamam assim, e que pretendem demonstrar que
ela não é uma essência. O que acontece? Toda realidade e toda hipóstase, se não
são em Deus nem essência nem acidente, pertencerão assim ao nada? Longe disto.
Pois da mesma forma a divina energia de Deus não é nem essência, nem acidente,
e tampouco pertence ao nada. E, para falarmos de acordo com todos os teólogos,
de Deus criou por sua vontade, ele não criou simplesmente por natureza: donde
uma coisa é a vontade, e outra a natureza. Se assim é, a vontade divina é
diferente da natureza divina. E então? Por ser a vontade de Deus distinta da
natureza e por não ser essência, ela não poderá existir? Absolutamente. Mas ela
existe, ela pertence a Deus, que não apenas possui a essência, como também a
vontade, por meio da qual ele cria. Mesmo que a chamemos de um tipo de
acidente, por não ser ela uma essência, ela não será um acidente, na medida em
que não opera nenhuma composição, nenhuma alteração. Assim é que Deus possui em
si algo que é essência e algo que não é essência e que não podemos chamar de
acidente: ou seja, a vontade divina e a divina energia.
136. Se a essência não possuir uma energia distinta dela, estará
totalmente desprovida de hipóstase e não será senão um ofuscamento do espírito.
Pois o homem abstrato, aquele a quem chamamos de homem em geral, não pensa, não
reflete, não vê, não sente, não fala, não escuta, não caminha, não respira, não
come, numa palavra, não possui em si energia diferente da essência e que mostre
que ele está numa hipóstase. É por isso que o homem em geral é totalmente
desprovido de hipóstase. Mas do homem que tem em si a energia distinta da
essência, seja uma ou muitas, ou todas as de que falamos, dele podemos dizer
que ele está numa hipóstase, que este homem não é desprovido de hipóstase. E
que estas energias possam se revelar não uma, ou duas, ou três, mas muitas
vezes, mostra que este homem é feito de miríades de hipóstases.
137. Para aquilo que recebemos por intermédio de sua graça, ou seja, a
piedade de sua Igreja, Deus tem uma energia inata que o revela por si mesma e
que difere nisto de sua essência. Pois ele conhece previamente as criaturas
mais baixas, ele as socorre em suas necessidades, ele as cria, as guarda, as
dirige e as transforma segundo sua própria vontade: ele mostra que está numa
hipóstase, que não é apenas uma essência desprovida de hipóstase. Graças a
todas essas energias, Deus se revela a nós existindo não numa única, mas em
três hipóstases. Ora, os adversários[152],
que afirmam que Deus não possui uma energia inata, distinta de sua essência e
que o revele de per si, dizem que não há Deus em uma hipóstase, e fazem do
Senhor em três hipóstases um Deus desprovido delas. Eles ultrapassam em erro ao
líbio Sabélio, na mesma medida em que a ausência de piedade ultrapassa em
malícia a má piedade.
138. A energia das três hipóstases divinas não é uma por ser a mesma,
como em nós, mas também é uma numericamente. Isto os que professam as opiniões
dos adversários[153]
não podem dizer, pois eles afirmam que a energia incriada das três não é comum.
E dizem que suas respectivas hipóstases são energias, uma vez que, segundo
eles, a energia divina não é comum. Eles recusam dizer que haja uma única
energia dos três. Apagando desta maneira umas pelas outras, eles tornam o Deus
em três Pessoas desprovido de hipóstases.
139. Os que têm a alma enferma pelo erro da falsa opinião[154],
e que dizem que a energia diferente da essência divina é criada, professam que
o próprio ato criador de Deus é criado. É o mesmo que dizer que seu poder
criador é criado. Pois não é possível operar e criar sem energia, assim como é
impossível existir sem existência. Assim, da mesma forma que não é possível a
quem diz que a existência de Deus é criada pensar que o próprio Deus é de
maneira incriada, também é impossível a quem diz que a energia de Deus é criada
pensar que Deus opera e cria de maneira incriada.
140. As criaturas de Deus não são a energia de Deus, e os que pensam
com piedade jamais dizem isto, como o fazem os falastrões dos adversários[155]
– longe de nós esta impiedade! As criaturas são os efeitos da energia divina.
Pois, se as criaturas forem energias, ou bem elas serão incriadas (ó tolice!),
por que terão existido mesmo antes de serem criadas, ou bem Deus não possuía a
energia antes que existissem as criaturas (ó impiedade!). Mas Deus é ativo e
todo-poderoso por toda eternidade. Portanto, não é a energia de Deus, mas os
que a recebem e que são por assim dizer seus efeitos, que são as criaturas. A
energia de Deus é incriada e eterna com Deus, é o que dizem os teólogos.
141. Não é a partir da essência que conhecemos a energia. Mas é a
partir da energia que sabemos que a essência existe, sem, no entanto, sabermos
o que ela é. É por isso que, dizem os teólogos, não é a partir da essência, mas
da providência, que sabemos que Deus existe. Também nisto a energia difere da
essência. Pois o que conhece é a energia, e o que é conhecido por ela, aquilo
que por ela sabemos que existe, é a essência. Mas os que sustentam a impiedade
do erro, esforçando-se por persuadir que a energia divina em nada difere da
essência divina, apagam o conhecedor e se esforçam por nos convencer a não
conhecer que Deus existe, como, de qualquer modo, eles próprios não o conhecem.
Ora, quem não conhece pode ser chamado de o mais ateu e insensato de todos.
142. Quando dizem que Deus possui uma energia, mas que esta em nada
difere de sua essência, [os adversários] se esforçam por dissimular assim sua
própria impiedade, iludindo e enganando com sofismas aqueles que os escutam.
Assim é que o líbio Sabélio dizia que Deus Pai tem um Filho que não difere dele
em nada. Mas assim como ele foi refutado por haver nomeado o Pai sem o Filho e
haver negado que entre eles exista uma diferença de hipóstase, também os de
agora, ao dizerem que a energia divina em nada difere da essência de Deus, são
refutados por pensarem que Deus não contém em si nenhuma energia. Pois se a
essência e a energia em nada diferem, Deus não possui em si nem a faculdade de
criar, nem a de operar. Pois não é possível operar sem energia, dizem os
teólogos, assim como, sempre segundo eles, não é possível existir sem
existência. Que a divina energia seja distinta da essência de Deus é algo
claríssimo também aqui, para os que pensam corretamente. A energia opera algo
diferente daquilo que não opera. Pois Deus opera e faz as criaturas, mas ele
próprio é incriado. A relação é sempre estabelecida em função do outro. O Filho
é chamado de Filho em função do Pai, e ele jamais é o Pai de seu Pai. Portanto,
assim como é impossível que a relação não seja em nada distinta da essência,
nem que ela seja considerada na essência, nem que ela seja a essência, da mesma
forma tampouco é possível que a energia não difira totalmente da essência e que
seja a essência, mesmo que isto desagrade aos adversários[156].
143. O grande Basílio, falando de Deus em seus “Capítulos
silogísticos” diz: “A energia não é nem aquele que opera, nem o que é operado.
Assim, a energia é diferente da essência”. O divino Cirilo, também falando de
Deus, diz como teólogo: “A criação é própria da energia, mas a geração é
própria da natureza. Natureza e energia não são a mesma coisa[157]”.
Damasceno o teóforo afirma: “O nascimento é obra da natureza divina, mas a
criação é obra da vontade de Deus[158]”.
Em outra parte, ele diz claramente: “Uma coisa é a energia, outra é aquilo que
opera. Com efeito, a energia é o movimento essencial da natureza, e o que opera
é a natureza, da qual provém a energia[159]”.
Portanto, a energia difere da essência divina de muitas maneiras, segundo os
Padres semelhantes a Deus.
144. A essência de Deus é totalmente sem nome, pelo fato de que é
inteiramente incompreensível. Portanto, ela é designada a partir de suas
próprias energias, e nenhum destes nomes se diferencia dos demais naquilo que
significa. O que é significado por cada um destes nomes não é outra coisa do
que esta essência oculta da qual é impossível saber o que seja. Quanto às
energias, cada um de seus nomes tem um significado diferente. Que Deus cria,
domina, julga, provê, nos adota por sua graça – quem não sabe que estes
atributos diferem uns dos outros? Portanto, os que dizem que são criadas estas
energias naturais de Deus que diferem entre si e diferem da natureza divina,
que fazem estes senão reduzir Deus ao estado de criatura? Pois o que é criado,
o que é dominado, o que é julgado – numa palavra, tudo o que assim pertence ao
mundo – tudo são criaturas, nunca o Criador, o Mestre e o Juiz, assim como não
o são o julgar, o dominar e o criar, que vemos nele naturalmente.
145. A essência de Deus, na medida em que não tem nome, está também
acima de todo nome, dizem os teólogos. Da mesma forma, sempre segundo eles, na
medida em que ela é imparticipável, está acima de toda participação. Os que
hoje desobedecem ao ensinamento do Espírito transmitido por nossos santos
Padres e se riem de nós que estamos de acordo com estes, dizem que existem
muitos Deuses, ou que o Deus único é composto, se a divina energia diferir da
essência de Deus, e se, numa palavra, considerarmos qualquer coisa de outro na
essência de Deus. Pois eles ignoram que não é pelo fato de operar e pela
energia, mas por estar sujeito à influência e ser passivo, que se define a
composição. Deus opera, mas ele próprio não é influenciado nem se transforma.
Portanto, ele não será composto devido à energia. Da mesma forma, Deus contém
em si a relação em vista da criação, na medida em que ele é sua Origem e seu
Mestre. Mas nem por isso ele é contado entre as criaturas. Eles dizem ainda que
existem diversos Deuses pelo fato de que Deus possui uma energia, se esta
pertencer ao mesmo Deus, enquanto que a essência divina e a energia divina são
na verdade o mesmo Deus. Fica claro que tudo isto não passa de palavrório tolo.
146. O Senhor disse aos seus discípulos que alguns dos que estavam ali
não conheceriam a morte antes de ver o Reino de Deus chegar com seu poder[160].
Seis dias depois, ele tomou a Pedro, Tiago e João e subiu ao Monte Tabor. Ele
brilhou como o sol e suas vestes se tornaram brancas como a luz[161].
Mas os discípulos não puderam ver imediatamente, ou antes, incapazes de
suportar tamanho esplendor, foram atirados à terra[162].
Porém, segundo a promessa do Salvador, eles haviam visto o Reino de Deus, esta
luz divina e misteriosa que os grandes Gregório e Basílio chamaram de
Divindade. De fato, o grande Basílio diz que essa luz é a beleza de Deus,
contemplada apenas pelos santos no poder do Espírito divino. É por isso que ele
diz também: “Pedro e o filho do trovão viram no topo da montanha sua beleza,
mais luminosa que a radiação solar e assim se tornaram dignos de receber com
seus olhos as premissas da parúsia[163]”.
O teólogo Damasceno e João da língua de ouro chamaram esta luz de irradiação
natural da Divindade. Um – João Damasceno – escrevendo que o Filho nascido do
Pai fora de qualquer começo possui independente de qualquer começo a irradiação
natural da Divindade, e que a glória da Divindade se tornou a glória do seu
corpo[164].
O outro – João Crisóstomo – ao dizer que o Senhor, sobre a montanha, apareceu
mais luminoso do que ele próprio, quando a Divindade mostrou sua irradiação
luminosa.
147. Esta luz divina e misteriosa – a Divindade e o Reino de Deus, a
beleza e o esplendor da natureza divina, a visão e o regozijo dos santos no
século infinito, a irradiação e a glória natural da Divindade – dela dizem os
heréticos[165]
falastrões ser um fantasma e uma criatura. E eles proclamam, caluniando, que os
que não blasfemam como eles essa luz divina e que consideram que Deus é incriado
em sua essência e em sua energia, são diteístas. Com efeito, a partir do
momento em que esta luz divina é incriada, Deus é, para nós, um na Divindade
única. Como já mostramos, a essência incriada e a energia incriada – ou seja, a
graça divina e sua irradiação – são próprias do Deus uno.
148. Daí que os hereges insensatos que ousaram dizer no Concílio e que
tentaram demonstrar que essa luz divina que irradiava do Senhor no Tabor era um
fantasma e uma criatura, que foram reprovados por muitos e não se retrataram,
foram submetidos à excomunhão escrita a ao anátema. Pois eles blasfemaram
contra a economia de Deus na carne, disseram tolamente que a Divindade de Deus
é criada, e, ao menos no que lhes concerne, reduziram ao estado de Criaturas o
Pai, o Filho e o Espírito Santo. Pois a Divindade dos três é uma só e mesma
Divindade. E, se eles dizem que veneram a Divindade incriada, devem reconhecer
que existem duas Divindades de Deus, uma criada e outra incriada. Assim, eles
rivalizam com todos os antigos desviados em matéria de erro, e os superam em
impiedade.
149. Por outro lado, esforçando-se para dissimular o próprio erro,
eles dizem que a luz que brilha sobre o Tabor é incriada, e que ela é a
essência de Deus, e, com isto, eles a blasfemam ainda mais. Pois esta luz foi
vista pelos Apóstolos: então, nossos adversários pensam que a essência de Deus
é visível. Que eles escutem o que foi dito: a ninguém, não apenas dentre os
homens, mas também entre os anjos, foi dado ver[166]
ou revelar a essência e a natureza de Deus. Pois mesmo os Serafins de seis
asas, ao aproximarem este derramamento de esplendor que é a irradiação de Deus
no coração do mundo, cobrem seus rostos com as asas[167].
Portanto, como a supra-essencialidade de Deus jamais foi vista por ninguém,
quando os heréticos dizem que esta luz é a supra-essencialidade, eles atestam
que ela é absolutamente invisível, que não foi ela que os Apóstolos eleitos
viram sobre a montanha, e que não falou a verdade aquele que disse: “Vimos sua
glória, nós que com ele estávamos sobre a montanha santa”, e “permanecendo
despertos, Pedro e os que com ele estavam viram sua glória[168]”.
O outro discípulo disse que João, a quem Cristo amava especialmente, viu esta
Divindade do Verbo revelada sobre a montanha. Portanto, eles viram, e verdadeiramente
viram o esplendor divino incriado, esta luz do Deus invisível que permanece no
segredo supra-essencial, mesmo que o tentem apagar os príncipes da heresia[169]
e os que pensam como eles.
150. Quando interrogamos estes hereges, que afirmam que esta luz da
Divindade é a essência, e que a essência de Deus é visível, eles são obrigados
a dissimular a mentira, dizendo que esta luz é a essência, uma vez que é a
essência de Deus que é visível nela, e que são as criaturas que veem a essência
de Deus. Novamente estes infelizes fazem da luz da transfiguração do Senhor uma
criatura. O que as criaturas veem não é a essência, mas a energia criadora de
Deus. É, portanto, de modo ímpio, também aí, que eles dizem, em acordo com
Eunomo, que a essência de Deus é vista pelas criaturas. É assim que eles colhem
da colheita da impiedade. É preciso fugir deles e de sua companhia, como da
hidra de muitas cabeças que corrompe a alma, como de um flagelo que, sob tantas
e variadas formas, devasta a piedade.
[1]
Cf. Romanos 1: 21
[2] Eclesiastes 1: 6.
[3]
Cf. Gênesis 1: 1.
[4]
Cf. Mateus 24: 34.
[5]
Cf. Gênesis 1: 27.
[6]
Cf. Gênesis 2: 7.
[7] Ou
o Intelecto supremo.
[8]
Cf. João 11: 25.
[9]
Cf. Gênesis 1: 27.
[10]
Cf. João 15: 26.
[11] Provérbios 8: 30.
[12]
Cf. Gênesis 3: 6.
[13]
Cf. Mateus 22: 37-39.
[14] Salmo 10 (11): 5.
[15]
Cf. Hebreus 1: 14.
[16] I
Timóteo 5: 6.
[17] Efésios 2: 5.
[18] I
João 5: 16.
[19]
Cf. Mateus 8: 22.
[20]
Cf. Gênesis 3: 6.
[21]
Cf. Gênesis 2: 7; 3: 19.
[22] Salmo 10 (11): 7.
[23]
Cf. Sabedoria 1: 13.
[24]
Cf. Gênesis 2: 17.
[25]
Cf. Gênesis 2: 17.
[26]
Cf. I Samuel 2: 3.
[27]
Cf. Gênesis 3: 7-8.
[28]
Cf. Hebreus 5: 12.
[29]
Cf. Gênesis 2: 17.
[30]
Cf. Gênesis 3: 23-24.
[31]
Cf. Gênesis 2: 17.
[32] Gênesis 3: 19.
[33]
Cf. Sabedoria 1: 13.
[34] Gênesis 3: 19.
[35]
Cf. Números 17: 23.
[36] Romanos 11: 33.
[37]
Cf. Hebreus 8: 1.
[38]
Cf. Lucas 1: 78.
[39]
Cf. Hebreus 4: 15.
[40] Marcos 1: 15.
[41]
Cf. Isaías 9: 2; Lucas 1: 79.
[42]
Cf. Lucas 7: 21.
[43] I
João 4: 16.
[44] João 14: 23.
[45] João 14: 23.
[46] I
Coríntios 13: 3.
[47] I
João 13: 8.
[48]
Cf. I Coríntios 12: 3.
[49] João 14: 6.
[50]
Cf. João 4: 23.
[51]
Cf. João 4: 24.
[52]
Cf. Gênesis 1: 28.
[53]
Cf. Deuteronômio 32: 8.
[54]
Cf. Judas 6.
[55] Nomes Divinos IV, 8.
[56]
Cf. Lucas 1: 78.
[57]
Cf. Mateus 17: 1-6.
[58]
João Crisóstomo.
[59]
II Coríntios 5: 2-3.
[60]
Cf. Atos 9: 3-4.
[61]
Gregório de Nazianze, Discurso XXXIX,
9.
[62]
São Basílio, Tratado do Espírito Santo.
[63] Isaías 11: 1-2.
[64] Antirréticos contra Acindino.
[65] Discurso XLI.
[66]
Cf. Lucas 11: 20.
[67]
Cf. Mateus 12: 28.
[68] Contra Eunome.
[69]
Cf. Zacarias 4: 10.
[70] Apocalipse 1: 4-5.
[71] Miquéias 5: 1.
[72] Salmo 89 (90): 2.
[73] A
opinião de Acindino.
[74]
João Damasceno, A fé ortodoxa III,
18.
[75]
Cirilo de Alexandria, Thesaurus de Trinitate,
PG 75, 312.
[76] I
Coríntios 6: 17.
[77]
Barlaam e Acindino.
[78] Joel 3: 1.
[79] Salmo 89 (90): 17.
[80] Tratado sobre o Espírito Santo, op. cit.,
pg. 328.
[81] Cf.
Hebreus 1: 14.
[82] Isaías 6: 1.
[83] Sobre a incompreensibilidade de Deus.
[84] A fé ortodoxa.
[85]
Acindino.
[86]
Cf. Atos 9: 15.
[87] Romanos 1: 20.
[88]
Barlaam e Acindino.
[89]
São Basílio, Contra Eunomo II.
[90] Nomes divinos II, 5.
[91] Ibid. II, 11.
[92] Ibid.
[93] Ibid.
[94] Ibid. V, 8.
[95]
Os Barlaamitas.
[96] São
Basílio, Tratado sobre o Espírito Santo, op. cit., pg. 418.
[97]
Máximo o Confessor, Scholia, PG 4,
221 AB.
[98] Nomes divinos XI, 6.
[99] Ibid. II, 5.
[100]
Acindino.
[101]
João Evangelista.
[102]
João Crisóstomo.
[103]
João Crisóstomo, Homilia XXX, 2.
[104]
Acindino.
[105]
Do verbo ekporeuô, “fazer sair”,
termo empregado no Credo de Nicéia, em um sentido mais preciso do que o de
“processão”, para expressar a relação entre o Pai e o Espírito Santo.
[106]
Cirilo de Alexandria, Thesaurus de
Trinitate, PG 75, 312...
[107]
Cf. II Pedro 1: 4.
[108]
Cf. Efésios 1: 21.
[109]
Aproximação de Deus que procede por negação.
[110]
Nomes divinos V, 1.
[111]
I Coríntios 12: 8.
[112]
Barlaam e Acindino.
[113]
Discípulos de Acindino.
[114]
Gregório de Nazianze, Discurso XXX,
21.
[115]
Tratado do Espírito Santo, op. cit., pgs. 324-326.
[116]
João 1: 16.
[117]
Homilia 14: 1.
[118]
São Basílio, Carta CCXXXIV, 1.
[119]
Discurso XXXVIII, 2.
[120]
Salmo 89 (90): 17.
[121]
Cf. Colossenses 2: 9.
[122]
Thesaurus de Trinitate, PG 75, 244,
citando João 14: 11.
[123]
João 5: 26.
[124]
Thesaurus de Trinitate, PG 75,
236-237.
[125]
Ibid. 233.
[126]
João 6: 47.
[127]
João 10: 27-28.
[128]
Cf. João 17: 2.
[129]
Thesaurus de Trinitate, PG 75, 263
BC.
[130]
Barlaam.
[131]
Ibid. 240 A
[132]
I Timóteo 1: 17.
[133]
João 14: 11.
[134]
Barlaam e Acindino.
[135]
Nomes divinos I, 6.
[136]
Contra Eunomo V.
[137]
Os Barlaamitas.
[138]
Barlaam e Acindino.
[139]
Gregório de Nazianze, Discurso XXXI,
6.
[140]
Ibid, XXXI, 5.
[141]
Ibid. XXXI, 6.
[142]
A fé ortodoxa, III, 15.
[143]
Discurso XXXI, 6.
[144]
Os Acindinistas.
[145]
A fé ortodoxa IV, 2.
[146]
Gênesis 2: 2.
[147]
A fé ortodoxa III, 15; Gregório de
Nazianze, Discurso XXXI, 6.
[148]
Barlaam e Acindino.
[149]
Gregório o Teólogo (Gregório de Nazianze).
[150]
Deuteronômio 6: 4.
[151]
Mateus 6: 9; 23: 9.
[152]
Os Acindinistas.
[153]
Acindino.
[154]
O erro de Acindino.
[155]
Os Acindinistas.
[156]
Acindino e seus seguidores.
[157]
Thesaurus de Trinitate, PG 75, 312.
[158]
A fé ortodoxa, PG 94, 813ª.
[159]
Ibid. 1048ª.
[160]
Marcos 9: 1.
[161]
Mateus 17: 2.
[162]
Mateus 17: 6.
[163]
Homilia do Salmo 44.
[164]
Homilia da Transfiguração.
[165]
Os Acindinistas.
[166]
Cf. Jeremias 23: 18.
[167]
Cf. Isaías 6: 2.
[168]
Cf. Lucas 9: 32.
[169]
Barlaam e Acindino.
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