segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Filocalia - Tomo II Volume 3 - Calixto e Inácio Xanthopouloi: Centúria Espiritual

CALIXTO E INÁCIO XANTHOPOULOI



CENTÚRIA ESPIRITUAL



Calixto e Inácio Xanthopouloi


Calixto, que tinha o nome de Xanthopoulos e foi Patriarca de Alexandria, viveu no século XIV no reinado de Andronico II Paleólogo. Discípulo de Gregório o Sinaíta (cuja biografia redigiu), ele foi monge no Monte Athos, na sketa de Magoula diante do Mosteiro de Filoteu. Aí ele viveu por vinte e oito anos com seu discípulo Marcos. Ele ficou ligado por uma forte amizade com Inácio, que também tinha por nome Xanthopouloi, tornando-se como que uma só alma. Tornando-se Patriarca, e a caminho da Sérvia, onde iria trabalhar pela união e a paz da Igreja, ele passou pela Montanha Santa. Aí, Máximo o Capsocalyvita fez a seu respeito uma previsão bem humorada, dizendo: “Este ancião perdeu sua anciã”. Com efeito, mal chegado à Sérvia, Calixto trocou a vida mortal pela incorruptibilidade.

Em seus capítulos sobre a prece deificante, Simeão de Tessalônica disse a seu respeito:

“Nosso Pai entre os santos Calixto, pela graça de Deus Patriarca da nova Roma, e o bem-aventurado Inácio, que, com ele viveu na oração, cujo conhecimento expuseram em cem capítulos. Filhos de Constantinopla, eles abandonaram tudo, primeiro para viver na submissão uma vida de virgindade e solidão, e depois para alcançar, por meio da ascese, o estado celeste e indivisível. Eles guardaram em especial a unidade em Cristo (esta unidade que Cristo pediu ao Pai que nos concedesse) e foram como chamas que trouxeram ao mundo a palavra de vida. Pois mais do que muitos que foram santificados, eles atingiram o grau de união e de amor em Cristo, a ponto de que jamais se manifestou neles a menor alteração de tendência ou de comportamento, nem a menor tristeza, coisa que é quase impossível aos homens. Tornando-se angélicos, eles adquiriram e mantiveram em si mesmos, como haviam pedido, a paz de Deus, que é Jesus Cristo, nossa paz, ele que de dois fez um e cuja paz ultrapassa todo conhecimento. Tendo partido em paz, eles desfrutam agora da serenidade do alto, e contemplam Jesus com toda pureza, ele a quem amaram com toda sua alma, a quem eles buscaram verdadeiramente. Eles se tornaram um com ele. Eles participam de sua dulcíssima e divina Luz, cuja garantia receberam desde aqui em baixo, purificados que estavam pela contemplação e pela ação. Como os Apóstolos, eles conheceram a divina iluminação do Tabor, de que muitos foram testemunhas. Eles viram seus rostos brilhando como o de Etiene, pelo muito de graça que se expandia não somente em seus corações, mas em toda a sua aparência. É por isso que, como o grande Moisés, eles revelaram a transfiguração (e os que o viram testemunham), e a forma de seus corpos brilhou como o sol. Tendo experimentado esta beatitude e a conhecendo por experiência, eles deram a conhecer a luz divina, a energia e a graça naturais de Deus, a sagrada oração, e tomaram os santos por testemunhas.

*

No final do século XIV, no Monte Athos, oferecidos ao sacrifício e à transfiguração, devotados a atestar a passagem última e a abertura absoluta, Calixto e Inácio, ambos com o nome de Xanthopoulos, apareciam como os modelos para estes monges – os hesiquiastas – a quem Gregório o Sinaíta e Gregório Palamas exortavam e defendiam nos fronts e nas brechas da história. Mas também para eles valiam os sinais dos tempos: aqueles que mais se aprofundaram na morte ao mundo e na interiorização do Reino eram chamados a dirigir a Igreja no coração da Cidade, e, em 1397, no fim de sua existência, Calixto foi eleito Patriarca de Constantinopla. Ele morreu três meses depois.

Terá sido ele o autor dos textos inseridos no final da antologia sob o nome de Calixto o Patriarca e de Calixto Cataphygiotes? É o que veremos, se pudermos pensar assim, embora não o saibamos ao certo. Resta a presente centúria, concebida como uma série de conselhos, um conjunto de reflexões e um florilégio temático, que fazem dela, não apenas o mais pedagógico dos textos da antologia, mas uma antecipação da própria antologia, na medida em que convoca inúmeros testemunhos que asseguraram durante um milênio a transmissão da experiência hesiquiasta, e, em especial, os dois testemunhos fundamentais de João Clímaco e Isaac o Sírio.

Tal é bem esta centúria: uma obra prima da recapitulação e de realização, escrita em conjunto por dois monges que dispensam os frutos de sua amizade espiritual e que se cercaram eles mesmos de testemunhos para relatar as causas e os efeitos de sua própria transfiguração.

E esta é a mensagem: a prece contínua no interior do coração não pode ser relegada. Tanto no decurso como saída da liturgia do tempo, ela se incorpora aos combates da ascese e à graça da eucaristia sacramental. Enfim, por meio do arrependimento, da tristeza espiritual e das lágrimas, por meio da hesíquia, da atenção e da prece, são colocadas como nunca as primícias do ocaso histórico, a abertura mesma da porta estreita: alcançar o amor à beleza, alcançar o êxtase do amor e a irradiação da luz incriada que precede e anuncia a nova criação. Isto equivale a dizer que o conteúdo e o alcance da transmissão filocálica estão aqui inteiros neste último apelo, amplo e preciso, do caminho a seguir.
CALIXTO E INÁCIO XANTHOPOULOI



CENTÚRIA ESPIRITUAL


1.      Do modo como conduzem, governam e regram sua vida aqueles que assumem na razão a hesíquia, e das grandes benesses que esta lhes traz. A presente obra se divide em cem capítulos. Este exórdio – primeiro capítulo – trata do dom sobrenatural e da graça que os fiéis recebem pelo Espírito Santo.


Seria preciso, como mostram as divinas profecias, que fôssemos ensinados por Deus[1], levando, mais clara que uma chama, a nova lei inefavelmente escrita em nossos corações[2]. Seria preciso que fôssemos conduzidos pelo Espírito de bondade e de toda retidão, como filhos e herdeiros de Deus, herdeiros com Cristo[3]. Seria preciso que levássemos a vida dos anjos, jamais nos afastando d’Aquele que nos ensinou a conhecer o Senhor. Mas agora, quando, desde nossos primeiros fios de cabelo, nossa desorientação em face do melhor e nossa tendência para o pior, somados aos enganos do demônio malfeitor e à sua implacável tirania contra nós, nos conduziram de modo condenável para longe dos mandamentos salutares da obra de Deus, fomos arrastados para os abismos que destroem a alma. Enfim, o que é mais lamentável, somos insuflados a pensar e a agir contra nós mesmos. É por isso que, segundo a palavra divina, “não existe ninguém que compreenda, ninguém que busque a Deus[4]”. Pois, “desviados do caminho direito, nos tornamos inúteis[5]”, somos inteiramente carne[6], e, privados da graça luminosa de Deus, perdemos o impulso e o auxílio que deveríamos receber uns dos outros para nos orientarmos para o bem.


2.      Que os temas desenvolvidos nesta obra respondem à interrogação é à busca de um irmão, mas também à observância do mandamento paternal.

Uma vez que em seu desejo de sondar as divinas Escrituras que dão a vida[7], em conformidade ao que ordenou o Senhor, e de se iniciar com toda segurança, você muitas vezes nos pediu, a nós os inúteis, uma palavra e uma regra escrita, para seu próprio bem e o de outros, como você mesmo nos disse, mesmo que não o tenhamos feito antes, possamos hoje satisfazer seu louvável desejo, esquecendo nossa habitual, por seu amor e seu benefício, admirando-o no mais alto grau por seu zelo pelo bem e seu gosto constante pelo trabalho, caro filho espiritual. Mas, acima de tudo, devemos temer o julgamento de Deus, cuja ameaça é terrível, como vimos pelo que aconteceu com aquele      que escondeu o talento[8].

Por outro lado, cumprimos assim a ordem paternal que nos foi dada por nossos pais e mestres espirituais: confiar a outros que amam a Deus aquilo que eles nos ensinaram.

Que Deus, Pai do amor, o primeiro que dispensou abundantemente todos os bens de uma vez por todas, ele que em muitas ocasiões concedeu a inspiração da palavra a animais sem razão[9] para o bem dos que os ouviram, nos conceda também uma palavra oportuna e nos abra a boca[10], pois somos lentos e não sabemos falar[11]. Mas a você e a todos os que nos leem, como você mesmo disse, que ele conceda um ouvido capaz de escutar o que se segue com sabedoria e ciência, a fim de que vocês possam levar uma vida direita e firme que agrade a Deus. Pois sem ele, como está escrito, nada podemos fazer de útil[12] e de salutar, e, “se o Senhor não constrói a morada, aqueles que trabalham penam em vão”. É exatamente assim.


3.      Que em todas as coisas o objetivo é o primeiro, e que o objetivo da presente obra é de ensinar o fundamento.

Todas as coisas começam pelo objetivo. [13]O mesmo acontece com nosso objetivo que também é o seu. O nosso é o de expressar na medida do possível o que ajuda no crescimento espiritual, e o seu consiste em viver realmente aquilo que lhe é dito. É preciso antes de tudo examinar como chegaremos ao acabamento do edifício que construímos, este acabamento que vemos como se fosse num espelho. Pois, uma vez que tenhamos colocado eficazmente as primeiras fundações, mais tarde, quando chegar o tempo, ou melhor: quando tivermos recebido abundantes socorros do alto, colocaremos também um teto digno da arquitetura do Espírito.


4.      Que o começo de tudo o que se faz em Deus consiste em viver segundo os mandamentos do Salvador. E o fim consiste em retornar à graça perfeita do Espírito Santo que é a origem da vida, esta graça que desde o começo nos foi dada por meio do batismo divino.

O começo de tudo o que se faz em Deus, para dizê-lo em poucas palavras, consiste em nos esforçarmos de todas as maneiras e com todas as nossas forças para viver segundo os mandamentos deificantes do Salvador. E o fim consiste em, por intermédio da observância destes mandamentos, retornar àquilo que, desde o começo mesmo, foi concedido do alto pelo banho sagrado do batismo: a regeneração e a nova criação perfeita da graça. Ou então, se você preferir, atrair para si um tal dom. E despojando-se do velho Adão com seus atos e suas concupiscências, revestir-se do novo e do espiritual[14] que é o Senhor Jesus Cristo, como disse o divino Paulo: “Meus filhos por quem eu sofro de novo as dores do parto, até que o Cristo seja formado em vocês[15]”. E: “Vocês que foram batizados em Cristo, vocês se revestiram de Cristo[16]”.


5.      O que é a graça, e como podemos descobri-la. O que a perturba e o que a purifica.

Mas o que é a graça, como podemos descobri-la, o que a perturba, o que ao contrário a torna pura, isto tudo será revelado a você por aquele cuja alma e cuja língua são mais luminosas do que todo o ouro do mundo, quando ele diz: “Refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transfigurados nesta mesma imagem[17]”. O que isto significa? É o que ele mostrou com maior clareza ainda ao suscitar a graça dos milagres. Entretanto, a quem possui os olhos da fé, mesmo hoje em dia não é difícil ver coisa semelhante. Pois “ao mesmo tempo em que somos batizados, a alma brilha mais do que o sol, purificada pelo Espírito. E não apenas nós vemos a glória de Deus, como recebemos dela algum esplendor. Da mesma forma, com efeito, que a prata pura brilha quando colocada sob a luz do sol – não só por sua natureza mas porque ela reflete a irradiação solar – também a alma purificada e mais luminosa que toda prata do mundo recebe um raio de glória do Espírito que dela se aproxima para cobri-la de glória[18]”, desta glória que é conforme ao Espírito do Senhor[19].

Percebe você que eu lhe mostro isto da maneira mais sensível, partindo do testemunho dos apóstolos? Lembre-se de Paulo, cujas vestes operavam milagres[20]. Lembre-se de Pedro, cuja simples sombra tinha o mesmo poder[21]. Eles não poderiam fazer isto se não carregassem em si a imagem do Rei, se a luz que saía deles não fosse a luz inacessível, a tal ponto que suas vestes e suas sombras operavam milagres. Pois as vestes do Rei aterrorizam até os ladrões.

Você também quer ver a imagem de Deus irradiar através do corpo? Foi dito: “Contemplando o rosto de Estevão, eles acreditavam ver a face de um anjo[22]”. Mas isto não é nada diante da glória que irradia dentro. Pois aquilo que Moisés tinha em seu rosto[23], revestia sua alma, e muito mais. A transfiguração de Moisés foi mais sensível, mas esta era incorpórea. Assim como os corpos luminosos espalham sua luminosidade sobre aqueles que estão próximos, transmitindo-lhes sua própria claridade, o mesmo acontece com os fiéis. É por isso que aqueles que provaram desta luz se distanciam da terra e se revestem das coisas do céu; mas, ora essa!, é bom estar aqui, e é amargo gemer. Pois nós desfrutamos de uma tal nobreza, e não sabemos o que dizer, tanto se perdem as coisas rapidamente, e por tanto medo que temos do que sentimos. Esta glória misteriosa e terrível, não permanece em nós mais do que um ou dois dias. Nós a extinguimos quando entramos no inverno desta vida, recusando seus raios sob a espessura das nuvens.

Também foi dito: “Os corpos daqueles que agradaram a Deus se revestirão de tamanha glória que será impossível aos olhos da carne enxerga-los. Mas Deus fez com que nos tenham sido dados, no Antigo e Novo Testamentos sinais e traços obscuros destes corpos. Lá o rosto de Moisés irradiava tanta glória que era inacessível aos olhos dos Israelitas. Mas no Novo Testamento o rosto de Cristo brilhava muito mais[24]”.

Ouviu as palavras do Espírito? Compreendeu o poder do mistério? Sabe você por quantas dores surge em nós a nova criação espiritual, perfeita no banho sagrado do batismo, e quais são os frutos, o cumprimento, as recompensas? Depende de nós fazer crescer ou diminuir esta graça sobrenatural, depende de nós manifestá-la ou torná-la obscura, tal como o faz aquilo que nos é peculiar: a tempestade de coisas desta vida, as trevas das paixões engendradas por estas coisas. Elas nos arrastam, de fato, como o inverno ou a torrente selvagem. Elas engolem a alma e não lhe permitem respirar nem contemplar a verdadeira beleza e a verdadeira beatitude, para as quais ela foi feita: as paixões a entenebrecem, ela é sacudida e destroçada sob o ruído e a fumaça dos prazeres, que a afogam nas suas águas. Mas o contrário destas coisas, ou seja, aquilo que nasce dos mandamentos deificantes, é dado aos que caminham não segundo a carne, mas segundo o Espírito. Pois foi dito: “Caminhem conforme o Espírito, e não cedam à concupiscência da carne[25]”. É aí que encontra seu bem e sua salvação aquele que, como a escada, leva consigo o cume e a extremidade dos degraus, o amor, que é Deus[26].


6.      Que no santo batismo, a graça divina é concedida a nós gratuitamente. Se nós a encobrimos com as paixões, também podemos reencontrá-la em toda sua pureza cumprindo os mandamentos.

Mas então, no seio de Deus, ou seja, no banho sagrado do batismo, recebemos o dom totalmente perfeito, a graça divina. E se, na sequência, pelo mau uso dos negócios temporais, pelos cuidados das coisas da existência e pelas brumas das paixões, recobrimos esta graça contra o que seria certo, ainda nos é possível, pelo arrependimento e pelo cumprimento dos mandamentos da obra divina, reencontrar rapidamente e adquirir outra vez esta benfazeja luz sobrenatural e nela enxergar a mais límpida revelação.

Mas a graça nos é manifestada na medida da vigilância de cada qual na fé, e antes de tudo pelo socorro e a benevolência de nosso Senhor Jesus Cristo. Como diz são Marcos o Asceta: “Sendo Cristo o perfeito Deus, concedeu aos batizados a graça perfeita do Espírito Santo, à qual nada há a acrescentar[27]. Mas ela nos é revelada, nos é manifestada na medida em que trabalhamos nos mandamentos. E ela nos concede ainda a fé, até que cheguemos todos, na unidade desta, à medida da plenitude de Cristo[28]”. Se nos oferecemos então, renovados pelo novo nascimento nele, tudo isto lhe pertence, vem dele, e estava todo o tempo oculto em nós.


7.      Que aquele que conduz sua vida no caminho de Deus deve assumir todos os mandamentos. Que é preciso atribuir de certa forma aos primeiros, tanto quanto aos mais gerais dos mandamentos, a maior parte da obra.

O começo e a raiz de toda esta obra, como dissemos, consiste em levar uma vida conforme aos mandamentos salutares. O fim e o fruto consistem em retornar à graça perfeita do Espírito que nos foi dada inicialmente pelo batismo, e que está em nós. Pois foi dito que Deus não volta atrás naquilo que nos concedeu[29]. Mas a graça se encontra recoberta pelas paixões, velada para a obra dos mandamentos divinos. Por meio do cumprimento dos mandamentos na medida do possível, cabe a nós nos esforçarmos de toda maneira para liberarmos em nós a manifestação do Espírito[30] e assisti-la claramente. “Sua Lei, disse a Deus o bem-aventurado Davi, é lanterna para meus pés e luz para meus caminhos[31]”. E: “O mandamento do Senhor é claro, ele ilumina os olhos”. E: “Eu me engajei em todos os seus mandamentos[32]”. E o Apóstolo bem-amado: “Quem guarda seus mandamentos permanece em Deus, e Deus nele[33]”. E: “Seus mandamentos não são pesados[34]”. E o Salvador: “Quem recebe meus mandamentos e os guarda, este me ama. Quem me ama, será amado por meu Pai. Eu o amarei e me revelarei a ele. Se alguém me ama, guardará minhas palavras, e meu Pai o amará. Nós viremos até ele, e nele faremos nossa morada”, e “quem não me ama não guarda minhas palavras[35]”.

É sobretudo a estes primeiros mandamentos, que são os mais gerais e como que as matrizes de todos os outros, que se deve atribuir a maior parte de nossa obra. Assim poderemos, com Deus, atingir sem falta a meta que nos propusemos, tendo um bom começo até o final da impulsão: ou seja, a manifestação do Espírito[36].

8.      Que o princípio de toda obra amada por Deus é a invocação com fé do nome de nosso Senhor Jesus Cristo, e que esta obra é acompanhada da paz e do amor que se elevam da oração.

O princípio de toda obra amada por Deus é a invocação com fé do nome salvador de nosso Senhor Jesus Cristo. Pois foi ele mesmo que disse: “Sem mim, vocês nada podem[37]”. A obra também é a paz, pois foi dito que é preciso orar sem cólera e sem disputas[38]. Ela é amor, pois “Deus é amor”, e “quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus nele[39]”. Esta paz e este amor, não apenas fazem com que a prece seja agradável, como nascem e se elevam dela mesma. Como dois raios gêmeos de Deus, elas crescem e se completam.


9.      Que por meio destas obras, por cada uma delas e pelas três, o conjunto de todos os bens nos é concedido abundantemente.

É por intermédio destas obras, ao mesmo tempo por meio de cada uma delas e pelas três, que o conjunto de todos os bens nos é concedido em abundância e transborda. Pela invocação na fé do nome de nosso Senhor Jesus Cristo, esperamos com toda certeza receber a piedade e a verdadeira vida que está oculta nele[40], como de outra fonte divina eterna transbordante naquele que clama puramente em seu coração o nome do Senhor Jesus Cristo. Pela paz que ultrapassa toda inteligência e não tem limites[41], somos tornados dignos de nos reconciliarmos com Deus, e de nos reconciliarmos uns com os outros. Pelo amor, cuja glória é incomparável, pois ele é o fim e o fundamento da Lei e dos Profetas[42] – e o próprio Deus se chama amor[43] – nós nos unimos inteiramente a Deus. Então, nosso pecado é abolido pela justiça de Deus e pela adoção da graça que age paradoxalmente em nós no amor. Com efeito, foi dito que o amor cobrirá uma multitude de pecados[44]. E: “O amor perdoa tudo, atesta tudo, espera tudo, suporta tudo. O amor não passa jamais[45]”.


10.  Que nosso Senhor Jesus Cristo, no momento da paixão salvadora, deixou a seus discípulos, como um mandamento de adeus, uma herança divina. O mesmo aconteceu depois da ressurreição.

Porque nosso Senhor Jesus Cristo é todo bondade e mansidão, quando chegou o momento de sua Paixão voluntária por nós, quando apareceu aos Apóstolos depois da Ressurreição e certamente quando retornou a seu Pai por natureza e nosso Pai pela graça – Pai verdadeiro e afetuoso – deixou a todos os seus, como mandamentos de adeus, consolações de bondade e, por assim dizer, garantias dulcíssimas e certas: a inalienável herança de Deus.

Sabendo que se aproximava o tempo de sua Paixão salvadora, ele disse aos seus discípulos: “Aquilo que vocês pediram em meu nome, eu o farei[46]”. E: “Amém, eu lhes digo, tudo o que vocês pedirem ao Pai em meu nome eu lhes darei. Até agora vocês nada pediram em meu nome. Peçam e receberão, para que sua alegria seja perfeita”. E: “Neste dia vocês pedirão em meu nome[47]”. E logo após a Ressurreição: “Milagres acompanharão aqueles que creram. Em meu nome eles expulsarão os demônios, eles falarão línguas novas[48]”. O discípulo bem-amado acrescenta: “Jesus fez muitos outros sinais diante de seus discípulos, que não estão escritos neste livro. Estes foram escritos, para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, vocês levem a vida em seu nome[49]”. E o glorioso Paulo: “Diante do nome de Jesus todo joelho se dobrará[50]”. Da mesma forma, está escrito nos Atos dos Apóstolos: “Então, cheio do Espírito, Pedro disse: Que isto seja conhecido por todos e por todo Israel. É pelo nome de Jesus Nazareno que vocês crucificaram e que Deus ressuscitou de entre os mortos, é por seu nome que este homem se apresenta curado diante de vocês[51]”. E pouco depois: “Em nenhum outro senão nele está a salvação. Pois nenhum outro nome foi dado aos homens por meio do qual possamos nos salvar[52]”. E o Salvador: “Todo poder me foi dado no céu e sobre a terra[53]”.

E ainda mais, quando o Senhor, o Deus Homem, disse aos Apóstolos antes da cruz: “Eu lhes deixo minha paz, eu lhes dou a minha paz[54]”. E: “Eu lhes disse essas coisas para que vocês tenham paz em mim[55]”. E: “Este é meu mandamento: amem uns aos outros[56]”. E: “Assim todos saberão que vocês são meus discípulos, se amarem uns aos outros[57]”. “Como o Pai me amou, assim também eu os amei. Permaneçam em meu amor. Se vocês guardarem meus mandamentos, vocês permanecerão em meu amor, assim como eu guardei os mandamentos de meu Pai e permaneci em seu amor[58]”. E, logo após a Ressurreição, ele voltou muitas vezes, em diferentes momentos, para dar a sua paz. Ele apareceu aos seus e disse: “A paz esteja com vocês[59]”. A Pedro, a quem ele havia confiado a autoridade dentre seus discípulos, ele disse três vezes, para fazê-lo entender que o cuidado com o rebanho estava relacionado ao fervente amor por ele, o Senhor Jesus Cristo: “Pedro, se você me ama mais do que os outros, apascente minhas ovelhas[60]”.

Podemos dizer não sem razão que por meio destas três maravilhosas virtudes reveladas nascem em nós três outras virtudes admiráveis, que são a purificação da alma, a iluminação e a perfeição.


11.  Que nestas três obras estão tecidas todas as virtudes.

Se quisermos examinar a coisa com exatidão e clareza, encontraremos que por intermédio desta corda de três fios e como que indestrutível[61] se desenvolve e é tecido todo o amplo manto real das virtudes criadas por Deus. A vida em Deus é, com efeito, como uma cadeia preciosa, uma corda de ouro na qual com toda pureza uma virtude depende da outra, e onde todas se reúnem num mesmo lugar. Múltiplas, elas compõem uma obra única: deificar o homem que vive com elas na pureza; e, como os nós e laços desta trama, enriquecê-lo com a invocação salvadora do nome do Senhor bem-amado Jesus Cristo, na fé, na esperança e na humildade, e ainda com a paz e o amor; esta é árvore de três troncos que Deus plantou verdadeiramente, e que dá a vida. Quem ela alimenta a seu tempo e concede naturalmente seus frutos, não colhe a morte, como a primeira criatura, mas a vida eterna que jamais perece.


12.  Que o dom do Espírito Santo aos fiéis, por Deus Pai, e sua chegada, são dispensados em Jesus Cristo e em seu santo nome.

Sim, o dom do Espírito Santo aos fiéis por Deus Pai, e sua chegada, são dispensados em Jesus Cristo e em seu santo nome. Como disse aos apóstolos o Senhor Jesus Cristo mais que divino, que ama as almas: “É bom para vocês que eu me vá. Porque se eu não for, o Consolador não virá para vocês. Mas se eu for eu o enviarei a vocês[62]”. E: “Quando vier o Consolador que eu enviarei do Pai, o Espírito da verdade que procede do Pai[63]”, e também: “O Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome[64]”.


13.  Que é com razão que nossos santos Padres, e o Espírito Santo que neles reside, nos ordenam orar a nosso Senhor Jesus Cristo e pedir a sua piedade.

Assim, é por isso que nossos gloriosos guias e nossos mestres nos ensinam sabiamente e com o Espírito Santo que neles reside, que antes de qualquer outra boa obra e qualquer exercício, todos – e em especial os que querem engajar-se pessoalmente no estado deificante da hesíquia, se consagrarem a Deus, romper com o mundo e viver esta hesíquia segundo a razão – devem orar ao Senhor e pedir resolutamente sua piedade; e adotar como obra e meditação contínuas seu nome santíssimo e dulcíssimo, trazendo-o sempre no coração, no intelecto e nos lábios; nele e com ele respirar, viver, dormir e velar, comer, beber; e, por assim dizer, esforçar-se para tudo fazer da mesma maneira. Pois quando o Senhor está ausente, tudo vai mal. Nada recebemos daquilo de que necessitamos. Mas estando ele presente em nós, tudo o que lhe é contrário é expulso. Nenhum dos bens nos falta, mesmo aquilo que é impossível de se atingir, como o próprio Senhor nos afirma: “Quem permanece em mim, com este eu estou. Ele carrega muitos frutos. Pois sem mim vocês nada podem[65]”. Portanto, esta realidade, este nome terrível que toda a criação venera, e que está acima de toda realidade e de todo nome[66], nós, os indignos, o invocamos na fé, e, desdobrando sobre ele de todos os modos os véus do presente discurso, vamos adiante naquilo que temos a dizer.


14.  Que aquele que pretende marchar sem tropeçar sobre o caminho da hesíquia no Senhor, deve antes de tudo escolher a renúncia total, a submissão perfeita.

Em nome de nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo, que disse: “Eu sou a luz[67], a vida, a verdade e a via[68], a porta que abre para Deus Pai”, e “e alguém passar por mim será salvo, entrará, sairá e encontrará seu pasto[69]”, ou seja, a salvação, esteja atento às minhas palavras, aos conselhos que lhe damos com toda fidelidade.

Antes de tudo com total renúncia, escolha a verdadeira e perfeita submissão que pede a santa revelação. Procure, esforce-se por encontrar um guia e mestre direito. Você saberá que ele é direito porque ele submeterá tudo o que diz ao testemunho das sagradas Escrituras. Ele leva uma vida que traz o Espírito e que está de acordo com suas palavras. Seu intelecto é elevado, mas seu coração é humilde, e ele é manso em tudo o que faz. Tal é o Mestre à imagem de Cristo: ele ensina as palavras que Deus nos transmitiu. Se você o encontrar, agarre-se a ele como um filho afetuoso de corpo e espírito, permaneça por inteiro naquilo que ele lhe der, siga suas ordens como se obedecesse ao próprio Cristo, com os olhos neste e não num homem, rejeitando toda incredulidade que surgir em si, toda incerteza, todo orgulho, todo desejo da vontade. Assim, simplesmente e sem afetação, siga o mestre de perto, guardando como um espelho em vista da clara certeza a extrema e pura obediência em relação ao iniciador: sua própria consciência.

Mas, se acaso o demônio que odeia o bem semear em seu intelecto uma ou outra das coisas contrárias, afaste-se depressa, como da prostituição ou do fogo, e entre em si mesmo, responda sabiamente ao impostor que quer suborna-lo, a fim de que aquele que é levado não dirija ao que guia, mas que o que guia dirija o que é levado. Não sou eu que julgo quem comanda, mas ele que desvenda meu julgamento. Eu não sou seu juiz, ele é que é meu juiz, como diz João Clímaco[70], dentre outros. Com efeito, nada é mais verdadeiro do que esta conduta, ou seja, a obediência, desde que tenhamos resolutamente decidido abrir o manuscrito de nossas próprias faltas e nos inscrevermos no livro divino dos que são salvos. Segundo o bem-aventurado Paulo, o Filho de Deus, nosso Deus e Senhor Jesus, que tomou nossa forma por nós e sabiamente colocou em movimento a bem-aventurança paterna, abriu este caminho. Para além de toda auto-complacência humana, ele recebeu as palavras que lhe foram ditas pelo Pai. “Pois ele se rebaixou, disse Paulo, e obedeceu até a morte, e morte sobre a cruz. É por isso que ele a elevou e lhe deu um nome...[71]”. Quem então teria a ousadia, para não dizer a ignorância, de pretender alcançar a glória do Senhor Deus e Salvador Jesus Cristo, e receber recompensa do Pai, sem ter escolhido caminhar sobre a mesma via que nosso Guia e nosso Mestre Jesus Cristo? Se o discípulo quiser se tornar como o Mestre, deverá ter em si toda a beleza da empreita e do modelo. Assim ele permanecerá de toda alma voltado para a conduta e a arte de viver daquele que o forma, ardoroso em imitá-lo a cada dia.

Está escrito que nosso Senhor Jesus Cristo era submisso ao seu pai e à sua mãe[72]. O próprio Salvador disse de si mesmo: “Eu não vim para ser servido, mas para servir[73]”. Haverá alguém que queira viver de outro modo, na auto-complacência e na arbitrariedade, e sem guia? Julgará este homem caminhar segundo a razão na vida divina? Isto não é possível, porque ele ultrapassou os limites. É João Clímaco quem diz: “Assim como alguém que caminha sem guia erra facilmente de caminho, também aquele que pretende caminhar sobre a via única com toda independência se prede facilmente, ainda que conheça toda a sabedoria do mundo[74]”. É por isso que a maior parte – para não dizer todos – dos que pretendem caminhar sem receber conselhos semeia entre penas e suores, e no mais das vezes estes não fazem senão sonhar. Na verdade, eles colhem muito pouco. Alguns chegam a colher ervas daninhas ao invés do trigo. Eles seguem seu espírito de independência, comprazem-se consigo mesmos. Ora, nada é pior. João Clímaco o atesta, dizendo: “Vocês que tentaram se despojar entrando no estágio da confissão intelectual, vocês que querem trazer ao pescoço o jugo de Cristo, que tentam colocar sua própria carga sobre as costas dos outros, que se apressam em escrever o prêmio de suas aquisições, e que pretendem que, quanto a esta recompensa, são livres, vocês que, sustentados e nadando pelas mãos de outros, atravessam o grande oceano, saibam que escolheram avançar sobre um caminho duro que não leva longe e que traz consigo uma só e única ilusão, que se chama independência[75]”. Aquele que renunciou de uma vez por todas a esta, em tudo o que pode ser considerado bom, espiritual e agradável a Deus, chega antes de começar a andar. Pois a obediência é a recusa em acreditar, até o fim da vida, que trazemos em nós mesmos, por nós mesmos, qualquer bem.

É por isso que, aprendendo você essas coisas com toda inteligência, dedicando-se a viver a boa parte[76], a parte indefectível, a da hesíquia que se eleva aos céus, siga aqueles que carregaram a boa ordem, como as leis lhe revelaram. Possa você assim descobrir a hesíquia. Pois, assim como a ação é o fundamento da contemplação, também a obediência é o fundamento da hesíquia. E não queira deslocar os limites que os Padres colocaram[77], conforme está escrito: “Pobre do homem sozinho[78]”. Se você começar colocando tais fundações, com o tempo você cobrirá com um teto glorioso a mansão edificada pelo Espírito. Quando o começo não é aprovado tudo é perdido. Ao contrário, quando o começo é aprovado, tudo é belo e certamente bem ordenado, mesmo que o contrário aconteça eventualmente, mas então é porque ele surge fora de nossa intenção e de nossa resolução.


15.  Quais são os sinais da verdadeira submissão, de modo a que aquele que é verdadeiramente obediente e que os possui possa ser submisso sem a menor falha.

É demorado e difícil falar de tal conduta. Os que chegam a viver assim o fazem por diferentes caminhos. É preciso que você imprima em si, como um selo, algumas pequenas coisas relativas a esta conduta. Se você as conservar como um modelo e uma regra infalíveis, você viverá santamente. Vamos dizer o seguinte: quem se dedica verdadeiramente à obediência, nos parece, deve conservar necessariamente as cinco virtudes. A primeira é a fé. Deve-se ter uma fé pura e sem sutilezas diante do pai espiritual, uma fé tal que se veja nele o próprio Cristo e se submeta a ele como a Cristo, como disse o Senhor Jesus: “Quem os escutar me escutará. Quem os rejeitar rejeitará a mim, e àquele que me enviou[79]”. João Clímaco lembra que tudo o que não vem da fé é pecado[80]. A segunda virtude é a verdade. Deve-se ser verdadeiro em obras e palavras, e na exata confissão dos pecados. Pois foi dito: “O começo de suas palavras é a verdade[81]”. E: “O Senhor exige a verdade[82]”. O próprio Cristo disse: “Eu sou a verdade[83]”. Nós o chamamos de “verdade em si”. A terceira virtude consiste em não fazer sua própria vontade. Pois foi dito: “Quem se consagra à obediência se perde se fizer a própria vontade”. É preciso diariamente dobrar esta vontade voluntariamente, ou seja, sem ser instado pelo mestre. A quarta virtude consiste em não contestar nem disputar em nada. Pois a contestação e a disputa não são próprias a quem se consagrou à piedade. São Paulo escreveu: “Se alguém pretende disputar, nós não temos este hábito, assim como as Igrejas de Deus[84]”. Ora, se os cristãos têm em comum evitar essas coisas, quanto mais os monges. É a própria ordem do Senhor: é preciso se submeter estritamente. Contestar e disputar são próprios de um pensamento misturado de dúvida e orgulho, conforme foi dito: “O monge orgulhoso contesta violentamente[85]”. O contrário – ou seja, não contestar nem disputar – vem da fé e da humildade. Enfim, a quinta virtude consiste no dever de manter uma confissão exata e sincera diante do pai espiritual. Pois no dia da tonsura junto ao terrível altar de Cristo nós prometemos diante de Deus e dos santos anjos termos por princípio e por fim, juntamente com a profissão e a aliança que nos ligam ao Senhor, revelarmos os segredos do coração. O divino Davi disse: “Irei ao Senhor confessar meu pecado... e você absolveu meu delito[86]”. E João Clímaco: “As feridas ultrapassadas já não pioram, mas são curadas[87]”.

Quem guarda sábia e ciosamente as cinco virtudes que enumeramos, saiba sem dúvidas que logo receberá como garantia a beatitude dos justos. Tudo isto está ligado à obediência memorável.

Tais são a raiz e o fundamento. Mas aprenda também quais são os ramos e os frutos, e qual é a copa. “Da obediência, acrescenta João Clímaco, nasce a humildade. Da humildade, o discernimento. Do discernimento, a clarividência. E desta, a visão profética[88]” Aí está a obra exclusiva de Deus, o dom maravilhoso e sobrenatural que ele concede aos que o servem com toda beatitude. Além de tudo o que dissemos, que isto fique claro: a humildade produzirá em você na mesma medida a estrita submissão; o discernimento, na medida da humildade; e assim por diante.

Portanto, esforce-se quanto puder para percorrer sem falta o caminho da obediência: é assim que você chegará com segurança aos estágios mais elevados. Verifique se você manca ao ultrapassar os limites da submissão. Saiba que se isto acontecer você terá dificuldades para terminar o resto do percurso até a chegada, ou seja, até a vida de Cristo, e você não será coroado com o turbante concedido aos vencedores. Ao contrário, a obediência é um guia. Guarde consigo o que ela é e tudo o que dissemos, como o ponto que os marinheiros observam para manter o curso, a fim de que, mantendo sempre os olhos neste ponto, você possa atravessar o grande oceano das virtudes e alcançar a calma do porto da impassibilidade. Mesmo que a tempestade e as ondas o assaltem, é para lá que a submissão o conduzirá. Pois, dizem os Padres, o próprio diabo não é capaz de prejudicar aos que verdadeiramente obedecem.

Para mostrar um pouco a grandeza do prêmio que merece a obediência admirável, lembraremos uma palavra do santo Padre. A chama luminosa da vida de Cristo, o novo Besaleel[89] da Escada celeste, disse: “Os Padres simbolizam a salmodia como arma, a prece como muralha, e as lágrimas puras como banho. E eles consideraram que a bem-aventurada obediência é a confissão sem a qual nenhum dos que vivem presa das paixões verá o Senhor[90]”. Isto basta, nos parece, para mostrar claramente e louvar a inimitável imitação da obediência três vezes bem-aventurada.

Mas ainda teremos muito que aprender pela experiência, e a discernir se olhamos para os cumes, se examinamos a causa daquilo que nos fere e nos leva à morte, quando essas coisas não são cumpridas de início, e também qual é a causa da renovação e da imortalidade. Assim é que encontraremos na origem da corrupção a autossuficiência, a independência e a desobediência do primeiro Adão, de onde nasceram a rejeição e a transgressão do mandamento divino[91], e na origem da incorruptibilidade a obediência a seu Pai do segundo Adão, nosso Deus e Salvador Jesus Cristo, e sua vontade em comum, de onde nasce a observância de seu mandamento: “Pois eu não falei por mim mesmo, disse o Salvador. Foi o Pai que me enviou quem me ordenou o que eu deveria dizer e explicar. E eu sei que seu mandamento é a vida eterna. Aquilo que eu digo, o faço como meu Pai disse a mim[92]”. Portanto, da mesma forma como a presunção é a raiz e a mãe de todos os que se seguiram ao ancestral, também no homem novo, no Deus Homem, Jesus Cristo, e naqueles que desejam viver como ele viveu, a origem, a fonte e o fundamento de todos os bens é a humildade. Vemos no mundo dos anjos divinos, no mundo sagrado do alto que nos domina, e também em nossa Igreja terrestre, a observância desta atitude e desta ordem.

Mas os que se inclinam para longe desta lei que nos foi dada e que querem viver de modo desviado, para não dizer impudente, sabemos e cremos que eles irão se ferir, que serão banidos para longe de Deus, para longe da parte iluminada da Igreja celeste e católica, e que serão enviados para as trevas e o fogo da Geena. É isto que sofreram os maus obreiros que cercam Lúcifer e os faladores que seguiram os heréticos mentirosos. Aqui só repetimos o que dizem as palavras da divina Escritura. Por causa de sua autossuficiência e de seu orgulho, como foi dito, eles foram lamentavelmente rejeitados da glória e das delícias divinas e da santa assembleia.

São os contrários, disse um sábio, que nos curam dos contrários. Pois a causa de todas as tristezas é a desobediência e a presunção. E a causa de todas as alegrias é a obediência e a contrição. Quem deseja viver sem faltas deve levar uma existência submetida a um Pai experimentado, que rejeitou todo erro, que recebeu sua autoridade da experiência do tempo e da ciência das coisas de Deus, e que adornou sua vida com a beleza do círculo das virtudes. Ele deve considerar as ordens e os conselhos deste Pai como a voz e a vontade de Deus. Com efeito, foi dito que a salvação vem dos numerosos conselhos que recebemos[93], e que aquele que não recebe conselho combate a si mesmo. Um ou outros dos Padres gloriosos talvez tenha podido, sem passar por esta ascese da submissão, alcançar a hesíquia deificante e a perfeição da vida divina. Estes receberam a revelação de Deus. Mas isto é raro. Ora, como foi escrito, aquilo que é raro não é a lei da Igreja, assim como uma andorinha não faz verão. Confie a si próprio à verdadeira submissão como a uma ciência que permite penetrar em toda a beleza da hesíquia. Deixe as coisas que aconteceram uma única vez por uma particular disposição de Deus e conforme-se com as resoluções comuns dos veneráveis Padres. É assim que você será considerado digno das recompensas dos que vivem segundo a regra.

Ora, ninguém, sem experiência, escolheria tomar esta via sem um guia seguro, como não tentaria atravessar o oceano sem um piloto experiente, ou aprender uma arte ou uma ciência sem um mestre infalível. Assim, diante da arte das artes e da ciência das ciências, diante do caminho que conduz a Deus, diante deste oceano espiritual infinito que é a vida solitária semelhante à vida dos anjos, quem ousaria se consagrar ao início da ascese e imaginar que poderia levá-la a bom termo, sem um guia, um piloto, um Mestre testado e verdadeiro? Este homem, qualquer que seja, erra antes mesmo de haver começado[94], pois ele não segue a lei. Ao contrário, aquele que, antes mesmo de dar o primeiro passo, se submete ao que foi colocado pelos Padres, chegará certamente ao final.

Com efeito, sem ser pelos Padres, como poderemos saber se marchamos naturalmente segundo a carne, ou se combatemos as paixões e os demônios? Pois os vícios, como foi escrito, estão ligados às virtudes, como se fossem seus vizinhos. Quem, fora os Padres, poderá educar em nós os sentidos do corpo e ritmar como uma harpa as potências de nossa alma? E, sobretudo, como nos será possível discernir as vozes e as revelações, as consolações e as visões de Deus? E as armadilhas, as ilusões e os fantasmas dos demônios? Numa palavra, como poderemos ser considerados dignos de chegar à união com Deus, às celebrações teúrgicas, aos mistérios, se não formos iniciados por um verdadeiro guia esclarecido? Verdadeiramente, isto não é possível. Quando vemos o vaso de eleição, o bem-aventurado Paulo, o iniciado dos mistérios inefáveis, a boca de Cristo, a luz do mundo, o sol comum, o mestre de toda a terra dos homens, ele que transmitiu e aprofundou o Evangelho com os demais apóstolos, dizer “tenho medo de correr ou haver corrido por nada[95]”; quando vemos nosso Senhor Jesus Cristo, a sabedoria em pessoa, dizer de si mesmo: “Eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas para fazer a vontade do Pai que me enviou[96]”; quando ele diz do Espírito Santo vivificante: “Ele não falará por si mesmo, mas dirá aquilo que ouviu[97]”; por causa dessa boa ordem que mantém unidos o céu e a terra, somos tomados de um calafrio, de estupor e de angústia diante de nosso nada e de nossa indolência, particularmente entre aqueles dentre nós que escolheram estúpida e perigosamente, por tolice e orgulho, viver por sua conta e fora da obediência.

Este combate é verdadeiramente terrível. Os ladrões são miríades. As armadilhas colocadas pelos assaltantes são inumeráveis. Os naufrágios estão além de toda medida. Dentre tantos seres, bem poucos são salvos[98]. Mas deixemos que marchem como queiram: “o fogo provará o que é a obra de cada um[99]”, como foi escrito. E: “Você dará a cada um conforme suas obras[100]”. É preciso não apenas querer, mas querer e viver como se deve. Possa o Senhor dar inteligência a todos[101]. Mas você, e qualquer um que queira viver segundo Deus e aprender a conhecer, como que se agarrando às franjas das parábolas, o tecido espiritual todo em ouro e a benfazeja obediência, apresse-se em encontrar um mestre correto e perfeito, como eu lhe mostrei.

O alimento sólido, disse Paulo que tinha a Cristo em si, é o alimento dos perfeitos que têm, por seu estado, os sentidos exercitados no discernimento do bem e do mal[102]. Se é isto que você procura, entre penas e fé, você não perderá o objetivo proposto. Pois, diz a divina Escritura, quem pedir receberá, quem procura encontrará, a quem bater será aberto[103]. Tal mestre o iniciará na ordem e em sequência em todas as coisas necessárias, em todas as coisas que Deus ama, e, acima de tudo, ele o conduzirá às coisas mais espirituais, que primeiro agradam a Deus e que não são transmitidas a muitos, a partir do momento em que ele perceber que você se regozija em sua alma com a continência, a sobriedade, a simplicidade que você coloca no comer, no beber, nas suas vestes e em tudo o que o cobre, contentando-se com as coisas úteis e necessárias que convêm a cada momento, não se comprazendo com as coisas vãs e fúteis com que se glorificam os que vivem tolamente na negligência e na frivolidade, e que carregam a espada contra si próprios e contra sua salvação. O grande Apóstolo disse: “Contentemo-nos em ter o que comer e o que vestir[104]”.

Mas você pede, você deseja aprender, você quer entender de nós por escrito aquilo que convém ao começo, ao meio e ao fim da vida em Cristo. A questão é louvável, mas a resposta é naturalmente difícil. Entretanto, Cristo estende sua mão direita à sua pergunta, e nós nos esforçaremos em aceder. Como sobre um fundamento sólido e firme construiremos sobre a venerável e perfeita obediência o templo glorioso de todo o edifício espiritual, ou seja, da hesíquia deificante. Eis o que diremos, servindo-nos das palavras dos Padres inspirados pelo Espírito, e nos apoiando sobre eles como sobre colunas inquebráveis.


16.  Que, em nome da fé ortodoxa, aquele que quiser, com toda fidelidade, viver a hesíquia segundo Deus, deve velar por estar cheio de boas obras. Que a fé é dupla. Que com a fé o hesiquiasta deve ser pacífico, viver sem distrações, permanecer sem inquietudes e cuidados, calar-se, ser calmo, dar graças por tudo, reconhecer sua própria fraqueza, suportar nobremente as tentações, esperar em Deus e dele aguardar o que nos é bom.

A) O Salvador disse: “Não é quem me diz ‘Senhor, Senhor’ que entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus[105]”. Também você, bem-amado, se não for apenas em palavras que você ama a hesíquia deificante que desde já faz aparecer na luz o Reino dos céus e o Reino de Deus naqueles que os recebem com toda fidelidade, e que no século por vir se revelarão mais total e perfeitamente, mas se seu desejo de amor for real e verdadeiro, vigie, em nome da fé ortodoxa, para estar igualmente cheio de boas obras. De sua parte, que você possa estar em paz com todos, sem se deixar distrair ou inquietar, sem se preocupar com nada, que você possa ser silencioso, calmo, agradecido por tudo e consciente de sua própria fraqueza. Em resumo, mantenha seu olhar vigilante e sóbrio sobre as diversas e numerosas tentações que chegam a cada dia, combata com a paciência e a temperança a tempestade e a tormenta que o assaltam de todas as maneiras.

Quanto à primeira e à segunda ordem – ou seja, em nome da fé ortodoxa adornar-se de boas obras – que o glorioso irmão de Deus seja para você um mestre claro, quando diz: “A fé sem obras é morta, assim como as obras sem a fé”. E: “Mostre-me sua fé com suas obras[106]”. Mas antes de tudo o guia e mestre de todos, nosso Senhor Jesus Cristo, já havia dito aos seus discípulos: “Vão e ensinem a todas as nações, batizem em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Aprendam a guardar tudo o que eu lhes ordenei[107]”. E o Teólogo diz que Deus reclama de todo homem que recebeu o batismo três coisas: a reta fé da alma, a castidade do corpo e a verdade da língua.


Que a fé é dupla.

B) Note que, segundo a tradição divina, a fé é dupla. Uma é a fé geral dos cristãos ortodoxos, na qual fomos todos no princípio batizados, e com a qual partimos para o fim. Outra é a fé dos raros homens que, tendo cumprido todos os mandamentos deificantes, alcançaram a imagem e a semelhança, e, com isto, ricos da divina luz da graça, repousam no Senhor toda a sua esperança[108]. E de tal modo que, no momento da prece, segundo a palavra do Senhor, eles não sabem o que pedir a Deus[109], mas buscam com fé e – que bela recompensa! – recebem facilmente o que lhes convém. Os bem-aventurados adquiriram a fé certeira que provém das obras puras. Eles rejeitaram de si mesmos todo conhecimento, toda distinção, toda dúvida, toda preocupação. Inteiramente mergulhados na embriaguez divina da fé, da esperança e do amor a Deus, foram transformados pela excelente e bem-aventurada transformação da direita do Altíssimo, segundo o divino Davi[110].

Não cabe aqui nos estendermos sobre a primeira fé. Mas é oportuno falar da segunda fé que, como um fruto divino, floresce e nasce da primeira. Com efeito, a fé é como que a raiz e o cume da hesíquia que chamamos deificante. “Pois se você não crê, diz João Clímaco, porque você vive a hesíquia?[111]”. Também o divino Davi disse: “Eu acreditei, e por isso eu falei[112]”. E o grande apóstolo Paulo: “A fé é o fundamento daquilo que se espera, a prova daquilo que não se vê[113]”. E: “O justo viverá por sua fé[114]”. O próprio Senhor disse aos discípulos que lhe pediam que aumentasse sua fé: “Se vocês tivessem a fé do tamanho de um grão de mostarda, vocês diriam a esta amoreira: ‘Desenraize-se e plante-se no mar’, e ela obedeceria[115]”. E: “Se vocês tiverem fé e não duvidarem, não apenas farão o que fiz com a figueira, mas ainda, se disserem a esta montanha: ‘Levante-se e se atire ao mar’, ela os obedecerá. Tudo o que vocês pedirem pela prece e acreditando, vocês receberão[116]”. E: “Sua fé o salvou[117]”. Também santo Isaac escreveu: “A fé é mais sutil do que o conhecimento, assim como o conhecimento é mais sutil do que as coisas sensíveis”. Todos os santos considerados dignos de encontrar o modo de vida que os mergulhou no temor a Deus passaram, de fato, pelo poder da fé, pelas delícias deste mundo sobrenatural.

Aquilo a que chamamos fé não consiste em crer na distinção das Pessoas divinas adoradas, na própria natureza extraordinária da Divindade, na admirável economia, por elevada que esta seja, que a trouxe para a humanidade e a fez tomar nossa natureza. A fé de que falamos se ergue da luz da graça na alma pelo testemunho da consciência. Ela conforta o coração resoluto na plena certeza da esperança, longe de toda presunção. Não a descobrimos naquilo que o ouvido escuta, mas ela mostra aos olhos espirituais os mistérios escondidos na alma. Ela dispensa a riqueza secreta de Deus escondida aos olhos dos filhos da carne e revelada no espírito aos que comem à mesa com Cristo e conversam sobre suas leis, como ele disse: “Se vocês guardarem meus mandamentos, eu lhes enviarei o Consolador, o Espírito de verdade que o mundo não pode receber. E ele lhes ensinará toda a verdade...[118]". E também: “Até que ele venha, ele que é o cumprimento dos mistérios, e que sejamos dignos de ver sua revelação, a fé celebrará entre Deus e os santos a liturgia destes mistérios inefáveis que nos foram dados como garantia pela graça do próprio Cristo, na própria fonte da verdade, no Reino dos céus, com os que o amam[119]”.


Que devemos ser pacíficos.

C) Quanto à terceira ordem – estar em paz com todos – que a palavra do bem-aventurado Davi seja para você uma clara exortação; e que, da mesma forma, a de Paulo que tinha Cristo em si ressoe mais forte do que uma trombeta. Um disse: “Uma grande paz está naqueles que amam a lei, e eles não tombarão[120].” [121]E: “Eu permaneci pacífico entre os que desprezavam a paz”. E: “Busque a paz e persiga-a[122]”. O outro disse: “Procurem a paz com todos e a santificação, sem as quais ninguém verá o Senhor[123]”. E: “Se isto for possível, estejam em paz com todos[124]”.


Que devemos viver longe de todas as distrações.

D) A quarta obra – viver longe de todas as preocupações – lhe será mostrada por santo Isaac, que disse: “Se a concupiscência nasce dos sentidos, que se calem aqueles que confessam manter a paz no intelecto enquanto levam uma vida agitada[125]”. E: “Não comungue da vida daqueles que se agitam[126]”.


Que é preciso estar sem inquietudes e cuidados.

E) Que o ensinamento da quinta ordem – permanecer sem inquietudes e sem cuidados com as coisas boas ou más – lhe seja dado pelo que disse o Senhor nos Evangelhos: “Por isso eu lhes digo: não fiquem preocupados com a vida, com o que comer; nem com o corpo, com o que vestir. Afinal, a vida não vale mais do que a comida? E o corpo não vale mais do que a roupa? Olhem os pássaros do céu: eles não semeiam, não colhem, nem ajuntam em armazéns. No entanto, o Pai que está no céu os alimenta. Será que vocês não valem mais do que os pássaros? Quem de vocês pode crescer um só centímetro, à custa de se preocupar com isso? E por que vocês ficam preocupados com a roupa?[127]”. E logo depois: “Portanto, não fiquem preocupados, dizendo: O que vamos comer? O que vamos beber? O que vamos vestir? Os pagãos é que ficam procurando essas coisas. O Pai de vocês, que está no céu, sabe que vocês precisam de tudo isso. Pelo contrário, em primeiro lugar busquem o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus dará a vocês, em acréscimo, todas essas coisas. Portanto, não se preocupem com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá suas preocupações. Basta a cada dia a própria dificuldade[128]”. Santo Isaac disse: “Se você não estiver vazio de cuidados, não procure a luz em sua alma, nem a calma e o repouso na vaidade dos sentidos[129]”. E João Clímaco: “Um único fio de cabelo perturba o olhar, e o menor cuidado destrói a hesíquia. Pois a hesíquia é o retiro dos pensamentos e a renúncia aos cuidados da razão. Quem realmente recebeu a hesíquia não se preocupará com a carne. O Senhor que prometeu isto é fiel[130]”.


Que é preciso estar em silêncio.

F) Quanto à sexta ordem – calar-se – é a continuação do discurso que nos obriga a falar. Santo Isaac diz a este respeito: “Quem fecha sua boca ao falatório guarda seu coração das paixões. E quem purifica seu coração das paixões contempla o Senhor a toda hora[131]”. E: “Se você faz uma parte de todas as obras da vida social e uma parte de silêncio, você verá que esta pesa mais[132]”. E: “Ame o silêncio mais que tudo, pois ele o aproxima do fruto. A língua é impotente para explicar. Obriguemo-nos ao silêncio. Então, dele nascerá em nós algo que nos conduzirá a ele mesmo. Que Deus lhe permita sentir esta coisa que vem do silêncio. Se você começar a levar esta vida, eu não sei, a partir dela, que luz se levantará em você”. E: “O silêncio é o mistério do século futuro. As palavras são o órgão deste mundo[133]”. É assim que a voz divina prescreveu a santo Arsênio: “Arsênio, fuja, cale-se, viva a hesíquia e você será salvo[134]”.


Que é preciso estar calmo.

G) No que diz respeito à sétima ordem – viver a hesíquia – você pode confiar no que expõem o grande Basílio e também santo Isaac. Um diz: “A hesíquia é o começo da purificação da alma[135]”. E o outro: “O objetivo da hesíquia é o silêncio longe de tudo[136]”. Com essas palavras, um aponta brevemente o começo da hesíquia e o outro o fim. Está dito no Antigo Testamento: “Você pecou? Fique em repouso[137]”. E: “Detenha-se, e saiba que eu sou Deus[138]”. João Clímaco diz: “A obra que conduz à hesíquia é em primeiro lugar a ausência de preocupações de qualquer tipo, boas ou más. Pois quem abre para as primeiras, acaba caindo nas segundas. Depois vem a prece ativa. Enfim o trabalho do coração, que ninguém violenta. É naturalmente impossível a alguém que não a prendeu as letras estudar nos livros. Mas é mais impossível ainda a quem não aprendeu a primeira parte da obra alcançar com razão às duas outras[139]”. E santo Isaac: “O amor à hesíquia é a espera contínua da morte. Quem entra na hesíquia fora desta meditação não pode suportar aquilo que é preciso aguentar e manter de toda maneira”.


Que é preciso dar graças por tudo.

[140]H) Quanto à oitava ordem – dar graças por tudo – basta que você tenha por guia o divino apóstolo Paulo, que ordena: “Deem graças por tudo[141]”. E santo Isaac: “A ação de graças daquele que recebe leva o que dá a dar dons maiores do que os primeiros. Quem não dá graças pelas pequenas coisas é mentiroso e injusto nas maiores[142]”. E: “Quem abre ao homem os carismas de Deus é um coração levado à contínua ação de graças. Mas abrir a alma à tentação significa que temos o coração sacudido por murmúrios”. E: “Uma boca que dá graças continuamente recebe a benção de Deus”. E: “A graça desce no coração que permanece em ação de graças[143]”.


Que é preciso conhecer a própria fraqueza.

I)  Ganha muito, aquele que chegou a conhecer sua própria fraqueza. Esta é a nona ordem. Que ele escute e aprenda o décimo-sexto salmo do divino Davi, onde é dito: “Tem piedade de mim, Senhor, porque sou fraco[144]”. E em outra parte: “Eu sou um verme e não um homem, a vergonha dos homens e o rejeito do povo[145]”. E santo Isaac: “Bem-aventurado o homem que conhece sua própria fraqueza. Este conhecimento é o fundamento, a raiz, o começo de toda bondade. Quando aprendemos, de fato, quando em verdade sentimos nossa própria fraqueza, encerramos nossa alma longe de toda vaidade que obscurece o conhecimento, recolhemos em nós o tesouro da vigilância[146]”. E: “O homem que chegou a conhecer a medida de sua fraqueza alcançou a perfeição da humildade[147]”.


Que é preciso suportar nobremente as tentações.

J) O último capítulo do discurso, o décimo, que encerra nossa exposição, estabelece como suportar nobremente as diversas tentações de todos os tipos que vão assaltar, e como resistir a elas com paciência e perseverança. Escute o que diz a respeito disto a Santa Escritura. Paulo, que tinha Cristo em si, disse: “Irmãos, não temos que combater o sangue e a carne, mas as dominações, os poderes, os príncipes do mundo que mantêm as trevas deste século, os espíritos do mal nos lugares celestes[148]”. E: “Se vocês não têm a experiência do castigo que receberam, vocês são bastardos e não filhos[149]”. E: “O Senhor castiga aqueles a quem ama. Ele castiga aos que aceita como filhos[150]”. E o irmão de Deus: “O homem que não tem a experiência da tentação não é testado[151]”. E santo Elias de Ecdicos: “É permitido a todo cristão ter uma fé reta em Deus, viver fora de todas as preocupações, mas também esperar continuamente e receber a tentação para que, quando ela chegar, não ser surpreendido, não ficar perturbado, mas suportá-la dando graças pela pena e a aflição, e assim compreender o que ele diz quando canta com o profeta: ‘Salve-me, Senhor, prove-me’. Ele não diz: seu castigo me destruiu, mas: ‘Ele reergueu no fim’.[152]” Também não procure a causa das tentações, não se inquiete buscando de onde elas vêm. Apenas reze a Deus para suportá-las dando-lhe graças, como diz são Marcos o Eremita: “Quando a tentação chegar, não procure saber por que ou de onde ela vem. Tente suportá-la dando graças e sem ressentimento”. E ainda: “Se não é fácil encontrar alguém que leve uma vida agradável sem tentações, é preciso dar graças a Deus por tudo o que acontece”. E: “Toda aflição permite verificar o movimento que conduz a vontade, seja à direita, seja à esquerda. É por isso que a aflição que chega é chamada de tentação. Ela dá a quem a recebe a experiência das vontades ocultas[153]”.

Também santo Isaac, entre outros, diz o seguinte: “A tentação é útil a todos os homens. Pois se ela foi útil a Paulo, toda boca deve se calar, e que todo mundo se saiba culpado diante de Deus[154]. Os que combatem são tentados para acrescentar às suas riquezas. Também os que se deixam levar pela vaidade, a fim de que se guardem daquilo que os prejudica. Os que dormem, a fim de que disponham a despertar. Os que estão longe, para que se aproximem de Deus. Os que vivem em casa, para que permaneçam com toda confiança. Todo filho que não é testado não recolhe a riqueza da casa de seu pai, não recebe dele nenhuma ajuda. É por isso que Deus começa primeiro tentando-o e testando-o, para depois revelar-lhe seus dons. Glória ao Mestre que por meio dos remédios mais amargos nos traz as delícias da saúde. Não há homem que não se sinta oprimido quando ele chega. E não há homem a quem não pareça amargo o tempo em que bebe o veneno das tentações. Mas sem estas coisas é impossível adquirir uma boa constituição”. E: “Não cabe a nós suportar. Como poderia o vaso de argila suportar a água que é vertida nele, se não tivesse antes endurecido no fogo divino? Se nós nos submetermos orando humildemente numa tensão contínua, também a nós será concedido suportar em Jesus Cristo nosso Senhor[155]”. Está escrito na Sabedoria do Eclesiastes: “Meu filho, se você quer servir ao Senhor seu Deus, prepare sua alma para as tentações[156]”. E: “Torne direito seu coração, persevere, não se deixe levar quando estiver angustiado[157]”.


Que é preciso esperar em Deus e dele esperar tudo o que é bom.

Jogue a âncora da esperança para Deus que pode salvá-lo, e dele você receberá para seu bem a libertação das tentações. Com efeito, foi dito: “Deus é fiel e não permitirá que sejamos tentados além do que podemos suportar. Junto com a tentação ele nos fornecerá os meios de escapar dela[158]”. E: “A aflição engendra a perseverança, a vitória na provação; e esta vitória, a esperança. Ora, a esperança não engana[159]”. E: “Aquele que perseverar até o fim será salvo[160]”. E: “Por sua perseverança, vocês salvarão suas almas[161]”. O irmão de Deus disse igualmente: “Considerem, meus irmãos, que é uma grande alegria ser exposto a diversas tentações, sabendo que a prova de sua fé engendra a paciência. Mas é preciso que a paciência realize perfeitamente sua obra, a fim de vocês próprios sejam perfeitos e completos, sem falhar em nada[162]”. E: “Bem-aventurado o homem que suporta com paciência a tentação. Quando ele for testado, ele receberá a coroa da vida, que o Senhor prometeu aos que o amam[163]”. E: “Os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados à glória que virá e que será revelada a nós[164]”. E: “Eu pus minha paciência no Senhor, e ele veio a mim, escutou minha prece, livrou-me do abismo do mal e do pântano lodoso. Ele pôs meus pés sobre um rochedo e dirigiu meus passos. E colocou em minha boca um canto novo, um louvor ao nosso Deus[165]”.

O bem-aventurado Simeão o Metafrasto escreveu: “A alma presa nos laços do amor a Deus jamais considera estar sofrendo. Ela faz suas delícias das coisas dolorosas, e floresce quando lhe fazem mal. Quando ela não sofre nada que a aflige por aquele a quem ama, é então que ela se sente dolorosa. Ela foge do conforto como de uma danação”.


17.  Do temor a Deus. Que ele é duplo: um é o temor dos noviços, outro o temor dos perfeitos.

Não podemos deixar de lembrar agora o duplo temor divino, mesmo que tenhamos julgado melhor terminar os dez capítulos precedentes falando apenas do temor perfeito, invertendo assim de certa maneira a ordem do primeiro temor. O temor foi colocado pelos Padres depois da fé.


Do primeiro temor, o temor dos noviços.

Saiba então, bem-amado, que o temor divino é duplo: um é o dos noviços, outro o dos perfeitos. Do primeiro, está escrito: “O temor do Senhor é o começo da sabedoria[166]”. E: “Venham, filhos, escutem-me. Eu lhes ensinarei o temor do Senhor[167]”. E: “Pelo temor do Senhor, todo homem se desviará do mal[168]”. E: “O temor é a observância dos mandamentos[169]”. Santo Isaac disse: “O temor a Deus é o começo da virtude. Diz-se que ele nasce da fé[170]”. E: “Ele é semeado no coração quando o intelecto se separa da distração do mundo para reunir os pensamentos que impulsionam a dispersão e recolhe-los na meditação contínua do restabelecimento futuro”. E: “O temor a Deus é o começo da verdadeira vida do homem. Ele não aceita residir na alma daqueles que se dispersam”. E: “Tenha a sabedoria a fundamentar seu caminho sobre o temor a Deus. Em poucos dias você estará estabelecido nas portas do Reino, fora do movimento circular”.


Do segundo temor, o temor divino perfeito.

Quanto ao segundo temor, o temor divino perfeito, foi dito: “Bem-aventurado o homem que teme ao Senhor e que coloca toda sua vontade nos mandamentos[171]”. E: “Felizes os que temem ao Senhor e caminham sobre suas vias[172]”. E: “Temam ao Senhor, todos os seus santos. Pois nada falta àqueles que o temem[173]”. E: “Vejam, assim será bendito o homem que teme ao Senhor[174]”. E: “O temor ao Senhor é puro, ele permanece pelos séculos dos séculos[175]”.

São Pedro Damasceno escreveu: “O sinal do primeiro temor é a aversão ao pecado, é voltar-se contra ele, como alguém que foi ferido por um animal selvagem. Mas este é o sinal do temor perfeito: amar a virtude e recear se desencaminhar. Pois ninguém é imutável. Em todas as coisas desta vida, devemos sempre temer a queda. Por isso, também você, que ouve estas coisas com inteligência, esforce-se, com todos os de que falamos, para sempre trazer consigo o primeiro temor. Pois ele é como um tesouro mais seguro do que todas as boas ações. Se você agir assim, você guiará seus passos[176] para a obra de todos os mandamentos de nosso Senhor Jesus Cristo. E avançando neste caminho você adquirirá o temor perfeito e puro[177], no desejo das virtudes e do amor de nosso bom Deus[178]”.


18.  Que graças aos mandamentos e à fé em nosso Senhor Jesus Cristo, fé esta que passa pelos mandamentos, quando chegar o momento não devemos nada tentar preservar desta vida.

Quanto ao que dissemos, é preciso ainda saber o seguinte: graças aos mandamentos do Senhor Jesus Cristo, que dispensam a vida, e graças à fé que passa por eles, devemos, quando chegar o momento, perder até a alma com alegria. Vale dizer que não devemos tentar preservar nossa vida. É isto que o próprio Senhor Jesus Cristo disse: “Quem perder sua alma por minha causa e por causa do Evangelho, se salvará[179]”. É preciso crer sem hesitar, e não duvidar que o Deus Homem, Jesus o Salvador, é ele mesmo a ressurreição, a vida, e tudo o que conduz à salvação, como ele próprio disse: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morto, viverá”. E: “Quem crer e viver em mim não morrerá jamais”. [180]E: “Deus amou tanto o mundo que deu seu Filho único para que quem nele crer não se perca, mas tenha a vida eterna[181]”. E: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância[182]”.

Portanto, faça o seguinte: esqueça o que ficou para trás. Volte-se para o que está adiante[183]. Siga seu caminho com Jesus Cristo nosso Senhor, sem se voltar. Mas aqui é bom, nos parece, e muito útil, expor primeiro um método natural que o bem-aventurado Nicéforo o Grande, que nos ensina como penetrar no coração pela respiração, e que de certo modo tende a recolher o intelecto. Assim, com a ajuda de Deus, a continuação do presente trabalho progredirá em boa ordem. Entre muitas outras coisas que extraem sua autoridade dos testemunhos escritos dos Santos, este homem divino disse o seguinte:


19.  Método natural referente à entrada e saída do sopro no coração pela respiração, e sobre a prece que, com este, produz sua obra em nós. Esta prece é: Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim. Este método leva de qualquer maneira ao recolhimento do intelecto.

“Saiba, irmão, que o sopro que respiramos é o próprio ar. E que só respiramos este ar por causa do coração. Com efeito, o coração é a fonte da vida e do calor do corpo. Assim, o coração atrai o sopro a fim de lançar para fora seu próprio calor pela expiração e garantir para si uma boa temperatura. O autor, ou melhor, o servidor desta ordem, é o pulmão. Ele foi feito poroso pelo Criador. Como um fole, ele faz o ar entrar e sair sem esforço. Assim, o coração, atraindo o frio do sopro e rejeitando o calor, mantém sem jamais transgredir a ordem segundo a qual ele foi regulado para manter vivo o ser”.

“Portanto, irmão, sente-se na calma de sua célula e, recolhendo todo o seu intelecto, faça-o entrar pelo caminho das narinas, por onde o sopro penetra no coração. Empurre-o e force-o a permanecer com o sopro inspirado dentro do coração. Quando ele penetrar aí e já não estiver sem a alegria e a graça, acontecerão a você as coisas subsequentes. Do mesmo modo como um homem que partiu para longe de sua casa exulta de alegria quando retorna a ela, porque pode rever seus filhos e sua esposa, também o intelecto, quando se une à alma, se enche de prazer e de regozijo inefáveis”.

“Então, irmão, habitue o intelecto a não escapar do coração facilmente. De fato, no começo ele não se deixará capturar e prender no seu interior. Mas depois que ele se habituar, ele não mais cobiçará os movimentos do exterior. Pois o Reino de Deus está em nós[184]. Àquele que o contempla no coração e que o busca através da prece pura, todas as coisas do exterior parecem desprezíveis e detestáveis”.

E ainda: “Eis é uma coisa que você precisa aprender, quando seu intelecto chegar lá: você não deve deixá-lo no silêncio e na inércia, mas deve dar-lhe como trabalho e como exercício contínuo a oração: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim’. Que ele jamais cesse de dizê-la. Pois a prece o defenderá de toda dispersão. Ela impedirá que ele seja submetido ou tocado pelos ultrajes do inimigo. Ela o elevará a cada dia mais no amor e no desejo de Deus[185]”.

Este é o objetivo do bem-aventurado Padre: que, de sua desorientação costumeira, de seu cativeiro, de sua agitação, o intelecto, sob a ação deste método natural, retorne à atenção; que pela atenção ele se ligue novamente a si mesmo e assim se uma à prece; que então, junto com a prece, ele desça até o coração e nele permaneça para sempre. Um outro sábio de Deus, explicando esta prática e partindo naturalmente de sua experiência nesta obra santa, disse o seguinte:


20.  Do método da respiração natural e da invocação do Senhor Jesus Cristo que acompanha a respiração.

“Eis uma coisa que deve ficar bem clara para quem deseja aprender: se, quando o sopro entra, instruímos nosso intelecto a descer com ele, então saberemos precisamente que o intelecto, uma vez descido, não sai mais se houver renunciado a todo pensamento, vendo-se uno e nu, sem nenhuma outra recordação ao seu redor que não a invocação de nosso Senhor Jesus Cristo. Mas se ele deixar o coração, ele voltará às coisas de fora, à memória múltipla, e se dividirá ainda que não queira[186]”.


21.  Que são João Crisóstomo, assim como outros antigos Padres, ordena orar em Jesus Cristo nosso Senhor, e de rezar no interior do coração. Ele diz que esta oração é: Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim.

Também o grande Crisóstomo disse: “Eu lhes imploro, irmãos, jamais transgridam ou desprezem a regra da oração”. E: “Quer coma, quer beba, quer se sente ou caminhe, faça o que faça, o monge deve dizer continuamente: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim’”. E: “Que o nome do Senhor, descendo à profundeza do coração derrube o dragão que tomou as pastagens, que ele salve a alma e lhe devolva a vida. Permaneça sem parar no nome do Senhor Jesus, para que o coração absorva o Senhor e que o Senhor absorva o coração, e que os dois se tornem um”. E ainda: “Jamais separem de Deus seu coração. Permaneçam nele e mantenham-no sempre com a lembrança de nosso Senhor Jesus Cristo, até que o nome do Senhor se encontre aí firmemente plantado e que o coração não considere outra coisa, a fim de que Cristo seja exaltado em vocês[187]”.


22.  Da lembrança de Jesus pela respiração e a prece no interior do coração.

João Clímaco escreveu: “Que a lembrança de Jesus se ligue à sua respiração. Então você conhecerá o socorro da hesíquia[188]”. E santo Hesíquio: “Se você quiser realmente cobrir de vergonha os pensamentos, viver sem mal a hesíquia, possuir um coração sóbrio e vigilante comodamente, que a prece de Jesus se uma à sua respiração. Você verá a coisa surgir em poucos dias[189]”.


23.  Que aquele que pretende ser sóbrio e vigilante em seu intelecto, em particular o noviço, deve se sentar no momento da prece num cômodo calmo e escuro, para recolher assim naturalmente, ainda que de forma parcial, o intelecto e o pensamento.

A tudo o que foi revelado, que veio do alto, àquilo que os santos Padres anunciaram ao longo dos testemunhos com os quais nos explicaram como devemos, seguindo a inspiração até dentro do coração, por meio da prece, da meditação, da sobriedade e da vigilância, permanecer em nosso Senhor Jesus Cristo e em seu santo Nome salvador rogando por sua piedade, devemos acrescentar o seguinte:

Os divinos Padres, os Mestres, que tiveram a experiência desta obra bem-aventurada, ensinam e prescrevem aos que se aplicam com todo seu intelecto em ser sóbrios e vigilantes em seu coração, e em particular aos noviços, sentarem-se sempre num lugar calmo, sobretudo no momento fixado para a prece, e num canto sem iluminação. Pois a visão dos olhos, o olhar que se projeta sobre as coisas que vemos e observamos, distrai naturalmente o intelecto, divide-o e o modifica. Mas se, como dissemos, o encerramos numa cela calma e escura, ele deixa de ser dividido e modificado pelo olhar. Assim, quer queira, quer não, ao menos parcialmente, o intelecto é conduzido à serenidade, ele se habitua a se recolher sobre si mesmo, como diz o grande Basílio: “O intelecto que não vagueia fora, que não escoa pelo mundo através dos sentidos, retorna para si mesmo[190]”.


24.  Que o intelecto é libertado de toda distração acima de tudo pela invocação no interior do coração e com fé de nosso Senhor Jesus Cristo e de seu santo Nome. O método natural da respiração no interior do coração, o recolhimento num lugar calmo e sombrio e outras coisas semelhantes, não passam de recursos auxiliares.


Mas antes dessas coisas, ou melhor, antes de todas as coisas, o intelecto chega ao termo de tal combate pelo socorro da graça divina, que lhe é dado na fé pela pura e simples invocação do simples nome de nosso Senhor Jesus Cristo do fundo do coração, mas não pelo simples método natural – a respiração, ou a imobilidade num lugar calmo e sombrio – que acabamos de expor. Pois os Padres divinos não viram nestas coisas mais do que um recurso auxiliar para recolher o intelecto, para fazê-lo retornar a si mesmo, fora de sua agitação natural, e lhe fornecer a atenção.

É assim, como dissemos, que a prece pura, contínua e recolhida, nasce no intelecto. É o que diz também são Nilo: “A atenção que busca a prece encontrará a prece. Pois a prece segue a atenção, se existe algo que siga[191]”. Devemos, assim, nos aplicar à atenção. Mas já dissemos o bastante. Você, filho, se quiser a vida, se desejar com todo seu amor ver os dias felizes[192], viva no seu corpo como se fosse incorpóreo, submeta a sua vida a uma regra e siga-a.


25.  Como o hesiquiasta deve passar o tempo entre o entardecer e a aurora. Início do desenvolvimento desta instrução.

Ao por do sol, após haver pedido a ajuda do Senhor infinitamente bom e todo-poderoso, sente-se sobre seu leito em uma cela calma e escura. Recolha seu intelecto para longe de seu redemoinho e de sua errância habitual por aí. Empurre-o gentilmente para dentro do coração inspirando. Retenha nele a prece: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim’. Então, junto com o sopro, e como que unidas a ele, faça entrar as palavras da prece, como diz santo Hesíquio: “Uma à sua respiração a sobriedade, a vigilância e o nome de Jesus, a meditação contínua da morte e a humildade. Pois ambos são salutares[193]”. Com a oração e as outras coisas de que falamos coloque também a lembrança do Juízo e da retribuição das ações boas e más.

Considere com toda sua alma que você é mais pecador do que todos os homens, mais maldito que os próprios demônios, e que está condenado à danação eterna. Que o pensamento destas coisas o leve à compunção, ao luto, sós. Mas se você ainda não recebeu o dom das lágrimas, combata, peça com o coração humilde para adquiri-lo. Pois é pelas lágrimas que somos purificados das paixões e de toda sujeira. É por meio delas que tomamos parte nas coisas da doçura e da salvação, como diz João Clímaco: “Assim como o fogo destrói o junco, as lágrimas puras retiram toda mancha da carne e do espírito[194]”. E um outro Padre: “Quem quiser destruir os vícios o fará chorando. E quem quiser adquirir as virtudes o fará chorando[195]”.

Se você não sente a compunção, saiba que você tem vaidade. Pois esta impede a alma de se recolher. Se as lágrimas não veem, permaneça sentado durante uma hora, atento a esses pensamentos e à oração. Depois se levante, cante com atenção as pequenas completas[196]. Sente-se novamente, retenha a prece o quanto puder, com pureza, com calma, sem nenhuma preocupação, sem nenhum pensamento qualquer que seja, com toda sobriedade e vigilância, por cerca de meia hora, conforme aquele que disse: “Na oração, fique fora de todas as outras coisas, sem a respiração nem o alimento, se você quiser ficar só com o intelecto[197]”. Então trace sobre si mesmo o sinal da cruz venerável e vivificante. Trace-o também sobre seu leito. Sente-se, pense nas alegrias e nos castigos futuros, no tempo que escoa, no engano das coisas temporais, e, certamente, na necessidade súbita e comum, a morte, no terrível Julgamento antes e depois do fim. Repasse brevemente na memória todas as faltas que você possa ter cometido, peça o perdão por elas com todo fervor, reveja precisamente como você passou este dia, deite-se, retenha em si a oração. Foi dito: “Que a lembrança de Jesus partilhe seu sono[198]”. Durma cinco ou seis horas. Ou melhor, durante a noite, tenha o sono que lhe couber.


26.  Como se deve passar o tempo da aurora até a manhã.

Quando você se levantar, glorifique a Deus, chame-o em seu socorro assim que puder, e comece o dia com a primeira obra: orar calmamente no coração, com toda pureza, durante uma hora. Este é o momento em que o intelecto está naturalmente mais sereno, mais calmo. É a ordem que recebemos: oferecer a Deus o sacrifício daquilo que temos de primeiro e de melhor[199], ou seja, voltarmos diretamente, na medida em que pudermos, para nosso Senhor Jesus Cristo, nosso primeiro pensamento, por intermédio da prece do coração, a prece pura. São Nilo disse: “Cumpra sua prece, oferecendo a Deus o fruto do primeiro pensamento[200]”.

Depois disso, cante o ofício das Noturnas. Se neste momento, de fato, você não puder oferecer as primícias, por não estar firme em ter alcançado a hesíquia mais perfeita, ou por qualquer outra razão, como costuma acontecer aos que dão seus primeiros passos nessa obra, e mesmo – mais raramente – com os que já estão mais avançados mas ainda não atingiram a perfeição (pois os perfeitos tudo podem em Cristo que lhes dá força[201]), e então se levante, afaste o sono, desperte o mais que puder, e comece por cantar o ofício das Noturnas com toda atenção e toda consciência. Depois se sente, reze em seu coração, puro, recolhido, como já lhe mostramos, durante uma hora e até mais se o Dispensador dos bens lhe conceder isto. É o que disse João Clímaco: “Durante a noite, dedique-se o mais possível à oração e um pouco à salmodia. E durante o dia, assuma o que puder fazer[202]”.

Se você sustentar este combate mas for negligente, ou se sentir a acídia, se seu intelecto for perturbado por qualquer evento, levante-se, desperte, retome a prece. Sente-se, vele sobre a oração, como escrevemos, aplicando-se sempre em reencontrar, pela prece pura, a pureza de Deus. Depois se levante, cante o hexapsalmo, o salmo cinquenta e o cânon a gosto, mas como toda consciência. Sente-se novamente, permaneça desperto, reze com toda pureza por meia hora. Levante-se para cantar os hinos, a doxologia habitual, a primeira hora e depois desta a despedida. Que aquilo que seus lábios proferem esteja numa altura tal que só seus ouvidos escutem. Pois recebemos a ordem de oferecer a Deus os frutos dos lábios[203], dando graças com toda nossa alma, com todo nosso intelecto, a nosso Deus que ama o homem, que vela por ele com toda sabedoria, que em sua infinita piedade nos concede ter atravessado sem mal o oceano da noite passada e ver o estágio radioso do dia presente. É preciso, assim, que imploremos com fervor para que ele nos permita atravessar em calma a negra e selvagem tempestade dos demônios e das paixões, e que ele tenha piedade de nós.


27.  O que se deve fazer da manhã até o almoço.

Da manhã até o almoço, tanto quanto você puder, consagre-se inteiramente a Deus. Com o coração contrito peça-lhe que venha em auxílio à sua fraqueza, sua negligência, sua hesitação. Passe seu tempo com a prece do coração, a prece pura, recolhido, e também lendo as passagens do saltério, das epístolas e do santo Evangelho que lhe forem prescritas, consagrando-se ainda às orações a nosso Senhor Jesus Cristo e à Mãe de Deus puríssima e a outras leituras das santas Escrituras. Depois disto, cante com toda sua inteligência as horas habituais, que foram sabiamente organizadas pelos padrinhos da Igreja. Expulse o ócio de sua alma, ele que é o mestre de todos os vícios, com as paixões e suas causas, ainda que algumas delas pareçam pequenas e inofensivas.


28.  Como se proteger do ócio. Que é necessário ao hesiquiasta observar a tradição da Igreja.

É o que disse santo Isaac: “Ó bem-amados, protejam-se do ócio. Pois nele se esconde a morte que conhecemos. Longe do ócio não será possível cairmos nas mãos daqueles que se esforçam para capturar o monge. Não é pelos salmos que Deus nos abandonará no dia, nem por nossa preguiça em orar, mas porque, ao abandonarmos as preces, deixamos entrar os demônios. Ora, se eles descobrem em nós um lugar para eles, se eles entram, se eles fecham as portas de nossos olhos, eles nos encherão com sua tirania e sua impureza, que submetem ao Julgamento de Deus e à violência do castigo os que se entregam às suas obras. Caímos sob seu poder porque abandonamos as pequenas coisas que, para Cristo, mereceriam nossa atenção, como escreveram os sábios: quem não submete a Deus sua própria vontade, submete-se ao seu adversário. Essas coisas que lhe parecem pequenas, considere-as como muralhas diante daqueles que querem nos capturar. Aqueles que mantém a ordem da Igreja ordenaram sabiamente edificar estas muralhas no interior da cela, para guardar nossas vidas num espírito de revelação. Mas os que não têm sabedoria as desdenham. Eles as consideram como coisinhas, e não veem o mal que estas coisas podem fazer. O começo e o meio de seu caminho é a liberdade que não se deixa instruir. Esta liberdade é a mãe das paixões. Mais vale se esforçar para não abandonar as pequenas coisas do que deixa-las crescer e abrir espaço para o pecado. Pois o fim desta liberdade intempestiva é a servidão brutal[204]”.

Ele acrescenta: “Como são doces as fontes das paixões! Existem ocasiões em que podemos romper com as paixões, podemos estar calmos longe delas e nos alegrarmos por vê-las cessar. Mas não fomos capazes de abandonar suas causas, e por isso somos tentados sem querer. Ficamos tristes por cairmos nas paixões, mas gostamos de manter em nós suas fontes. Não desejamos os pecados, mas recebemos com prazer as causas que os trazem. É por isso que a ação das causas suscita os pecados. Quem ama as fontes das paixões está submetido às paixões, mesmo que não queira. Mas quem detesta seus próprios pecados se verá livre delas, e que os confessar obterá o perdão. É impossível abandonar o estado de pecado antes de haver adquirido a aversão, como é impossível obter o perdão antes de haver confessado as faltas. Pois uma é a causa da verdadeira humildade; e outro da compunção que, por meio da vergonha, penetra no coração[205]”.

E ainda: “Não há pecado que não seja perdoado, exceto aquele para o qual não houve arrependimento[206]”.

Mas já dissemos o bastante. Você, depois da salmodia das horas de que falamos, coma, mas mantenha a prece enquanto come. Se você fizer isto, pela força da graça, você chegará ao estado da prece contínua, conforme o mandamento[207]. Mas agora, nosso propósito sobre o alimento que conforta o corpo na inefável sabedoria do Criador pode esperar um pouco. E passemos ao alimento que firma a alma e lhe dá vida, ou seja, segundo os santos, a prece sagrada, a prece deificante. E isto é bem natural, uma vez que a alma importa mais do que o corpo.


29.  A prece. Que é preciso orar.

Assim como nosso corpo sem a alma é morto e infecto, também a alma que não se volta para a oração está morta, miserável e corrompida. O grande profeta Daniel nos ensina que a falta da oração é mais amarga que qualquer morte: “Eu prefiro morrer a ser privado da oração sequer por uma hora[208]”.

O divino Crisóstomo também nos ensina: “Quem ora conversa com Deus. Nenhum ser ignora a grandeza do homem que encontra a Deus na oração, mas pela palavra ninguém pode avaliar o que seja esta honra, pois ela ultrapassa a magnificência dos anjos”. E: “A prece é a obra comum dos anjos e dos homens; nela não existe mais nenhuma distância entre as naturezas de uns e de outros. É ela que o separa dos animais, é ela que o une aos anjos. Se alguém se esforça para consagrar sua vida à prece e à adoração de Deus, será logo transportado ao lugar onde vivem os anjos, em suas moradias, sua honra, sua nobreza, sua sabedoria e sua compreensão”. E ainda: “Quando o diabo vê uma alma cercada de virtudes ele não ousa se aproximar dela, ele teme a força e o poder que as preces lhe dão, elas que alimentam a alma mais do que o corpo”.

E ainda: “As preces são os nervos da alma. Com efeito, assim como, pelos nervos, o corpo se mantém, permanece íntegro e vive coordenadamente (mas se os cortamos, destruímos toda a harmonia do corpo), também pelas santas orações as almas se compõem, se recolhem e correm facilmente para o estado de piedade. Privar a alma da prece, é como tirar o peixe da água, pois assim como a água é a vida para o peixe, a prece á a vida para você. Por meio dela, como o peixe na água, lhe é possível voar pelos espaços, subir aos céus e se aproximar de Deus”. E: “A prece e a súplica permitem aos homens se tornarem os templos de Deus. E assim como o ouro, as pedras preciosas e o mármore constroem as mansões dos reis, a prece faz dos homens templos de Cristo. Pode haver maior elogio à prece do que este: ela nos permite nos tornarmos templos de Deus? Aquele a quem os céus não podem conter penetra na alma e vive nas preces”.

E mais: “Podemos ver aqui o poder das santas orações. Paulo, que corria por todo o mundo como que sustentado por asas, esteve na prisão, suportou os golpes, carregou correntes, viveu entre o sangue e os perigos, expulsando os demônios, ressuscitando os mortos, curando os doentes, e em nada disso se fiava para a salvação dos homens, mas fortificava sua alma pela oração. Depois dos milagres, depois da ressurreição dos mortos, corria para a oração, como um atleta corre para o exercício que lhe dará a coroa. Pois é a prece que dispensa a ressurreição dos mortos e tudo o mais. A mesma força que a água dá às árvores, a prece dá à vida dos santos”. E também: “A prece é a fonte da salvação, a porta da imortalidade, a firme muralha da Igreja, a guarda inviolável, temível aos demônios, mas salutar para nós que carregamos em nós a piedade”.

E ainda: “Assim como uma rainha que entra numa cidade deve ser seguida de toda sua riqueza, também a prece, quando penetra no coração, é seguida por todas as virtudes”. E: “Aquilo que a fundação representa para uma casa representa a prece para a alma. É preciso que ela seja a primeira coisa, como o fundamento, como uma raiz mergulhada na alma, para edificar diligentemente a castidade, o cuidado com os pobres e todas as demais leis de Cristo”. E: “A prece atenta é a luz do intelecto e da alma. Ela é uma luz contínua que jamais se extingue. É por isso que o maligno assalta nosso intelecto com milhares de pensamentos imundos. Aquilo em que jamais pensaríamos, ele junta no momento da oração e espalha sobre nossa alma”. E ainda: “A prece é uma grande arma, ela dá toda a segurança[209]”.

E o Teólogo: “É preciso lembrar-se de Deus como se respira”. E: “Pense em Deus mais do que você respira[210]”.

E santo Isaac: “Sem a oração contínua, você não pode se aproximar de Deus”. E: “Depois de penar na oração, dê ao seu intelecto outra responsabilidade: dissipar os pensamentos”. E: “É preciso considerar que toda prece que não afadiga o corpo nem aflige o coração é um fruto abortado. Pois esta prece está fora da alma[211]”.

E João Clímaco: “Por sua qualidade, a prece é a conjunção e a união do homem com Deus. Por sua ação, ela é a ordem do mundo, a reconciliação com Deus, a mãe e a filha das lágrimas, a expiação dos pecados, a ponte que atravessa sobre as tentações, o muro diante da tormenta, o fim das guerras, a obra dos anjos, o alimento dos incorpóreos, a alegria futura, a obra infinita, a fonte das virtudes, a causa dos carismas, o progresso invisível, o alimento da alma, a iluminação da inteligência, o machado que corta o desespero, a prova da esperança, a libertação da tristeza, a riqueza dos monges, o tesouro dos hesiquiastas, a redução do ardor, o espelho do progresso, a manifestação da medida, o ensino de nosso estado, a revelação das coisas por vir, o sentido da glória. Para aquele que ora, a prece é verdadeiramente o lugar onde Deus nos julga antes do Julgamento futuro[212]”. E mais: “A prece não é outra coisa que a passagem do mundo visível para o mundo invisível[213]”.

E são Nilo: “Se você quiser rezar, rejeite tudo para herdar tudo[214]”. E: “A prece é a elevação do intelecto até Deus[215]”. E: “A prece é uma conversa do intelecto com Deus[216]”. E: “Assim como o pão é um alimento para o corpo e a virtude um alimento para a alma, a prece é o alimento espiritual do intelecto[217]”. Isto é tudo, por enquanto. Mas agora é tempo de expor também brevemente aquilo que diz respeito à vida do corpo, e explicar a medida que lhe é necessária em quantidade e qualidade.


30.  Da vida corporal. Como o hesiquiasta deve se alimentar.

Está escrito: “Filho do homem, coma seu pão com moderação, e beba sua água na medida[218]”, a fim de poder levar uma vida de combate conforme a Deus. Pois foi dito: “Se você não der seu sangue, não receberá o Espírito[219]”. Também o grande Paulo disse: “Eu trato duramente meu corpo e o submeti, para que, depois de ter pregado aos outros, eu não me veja como inapto[220]”. E o divino Davi: “Meus joelhos se dobram de fraqueza sob o jejum. Privada de azeite, minha carne se esgota[221]”. E o Teólogo: “Nada serve melhor ao Senhor do que a vida dura, nem dá em retorno o amor pelos homens como as lágrimas”.

E santo Isaac: “Assim como uma mãe vela por seu filho, também Cristo vela sobre o corpo que assume suas penas. Ele está continuamente junto deste corpo[222]”. E: “O conhecimento dos mistérios de Deus não está num ventre cheio[223]”. E: “Assim como foi dito que semeamos nas lágrimas as sementes da bem-aventurança, também a alegria segue as penas que assumimos por Deus[224]”. E: “Bem-aventurado aquele que arranca de si toda preguiça que o separa de seu Criador[225]”.

E ainda: “Por longo tempo tentado à direita e à esquerda, muitas vezes testado nestas duas vias, coberto de inumeráveis feridas feitas em mim pelo adversário, mas secretamente cumulado de recompensas, eu recolhi em mim mesmo a experiência de muitos anos. Nas provações e pela graça de Deus eu aprendi que o fundamento de todos os bens, o apelo da alma longe do cativeiro a que a levara o inimigo, o caminho que conduz à luz e à vida, tudo provém destas duas coisas: recolher-se a um lugar solitário e jejuar sempre, ou seja, regrar sua vida pela temperança do ventre, sábia e prudentemente, permanecendo imóvel na busca e na meditação constante de Deus. Pois é assim que se obtém a submissão dos sentidos; assim que se descobre a sobriedade do intelecto, assim que se acalmam as paixões selvagens que agitam o corpo; assim que se amansam os pensamentos; assim que se ilumina a reflexão; assim que se desperta a atenção para as obras divinas da virtude; assim que se elevam e se afinam os pensamentos; assim que nos chegam todo o tempo as lágrimas sem medida e a lembrança da morte; assim que nos é concedida a castidade pura, perfeitamente afastada de qualquer imaginação que atormente o intelecto; assim que recebemos a visão aguda, a acuidade do conhecimento do que está distante; assim recebemos também as profundezas dos significados místicos que o intelecto compreende no poder das palavras de Deus, os movimentos interiores que nascem na alma e o discernimento que nos permite distinguir entre os espíritos e as santas potências e entre as verdadeiras visões e as imaginações vãs; enfim, é assim que recebemos o temor das vias e dos caminhos que cruzam o oceano da reflexão, este temor que proíbe a irresponsabilidade e a negligência; e a flama do zelo que supera todo perigo e ultrapassa todo medo; e o fervor que despreza todas as concupiscências, as apaga da reflexão e nos faz esquecer com o resto toda lembrança das coisas passadas. Numa palavra, é assim que descobrimos a liberdade do homem verdadeiro, a alegria da alma, a ressurreição e o repouso com Cristo no Reino dos céus. Se alguém é negligente nessas duas coisas, saiba que não apenas perde tudo o que dissemos, mas também que, ao desprezar estas duas virtudes, ele inverte o fundamento de todas as demais virtudes. Com efeito, assim como elas são o começo e a cabeça da obra divina na alma, a porta e a via que levam a Cristo se as guardamos e perseveramos nelas, também se nos separamos e nos afastamos delas acabamos por cair nas duas coisas que são seus contrários, ou seja, a excitação do corpo, a gula intempestiva e tudo o que se segue[226]”.

Em outra parte: “Alguns, irresponsáveis e moles desde o início, ficam atemorizados e perturbados não apenas com tais combates e com os esforços que eles exigem, mas até pelo ruído das folhas das árvores; a menor necessidade a que a fome os leva, a menor fraqueza os domina. Eles renunciam e voltam atrás. Outros, que são verdadeiros, que são experientes, nem de legumes se alimentam: eles vivem das raízes de plantas secas, e não aceitam comer nada antes da hora que se fixaram para tomar alimento. Eles permanecem deitados sobre a terra no esgotamento e na agonia do corpo. Seus olhos já não veem claramente, tanto estão vazios seus corpos. Levados por esta necessidade, eles estão prestes da deixar seus corpos. Mas em sua firme resolução, eles não se deixam levar pelo desencorajamento nem pela queda. Pois, com todo seu desejo eles não buscam outra coisa do que violentar-se por amor a Deus. Eles preferem sofrer pela virtude a usufruir desta vida passageira e do repouso que ela permite. E quando lhes advêm as tentações, eles se regozijam por ter de lutar contra elas para se tornarem perfeitos. Em seu amor a Deus, eles não hesitam em enfrentar as duras penas que elas lhes trazem. Até sua partida desta vida, eles acolhem nobremente e de coração os ultrajes e não recuam, pois é pelos ultrajes que eles se tornam perfeitos[227]”. Também nós marchamos sobre as pegadas destes homens e dos que a eles se assemelham, obedecendo ao que foi ordenado: “Vá pela via real, não se desvie nem à direita nem à esquerda[228]”; e assim nós lhe expusemos o modelo e a regra do justo meio, cuja verdadeira definição está aqui descrita.


31.  Como deve aquele que conduz o combate espiritual se alimentar na segunda-feira, na quarta e na sexta-feira.

Três dias por semana – segunda, quarta e sexta-feira – coma seu almoço na nona hora[229] e não se alimente mais do que uma vez no dia. Coma cerca de seis onças de pão e alimentos secos, com temperança: o que for suficiente. Beba três ou quatro copos de água, conforme sua vontade. Siga aquilo que está prescrito no 69º cânon dos Santos Apóstolos: se um bispo, um padre, um diácono, um leitor, um mestre de canto não jejua durante a santa quaresma da Páscoa, ou na quarta ou na sexta-feira, sem que o impeça a fraqueza do corpo, que ele seja deposto. Se um leigo faz o mesmo, que seja excomungado. Os divinos Padres acrescentaram a segunda-feira ao cânon.


32.  Como deve se alimentar na terça e na quinta-feira.

Nos outros dois dias – terça e quinta-feira – coma duas vezes. No desjejum, coma seis onças de pão e alimentos cozidos, com temperança, e um pouco de alimentos secos. Tome também vinho misturado com água, até três ou quatro copos, se sentir necessidade. Ao entardecer, três onças de pão, um pouco de alimentos secos ou algumas frutas, um copo de vinho ou de água, ou dois se tiver muita sede. Pois a sede faz com que venham as lágrimas, e ela tem a vigília por companheira, como diz João Clímaco: “A sede e a vigília partem o coração; do coração partido jorram as lágrimas[230]”. E santo Isaac: “Tenha sede por Deus, a fim de que ele o encha com seu amor”. Mas se, durante estes dois dias, você quiser se manter com uma só refeição, você fará muito bem. Pois as primícias, a mãe, a raiz, a fonte, o fundamento de todos os bens são o jejum e a temperança. Um autor profano escreveu: “Escolha da vida o melhor, e o hábito o tornará doce”. E o grande Basílio: “Onde existe resolução, não há impedimento”. E outro dos Padres que têm a Deus em si: “O começo da frutificação é a flor. E o começo da vida ativa é a temperança[231]”.

Talvez estas e outras coisas pareçam difíceis a alguns, e até mesmo impossíveis. Mas quem considera os frutos que elas podem dar e que vê a glória que elas engendram, as julgará fáceis. Com a ajuda de nosso Senhor Jesus Cristo, e com seu próprio zelo na medida de suas forças, ele as proclamará em palavras e obras e confirmará seu poder. Santo Isaac disse: “Uma refeição frugal sobre uma mesa pura purifica de todas as paixões a alma daquele que come”. E: “Da mesa dos que jejuam, que velam e que se esforçam no Senhor, receba para você o remédio da vida”. E: “Desperte sua alma da morte. Pois o Bem-Amado deitou-se em meio deles, santificou seus alimentos e transformou com sua inefável doçura a amargura de suas vidas duras. Os espíritos celestes que o servem cobriram-nos com sua sombra, a eles e a seus santos alimentos”. E: “O doce odor daquele que jejua e sua proximidade regozijam os corações dos que são dotados de discernimento”. E: “A vida do homem temperante é amada por Deus[232]”.

33.  Como deve se alimentar no sábado. Das vigílias noturnas. Como se alimentar no tempo das vigílias.

Todos os sábados – exceto o sábado santo – é preciso tomar duas refeições, como indicado para a terça e a quinta, conforme a definição dos santos cânones, e porque você deve celebrar todas as vigílias noturnas dos domingos de todo o ano, salvo o domingo que precede à grande quaresma. Mas se se acrescentarem as vigílias de uma das grandes festas do Senhor ou de um dos santos maiores, você deverá celebrar estas vigílias e deixar a do domingo. Seja como for, coma duas vezes aos sábados. É bom que você sempre se esforce para a obra da vigília noturna. É por isso que, se acontecer destas vigílias acontecerem no meio da semana, será vantajoso celebrar também a do domingo: você logo receberá um grande ganho. É assim que sua luz jorrará como a aurora, diz o profeta, e assim se levantará sua cura[233].

Santo Isaac diz também: “A pena da vigília e do jejum é o começo de todo combate contra o pecado e a concupiscência, sobretudo para quem enfrenta o pecado que está no interior de cada um. Os que se esforçam para sustentar este combate invisível veem nisto o sinal de que realmente odeiam o pecado e a concupiscência. Quase todos os ataques das paixões começam a diminuir quando se jejua. E depois do jejum, a vigília da noite contribui para a ascese. Que, durante toda sua vida, ama unir em si o jejum e a vigília, será o amigo da castidade. Assim como a saciedade do ventre e a preguiça do sono, que inflamam o desejo da prostituição, são o começo de todos os males, também a santa via divina, o fundamento de toda virtude, é o jejum unido à vigília e à vigilância na liturgia de Deus[234]”.

E ainda: “Quando a alma está noite e dia iluminada pela lembrança de Deus e vela sobre esta sem descanso, o Senhor desdobra sobre sua firme segurança uma nuvem que a cobre de dia e uma luz de fogo que a ilumina de noite[235]. A luz sempre brilhará no interior de sua treva[236]”. E: “Escolha uma obra das delícias, a vigília constante durante as noites. É por meio dela que todos os Padres se despojaram do homem velho[237] e foram considerados dignos da renovação do intelecto. É ao longo dessas horas de vigília que a alma toma consciência desta vida imortal, é quando ela sente isto que ela se despoja das trevas das paixões e recebe o Espírito Santo[238]”. E mais: “Honre a obra da vigília, a fim de encontrar consolo para sua alma[239]”. E: “Não imagine, homem, que, em toda a obra dos monges, se possa encontrar algo de maior que a vigília noturna”. E: “Não pense que um monge que permanece em vigília com o discernimento do intelecto se encontra ainda na carne. Esta obra pertence na realidade à ordem angélica”. E também: “A alma que se esforça por levar esta vida angélica da vigília terá os olhos dos querubins. Seu olhar estará continuamente voltado para a contemplação celeste[240]”.

No tempo da vigília, permaneça com a prece, a salmodia e a leitura, com toda pureza, recolhimento e compunção, só ou com alguém que lhe agrade e que compartilha de sua vida. Depois do período de vigília, dê a si mesmo um pouco do conforto de um alimento e de bebida, para aliviá-lo da pena, durante a refeição. Vale dizer: coma três onças de pão. Tome alguns alimentos secos, se puder. Beba ainda três copos de vinho misturado com água. Se no dia em que você come à nona hora houver vigília, suprima esta refeição. Pois é preciso fazer uma coisa e não permitir a outra[241]. Quanto ao reconforto do alimento ao final das vigílias, já dissemos o que deve ser feito.


34.  Como se alimentar nos domingos. De algumas outras coisas. Enfim, das penas e da humildade.

Da mesma forma, aos domingos, como aos sábados, coma duas vezes durante a jornada. Guarde esta fórmula tal e qual, sem fraqueza. O mesmo vale para os dias que foram autorizados aos Padres divinos e como que liberados devido a um longo costume ou por razões mais recentes, vale dizer, razões que vêm de Deus, ou até por razões contrárias. Nestes dias, rompemos com a refeição única e com os alimentos secos, mas tomamos todo tipo de alimento útil e irreprochável, e também legumes, com temperança e na quantidade prescrita. Pois é sempre melhor ser temperante em tudo.

Durante as enfermidades corporais, dissemos, podemos tomar sem vergonha todos os alimentos legítimos e úteis que confortam o corpo. É o que ensinaram os Padres divinos: “É preciso destruir as paixões, mas não o corpo”.

Que lhe seja natural, por tudo o que foi ensinado, ou seja, por tudo o que é permitido à profissão monástica, comer um pouco, para dar graças a Deus e pela modéstia. Rejeite o supérfluo. “A raridade das coisas, diz santo Isaac, ensina a temperança ao homem, mesmo que ele não queira”. Quando temos coisas em abundância e licenciosamente, não possuímos a nós mesmos. Não ame o conforto do corpo, pois a alma que ama a Deus, conforme santo Isaac, não sente conforto senão em Deus[242]. Melhor é escolher a pena, a vida dura, o rebaixamento. “São as penas e a humildade, escreveu um santo, que permitem alcançar a Jesus”.


35.  Como se alimentar e como se conduzir durante a grande Quaresma e em especial durante a Semana Santa.

Quanto ao alimento que você deve tomar, bem como sobre a vida que você deve levar durante a santa Quaresma, pensamos que é supérfluo dar aqui uma explicação detalhada e especial. Pois durante a santa Quaresma, exceto nos sábados e domingos, você deve fazer o que foi ordenado nos dias em que você come à nona hora. Se você puder, seja ainda mais rigoroso e mais sóbrio durante a santa e grande Quaresma, pois ela oferece o dízimo de todo o ano e concede, pelo dia do Senhor, no dia divino e luminoso da Ressurreição, as recompensas dos combates aos que conseguem vencer em Jesus Cristo.


36.  Do discernimento. Do desprezo pelo trabalho comedido. Da submissão.

Entretanto, é preciso se dedicar a essas práticas e a outras semelhantes com rigoroso discernimento, se você quiser manter em harmonia e em estado de calma o duplo animal que somos. Foi dito: “É pela sabedoria que se constrói uma morada. É pela inteligência que ela é edificada. É pela experiência que seus celeiros são cheios de todas as riquezas preciosas e boas[243]”. O divino Thalassius também escreve: “A indigência e o jejum, levados a efeito com discernimento e razão, constituem o caminho real. Mas a mortificação sem discernimento, ou a condescendência irrefletida, são nocivas, pois de um lado como de outro as coisas se fazem contra a razão”. Santo Isaac diz: “A desorientação e a confusão de pensamentos seguem-se ao relaxamento dos membros. A acídia se segue ao trabalho feito sem medida, e a desorientação acompanha a acídia. Mas são desorientações diferentes: a primeira segue-se ao combate que nos faz a prostituição; a segunda, ao abandono do mosteiro e à errância de lugar em lugar. Deixamos de honrar o trabalho ritmado feito com esforço. Quando diminuímos as penas do trabalho, passamos a buscar o prazer. E a falta de medida faz aumentar a desorientação[244]”. E o grande Máximo: “Não coloque toda sua atenção na carne, mas delimite sua ascese tanto quanto puder, e volte todo seu intelecto para o interior. Pois os exercícios corporais não servem para grande coisa, mas a piedade é útil para tudo, etc.[245]”.

Na balança, a carne pode suplantar a alma, dominá-la e pesar sobre ela, arrastando-a para os impulsos e os movimentos desordenados que a corrompem, conforme está escrito: “A carne deseja contra o espírito, e o espírito contra a carne[246]”. Mas você ponha nela a mordaça da temperança, refreie-a, mortifique-a até que, mesmo não querendo, ela se torne dócil e submissa ao melhor. Lembre-se do que foi dito pelo grande Paulo: “Na medida em que o homem exterior se destrói o homem interior se renova dia após dia[247]”. E santo Isaac: “Esforce-se para morrer nos combates, e não para viver na negligência. Pois os mártires não são apenas os que recebem a morte pela fé em Cristo, mas os que morrem para guardar seus mandamentos[248]”. E: “É melhor morrer no combate do que viver em falta[249]”. E: “Antes de tudo, não faça nada sem antes receber o conselho de seu pai espiritual no Senhor. Então, com a graça de Cristo, o que era pesado lhe parecerá leve para carregar, e o que era escarpado se inclinará como uma planície”. Mas agora devemos voltar ao ponto de onde partimos.


37.  Como o combatente deve passar o tempo entre a refeição e o por do sol. Que é preciso crer que as graças divinas são dispensadas seguindo a pena e a medida de nosso trabalho.

Depois de haver almoçado como convém ao combatente, conforme ordenado pelo glorioso Paulo quando disse que quem luta deve ser temperante em tudo[250], sente-se e faça uma leitura, consequente, sobretudo dos Padres consagrados à sobriedade e à vigilância. Se os dias forem longos, durma por uma hora. Depois se levante e trabalhe um pouco com as mãos, mantendo a oração. Depois ore como lhe mostramos, leia, medite, cuide para se rebaixar e se considerar abaixo de todos os homens. Pois foi dito: “Quem se eleva será rebaixado e quem se humilha será elevado[251]”. E: “Que aquele que se acha de pé cuide para não cair[252]”. E: “O Senhor se opõe aos orgulhosos, mas concede sua graça aos humildes[253]”. E: “O começo do orgulho é a ignorância do Senhor[254]”. E: “Os orgulhosos foram profundamente injustos[255]”. E: “Não se satisfaçam no orgulho, mas vão procurar o que é humilde[256]”.

O divino Crisóstomo diz igualmente: “Quem conhece a si mesmo deve considerar-se como um nada. Nenhuma outra coisa agrada tanto a Deus como contar a si mesmo dentre os últimos”. E santo Isaac: “Os mistérios são revelados aos humildes[257]”. E: “Aonde leva a humildade, tudo se cobre com a glória de Deus”. E: “A humildade corre adiante da graça, e a presunção adiante do castigo[258]”. E são Barsanulfo: “Se você realmente quer ser salvo, escute bem: erga seus pés de sobre a terra e leve seu espírito ao céu. Mantenha sua atenção noite e dia. Despreze todo poder, lute para se considerar abaixo de todos os homens. Esta é a verdadeira via. Não existe outra para quem quer ser salvo por Jesus Cristo, que lhe dá a força[259]. Quem o quiser que corra. Quem o quiser, corra para ganhar[260]. Eu o testemunho diante do Deus vivo[261], que quer dar a vida eterna a todo homem que a desejar”. E João Clímaco: “Eu não jejuei; eu não velei; sequer dormi no chão duro. Mas eu me humilhei e, em pouco tempo fui salvo[262]”.

Antes de qualquer outra coisa busque apagar-se, como disse são Barsanulfo: “Não se preocupar com nada o fará aproximar-se da cidadela. Desaparecer em meio aos homens o fará residir na cidadela. Morrer para os homens o tornará herdeiro da cidadela e de seus tesouros”. E: “Se você quiser ser salvo, mantenha-se apagado e corra para o que está diante de você[263]”. Segundo o bem-aventurado João, o discípulo de são Barsanulfo, apagar-se significa não se igualar a ninguém, implica jamais dizer a respeito de uma boa obra: “Fui eu que fiz[264]”.

E mais: sente-se, ore com pureza e recolhimento até que chegue o por do sol. Então cante as vésperas costumeiras e se recolha. Creia com um coração sincero: na medida em que penamos e que sofremos pela virtude, na medida de nosso trabalho, receberemos de Deus a partilha dos dons e das recompensas, o elogio e o consolo, como disse o divino salmista: “Quanto mais eu sofro em meu coração, mais as consolações alegram minha alma[265]”. E o Salvador: “Venham a mim todos os que sofrem sob o peso, e eu os aliviarei[266]”. E o grande Paulo: “Nós sofremos com Cristo para sermos também glorificados com ele. Com efeito, eu considero que os sofrimentos do tempo presente nada são comparados à glória que deverá se revelar em nós[267]”.

Máximo, que possuía a sabedoria das coisas divinas, dizia igualmente: “É dito que os bens de Deus são dispensados na medida da fé de cada um. Segundo cremos, com efeito, aumenta em nós o desejo de levar a obra adiante. Quem se encaminha para o final da obra revela a medida de sua fé proporcionalmente àquilo que fez, e recebe a graça na medida em que acreditou[268]”. Mas quem não chega ao final da obra mostra a medida de sua descrença proporcionalmente àquilo que deixou de fazer, e se priva da graça na medida em que não acreditou O invejoso faz mal em invejar aquele que conseguiu escolher este caminho que está claramente aqui e em nenhum outro lugar: crer, agir e receber a graça na medida da fé. Peçamos com toda nossa alma que nos seja dado levar pacientemente os anos que nos restam, que o fim de nossa vida seja cristã, sem dor, sem vergonha, pacífica, e que possamos responder positivamente quando comparecermos diante do trono terrível de onde nos julgará o Senhor, nosso Deus e Salvador Jesus Cristo.


38.  Que a prece pura é maior do que todo trabalho.

Além do que mostramos, saiba também, irmão, que todo método, toda regra, e, se você quiser, toda ação diferenciada, é formulada assim porque ainda não somos capazes de orar em nosso coração com toda pureza e em perfeito recolhimento. Pois, quando alcançamos este estágio, pela benevolência e a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, quando deixamos para trás a divisão e a diversidade do múltiplo, ficamos, diretamente e acima da razão, unidos ao um, ao simples, ao unificador, como disse o glorioso Teólogo: “Deus se une e se revela aos deuses[269]”. Esta é a iluminação enipostática[270], que o Espírito Santo traz ao coração. Esta iluminação, diz-se, nasce da prece pura em recolhimento, da prece do coração de que falamos. Mas isto é raro. Dificilmente encontramos um em mil que seja digno, pela graça de Cristo, de progredir até este estado. Quanto a navegar mais alto e ser considerado digno da prece espiritual, descobrindo a revelação dos mistérios do século por vir, pouquíssimos encontramos dentre inúmeras gerações, que tenham este poder pela benevolência da graça.

É isto que também escreve santo Isaac: “Assim como, entre miríades de homens, dificilmente se encontra um que mal e mal cumpra os mandamentos e as leis e que alcance a pureza de alma, também se acha um em mil que possa ser considerado digno de atingir, com muita vigilância, a prece pura, de atravessar esta fronteira e descobrir este mistério. Pois a prece pura não é concedida a muitos, mas a poucos. Quanto a este mistério que a segue, e para além daí, dificilmente se encontra um que chegue até aí em gerações e gerações, pela graça de Cristo”. E ele acrescenta: “Se é difícil encontrar um homem que reze com toda pureza, que dizer da prece espiritual? Toda prece espiritual é desembaraçada do movimento. A prece ligada ao movimento está abaixo da prece espiritual[271]”.

É por isso que se você quiser, pelo trabalho e realmente, vale dizer, por experiência própria, ser considerado em Jesus Cristo digno destes mistérios novos, esforce-se durante todo o tempo para aí chegar, em todas as horas e em todo o trabalho da prece pura e recolhida em seu coração. Você poderá assim progredir da criança que engatinha até o homem perfeito, na medida da plenitude de Cristo[272], e com a economia fiel e prudente[273] ser chamado de bem-aventurado e receber o elogio, pois você terá gerado suas palavras com discernimento, ou seja, você terá vencido segundo a razão daquilo que você diz. Então você não poderá mais ser sacudido, como escreveu são Filemon: “Irmão, quando Deus o tornar digno de orar noite e dia com o intelecto puro e recolhido, não se preocupe mais com a regra, mas permaneça voltado tanto quanto puder para sua ligação com Deus. É ele que ilumina seu coração sobre a obra espiritual[274]”. E um dos sábios divinos: “Se você quiser celebrar a liturgia de Deus em seu corpo como um incorporal, adquira secretamente e, seu coração a prece contínua, e sua alma, ainda que antes da morte, será como um anjo”.

Santo Isaac escreveu no mesmo sentido. Interrogado por alguém que lhe perguntou o que abarca todas as penas dessa obra, ou seja, da hesíquia, a fim de aprender, depois de alcançá-la, que aí está a perfeição da vida monástica, ele respondeu: “Quando se traz em si a prece contínua. Quando atingimos esta oração, chegamos de fato à extremidade de todas as virtudes. Tornamo-nos daí em diante uma morada do Espírito Santo. Pois, se não recebemos a graça do Consolador, é impossível termos em nós como toda liberdade a perfeição desta oração contínua. Com efeito, foi dito que o Espírito, quando estabelece sua moradia em um homem, não deixa nunca mais de estar em oração. O próprio Espírito ora todo o tempo. A partir daí, quer durma ou vele, a prece já não deixa a alma deste homem. Quer ele coma, quer beba, durma, seja lá o que faça, e até no sono profundo, os perfumes e os vapores da oração sobem sem dificuldade ao seu coração. Então a prece já não mais se interrompe. Em todas as horas de sua vida, ainda que a prece repouse fora dele, ele não deixará de dizê-la em si secretamente[275]”.

Um dos Padres que traziam a Cristo em si chamou a prece de silêncio dos puros. Pois seus pensamentos são os movimentos de Deus. Mas os movimentos do coração puro e do intelecto são doces vozes que cantam secretamente a Deus que permanece no segredo. Muitos outros Padres que tinham a Deus em si, iniciados em tal graça pela experiência, expuseram numerosas coisas como esta, dignas de admiração, mas que não mencionaremos para não nos estendermos em demasia aqui.


39.  Do número de prosternações a cada noite e dia.

Quanto às prosternações que devemos fazer a cada noite e dia durante os cinco dias da semana, os Padres divinos estabeleceram o número de trezentas. Mas todos os sábados e domingos, e em outros dias fixados pelo costume por razões ocultas e misteriosas, mesmo que caiam durante a semana, nos é ordenado não nos prosternarmos. Existem alguns que ultrapassam este número, outros que não o alcançam. Cada um age de acordo com sua força e resolução. Faça você também o que puder. Em verdade, bem-aventurado é quem se violenta em todas as coisas dedicadas a Deus. Pois a entrada no Reino dos céus se faz a força, e dele se apoderam os que se violentam[276].


40.  Que os dons de Deus são distribuídos, como dissemos, não apenas segundo nosso combate e na medida de nosso esforço, mas também conforme o estado de nossa vida, o cuidado com que a levamos, nossa fé e a disposição natural que nos é própria.

É preciso saber, como já dissemos, como nos são distribuídos os dons de Deus, não apenas segundo nosso combate e na medida de nosso esforço, mas também segundo o estado de nossa vida e o cuidado com que a levamos e, com certeza, conforme nossa fé diante daquilo que nos é proposto e a disposição natural que nos é própria.

São Máximo disse: “O intelecto é o órgão da sabedoria e a palavra é o órgão do conhecimento. A certeza natural que decorre dos dois é o órgão da fé suscitada por um e outro. O amor natural do homem é o órgão do carisma das curas. Pois todo carisma divino tem em nós um órgão apropriado – uma faculdade, um estado ou uma disposição – que está naturalmente ligado a ele e que é capaz de recebê-lo. Assim, aquele que purifica o intelecto de todas as imaginações sensíveis recebe a sabedoria. Quem permite que a razão domine as paixões naturais – o ardor e o desejo – recebe o conhecimento. Quem traz em si, pelo intelecto e a razão, a inquebrantável certeza do divino, recebe a fé que tudo pode. Quem atinge o amor natural do homem, depois da total destruição do egoísmo, recebe o carisma das curas[277]”. Mas que seja assim: “Vigie para que ninguém conheça a sua obra fora aquele que o assiste e dirige. E reze por nós, os indignos, que falamos do bem mas não o praticamos, a fim de que sejamos considerados dignos de fazer primeiro o que agrada a Deus, para depois falar aos homens e exortá-los. Pois aquele que fez e depois ensinou, como diz a palavra divina, será chamado grande[278]. Então o Senhor todo-poderoso e compassivo o fortificará e guiará, para que você possa ouvir estas coisas, compreendê-las e fazê-las com todo o seu desejo. Pois não são aqueles que ouvem a lei que são justos diante de Deus, segundo o divino Paulo, mas os que a cumprem[279]. Ele o colocará em todas as obras boas e salutares. E neste trabalho intelectual e sagrado que ele lhe propõe, ele o conduzirá em espírito, pelas orações dos santos. Amém”.

Já falamos um pouco do discernimento prático. Agora é tempo de falarmos do discernimento total e perfeito, na medida em que é possível explica-lo brevemente. Pois o discernimento é naturalmente a maior de todas as virtudes, de acordo com nossos gloriosos Padres.


41.  Do discernimento total e perfeito. Quem é aquele que vive contra a natureza e carnalmente. Quem é o que vive segundo a natureza e psiquicamente. E quem é o que vive acima da natureza e espiritualmente.

Aquele que vive e se conduz carnalmente e contra a natureza perdeu totalmente sua capacidade de discernir. Mas quem se afasta do mal, que começa a fazer o bem (conforme está escrito: “Afaste-se do mal e faça o bem[280]”), se for iniciado e abrir os ouvidos ao ensinamento, adquirirá pouco a pouco algum discernimento, como convém aos noviços. Aquele que, seguindo a natureza e psiquicamente, submete sua vida à reflexão e à razão, e que é chamado de médio, este vê as coisas pela sua própria medida, e discerne o que lhe diz respeito e o que concerne aos que são como ele. Mas quem conduz sua vida além da natureza e espiritualmente, este ultrapassa o apaixonado que se inicia e também os limites da vida média e, graças a Cristo, progride para a perfeição – esta iluminação enipostática – e para o discernimento perfeito: ele se vê, ele discerne a si próprio com plena clareza. Ele vê e discerne igualmente com toda pureza a todos os seres. Mas ele próprio, por mais que o vejamos, não é visto nem discernido por ninguém. Ele tampouco é julgado, porque ele é verdadeiramente espiritual, e é assim chamado não com tinta e papel, mas de fato e pela graça, como disse o divino apóstolo: “O espiritual julga todos os seres, mas não é julgado por ninguém[281]”.


42.  Do discernimento: um exemplo.

Dentre esses homens, um se parece com alguém que caminha numa noite profunda, nas trevas sombrias. Errante e cego na intangível escuridão, não apenas ele não se vê nem discerne a si próprio, como também não sabe aonde vai nem por onde caminha, como disse o Salvador: “Aquele que caminha nas trevas não sabe aonde vai[282]”. Outro está numa noite pura iluminada pelos astros. Ele avança pouco a pouco sob a fraca luminosidade. Muitas vezes seus pés topam nas pedras – pois ele discerne mal – e ele cai. Este homem se vê e discerne a si mesmo com dificuldade, como nas sombras, conforme está escrito: “Você que dorme, levante-se dentre os mortos, e a luz de Cristo se levantará com você[283]”. Um outro está numa noite calma de plenilúnio. Os raios da lua o guiam: ele caminha sem erros e vai avante. Ele se vê e distingue a si mesmo como em um espelho, e distingue os que caminham com ele, como está dito: “Vocês fazem bem em estarem atentos à lei, como uma lâmpada que brilha num lugar escuro, até que venha o dia e que o astro da luz se levante em seus corações[284]”. Outro está na imensa pureza do pleno meio-dia iluminado pelos raios solares em todo seu ardor. Sob esta luz do sol, ele se vê se distingue tal qual é. E ele julga muitos seres, e mesmo todos os seres, como disse o apóstolo divino[285], e, certamente, também todas as coisas que lhe acontecem, sejam quais forem. Pois ele avança sem erro, e conduz infalivelmente aos que o seguem para a verdadeira luz, a vida e a verdade.

É sobre estes homens que está escrito: “Vocês são a luz do mundo[286]”. O divino Paulo diz também: “Deus, que mandou que a luz brilhasse nas trevas, brilhou em nossos corações, para que irradie o conhecimento da glória de Deus que está na face de Jesus Cristo[287]”. E o bem-aventurado Davi: “Revele a nós a luz de sua face, Senhor[288]”. E: “Em sua luz veremos a luz[289]”. E o Senhor: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não caminhará nas trevas, mas terá a luz da vida[290]”.


43.  Da mudança e da alienação para cada um. E da glória eminente da humildade.

Queremos que você saiba também como, pela purificação e a iluminação, alguns atingiram a perfeição até o limite que é possível atingi-la. Pois não existe perfeição perfeita dentro do século imperfeito; na verdade, seu cumprimento não tem fim. Mesmo aqueles homens não trazem em si o imutável todo o tempo, por causa da fraqueza natural e da presunção que às vezes se insinua. Pode acontecer com eles, para serem testados, sofrerem alienações e cativeiros. Eles então clamam pelos maiores socorros.

O que é contrário aos perfeitos, os Padres denominam “parte dos lobos”. Pois a imobilidade e a imutabilidade são mantidas tais quais apenas no século futuro. Mas no século presente, existem tanto os tempos de pureza, de paz e consolação divina, como os tempos de confusão, tempestade e tristeza. E isto na medida da vida e do progresso de cada um, segundo os julgamentos que o Senhor conhece, e, certamente, para que através deles reconheçamos nossa fraqueza. Pois foi dito: “Bem-aventurado aquele que conhece a própria fraqueza[291]”. E, segundo Paulo: “Não confiemos em nós mesmos, mas naquele que ressuscita os mortos[292]”.

Assim, retornemos continuamente a Deus na humildade, no arrependimento, na confissão. Santo Isaac disse: “Quantas vezes alguns transgredem e curam suas almas pelo arrependimento, e a cada vez a graça os recebe. Pois, em toda natureza dotada de razão, a mudança ocorre indefinidamente e as alterações assaltam o homem por toda sua vida. Quem é dotado de discernimento compreende o sentido de tantas vicissitudes. Mas acima de tudo as provas que ele vive a cada dia podem lhe trazer a experiência, se ele for sóbrio e vigilante. Assim ele se manterá recolhido em seu intelecto. Ele aprenderá quais variações de doçura e de bem-aventurança sofre a cada dia sua reflexão e como ela passa subitamente da paz à confusão, sem saber por que, e como vai parar em grande e indizível perigo. É isto que o bem-aventurado Macário quis mostrar com muita presciência e atenção, para a memória e o ensinamento dos irmãos, ao escrever que não devemos cair em desespero quando as coisas contrárias nos forçam a mudar, pois é comum caírem os que se mantêm na ordem da pureza, sem que tenham sido negligentes ou dissolutos, assim como às vezes o ar se torna frio. Com efeito, é justamente quando caminham segundo sua ordem que lhes acontece caírem topando com coisas contrárias ao objetivo de sua vontade”.

E mais adiante: “O que acontece ao justo? As mudanças chegam para cada um como o ar que muda”. Compreenda o que eu quero dizer com “cada um”. Pois também a natureza é uma. Mas a fim que você não pense que ele disse isto apenas dos homens mais baixos e menos avançados, e que os perfeitos estão livres da mudança e se mantêm sempre inflexivelmente na mesma ordem, sem pensamentos passionais, como dizem os euquitas[293], ele precisou: em cada um. Como é isto possível, ó bem-aventurado? Mas você mesmo o diz: “faz frio, e pouco depois vem o calor, talvez a geada, e depois a calmaria. O mesmo acontece com o exercício de nossa vida. A guerra e o socorro da graça se sucedem. Por um tempo, a alma atravessa o inverno, duras vagas a assaltam. Novamente chega uma mudança: a graça a visita e cumula seu coração de alegria e de paz vindas de Deus, e de pensamentos castos e tranquilos”.

Ele declara aqui que os pensamentos são castos, dando a entender que antes disso eles eram bestiais e impuros. E exorta: “Assim, se depois destes pensamentos castos e doces sobrevém uma agressão, não nos aflijamos nem nos desesperemos. Mesmo no momento do repouso concedido pela graça, não nos glorifiquemos ainda, mas no tempo da alegria esperemos pelos tormentos”. Ele acrescenta: “Saiba que todos os santos passaram por esta obra. A partir do momento em que estamos neste mundo, a imensa consolação que está no meio deles nos é dada em segredo, pois todo dia e toda hora nos é pedida a prova de nosso amor a Deus em nossos esforços e nos combates contra as tentações. E a prova é esta: jamais nos afligirmos, nunca nos deixarmos abater durante o combate. Mas quem quiser mudar de caminho ou se desviar deste, se tornará a parte dos lobos”. Ó milagre! Como, com tão poucas palavras, soube confirmar um modo de vida, dar-lhe todo o sentido e tirar completamente as dúvidas do intelecto do leitor. Disse ele: quem se desviar do caminho e se tornar a parte dos lobos, é porque quis marchar sobre uma via que não é o caminho. É isto que ele deixou de adquirir em espírito: ele quis caminhar por um caminho próprio, que não foi traçado pelos Padres.

E logo após: “A humildade, mesmo sem obras, apaga numerosas faltas. Ao contrário, sem ela as obras não servem para nada”. E: “Aquilo que representa o sal para os alimentos, representa a humildade para todas as virtudes. Ela pode quebrar a força de inúmeros pecados. Assim, é preciso esforçar-se por ela em espírito continuamente, com modéstia e nas provas do discernimento. Se a adquirirmos, ela fará de nós filhos de Deus. E mesmo sem as boas obras, ela nos levará diante de Deus. Mas sem ela, todas as nossas obras, virtudes e penas terão sido em vão. O que Deus quer é a transformação do intelecto”. E: “Nós nos tornamos melhores no intelecto. Basta que ele, sem outra ajuda, se mantenha diante de Deus e fale por nós”. Ele diz ainda: “Um dos santos disse que, quando lhe vier um pensamento de orgulho dizendo: ‘Lembre-se de suas virtudes’, você deve responder: ‘Amigo, veja sua prostituição’[294]”.


44.  Do arrependimento, da pureza e da perfeição.

“Todo caminho é cumprido através destas três coisas: o arrependimento, a pureza e a perfeição. O que é o arrependimento? Abandonar as coisas passadas e afligir-se por elas. O que é a pureza, em poucas palavras? Um coração compassivo por todas as naturezas criadas. E o que é a perfeição? A profundeza da humildade: o abandono de todas as coisas visíveis – as coisas sensíveis – e de todas as coisas invisíveis – as coisas inteligíveis – e não mais nos preocuparmos com elas”.

E ainda: “O arrependimento é a dupla morte voluntária para todas as coisas. É um coração compassivo, o fervor do coração por toda a criação, pelos homens, pelos pássaros, pelos animais, pelos demônios, por todas as criaturas”. E mais: “Enquanto estamos neste mundo, abandonados na carne, se quisermos nos elevar até a abóboda dos céus, não poderemos fazê-lo permanecendo na irresponsabilidade, sem obras nem penas. Nisto está o cumprimento, perdoe-me. Mas existe mais do que isto, e é a meditação: a meditação fora de qualquer pensamento”.

E são Máximo: “A filosofia dedicada à virtude cria a impassibilidade do julgamento, mas não a impassibilidade da natureza. Vale dizer que a graça do prazer divino, no intelecto, está ligada a esta impassibilidade do julgamento”.  E também: “Quem recebeu a experiência da tristeza e do prazer da carne é chamado noviço, pois experimentou a facilidade das coisas que cercam a carne. Chamamos perfeito aquele que combateu com o poder da razão o prazer e a dor da carne. E chamamos completo aquele que, pela tensão em direção ao divino, manteve inalienáveis suas faculdades de agir e de contemplar[295]”. É por isso que declaramos que o discernimento é a mais alta das virtudes, pois nas coisas que, pela benevolência de Deus, podemos ver fora da luz divina, torna-se possível distinguir exatamente o que é divino e o que é humano, o que é místico e o que é apócrifo.

Mas agora é o momento de expor, na medida do possível, o princípio da santa hesíquia edificante que nos foi prometida, agora que podemos vê-la com clareza. E que Deus conduza o que temos a dizer.


45.  Das cinco obras da primeira hesíquia dos noviços, ou hesíquia elementar: a prece, a salmodia, a leitura, a meditação e o trabalho manual.

O noviço, aquele que começa a se consagrar à hesíquia, deve passar noite e dia dedicado às cinco obras por meio das quais ele servirá a Deus. Na oração, ou seja, na lembrança contínua do Senhor Jesus Cristo calmamente introduzida no coração pela inspiração do sopro, como dissemos, e depois devolvida assim: lábios cerrados, nenhum pensamento, nenhuma imaginação estranha.

A prece, dissemos, é descoberta na pura humildade, no interior da cela, através da temperança que fecha o ventre, através da privação do sono e do jejum dos demais sentidos. Na salmodia, na leitura do sagrado Saltério, do Apóstolo e dos santos Evangelhos, dos escritos dos santos Padres teóforos, e, em especial, dos capítulos sobre a prece, a sobriedade e a vigilância. Quanto aos outros ensinamentos divinos do Espírito, na lembrança dos pecados que colocam o coração em penas, na meditação do Julgamento de Deus, ou da morte e do castigo, ou da bem-aventurança, e de outros temas semelhantes. E no pequeno trabalho das mãos, para amordaçar a acídia. Depois voltar à oração, ainda que as coisas estejam difíceis, até que o intelecto se habitue a rejeitar com facilidade sua própria agitação ocupando-se inteiramente do Senhor Jesus Cristo, pela lembrança constante, por uma contínua tensão voltada para o tesouro interior – o lugar secreto do coração – e por um enraizamento profundo.

Santo Isaac escreveu também: “Esforce-se para penetrar no tesouro que está em você, e você verá o tesouro celeste. Pois um e outro são um e você contempla os dois pela mesma porta[296]”. E são Máximo: “O coração comanda todos os órgãos do corpo. Quando a graça ocupa os pastos do coração, ela reina sobre todos os pensamentos e todos os membros. Pois aí estão o intelecto e todos os pensamentos da alma. É, portanto, aí que deve ser verificado se a graça do Santíssimo Espírito escreveu suas leis. Aí; mas onde? No órgão que comanda, no trono da graça, onde estão o intelecto e todos os pensamentos da alma: no coração”.


46.  Por onde devem começar aqueles que pretendem viver a hesíquia segundo a razão. Quais são o começo, o crescimento, o progresso e a perfeição.

Esta é a primeira obra dos antigos monges, pois ela abre o caminho aos que escolhem viver a hesíquia segundo a razão. Eles começavam pelo temor a Deus, e na medida em que lhes era possível, pelo cumprimento de todos os mandamentos deificantes: a ausência de preocupações em todas as coisas boas ou más, a fé, a fuga completa para longe das coisas contrárias, a pura consagração ao ser em si, como foi dito. Depois eles cresciam na esperança indefectível[297], e atingiam a medida da plenitude de Cristo[298]. Eles chegavam aí por meio do eros divino, total e sobre-eminente, que atravessa a prece do coração, pura e sem distração, e que termina na prece espiritual, firme e imutável. Eles aí chegavam pelo único êxtase imediato em direção ao único, pelo arrebatamento, pela unidade do apelo extremo que escorre das fontes do amor perfeito. É assim que a ação leva infalivelmente à contemplação. E é assim que se ressuscita. Davi, o ancestral de Deus[299], sentiu isto. Transformado por esta mudança bem-aventurada, ele proclamou fortemente: “Eu disse em meu êxtase: todo homem é mentiroso[300]”. E um outro, dentre os que se distinguiram no Antigo Testamento: “O que o olho não viu, o que o ouvido não ouviu, o que não subiu ao coração do homem, é isto que Deus preparou para aqueles que o amam[301]”. E o grande Paulo acrescentou em conclusão: “Ele nos revelou isto por seu Espírito. Pois o Espírito sonda tudo, mesmo as profundezas de Deus[302]”.


47.  Da ordem da hesíquia dos noviços.

O noviço, dissemos, não deve sair constantemente de sua cela. Ele deve evitar falar com todos, mesmo vê-los, se não for por grande necessidade, e aí, raramente, com atenção e precaução, assegurando-se, como disse o divino Isaac: “Que em todas as coisas permaneça em você a lembrança que o socorro que provém da guarda de si mesmo é melhor do que o socorro que provém das obras[303]”. Pois estas coisas provocam a dispersão e a confusão, não apenas entre os noviços, mas ainda entre os que estão mais avançados, como o próprio Isaac diz adiante: “O conforto só prejudica os jovens, mas o relaxamento prejudica os jovens e os velhos”, e: “A hesíquia destrói as sensações exteriores e desperta os movimentos internos. Mas a vida exterior provoca efeitos opostos: ela desperta as sensações externas e destrói os movimentos internos[304]”. Santo Isaac quer nos mostrar com isto onde está a ação e, certamente, o caminho da hesíquia ao qual leva a boa obra. João Clímaco, por seu lado, sugere pelas seguintes palavras quem é aquele que age e caminha como se deve sobre o caminho: “O hesiquiasta é aquele procura a coisa mais maravilhosa: conter o incorpóreo na morada do corpo[305]”. E: “O hesiquiasta é aquele que diz: Eu durmo, mas meu coração vela[306]”. E: “Feche sobre seu corpo a porta de sua cela, sobre suas palavras a porta de sua língua, e sobre os espíritos a porta de seu coração[307]”.


48.  Da prece do coração na atenção, na sobriedade e na vigilância, e de sua obra.

Dissemos que a prece que sobe ao interior do coração com a atenção, a sobriedade e a vigilância, fora de todo pensamento, de toda imaginação – qualquer que seja – é, em primeiro lugar: Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus. O intelecto se volta inteiramente para fora de toda matéria, fora de toda palavra, para o Senhor Jesus Cristo, a quem ela comemora. Depois vem: Tenha piedade de mim. O intelecto retorna sobre si mesmo, como se não suportasse não orar por si próprio. Tendo progredido em direção ao amor pela experiência, ele se inclina daí para frente apenas para o Senhor Jesus Cristo, por ter recebido da segunda parte da invocação uma nítida certeza.


49.  Como os Padres divinos nos transmitiram o modo de dizer a oração. Quais são as diferentes formas da oração.

Por isso os Padres divinos parecem não ter sempre transmitido a oração inteira. Um a transmitiu inteiramente, outro a metade, outro parcialmente, outro diferentemente, conforme a força e o estado daquele que ora.

O divino Crisóstomo a transmitiu inteira. Ele disse: “Eu lhes peço, irmãos, não pisoteiem nem desprezem jamais a regra da oração. Pois eu ouvi os Padres dizerem: Que será do monge que desprezar ou pisotear a oração? Mas, ao contrário, quer ele coma, quer beba, quer repouse, sirva ou caminhe, seja lá o que fizer, ele deve clamar Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim, a fim de que a memória do nome de nosso Senhor Jesus Cristo provoque o inimigo ao combate. Pois a alma que se violenta deve descobrir tudo pela memória, seja o mal, seja o bem. Ela deve primeiro ver o mal no interior do seu coração; então ela verá o bem. É a memória que suscita o dragão e a memória que o derruba. É a memória que denuncia o pecado que existe em nós[308], e é a memória que o espalha e que chama todas as potências do inimigo para dentro do coração. Mas é também a memória que pode vencê-lo e desenraizá-lo em parte, a fim de que o nome de nosso Senhor Jesus Cristo descendo às profundezas do coração derrube o dragão que ocupa as pastagens, salve a alma e lhe dê a vida. Portanto, permaneça continuamente com o nome do Senhor Jesus, a fim de que o coração absorva o Senhor, que o Senhor absorva o coração, e que os dois se tornem um. Mas isto não é trabalho para um dia ou dois. É preciso muito tempo combatendo, para que o inimigo seja rejeitado e que Cristo habite em nós[309]”.

E ainda: “É preciso que o intelecto se afirme, que ele conduza com as rédeas e o freio e que castigue todo pensamento, toda ação do Maligno por meio da invocação de nosso Senhor Jesus Cristo. Aonde estiver o corpo, esteja ali o intelecto, a fim de que entre Deus e o coração não se encontre nada que seja como um muro ou uma barreira que entenebreça o coração e separe o intelecto de Deus. E, se acontecer das trevas se apoderarem do intelecto, não devemos nos demorar nos pensamentos, para que o consentimento a estes mão lhe seja imputado como um ato no dia do Julgamento diante do Senhor, quando Deus virá para julgar os segredos dos homens[310]. Detenham-se de uma vez por todas e permaneçam no Senhor nosso Deus, até que ele tenha compaixão de nós[311]. E não busquem outra coisa senão a piedade que vem do Senhor da glória[312]. Mas, se buscarem a piedade, procurem com um coração humilde, com o coração contrito. E repitam da manhã até a noite, e se possível toda a noite: Senhor Jesus Cristo, tenha piedade de mim. Engajem o intelecto com toda força nesta obra até a morte, pois ela exige que nos violentemos. A porta é estreita, a via que conduz à vida é apertada[313]. Aí só entram os que se violentam, pois deles é o Reino dos céus[314]. Por isso eu lhes peço: não separem de Deus seus corações. Mas perseverem, mantenham-se todo o tempo na memória de nosso Senhor Jesus Cristo, até que o nome de nosso Senhor esteja plantado nos seus corações e que estes não concebam nada de outro, a fim de que Cristo seja magnificado em vocês[315]”.

Mas, bem antes disso, o grande Paulo havia escrito: Senhor Jesus. Ele disse: “Se você confessar com sua boca o Senhor Jesus, e se crer em seu coração que Deus o ressuscitou dos mortos, você será salvo. Pois é crendo no coração que se chega à justiça, e é confessando pela boca que se alcança a salvação[316]”. E mais: “Ninguém pode dizer ‘Senhor Jesus’, se não for pelo Espírito Santo[317]”. Ele acrescenta: pelo Espírito Santo, o que quer dizer: quando o coração recebe a energia do Espírito Santo, é por meio dele que passa a orar. Isto é próprio dos que progrediram, dos que receberam a riqueza de Cristo, a partir do momento em que este permanece claramente neles.

“Siga este caminho, diz também são Diádoco. Quando, pela lembrança de Deus, fechamos todas as saídas do intelecto, ele não cessa de nos pedir uma obra que lhe permita manter-se até o final de seu curso. É preciso, assim, dar-lhe as simples palavras: Senhor Jesus, para atingir plenamente este objetivo. Pois, segundo Paulo, ninguém pode dizer ‘Senhor Jesus’ se não for pelo Espírito Santo[318]. Mas que ele encerre sempre estas palavras dentre seus tesouros, a fim de não ser desviado por imaginações. Os que meditam sem relaxar, do fundo do coração, o nome glorioso e tão desejado, poderão ver um dia a luz do intelecto. Se a reflexão a guarda e vigia, esta luz, com efeito, queima, o bastante para que sintamos, toda sujeira colada à alma. Pois foi dito que Deus é um fogo devorador[319]. O Senhor chama a alma para o grande amor de sua glória. Quando o calor do coração faz residir em nós, pela memória do intelecto, o nome glorioso e tão desejado, nos coloca em estado de amar sua bondade. E nada poderá nos impedir. Com efeito, esta é a pérola preciosa que precisamos adquirir vendendo tudo o que temos, e cuja descoberta cumula de alegria inefável[320]”.

Santo Hesíquio escreveu: Jesus Cristo. Ele acrescenta: “A alma que, através da morte, voa no espaço para as portas celestes e que tem Jesus consigo e por ela, não será confundida por seus inimigos, mas então, e daí por diante, lhes falará às portas com segurança. Mas até sua partida ela não deve se desencorajar de chamar por Jesus Cristo noite e dia. Ele agirá por ela. Ele lhe fará justiça rapidamente, segundo a promessa verídica e divina, esta promessa que ele fez a propósito do juiz iníquo[321]. Sim, eu lhes digo, ele o fará, tanto na vida presente como depois que a alma tiver deixado seu corpo[322]”.

São João Clímaco fala apenas de: Jesus. “Ataque seus adversários com o nome de Jesus. Pois não existe sob o céu arma mais poderosa. E não acrescente mais nada”. Ele diz também: “Que a lembrança de Jesus se cole à sua respiração. Então você conhecerá o socorro da hesíquia[323]”.


50.  Que não foi apenas pelos Padres mencionados, mas pelos próprios Príncipes dos Apóstolos, Pedro, Paulo e João, que fomos iniciados em espírito nas palavras da prece deificante.

Mas não é apenas a partir desses Padres teóforos que mencionamos, e dos que vieram depois deles, que poderemos nos iniciar nas palavras da santa prece; antes deles, houve estes corifeus que foram os primeiros dentre os apóstolos, ou seja, Pedro, Paulo e João. Um disse, como lembramos: “Ninguém pode dizer: ‘Senhor Jesus’, se não for pelo Espírito Santo[324]”. O outro: “A graça e a verdade vieram por Jesus Cristo[325]”. E: “Todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio na carne é de Deus[326]”. E o eleito dentre os discípulos de Cristo, que, em resposta à questão que o Mestre e Salvador dirigiu aos próprios apóstolos: “Quem os homens dizem que sou?” – respondeu com esta feliz confissão: “Você é o Cristo, o Filho de Deus vivo[327]”.

É por isso que aqueles que vieram depois deles, nossos mestres gloriosos, e sobretudo os que levaram no deserto e no repouso a vida livre de todos os jugos, seguiram estes exemplos que nos deram primeiramente, cada um por sua vez, as três colunas da pura Igreja, e nos transmitiram como vozes divinas pela revelação do Espírito Santo. O uso das palavras da prece é, assim, largamente atestado por estes três testemunhos dignos de fé[328]. Pois foi dito que toda palavra deverá estar fundamentada sobre três testemunhas.

Estes sábios celestes, perfeitamente ligados entre si no Único e em acordo com o Espírito Santo que neles habitava, pregaram a regra da prece e a transmitiram aos que os seguiram que a mantivessem e guardassem da mesma maneira. Veja a ordem e o encadeamento que, com a sabedoria do alto, levaram a esta coisa maravilhosa. Pois um disse: Senhor Jesus. O outro: Jesus Cristo. E o outro: Filho de Deus. Tudo se passa como se um seguisse ao outro, como se estivessem ligados uns aos outros pelo acordo e a ligação destas palavras que são obra de Deus. Você pode ver, com efeito, cada um receber do final das palavras do anterior o começo das suas, e tudo se completa nos três. Você verá a mesma coisa se acrescentar o sentido do Espírito. De fato, o bem-aventurado Paulo disse: “Ninguém pode dizer ‘Senhor Jesus’ se não for pelo Espírito Santo[329]”. E é pelo que foi aqui colocado por último – pelo Espírito Santo – que começa João, a voz do trovão, quando diz: “Todo espírito que confessa Jesus Cristo como se manifestando na carne é de Deus[330]”. Eis aqui o que eles deram a conhecer a todos, não por si próprios ou por seu próprio movimento, mas suscitados pela mão do Santíssimo Espírito. A confissão revelada ao divino Pedro veio-lhe, de fato, do Espírito Santo. Pois foi dito: “O único e mesmo Espírito cumpre todas as coisas, dispensando-as a cada um como quer[331]”.

Assim é que a tripla corda[332] indefectível da oração deificante, trançada, ajustada, coordenada com enorme sabedoria e ciência, chegou igualmente aos nossos, que a guardaram da mesma maneira. Os divinos Padres que vieram depois acrescentaram as palavras: Tenha piedade de nós às palavras salutares da prece – Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus – e as adaptaram e prescreveram aos que são ainda pequeninos na ordem da virtude, os noviços e os imperfeitos. Pois aqueles que progrediram, que são perfeitos em Cristo, por meio de cada um desses oráculos – ou seja, ‘Jesus Cristo, Filho de Deus’, e até mesmo pela simples invocação de Jesus – abraçam e estreitam, por assim dizer, a inteira obra da oração. Assim eles se encheram de um prazer e de uma alegria inefáveis, mais alta do que toda inteligência, mais alta do que tudo o que se pode ver e ouvir.

Deste modo aqueles três vezes bem-aventurados, deixando a carne e o mundo, iniciando seus sentidos pelos dons divinos e a graça que neles habitava, foram tomados de amor no êxtase e na beatitude, foram purificados, foram iluminados, atingiram a perfeição, pois contemplaram a partir daí secretamente e como uma garantia a graça que não tem começo, a graça sobrenatural e incriada da Divindade mais alta do que o ser. Eles se satisfizeram com a simples lembrança, mas também, como ressaltamos, em dizer cada uma das invocações do Verbo, do Deus-Homem, como indicamos. Assim elevados por esta prece nos arrebatamentos, nos conhecimentos e nas revelações, eles foram tornados no Espírito Santo dignos de palavras inefáveis. Em sua grande doçura e seu amor pela alma, nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, cujas palavras foram obras e a linguagem espírito de vida[333], como ele próprio disse, lhes deu uma clara certeza e uma confiança segura. Ele lhes declarou com força: “Sem mim vocês nada podem[334]”. E: “Se vocês pedirem algo em meu nome, eu o farei[335]”. E: “O que quer que peçam em meu nome, eu o farei[336]”. E tudo o que se segue, conforme nos foi transmitido.


51.  Que é permitido aos noviços tanto dizer todas as palavras da prece como apenas uma parte, mas sempre dentro do coração. E que não se deve mudar constantemente as palavras.

É permitido aos noviços, seja dizer todas as palavras da oração, seja dizer uma parte delas; mas sempre dentro do coração e continuamente. Conforme são Diádoco, “aquele que permanece sempre em seu próprio coração abandona todos os encantos desta vida. Pois, caminhando no Espírito, ele já não conhece os desejos da carne[337]. Este homem vai e vem na fortaleza das virtudes, que nele estão como guardiões da cidadela da pureza. É por isso que as armadilhas dos demônios contra eles não têm efeito[338]”. Santo Isaac escreve também: “O coração daquele que visita sua alma todo o tempo se alegra nas revelações”. E: “Aquele que recolhe em si mesmo sua contemplação, contempla a irradiação do Espírito. Aquele que despreza toda distração contempla seu Mestre no interior do seu coração[339]”.

Mas não se deve mudar constantemente as palavras da oração, a fim de que, devido às mudanças e transferências constantes, o intelecto não se torne instável, não se desvie, nem se torne inconsistente e estéril, como as árvores que são constantemente transportadas e transplantadas.


52.  Que o fruto é a prece no interior do coração. Mas que é preciso muito tempo, de combate e de violência. Que simplesmente os bens não podem ser adquiridos senão com tempo e penas.

Este prece contínua no interior do coração, e aquilo que está para além dela, não se obtém simplesmente, como que por acaso, penando um pouco, e depressa, quando na verdade ela se encontra raramente em uns poucos. Ao contrário, é preciso muito tempo e muitas penas, é preciso combater no corpo e na alma e violentar-se intensamente para alcançá-la. Pois, conforme a parte que nos cabe do dom e da graça que esperamos receber devemos, tanto quanto nos for possível, travar por ela os combates correspondentes e avaliar os momentos. Esta graça, para os santos mestres, consiste em expulsar o inimigo das pastagens do coração e trazer Cristo para habitar nele claramente.

Santo Isaac disse igualmente: “Quem quiser ver o Senhor deve se esforçar para purificar o coração por meio da lembrança contínua de Deus. Assim, na claridade de sua reflexão, ele verá o Senhor a toda hora[340]”.

E são Barsanulfo: “Se a obra interior que se faz com Deus não vem em socorro do homem, este pena em vão exteriormente. Pois a obra interior que coloca o coração em penas carrega em si a pureza; a pureza carrega a verdadeira hesíquia; a hesíquia carrega a humildade; e a humildade faz do homem a m orada de Deus. Uma vez que Deus habita nele, os demônios são banidos com as paixões. O homem se torna assim um templo de Deus cheio de santidade, cheio de luz, de pureza e de graça. Bem-aventurado aquele que, refletindo seu próprio Senhor no segredo de seu coração, espalha sua oração e chora diante de sua bondade[341]”.

E são João de Cárpatos: “É preciso consagrar às preces um longo combate e muito tempo para descobrir no estado sem perturbações da reflexão um outro céu do coração, onde habita Cristo, como disse o Apóstolo: ‘Ou vocês não sabem que Jesus Cristo mora em vocês? A menos que vocês sejam reprovados’[342]”.

E o grande Crisóstomo: “Persevere sem relaxar no nome do Senhor Jesus, a fim de que o coração absorva o Senhor, que o Senhor absorva o coração, e que os dois se tornem um. Mas isto não é trabalho para um dia ou dois. É preciso um longo combate e muito tempo para que o inimigo seja rejeitado e que Cristo habite em nós[343]”.

Haveria muito mais a ser dito, mas devemos voltar à sequência de nossa exposição.


53.  Da prece do coração que não é pura. Como atingir a prece pura e sem distrações.

À força de perseverar no método de que falamos, o método da prece do coração, da prece pura e sem distração, mesmo se em outros momentos ela estiver mesclada às impurezas e à agitação, é claro que, atravessando as percepções e os pensamentos que a entravam, aquele que combate chegará ao estado de prece com toda liberdade, com toda imobilidade, com toda pureza, com toda verdade. É preciso então que o intelecto persevere no coração, que ele penetre nele pela respiração, sem nada forçar nem negligenciar, e que não o deixe precipitadamente. Ao contrário, que ele permaneça ali, orando continuamente.

Santo Hesíquio diz igualmente: “Aquele cuja prece não está livre de todo pensamento não está armado para o combate. Refiro-me à prece que dizemos provir das profundezas do coração, a fim de que a invocação de Jesus Cristo ataque aquele que nos combate secretamente e queime o adversário[344]”. E em seguida: “Bem-aventurado aquele que em sua reflexão está ligado à prece de Jesus, aquele que, sem relaxar, invoca o Senhor em seu coração, como o ar está unido ao nosso corpo ou a chama está unida à cera”. E mais: “Quando o sol passa sobre a terra faz-se o dia. O santo e venerável nome do Senhor Jesus, brilhando continuamente na reflexão, engendrará inumeráveis pensamentos tão luminosos quanto o sol[345]”.


54.  Da prece do coração, pura e sem distrações, e do calor que ela suscita.

Esta é a que chamamos de prece do coração, pura e sem distrações, da qual se diz: “Dela nasce um calor no coração”. Está escrito: “Meu coração queima em mim”, e: “Um fogo se acendeu em minha meditação[346]”. Este é o fogo que nosso Senhor Jesus Cristo veio atirar sobre a terra de nossos corações que, de outro modo se encheria de espinhos sob o jugo das paixões, mas que, sob a graça, se enche do Espírito. Ele próprio disse: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra: e como gostaria que já estivesse aceso![347]”. É este fogo que se acendeu em Cléofas e em seu companheiro, que os aqueceu e os fez dizer: “Não queimava nosso coração pelo caminho?[348]”.

O grande João Damasceno escreveu num tropário de seus cânticos à puríssima Mãe de Deus: “O fogo do coração me entranha e me leva a celebrar o desejo virginal”.

Santo Isaac escreveu igualmente: “O calor sem medida que chega à superfície da reflexão, vindo das lembranças abrasadoras, consome o coração com seu fogo, nasce da violência que fazemos a nós mesmos. Esta obra, esta guarda do coração, afina o intelecto com seu calor e lhe concedem a visão”. E mais adiante: “É deste calor que proveniente da graça da contemplação que nasce o fluxo das lágrimas”. E logo depois: “A alma recebe a paz dos pensamentos das lágrimas incessantes. Da paz dos pensamentos ela se eleva à pureza do intelecto. E pela pureza do intelecto o homem consegue ver os mistérios de Deus”. E ainda: “Depois disso, o intelecto pode ver as revelações e os sinais, como viu o profeta Ezequiel[349]”. E mais: “As lágrimas, a cabeça que toca o solo durante a oração, o calor das prosternações despertam no coração a chama de sua doçura. Este é o êxtase digno de todos os louvores. O coração voa para Deus e diz: ‘Minha alma tem sede de ti, Deus forte, Deus vivo. Quando verei eu tua face, Senhor?’[350]”. E assim por diante”.

E João Clímaco: “O fogo que visitou meu coração fez erguer-se a prece. Quando a prece despertou e subiu ao céu, o fogo desceu à câmara mais alta da alma[351]”. E ainda: “Quem é o monge fiel e prudente[352] que guardou vivo o calor que nele existe? E que, até sua partida desta vida, não cessou de acrescentar, a cada dia, o fogo ao fogo, o calor ao calor, o desejo ao desejo, o esforço ao esforço?[353]”.

E são Elias de Écdicos: “Quando a alma deixou as coisas exteriores e se uniu à oração, então esta a envolve qual uma chama, como o fogo envolve o ferro, e a abrasa inteiramente. A alma permanece a mesma, mas não a podemos tocar, como o ferro em brasa não pode ser tocado[354]”. E ainda: “Bem-aventurado aquele que nesta vida foi julgado digno de ser considerado assim, Bem-aventurado aquele que viu seu corpo, por natureza de terra, se tornar fogo pela graça[355]”.


55.   Que o calor tem diversas origens. Mas o calor fundamental é aquele que vem da prece do coração, da prece pura.

Saiba que tal calor possui muitas e diferentes formas em sua gênese e sua existência em nós. É o que se depreende claramente das palavras dos santos que expusemos, e também, hesitamos em afirma-lo, do próprio ato, pois o calor que provém da prece do coração, da prece pura, é, de certa forma, mais importante que estas palavras. Ele se propaga e cresce juntamente com a prece, até o repouso sabático na iluminação enipostática. Vale dizer que, conforme os Padres, ele ilumina com esta luz o homem que ora assim.


56.  Qual é a obra contínua do calor do coração.

Este calor expulsa continuamente aquilo que impede a primeira prece, a prece pura, de ser cumprida à perfeição. Pois nosso Deus é um fogo, e um fogo que consome[356] o mal dos demônios e de nossas paixões.

São Diádoco disse: “Quando, queimado por alguma dor, o coração recebe as marcas dos demônios, a alma que começa a se purificar odeia as paixões, porque aquele que é combatido teme, em suas penas, sofrer com as flechas do inimigo. Isto quer dizer que, se não experimentamos um grande sofrimento diante da impudência do pecado, não poderemos nos regozijar abundantemente diante da bondade da justiça. Aquele que pretende purificar seu próprio coração deve inflamá-lo diariamente com a lembrança de Jesus Cristo, não tendo outra coisa em si senão esta meditação e este trabalho incessante. Pois os que pretendem expulsar sua própria podridão não devem ora rezar, ora não rezar. É preciso que tragam incessantemente a oração sob a guarda do intelecto, mesmo que permaneçam no exterior das moradas da prece. Pois, do mesmo modo como aquele que quer purificar o ouro evita que o fogo se afaste do cadinho para a matéria purificada não endureça, aquele que às vezes se lembra de Deus e às vezes o esquece, perde, ao se deter, aquilo que pensou ter adquirido ao orar. É próprio de um homem que ama a virtude absorver constantemente a matéria terrestre do coração por meio da lembrança de Deus. Assim, com o mal pouco a pouco consumido pelo fogo da lembrança do bem, a alma alcançará perfeitamente seu esplendor natural, numa glória ainda maior[357]”. A partir daí, o intelecto que permanece livremente no coração rezará com toda pureza, livre de qualquer erro.

Um santo disse: “A prece é verdadeira, livre de todo erro, quando o intelecto mantém o coração orando”. Santo Hesíquio escreve igualmente: “O verdadeiro monge é aquele que alcançou a sobriedade e a vigilância. E o monge verdadeiramente sóbrio é aquele que é monge em seu coração[358]”.


57.  Do desejo e do eros que nascem do calor, da atenção e da prece.
É neste calor, nesta prece atenta, ou seja, na prece pura, que se encontra o desejo, o eros divino que leva à lembrança permanente do Senhor Jesus Cristo. Então o amor nasce no coração, conforme está escrito: “As jovens me amaram e me atraíram[359]”. E: “Estou doente de amor[360]”. Também são Máximo diz: “Todas as virtudes trabalham com o intelecto em seu encaminhamento para o eros divino, mas, mais do que todas, a prece pura. Dele ela recebe as asas para voar para Deus, elevando-se para além de tudo[361]”.


58.  Das lágrimas do coração. Do desejo e do eros divino.

Quando de um coração assim correm as lágrimas em abundância, elas purificam e enriquecem aquele que se vê cumulado de amor. Elas jamais se esgotam e nunca secam. Pois aquilo que provém do temor a Deus, assim como aquilo que provém do eros divino, nasce do violento e irresistível desejo de amar o Senhor Jesus Cristo a quem lembramos. Fora de si, a alma proclama: “Cristo, você me atraiu por seu desejo, você me transformou por seu eros divino[362]”. E: “Salvador, você é todo mansidão, todo desejo e apelo, inteiramente inesgotável, inteiramente inconcebível beleza[363]”. Com Paulo, o predicador de Cristo, ela repete: “O amor a Deus nos pressiona[364]”. E: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a nudez, o perigo, a espada?[365]”. E mais: “Estou persuadido de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem as potências, nem o presente, nem o futuro, nem a altura, nem a profundidade, nem nenhuma outra criatura poderá nos separar do amor a Deus que está em Jesus Cristo nosso Senhor[366]”.


59.  Exortação a não buscar aquilo que ultrapassa a medida, e trazer sempre no coração a lembrança de nosso Senhor Jesus Cristo.

Então, quem poderá ser considerado digno destas coisas e de tudo o que vem com elas? Não é oportuno falar disto agora. Foi dito: “Não busque antes do tempo aquilo que vem com o tempo[367]”. E: “O bem não é bom quando não vem a propósito”. Segundo são Marcos o Asceta, não convém conhecer o que vem depois sem ter antes feito o que vem primeiro, “pois a ciência infla, se não se traduzir em atos; mas a caridade edifica”, “ela suporta tudo[368]”.

É preciso assumir as penas e combater sempre, se diz, para trazer continuamente na profundeza do coração a lembrança do Senhor Jesus Cristo, e não de modo exterior e superficial, como diz a respeito o bem-aventurado Marcos o Asceta: “Se, por meio de uma esperança total e espiritual, a prece não abrir o lugar de nosso coração, o lugar mais interior, secreto e puro, é certo que não seremos capazes de conhecer nem aquele que irá nele residir, nem saber se nossos sacrifícios de louvor foram ou não recebidos[369]”.


60.  Do zelo ardente. Da aparição divina em nós, e da iluminação enipostática da graça.

Assim podemos nos afastar com facilidade, não apenas das más obras, mas também dos pensamentos passionais e das más imaginações, conforme está escrito: “Caminhem segundo o espírito e não aceitem a concupiscência da carne[370]”. Pois quem queima de zelo ardente pela virtude e suprime dos sentidos e do intelecto toda má obra antes que ela aja, se afastará cada vez mais de toda imaginação e dos seus príncipes, os demônios, que se divertem com a infelicidade dos outros. Como diz santo Isaac: “Os demônios temem, mas Deus e seus anjos desejam aquele que em seu zelo divino desenraiza os espinhos que o inimigo colocou nele. Este homem, ao avançar, chegará à certeza que a iluminação enipostática da graça implanta nele, esta graça divina que virá habitar nele. Podemos dizer que, numa alegre corrida, ele sobe às alturas para a nobreza e a filiação espiritual que a graça do santo batismo estabelece em nós”.

Santo Isaac diz ainda: “Esta é a Jerusalém, e este o Reino de Deus oculto em nós[371] segundo a palavra do Senhor. Este país é a nuvem da glória de Deus, na qual apenas os corações puros entrarão para contemplar a face de seu Mestre[372]. Mas que este homem não busque a aparição de Deus, a fim de não receber aquele que na verdade é feito de trevas e que imita a luz[373]”.


61.  Da energia divina e da energia contrária.

Quando seu intelecto, sem a procurar, vê a luz, ele não deve nem aceitá-la nem recusá-la, como diz são Marcos o Asceta: “A criança ignora o que é a energia da graça”. E: “Uma outra energia, a do mal, se faz semelhante à verdade. É melhor não ver estas coisas, devido à ilusão. Mas também não é bom estigmatiza-las, por causa da verdade. É preciso em tudo recorrer a Deus com esperança. Entre as duas, ele sabe qual será proveitosa para você[374]”. Mas interrogue quem tem a graça e o poder de ensinar e discernir por Deus.


62.  Do mestre iluminado e infalível.

Se você encontrar aquele que ensina não apenas o que aprendeu nas Sagradas Escrituras, mas também o que ele próprio experimentou em toda beatitude pela iluminação divina, dê graças a Deus. Senão, será melhor para ele não aceitá-lo, mas recorrer a Deus com humildade, considerando a si mesmo, com o coração sincero, indigno de tal dignidade e de tal contemplação. É o que dissemos, é o que diremos, é no que fomos iniciados, é o que, pela graça de Cristo, nos ensinaram as línguas verídicas que falam sob a ação do Espírito Santo, as Escrituras inspiradas de Deus e a experiência parcial.

63.  Da verdadeira e da falsa iluminação, ou da luz divina e da luz má.

Em alguns de seus escritos, nossos gloriosos Padres deram a entender quais são os sinais da luz que não engana, e quais os sinais da luz que é uma ilusão. É justamente o que o bem-aventurado Paulo de Latros[375] fez por três vezes, quando disse a seu discípulo que o havia questionado a respeito: “A luz da potência contrária tem a aparência de uma chama, ela é acompanhada de fumaça e se parece ao fogo sensível. Quando a alma sóbria e purificada a vê, ela se sente mal e experimenta um profundo desgosto. Mas o que é bom e provém de Deus é cheio de graça e sem mescla, investe e santifica, cumula a alma de luz, de alegria, de bom humor, a torna doce e a leva a amar os homens”.

Outros dizem as mesmas coisas. Mas assim como de viva voz isto me foi confiado, também você o escutará no momento oportuno. Agora não é hora.


64.  Da má e da boa imaginação. Como passar de uma à outra.

Mencionamos há pouco a imaginação, e a má imaginação. Será útil, parece-nos, explicar brevemente e na medida do possível o que ela é, ou melhor, o que é a imaginação. Pois a maldita se opõe com toda força à prece pura, à prece do coração, à obra simples e direita do intelecto. É por isso que os Padres divinos falam dela e contra ela de muitas maneiras. Com efeito, assim como Dédalo, esta imaginação possui muitas formas, e como a hidra ela tem muitas cabeças. Ela é como uma ponte pela qual passam os demônios, como dizem os santos. Por ela atravessam e passam os assassinos infames que vêm se unir e se misturar à alma, que fazem dela uma casa de marimbondos, uma moradia para pensamentos estéreis e passionais.

É preciso rejeitar completamente esta imaginação. A menos que você queira, pelo arrependimento, a contrição do luto, a humildade, e ainda pelo estudo e a contemplação dos seres, colocar de lado a má imaginação e substituí-la por uma imaginação boa. Misturando e opondo uma à outra, dominando a imaginação indecente e impudente, você obterá contra ela o prêmio da vitória. Agindo desta maneira, não apenas você não cometerá nenhum mal, como ainda receberá um grande benefício, porque levará sua vida com um discernimento sem falha e descartará toda má imaginação por imaginações boas. E você terá ferido de morte, terá ferido seus inimigos com as armas dos adversários, como outrora fez o divino Davi a Golias[376].


65.  Que na prece pura e na obra simples e una do intelecto os santos rejeitam tanto a imaginação ruim como a boa.

Tal é o combate daqueles que ainda são crianças, ou seja, dos noviços. Mas os que progrediram ao longo do tempo rejeitam toda e qualquer imaginação, tanto a má quanto a boa. Eles se afastam delas. Como a cera derrete ao fogo[377], eles as reduzem a cinzas e as consomem por meio da prece pura, pelo desembaraço e o despojamento do intelecto em relação a qualquer imagem, porque eles tendem unicamente a Deus, e, se você quiser, porque eles o acolhem e se unem a ele na unidade além das formas.

Santo Hesíquio disse: “Todo pensamento é no intelecto a imaginação de uma coisa sensível. O intelecto – que é o Assírio – não tem força para nos enganar se se servir do sensível que nos cerca e de nossos hábitos[378]”. E são Diádoco: “Todo pensamento entra no coração pela imaginação das coisas sensíveis. A partir daí, quando o coração permanece todo o tempo longe de tudo e desembaraçado das formas, a bem-aventurada luz da Divindade brilha nele, pois seu esplendor, no vazio de todo e qualquer pensamento, se revela à inteligência pura[379]”. E o grande Basílio: “Assim como o Senhor não habita nos templos feitos pela mão do homem[380], também ele não habita nas representações e nas criações do intelecto. Estas se colocam diante da alma e a acediam. E a alma, alterada por elas, já não é capaz de inclinar-se puramente para a verdade, pois agora ela está ligada ao espelho e ao enigma[381]”.

E o divino Evagro: “Diz-se que Deus habita onde é conhecido. É por isso que se diz que o Trono de Deus é a inteligência pura. O pensamento de Deus, com efeito, não se encontra nos pensamentos que impregnam o intelecto, mas nos pensamentos que não o impregnam. Aquele que ora deve se separar totalmente dos pensamentos que impregnam o intelecto. De outro modo o intelecto estará impregnado quando ele vir o Intelecto, e estará propenso quando na verdade não vê mais do que sua razão. Assim é que aprendemos como o conhecimento espiritual afasta o intelecto de suas representações: ele o desembaraça de toda imagem e o dirige para Deus[382]”.

E são Máximo, em seus comentários sobre o grande Dionísio: “Uma coisa é a imaginação e outra a intelecção, ou seja, o pensamento. Pois elas provêm de potências diferentes e seus movimentos não são os mesmos. A intelecção é energia e criação. Mas a imaginação é paixão e representação ligada a alguma coisa sensível ou a algo semelhante. Os sentidos concebem os seres nas formas como os reúnem. Mas o intelecto capta, ou seja, concebe os seres de outra maneira, diferente dos sentidos. Quanto ao movimento corporal, ou ao movimento espiritual que dissemos dirigir também os sentidos, ele recebe as paixões e representa as formas. É preciso dar à alma e ao intelecto a faculdade de julgar e de conceber. A imaginação deve ser afastada por esta força de conceber que a alma possui. A faculdade de imaginar se divide em três partes: a primeira transforma as percepções em imagens e torna sensível o que percebemos. A segunda representa em nós as lembranças que permanecem das percepções, suas imagens não se apoiam sobre alguma coisa: é a imaginação propriamente dita. Na terceira, todo prazer, toda imaginação daquilo que nos parece bom ou mau cai na tristeza. É por isso que se diz que nenhuma imaginação tem lugar diante de Deus. Pois Deus, de uma vez por todas, está além de todo pensamento e acima de absolutamente tudo”.

O grande Basílio diz também: “O intelecto que não se dispersa nas coisas exteriores, que não se espalha pelo mundo através dos sentidos, retorna sobre si mesmo e através de si meso se eleva ao pensamento de Deus. Cercado pela luz desta beleza chega a esquecer de sua própria natureza[383]”.

Sabendo disso, esforce-se você também para estar a toda hora com Deus, livre de imaginações, de formas, de representações, e reze com todo o seu intelecto puro e com sua alma pura. É o que diz são Máximo.


66.  Do intelecto, da alma e do coração puros e perfeitos.

Da inteligência pura

“A inteligência pura é a inteligência que se separou da ignorância e que brilha na luz de Deus[384]”.

Da alma pura

“A alma pura é a alma que se libertou das paixões e que não cessa de se regozijar no amor de Deus[385]”.

Do coração puro

“O coração puro é o coração que dirige inteiramente para Deus sua memória, livre de qualquer figura, de qualquer forma, pronto para ser marcado pelos únicos sinais por meio dos quais ele se revela[386]”. Que ele se ligue a eles.

Da inteligência perfeita

“A inteligência perfeita é a inteligência que conheceu pela verdadeira fé o Mais-que-desconhecido, que contemplou o conjunto de suas criaturas, e que recebeu de Deus a ciência que inclui a providência e o julgamento a seu respeito. Mas eu falo como um homem[387]”.

Da alma perfeita

“A alma perfeita é a alma cuja potência passional está totalmente voltada para Deus[388]”.

Do coração perfeito

“Chamamos de coração perfeito o coração que não tem de modo algum nenhum movimento natural para o que quer que seja. Nele, como num pergaminho bem encerado pela extrema simplicidade, Deus vem escrever suas próprias leis[389]”.

Do intelecto puro

Purificar o intelecto, segundo são Diádoco, cabe apenas ao Espírito Santo[390]. Também fixar o intelecto, segundo João Clímaco, cabe apenas ao Espírito Santo[391]. São Nilo diz ainda: “Se quisermos ver a natureza profunda do intelecto, devemos nos afastar de todos os pensamentos. Então o veremos semelhante à cor da safira e à cor do céu.” E também: “A natureza profunda do intelecto é sua própria altura semelhante à cor do céu. Nele, no momento da prece, permanece a luz da santa Trindade”. E santo Isaac: “Quando intelecto se despojar do homem velho, quando estiver revestido do homem novo[392], ele verá sua própria pureza como a cor do céu. Ele se tornará aquilo que a assembleia dos filhos de Israel chamou de ‘lugar de Deus’, que eles viram sobre a montanha[393]”. Assim, se você fizer o que foi dito, se você orar com toda pureza além de toda imaginação, além de toda forma, você seguirá as pegadas dos santos. Senão, ao invés de hesiquiasta, você será um imaginativo. E em lugar de espigas, colherá espinhos. Mas que isto não aconteça!


67.  Como viam os profetas.

Se alguém pensa conhecer pela imaginação e pela ordem natural as visões dos profetas, as imagens e revelações que estes contemplaram, estará se afastando do justo objetivo e da verdade. Pois naquilo que eles viram e imaginaram, não é por uma consequência e uma ordem natural que os profetas e os iniciados que existem entre nós viram e formaram essas imagens. Foi de forma divina e sobrenatural, pelo poder e a graça indizíveis do Espírito Santo, que seu espírito conheceu esses sinais e essas imagens, como disse o grande Basílio: “Uma potência inefável permitiu aos que têm o intelecto puro, longe de qualquer distração, ver nele as imagens, como se a palavra de Deus ressoasse neles”. E mais: “Os profetas viram a razão marcada pelo Espírito”. E Gregório o Teólogo: “Ele – o Espírito Santo – age primeiro nas potências angélicas e celestes”; e a seguir: “depois nos Padres e nos profetas. Dentre estes, alguns viram a imagem de Deus ou conheceram a Deus; outros, com a razão marcada pelo Espírito, previram o futuro; eles estavam como que presentes nas coisas futuras[394]".


68.  Das imaginações e das numerosas e diferentes contemplações.

Mas alguns, que receberam as imaginações e toda a variedade das contemplações, duvidam e se opõem a nós acreditando seguir os santos, porque Gregório o Teólogo disse que podemos figurar a Deus apenas pelo intelecto, não a partir do que ele é, mas daquilo que o cerca, quando uma imaginação estranha se parece com uma imagem da verdade; porque o divino Máximo disse também que o intelecto não pode se tornar impassível apenas em virtude da ação, se esta não for acompanhada de numerosas e diferentes contemplações[395]; e porque outros santos expuseram do mesmo modo coisas semelhantes.

Saibam estes homens como e de que maneira chegaram a esses bem-aventurados as palavras referentes, não à obra que lhes foi transmitida lá onde se acha a graça – a graça do conhecimento e da contemplação que une o homem a Deus por meio desta experiência –, mas à obra que projetamos, ou seja, à contemplação que provém da sabedoria, da analogia e da harmonia dos seres e que insensivelmente conduz ao pensamento de Deus, a qual é permitida de uma vez por todas a muitos, senão a todos, buscar e conceber. Quem com pleno conhecimento provou dos exemplos dos santos sabe disto claramente, conforme está escrito: “É partindo da grandeza e da beleza das criaturas que, por analogia, se pode compreender o Criador[396]”, mas não partindo dos ensinamentos deste mundo profano e falador, artificial e vão. Pois este é como um servidor pouco digno. A ciência, os sofismas, as demonstrações o enchem de orgulho. Ele não está fundamentado na fé nem na humildade evangélicas, na verdadeira submissão. Ele se acha banido para longe das portas sagradas.

Mas falemos agora da iluminação perfeita, a iluminação enipostática, por meio da qual os apóstolos escolhidos que estiveram com Jesus sobre o monte Tabor experimentaram inefavelmente a bela e verdadeiramente bem-aventurada mudança[397] que os transformou. Com seus olhos de carne transportados até o divino e tornados espirituais pela direita do Santíssimo Espírito, eles foram considerados dignos de ver o Reino e a Divindade que não se pode contemplar[398]. Assim como o Oriente está longe do Ocidente[399], como o céu está distante da terra, assim como a alma se eleva acima do corpo, também a obra e a graça que recebemos a transportam sobre a obra que projetamos. Pois esta, a obra que projetamos, permanece no exterior, conforme dissemos: ela classifica os seres, organiza-os e os agrupa. Mas quando a imaginação fora dela própria se agrupa assim numa imagem única da verdade, esta obra progredirá sempre, tendendo e se elevando para Deus na fé. A outra, a obra que recebemos, vem diretamente do próprio Deus e se comunica fundamentalmente com o interior do coração. Acontece às vezes dela se manifestar no exterior e transmitir visivelmente ao corpo, além de toda intelecção, seu próprio esplendor e a iluminação de Deus.

O coração, segundo o sábio Máximo, experimenta sobrenaturalmente a deificação incriada, mas não a provoca. Com efeito, este santo disse: “Chamo de deificação incriada a iluminação enipostática específica da Divindade. Esta luz não tem origem. Mas, de maneira inconcebível, ela aparece naqueles que dela são dignos[400]”. O grande Dionísio fala no mesmo sentido: “É preciso saber que o nosso intelecto tem a faculdade de compreender, por meio da qual ele vê os inteligíveis, mas também que ele comporta igualmente a união que ultrapassa sua natureza, por meio da qual ele desfruta daquilo que está além dele[401]”. E santo Isaac: “Nossa alma tem dois olhos, como dizem os Padres. Mas ambos não possuem o mesmo uso da visão. Por um dos olhos nós vemos o que está oculto nas naturezas, ou seja, o poder de Deus, sua sabedoria e providência a nosso respeito, que compreendemos a partir da santidade com que nos dirige. Pelo outro olho contemplamos a glória de sua natureza santa, quando a Deus apetece nos fazer penetrar em seus mistérios espirituais[402]”.

E o divino Diádoco: “Os carismas – a sabedoria, o conhecimento e todos os demais carismas divinos – provêm unicamente do Espírito Santo. Assim, cada qual possui sua energia própria. É por isso que o Apóstolo atesta que a um é dada a sabedoria, a outro o conhecimento, pelo mesmo Espírito[403]. Com efeito, o conhecimento, por sua própria experiência, une o homem a Deus sem levar a alma às razões das coisas. É por isso que alguns que cultivam a vida solitária têm seus sentidos iluminados por este conhecimento, mas não penetram nas razões divinas. Ao contrário, a sabedoria, quando concedida a alguém junto com o conhecimento e o temor – o que é raro – revela as próprias energias deste conhecimento. Pois uma ilumina naturalmente pela energia, o outro pela razão. Mas o conhecimento provém da oração e de uma grande hesíquia na total ausência de preocupações. A sabedoria provém da meditação desinteressada das palavras de Deus. E ambas provém, antes de tudo, da graça que é concedida por Deus[404]”.

São Máximo diz, por outro lado, nos seus comentários: “O poço de Jacó[405] é a Escritura. A água é o conhecimento que está na Escritura. A profundidade é a contemplação dos enigmas da Escritura, que é difícil de atingir. O pote é o aprendizado da palavra de Deus através das letras. O Senhor não tinha necessidade disto, porque ele mesmo é a palavra. E não é pela instrução e o estudo que ele dá o conhecimento aos que creem. Mas é pela graça inesgotável do Espírito que ele concede aos que são dignos a sabedoria inesgotável que não acabará jamais. Pois o pote – ou seja, a instrução – não recebe senão uma parte mínima do conhecimento. Não lhe é permitido conter o todo. Mas o conhecimento que provém da graça traz sem necessidade de estudos a sabedoria possível aos homens e ela se derrama de diversas maneiras para satisfazer suas necessidades[406]”.

E são Diádoco: “Nosso intelecto suporta com dificuldade o muito orar. Pois a virtude da oração é estreita e secreta. Mas ele se dedica com alegria à teologia, tão imensas e absolutas são as contemplações divinas. Portanto, não demos livre curso a seu desejo de falar muito, e não permitamos à alegria que se eleve com suas asas além de toda medida. Consagremo-la sobretudo à prece, à salmodia e à leitura das santas Escrituras. Não negligenciemos também as pesquisas dos homens de ciência cujas palavras revelam a fé. Ao fazer isto, não a deixemos misturar suas próprias palavras às palavras da graça, não nos deixemos atrair pela vaidade a que nos levam o entusiasmo e a falação. No momento da contemplação protejamo-la afastando dela toda imaginação, e vigiemos para que a maior parte dos pensamentos que lhe cheguem sejam como lágrimas. Aquele que, no momento da hesíquia, faz cessar tudo em si, que acima de tudo ama a doçura da prece, não apenas se subtrai aos perigos de que falamos, mas se renova cada vez mais aplicando-se com acuidade e sem esforço às contemplações divinas, avançando com muita humildade no conhecimento do discernimento. Mas isto só cabe àqueles que, com toda percepção e certeza, estão cheios da santa graça”.

Entendeu? Ele disse que a prece está acima de toda extensão, e que ela só pertence àqueles que, com toda percepção e certeza – ou seja, do interior do coração – estão, de modo enipostático e sobrenatural, cheios da luz divina da graça[407].

Santo Isaac chama ainda a oração de memória desmembrada, ou seja, memória sem forma, sem imagens, simples. Outros Padres a definem de outras maneiras.


69.  Das cinco potências da alma. Das imaginações próprias à alma e ao intelecto. Que na prece pura e no trabalho simples e uno do intelecto é preciso fugir totalmente da imaginação e das representações de formas, imagens e figuras.

Não é apenas por intermédio dos demônios que a alma imagina, mas ela também pode se por a imaginar naturalmente, por si própria, através das cinco faculdades que ela possui – a inteligência, a reflexão, a opinião, a imaginação e a sensação – assim como o corpo possui cinco sentidos, a vista, o olfato, a audição, o paladar e o tato.

A imaginação, coo dissemos, é uma faculdade da alma. É por meio dela que a alma se representa as figuras. É preciso que alma que quiser dirigi-la e discernir bem o que lhe pertence dê asas sobretudo àquelas de suas faculdades que a unem a Deus no século presente e no século futuro, e que ela se apresse em se elevar somente a Deus. Quanto ao resto, ela deve vigiar tudo, utilizar-se de tudo e a tudo fazer como convém. É preciso pesquisar o que dizem os Padres a respeito, e como conservar o que é justo.

São Máximo disse: “A alma, por si só, ou seja, por sua própria essência, é dotada de razão e de inteligência e está fundamentada em si mesma. Se ela está fundamentada em si mesma, ela agirá naturalmente por si própria, dentro de  um corpo, compreendendo por natureza, refletindo e não se privando das faculdades intelectuais que estão naturalmente ligadas a ela. Pois aquilo que está ligado naturalmente a um ser, qualquer que seja, não lhe pode ser tirado enquanto ele se mantiver tal como é, enquanto ele permanecer sendo. Assim, a alma que é para sempre, por ser e existir por Deus que a criou assim, não cessa jamais de compreender, refletir e conhecer. E ela o faz por si mesma, dentro de um corpo, por si só e por sua própria natureza. Não existe nenhum motivo que possa separar a alma daquilo que lhe pertence naturalmente, mesmo depois da dissolução do corpo. Pois sabemos, por termos aprendido dos santos, que a inteligência e a reflexão se movem ao redor de Deus e trabalham com ele tanto no século presente como naquele por vir, mas que as outras faculdades só agem no século presente, porque são próprias dele. É preciso que a própria alma, como um piloto hábil, tendo naturalmente autoridade sobre elas e estando destinada a agir não apenas no século presente, mas sobretudo no século futuro, se esforce por todos os modos para dirigir para Deus e unir a ele a inteligência e a reflexão no momento da prece pura, no momento do trabalho intelectual uno e simples, separando a inteligência em geral da imaginação e das outras faculdades”.

Segundo são Nilo, “o estado de prece é a condição impassível que, por uma extrema tensão de amor, transporta para as alturas a inteligência espiritual que ama a sabedoria[408]”. Com efeito, a alma que age assim protegerá aquilo que lhe é natural e sua preciosa dignidade.


70.  Do intelecto.

É assim que esta inteligência, este intelecto, essência indivisível e simples, absoluto, puro e luminoso, deve se proteger, se preservar e se separar da imaginação. Pois ele possui por si mesmo o poder natural de fazê-lo, e de se voltar irresistivelmente para si próprio, de se recolher e entrar em si mesmo. Este é o estado imóvel do intelecto, que lhe chega pela graça divina, como diz João Clímaco: “Imobilizar o intelecto só cabe ao Espírito Santo[409]”.

Na medida em que o intelecto é uma faculdade da alma, ele é animado e comandado por ela, mas também é seu olho, e é assim que o chamamos. Ele é rico em uma faculdade particular natural, simples e perfeita, como dissemos. É por isso que quando está naturalmente em relação com a alma e suas potências o intelecto é por si próprio uma potência. É então que dizemos que o homem é psíquico[410]. Mas quando ele se reveste de sua própria condição natural, simples, essencial, e de seu esplendor indivisível, absoluto, independente, vale dizer, quando ele se desembaraça das relações e dos movimentos naturais do corpo e da alma e lhe é concedido passar de seu ser potencial à sua energia própria e progredir até o  homem sobrenatural e espiritual, então o intelecto retorna sobre si mesmo na imobilidade e por meio dela se eleva irresistivelmente, totalmente, absolutamente até o pensamento sem forma, sem figura e simples de Deus, como disse o grande Basílio: “O intelecto que não se dispersa nas coisas exteriores, que não se dispersa pelo mundo por meio dos sentidos, retorna sobre si mesmo e se eleva por si só para o pensamento de Deus[411]”. Iluminado, cercado de luz tão bela, ele esquece a própria natureza.

Assim o intelecto assume e salvaguarda enquanto inteligência seu ser feito à imagem e semelhança[412]. Ele se une por si só em espírito diretamente ao Intelecto divino, ou seja, a Deus, e permanece nele. Esta obra é o movimento circular, o retorno sobre si mesmo que tende para si e que se une a si, e depois por si próprio a Deus. Este movimento é verdadeiramente o único que nunca se perde nem se engana. Pois ele é irresistível e imediato. Ele é uma união mais alta que a obra da intelecção e uma visão mais elevada do que a visão.

O grande Denis disse: “O movimento da alma é o movimento circular, centrado em si mesmo, longe das coisas exteriores, o enrodilhamento simples de suas faculdades intelectuais. Este movimento, como num círculo, permite à alma jamais se perder, a faz retornar das numerosas coisas exteriores e acima de tudo a recolhe em si mesma. Depois que ela readquiriu sua forma simples, ele a une às potências unificadas na unidade. Ele assim a conduz ao que é belo e bom, àquilo que ultrapassa todos os seres, em direção ao um, sempre o mesmo, sem começo nem fim. Mas a alma avança também em espiral, na medida em que ela recebe em si, como convém, a luz dos conhecimentos divinos, não em espírito e na unidade, mas a partir da dedução e da conduta do raciocínio, sob o impulso de energias compostas e móveis. Enfim, seu movimento é retilíneo quando ela já não entra em si mesma e não é mais animada pela obra unificante do intelecto, que é, como dissemos, própria do movimento circular. Ela vai ao encontro daquilo que a rodeia. E, das coisas exteriores, como símbolos variados e numerosos, ela sobe para as contemplações simples e unificadas[413]”.

E são Máximo: “O intelecto que recebe a união imediata com Deus mantém na total inação a faculdade que ele possuía de compreender e de ser compreendido naturalmente. Quando ele libera esta faculdade concebendo aquilo que ele pode discernir da criação, ele rompe a união que ultrapassa toda intelecção, união por meio da qual ele estava unido a Deus, acima da natureza, na medida do possível, e se torna Deus por participação. Como uma montanha inamovível, ele desloca a lei de sua própria natureza[414]”.

E ainda: “O intelecto puro que esta unido à sua própria causa penetra além de toda intelecção em um estado no qual, havendo detido o movimento e a relação natural e bastante diversificada de si mesmo com as coisas que seguem sua própria causa, e tendo atingido seu fim inefável, permanece em estado de não-conhecimento, no silêncio bem-aventurado que ultrapassa a intelecção, que nem a palavra, nem o pensamento conseguem definir, mas que revela por si só a experiência de participação que recebem os que são considerados dignos da felicidade mais elevada do que o entendimento. Seu signo é bem conhecido e evidente para todos: é a total insensibilidade da alma em relação a qualquer pendor por este século e sua total separação em relação a ele. É por isso que o intelecto que não é assistido pela alma, ou seja, que não tende constantemente para Deus, e que não se esforça por fazer aquilo que lhe é próprio, que não retorna sobre si mesmo para assim subir irresistivelmente até o pensamento de Deus, não traz em si os frutos de nenhum dos movimentos, mas, unido à imaginação, se diversifica cada vez mais e se afasta de Deus.


71.  Da prece pura.

São Nilo disse: “Esforce-se por manter imóvel, surdo e mudo seu intelecto no momento da prece, e então você poderá orar[415]”. E também: “Eu direi o que sei e o que disse aos mais jovens: bem-aventurado o intelecto que, no momento da prece, consegue se desembaraçar de todas as formas[416]”.

E são Filoteu: “É raro encontrar quem viva a hesíquia segundo a razão. Pois a hesíquia não pertence senão aos que se esforçam por ter sempre em si por este ato a alegria e a consolação divinas[417]”.

E o grande Basílio: “A oração mais bela é a que torna claro à alma o pensamento de Deus. E este é o sinal de que Deus habita na alma[418]: ter a Deus fundado em si pela lembrança, quando a continuidade da lembrança não é rompida pelos cuidados terrestres e o intelecto não é perturbado por paixões súbitas. Aquele que ama a Deus foge destas coisas e parte para Deus apenas[419]”.


72.  Que uma coisa é a impassibilidade do intelecto e outra a prece verdadeira, que é maior.

É preciso saber também o seguinte, como diz são Máximo: “O intelecto não pode se tornar impassível apenas a partir da ação, se não lhe forem dadas numerosas e diferenciadas contemplações[420]”. E ainda, conforme o divino Nilo: “Mesmo aquele que se tornou impassível pode não orar verdadeiramente, mas se dispersar e de afastar de Deus[421]”. Este Padre diz, com efeito, deste homem: “Mesmo que o intelecto ultrapasse a contemplação corporal, ainda não viu com perfeição o lugar de Deus. Pois ele pode ter penetrado no conhecimento dos pensamentos, e se dispersar apesar deste conhecimento[422]”. E mais: “Aquele que chegou à impassibilidade ainda não ora verdadeiramente. Com efeito, ele pode permanecer nos pensamentos simples, distrair-se em suas buscas e permanecer longe de Deus[423]”. E: “Não é porque o intelecto deixou de se demorar nos pensamentos das coisas que ele atingiu o lugar da prece. Pois ele pode ter entrado na contemplação das coisas e ficar apenas no falatório. Neste caso, ele não passa das simples palavras, e estas impregnam o intelecto e se afastam de Deus, porque não passam da contemplação das coisas”.

São João Clímaco diz também: “Aqueles cujo intelecto aprendeu a orar verdadeiramente conversam com o Senhor face a face[424], como os que falam ao ouvido do rei[425]”. Será considerando a estes e a seus semelhantes que você poderá ver com precisão a diferença dos dois modos de vida, e comparar as duas obras irreconciliáveis, a que recebemos e a que projetamos. Esta última consiste nas meditações e nas numerosas contemplações diversas. A outra é a verdadeira oração”. Ele também diz: “Uma coisa é a impassibilidade do intelecto, outra a verdadeira oração”. E: “Quem possui a verdadeira oração conforme os santos já alcançou por isso mesmo a impassibilidade do intelecto, mas quem tem o intelecto impassível não necessariamente adquiriu a verdadeira prece”.

É tudo, por enquanto. Vamos agora retornar ao nosso tema. Dizíamos que a memória dos bens e de seus contrários prejudicava o intelecto, levando-o à imaginação. É isto que explicaremos agora.


73.  Das imaginações e das representações do intelecto. Dos sinais da ilusão e da verdade. Quais são os sinais da ilusão.

Se você vive a hesíquia e pretende estar a sós com o Deus único, e se observar dentro ou fora de você algo de sensível ou de inteligível, ainda que seja aparentemente a imagem de Cristo, ou a forma de um anjo ou de um santo, ou uma imagem de luz que surge no seu intelecto, evite aderir a estas coisas, não lhes dê fé, sinta-se oprimido por esta coisa, mesmo que ela seja boa, até que você possa interrogar aqueles que têm mais experiência, conforme já dissemos. É o que há de mais útil e o que agrada a Deus. Guarde sempre seu intelecto longe de qualquer cor, forma, imagem, figura, qualidade ou quantidade. Vele apenas sobre as palavras da oração, medite e reflita no interior do movimento do coração, como diz João Clímaco: “O começo da oração consiste em expulsar pelo nome único de Deus as sugestões assim que elas aparecem. O meio consiste em ter a reflexão fixada nas palavras da oração e apenas nelas; e o fim consiste no arrebatamento no Senhor[426]”.

São Nilo diz igualmente: “A prece preeminente, a prece dos perfeitos, consiste no arrebatamento do intelecto, no êxtase total para além das coisas submetidas aos sentidos, quando o Espírito, em gemidos inefáveis[427], intercede diante de Deus que vê o estado do coração aberto como um livro escrito, este estado que revela sua própria vontade em sinais silenciosos”. É assim que são Paulo foi arrebatado até o terceiro céu: se dentro ou fora de seu corpo, ele não o sabia. Assim Pedro, quando subiu ao terraço para rezar, teve a visão da toalha[428]. Depois da oração primeira, a segunda consiste em dizer as palavras com o intelecto seguindo compungido e sabendo a quem dirige a oração. Enfim, uma prece dita em meio às necessidades do corpo e misturada a elas afasta o orante do estado alcançado[429]. Portanto, se você está absorto por tais necessidades, não se encarregue de mais nada enquanto não houver acalmado as paixões, enquanto não houver interrogado os mais experientes, como dissemos.

O que queremos dizer com estes e outros exemplos revela imediatamente aonde reside a ilusão. Mas considere também quais são os sinais da verdade: estes, os sinais do Espírito bom e vivificante, são o amor, a alegria, a paz, a paciência, a afabilidade, a bondade, a fé, a doçura, a temperança, tudo aquilo que o Apóstolo chama de frutos do Espírito divino[430]. Ele diz ainda: “Caminhem como filhos da luz. Pois o fruto do Espírito está em toda bondade, justiça e verdade[431]”. Tudo isto é o contrário daquilo que a ilusão traz.

Um dos sábios divinos, interrogado por alguém, disse igualmente o seguinte: “Quanto ao caminho reto da salvação de que você fala, bem-amado, numerosas são as vias que conduzem à vida, e numerosas as que levam à morte”. E prosseguindo: “Você tem um caminho que conduz à vida: a observância dos mandamentos de Cristo. Nestes mandamentos você encontrará todas as formas de virtude e, por excelência, estas três: a humildade, o amor, a compaixão. Sem estas, ninguém verá o Senhor[432]”. E depois: “Estas três virtudes, a humildade, o amor e a compaixão, são armas invencíveis contra o diabo, que nos deu a Santíssima Trindade. Todo o enxame de demônios é incapaz de resistir a elas, pois neles não existe sequer traço de humildade. A autossuficiência os cobriu de trevas[433] e o fogo eterno os aguarda[434]. Onde encontrar neles sombra de amor ou de compaixão? Seu ódio à raça dos homens é implacável, eles não cessam de combatê-la. Cubramo-nos então com estas armas, que tornam impenetrável aos adversários quem delas se reveste”. E logo: “Esta corda de três fios tecida e trançada pela santa Trindade, lembremo-nos de que ela é tripla e que é também uma. Ela é tripla pelos nomes, e, se você quiser, pelas hipóstases. Mas ela é uma pela potência e pela energia, pela proximidade, o chamado e a experiência de Deus. É dela que disse o Mestre: ‘Meu jugo é doce e minha carga leve[435]’, e também o Apóstolo bem-amado: ‘Seus mandamentos não são pesados[436]’”. Depois: “A alma que se uniu a Deus se reveste de Deus pela pureza de vida, pela observância dos mandamentos e por estas três armas que são o próprio Deus. Ela se torna Deus por adoção, por intermédio da humildade, da compaixão e do amor. Ultrapassando a dualidade da matéria e elevando-se até o cume da lei[437], vale dizer, até o amor, ela se une à Trindade mais elevada do que o ser, que está na origem da vida, e descobre de maneira imediata a alegria contínua, a felicidade eterna”.

Mas já dissemos o bastante. Assim como mencionamos parcialmente os frutos e os conhecimentos da ilusão e da verdade (pois é a partir deles, dos frutos, que, segundo o divino Paulo, conhecemos o espírito daqueles que os carregam), também devemos naturalmente explicar um pouco o que os Padres dizem da consolação de uma e outra, vale dizer, da graça divina, da verdadeira graça e de seu contrário, a falsidade. Eis, portanto, o que diz a respeito o divino Diádoco:


74.  Da consolação divina e da falsa consolação.

“Quando nosso intelecto começa a sentir a graça [a consolação] do Espírito Santo, então também Satanás consola a alma, permitindo-lhe perceber um rosto de doçura no repouso noturno, no momento em que ela está em sono ligeiro. Se então o intelecto, com uma lembrança fervorosa, agarra-se com toda força ao santo nome de Jesus Cristo e se serve deste nome santo e glorioso como de uma arma contra a ilusão, o enganador se retira com sua armadilha, mas daí para diante ele se agarrará à alma para lhe dar combate. A partir daí, o intelecto, que conhece precisamente a ilusão do maligno, progredirá na experiência do discernimento[438]”.

“Se o corpo vela ou começa a entrar numa aparência de sonho[439], o bom consolo vem quando, como uma fervorosa lembrança de Deus, permanecemos como que ligados ao seu amor. Mas o consolo da ilusão vem sempre, como já disse, quando aquele que combate penetra num sono leve e se recorda moderadamente de Deus. Com efeito, o primeiro consolo, uma vez que provém de Deus, convida, numa grande efusão, as almas dos combatentes da piedade abertamente ao amor. Mas o outro, que costuma agitar a alma sob os ventos da ilusão, tenta roubar pelo sono do corpo a experiência do sentido do intelecto que guarda intacta a lembrança de Deus. Se, então, acontecer de o intelecto, como já disse, lembrar-se continuamente do Senhor Jesus, ele dissipa esta brisa do inimigo e seu semblante de doçura, e avança feliz para o combate, portando daí em diante, como uma arma destra, após a graça, a glória que provém da experiência[440]”.

“Se, por um movimento desprovido de equívoco e imaginação, a alma se agarra ao amor a Deus, arrastando consigo o próprio corpo na profundidade deste amor indizível (esteja dormindo ou acordado aquele que recebe a santa graça, como já disse), e se, neste momento ela não concebe absolutamente nada além daquilo para o quê se dirige, é preciso saber que esta é a energia do Espírito Santo. Pois, cumulada por esta doçura inexprimível, ela não consegue pensar em outra coisa, pois regozija-se numa alegria indefectível. Mas, se o intelecto que recebe esta energia concebe a menor dúvida ou um pensamento sujo, ainda que ela se sirva do santo nome para se defender do mal e não mais somente pelo amor a Deus, é preciso compreender que este consolo vem do enganador, sob a aparência de alegria, e que esta alegria sem caráter e sem alcance é típica do inimigo que quer entrar, quando ele percebe o intelecto firme pela experiência de seu próprio sentido. Então o enganador atrai a alma com consolações de uma doçura aparente, como eu disse, a fim de que esta, dividida por este desejo poroso e fluído, não consiga desmanchar a mistura feita de engano. É assim que reconhecemos o Espírito de verdade e o espírito de ilusão[441]. É naturalmente impossível tanto sentir e provar a bondade divina quanto perceber e experimentar o amargor dos demônios, se não tivermos em nós a plena certeza de que a graça faz sua morada nas profundezas do intelecto e que os espíritos maus se ocupam ao redor dos membros do coração: é isto que os demônios tentam impedir que os homens creiam, por medo que o intelecto, sabendo-o, se arme contra eles com a lembrança de Deus[442]”. Mas agora você já sabe o bastante a este respeito. É melhor não ir além de Cádis.

E: “Se você encontrar mel tome um pouco, não demais, para não vomitar[443]”.


75.  Do prazer divino que brota do coração.

É mais oportuno e natural dizer: quem falará da doçura do mel a quem nunca experimentou? E mais incomparavelmente ainda: quem falará do prazer divino, da alegria que ultrapassa a natureza e distribui a vida, desta fonte que não cessa de jorrar da prece do coração, desta prece pura, da verdadeira prece? Como disse Jesus, o Deus-Homem: “Quem beber da água que eu ofereço não terá mais sede, pois a água que lhe darei se tornará nele uma fonte de água que brota da vida eterna[444]”. E ainda: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crê em mim, diz a Escritura, de seu seio brotarão fontes de água viva[445]”. E o discípulo bem-amado acrescenta: “Ele falava do Espírito que receberão os que creram nele”. E o grande Paulo: “Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Abba, Pai[446]”.


76.  Que este prazer espiritual tem muitos significados, mas não tem nome.

Este prazer espiritual é chamado no mistério o esplendor enipostático sobrenatural de onde brota a vida, a treva mais que luminosa, a beleza maravilhosa, o mais alto cume do desejo, a vigilância, a visão de Deus e a deificação. De qualquer modo, ele permanece inexprimível ainda que o expressemos, desconhecido depois de ser conhecido, inconcebível depois de concebido.

O grande Dionísio disse: “Assim oramos nós, para que venha a treva mais que luminosa, que nos seja concedido, pela cegueira e o desconhecimento, vê-la e conhece-la para além da visão e do conhecimento, que nos seja dado ver e conhecer o que não pode ser visto nem conhecido. Só então teremos realmente visto e conhecido. Será então que, subtraídos a todos os seres, poderemos celebrar para além deles Aquele que é mais que o ser[447]”. E ainda: “A treva divina é a luz inacessível. Diz-se que Deus habita aí. Ela é invisível, pois sua claridade é mais elevada do que o mundo. E ela é inacessível, pois a efusão da luz mais elevada que o ser ultrapassa toda medida. Qualquer um que seja considerado digno de conhecer e de ver a Deus cessará de ver e conhecer. Ele atingirá em verdade aquilo que ultrapassa a visão e o conhecimento. Ele saberá que Deus está além de todo o sensível e de todo o inteligível[448]”.

E o grande Basílio: “Nada podemos dizer das fulgurações da bondade de Deus. Não as podemos explicar, elas escapam à razão e ultrapassam o entendimento. Tudo o que pudermos dizer da aurora do dia, da claridade da lua, da luz do sol, é bem pálido diante da glória e, em comparação com a verdadeira luz está mais distante dela do que a estão a noite profunda e as trevas sombrias da imensa pureza do meio-dia. Os olhos da carne não podem contemplar esta beleza. Somente a alma e a reflexão do intelecto podem captá-la. Quando esta beleza iluminou alguns santos, deixou neles o aguilhão insuportável do desejo. Pois eles sofriam por viver aqui em baixo. Eles diziam: ‘Meu exílio se prolonga’. E: ‘Minha alma tem sede do Deus poderoso, do Deus vivo. Quando chegarei a ver a face de meu Deus?[449]’. E: ‘O melhor é morrer e estar com Cristo[450]’. E: ‘Agora, Mestre, deixe ir em paz seu servidor, conforme sua palavra[451]’. Eles consideravam a vida aqui em baixo como uma prisão. Para contemplar sem jamais esgotar a beleza divina, eles oravam para que lhes fosse concedido levar por toda a vida eterna a visão do esplendor do Senhor[452]”.

E o Teólogo: “Onde está o temor aí está a observância dos mandamentos. Onde está a observância está a purificação da carne, esta nuvem que esconde da alma o dia e não permite que ela veja com toda pureza a irradiação divina. Onde está a purificação, aí está a iluminação. E a iluminação cumpre o desejo daqueles que buscam as maiores coisas, ou a maior coisa, ou aquilo que é mais do que maior[453]”.

E o divino Gregório de Nice: “Se você lavar as manchas com que os cuidados da existência cobriram seu coração, a beleza divina brilhará sobre você, como acontece com o ferro. Quando este se despoja da ferrugem pela ação da pedra de afiar, ele, que pouco antes estava sombrio se põe a brilhar com os reflexos do sol, e irradia claridade. Também o homem interior, que o Senhor chama de coração, desde que apague a venenosa ferrugem com que a podridão o cobriu, reencontrará sua semelhança com o modelo e se tornará bom. Pois um bem idêntico acompanha de todo modo aquilo que é bom”.

E são Nilo: “Bem-aventurado aquele que traz em si o desconhecimento inseparável da oração[454]”.

E João Clímaco: “O abismo do luto viu a consolação, e a pureza do coração recebeu a iluminação. A iluminação é a inefável energia contemplada no invisível e concebida na ignorância[455]”. Por isso será três vezes bem-aventurado os que, como antes Maria, escolheram a boa parte[456], a vida espiritual indefectível, e foram considerados dignos de receber e partilhar desta bondade semelhante a Deus. No grande êxtase da luz maravilhosa, ser-lhes-á possível ser transportados fora de si e dizer com o divino Paulo: “Quando aparecerem a bondade de Deus nosso Salvador e seu amor pelo homem, ele não se preocupará com as obras de justiça que tenhamos ou não praticado, mas em sua misericórdia nos salvará pelo banho do novo nascimento, renovando-nos no Espírito Santo que Jesus Cristo nosso Salvador derramou sobre nós em abundância. A fim de que, justificados pela graça de Cristo, obtenhamos esperançosamente a herança da vida eterna[457]”. E mais: “Ele nos deu a unção, nos marcou com seu selo, colocou em nossos corações os penhores do Espírito[458]”. E: “Transportamos em nós estes tesouros dentro de vasos de argila. Pois este poder transbordante pertence a Deus e não provém de nós[459]”. Assim foram estes homens. Que também a nós, por suas preces confiantes ao Senhor, nos seja permitido tomar parte naquilo que eles foram, na compaixão e na graça.


77.  É preciso necessariamente que aquele que pretende viver com todo rigor a vida hesiquiasta seja doce em seu coração.

Mas, meu filho, é preciso que agora você aprenda a tempo, antes das outras coisas e com as outras coisas, o seguinte: assim como quem quer aprender a atirar com o arco não o tensiona sem ter um alvo, também aquele que quer aprender a viver a hesíquia deve ter por alvo manter sempre um coração doce. Santo Isidoro disse: “Não basta se dedicar à virtude, é preciso também moderar a ascese. Se, ao conduzimos o combate pela doçura, o interrompermos com pensamentos violentos, estaremos tentando atingir a salvação sem fazer aquilo que permite que sejamos salvos”.

Bem antes, o divino Davi havia dito: “Ele conduzirá os mansos ao julgamento e ensinará aos doces seus caminhos[460]”. E o Eclesiastes: “Os mistérios serão revelados aos mansos”. E o dulcíssimo Jesus: “Aprendam comigo, que sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão o repouso em suas almas[461]”. E: “Sobre quem velarei eu, senão sobre os mansos, os calmos, os que tremem às minhas palavras?[462]”. E: “Bem-aventurados os mansos, pois eles herdarão a terra[463]”, ou seja, o coração que carrega em si os frutos da graça, um trinta, outro sessenta, outro cem[464], conforme a ordem dos noviços, dos médios e dos perfeitos. Mas estas palavras não devem perturbar. Ela é movida pela piedade.


78.  Como alcançar a doçura. Das três partes da alma: o ardor, o desejo e a razão.

Você chegará até aí facilmente, se fizer convergir tudo para o amor e nele colocar sua alma, contendo-se o mais possível, alimentando-se moderadamente e orando sempre. Como dizem os Padres: “Refreie por intermédio do amor o ardor da alma, por meio da temperança esgote seu desejo, dê à sua razão as asas da prece. E a luz do intelecto não se obscurecerá jamais[465]”. E: “O freio do ardor é o silêncio oportuno. O freio do desejo desmesurado é a alimentação bem dosada. O freio do pensamento fogoso é a oração do nome único do Senhor”. E mais: “Existem três virtudes que cumulam de luz o intelecto de uma vez para sempre: ignorar a malícia de um homem, suportar sem se perturbar aquilo que nos acontece e fazer o bem a quem nos faz mal. Estas três virtudes engendram outras três ainda maiores: ignorar a malícia de um homem engendra o amor; suportar sem se perturbar aquilo que nos acontece engendra a mansidão; e fazer o bem aos que nos fazem mal engendra a paz”. E ainda: “Três condições gerais regem a ética dos monges. A primeira consiste em não pecar pela ação. A segunda, em não deixar inveterar na alma os pensamentos passionais. A terceira, em ver sem paixão, de maneira refletida, quando nos aparecem, as mulheres e aqueles que nos afligiram[466]”.


79.  Que é preciso se arrepender rapidamente das transgressões e daí por diante permanecer em guarda sabiamente.

Se lhe acontecer de se perturbar ou de cair em alguma falta e de desviar do seu dever, é preciso que você imediatamente se reconcilie com quem o afligiu ou a quem você afligiu, e que você se arrependa com toda sua alma. É preciso que você tome o luto, que chore e se envergonhe de si, e que daí por diante você fique atento, que se guarde com toda sabedoria, como nos ensina o Senhor Jesus: “Se você for levar sua oferenda ao altar e se lembrar de que seu irmão tem alguma coisa contra você, deixe sua oferenda diante do altar e vá primeiro se reconciliar com seu irmão. Depois, coloque sua oferenda[467]”. E o apóstolo Paulo: “Que a amargura, a cólera, os gritos, os ultrajes desapareçam dentre vocês, e também toda malícia. Ao contrário, sejam bons, compassivos uns com os outros, perdoem-se mutuamente como Deus nos perdoou em Cristo[468]”. E: “Enraiveçam-se, mas não pequem”. E: “Que o sol não se ponha sobre sua cólera[469]”. E: “Não façam justiça por conta própria, bem-amados, mas deixem a ira de Deus agir[470]”. E: “Não se deixe vencer pelo mal, mas vença o mal com o bem[471]”. Isto tudo, a respeito da reconciliação mútua.


80.  Da queda e do arrependimento.

Santo Isaac diz a respeito da queda: “Não é quando alguma coisa nos faz escorregar que devemos nos afligir, mas quando perseveramos na queda. Pois mesmo aos perfeitos acontece escorregar. Mas permanecer em queda é a morte total. Quanto à tristeza que ficamos quando nos afligimos por nossas próprias quedas, é preciso considerar que a graça faz dela a ocasião para uma obra pura. Mas aquele que se deixa cair uma segunda vez esperando se arrepender depois está tentando enganar a Deus. A morte o arrebatará sem que ele saiba, e jamais chegará o tempo em que ele imagina poder levar à perfeição as obras da virtude[472]”.

Ele diz ainda: “É preciso que saibamos todo o tempo que devemos nos arrepender durante as vinte e quatro horas do dia e da noite. E o sentido do arrependimento, conforme nos ensinou a verdadeira ordem das coisas, é o seguinte: dirigirmo-nos para Deus, pedindo-lhe continuamente, a toda hora, numa prece cheia de compunção, que sejamos perdoados das faltas passadas. E nos afligirmos para sermos resguardados das faltas por vir[473]”.

E mais: “Graça sobre a graça, o arrependimento é dado aos homens. O arrependimento é o novo nascimento, o segundo nascimento que vem de Deus. Pela fé recebemos sua garantia, e pelo arrependimento recebemos seu dom. O arrependimento é a porta para a piedade. Ela se abre àqueles que o procuram, e por esta porta penetramos na piedade divina. Se não entrarmos por esta porta, não encontraremos a piedade. Pois todos pecaram, diz a Escritura, mas foram justificados pelo puro dom de sua graça[474]. O arrependimento é a graça segunda, que nasce do coração pela fé e o temor. O temor é a vara paterna, que nos dirige até que tenhamos atingido o Paraíso espiritual. Quando o alcançarmos, ele nos deixa e regressa. O Paraíso é o amor de Deus, onde se encontram as delícias de todas as beatitudes[475]”.

E também: “Assim como não é possível atravessar o oceano sem navio nem barco, sem o temor tampouco é possível alcançar o amor. Este mar nauseante que nos separa do Paraíso inteligível pode ser atravessado com o navio do arrependimento, quando este carrega em si os remadores do temor. Mas se os remadores do temor não dirigem o navio do arrependimento, com o qual vogamos sobre as águas deste mundo para alcançarmos a Deus, soçobraremos no mar nauseabundo[476]”.


81.  Do arrependimento, do temor, do amor, do luto, das lágrimas e da vergonha de si.

O arrependimento é o navio. O temor, o piloto. O amor, o porto divino. Assim é que o temor nos embarca no navio do arrependimento. Ele nos faz atravessar o oceano nauseante da existência e nos conduz ao porto divino que é o amor, aonde chegam, pelo arrependimento, aqueles que penam e se curvam sob a carga[477]. Ora, quando atingimos o amor, chegamos a Deus. Completamos nossa jornada: estamos na ilha que fica além do mundo, onde residem o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

A respeito da tristeza conforme a Deus, o Salvador disse: “Bem-aventurados os aflitos, pois eles serão consolados[478]”.

Sobre as lágrimas, santo Isaac escreveu: “As lágrimas que vertemos orando são um sinal da misericórdia de Deus, da qual a alma se tornou digna pelo arrependimento”. E: “Ela esperou, e eis que pelas lágrimas entrou na planície da pureza. Pois, se os pensamentos daquilo que passa não são dissipados, se não rejeitam de si a esperança do mundo, se não suscitam em si o desprezo pelo mundo, se não se armam com um bom viático para seu êxodo, se não se voltam na alma para o que acontecerá lá embaixo, os olhos não podem chorar. Pois as almas correm quando os pensamentos numerosos, constantes e direitos nos vêm sem mistura e sem distração, quando a menor coisa sobe da memória para a reflexão e aflige o coração que se recorda. Então as lágrimas se multiplicam e abundam[479]”.

E João Clímaco: “Assim como o fogo consome o orvalho, também as lágrimas puras apagam toda mancha da carne e do espírito[480]”. E também: “Guardemos puras e sem malícia as lágrimas que nos vêm de nossa dissolução. Pois nelas não há truques nem orgulho, mas purificação, progresso no amor a Deus, absolvição do pecado, impassibilidade[481]”. E mais: “Não se fie nas fontes de suas lágrimas antes da purificação perfeita. O vinho ainda não é garantido quando acaba de sair da prensa para a cuba”. E: “As lágrimas vertidas por temor trazem em si aquilo que as resguarda. Mas as lágrimas do amor, antes do amor perfeito, secam depressa se no momento em que correm o fogo que existe em nossa memória não inflama o coração. Devemos nos admirar que o mais humilde seja também o mais garantido quando chega a hora[482]”. E ainda: “As lágrimas do êxodo engendram o temor. Mas quando o temor engendra sua própria ausência, chega a alegria. E quando a alegria incompreensível cessa, abre-se a flor do santo amor[483]”.

A respeito de acusar a si mesmo, o grande Antônio disse: “Esta é a grande obra do homem. Tomar sobre si mesmo sua falta diante de Deus, e esperar pela tentação até seu último suspiro[484]”.

A outro Padre foi colocada a questão: “O que você encontrou de maior nesta via?”. Ele respondeu: “Acusar a si mesmo por tudo”. Aquele que o interrogava aprovou esta resposta e lhe disse: “Não existe outra via senão esta[485]”. E o abade Poêmio: “É por intermédio dos gemidos que todas as virtudes chegam ao mundo. Retire uma virtude: sem ela, ao homem só resta o mal”. Perguntaram-lhe: “Qual é esta virtude?”; ele disse: “Que o homem não cesse de acusar a si mesmo[486]”. E completou: “Aquele que acusa a si mesmo, aconteça o que lhe acontecer – prejuízo, aflição, engano – ele presume merecer e não se perturba jamais[487]”.


82.  Da atenção. Como se por em guarda sabiamente.

Também o glorioso Paulo escreve a respeito da atenção e da prudência: “Vigiem para se comportar não como insensatos, mas como sábios, resgatando o tempo, porque os dias estão ruins[488]”. E santo Isaac: “Ó sabedoria, como é admirável! E como prevê tudo antecipadamente! Feliz quem a encontrou, porque se livrou da indolência da juventude. Se alguém busca por uma pequena mudança – para adquiri-la – a cura das grandes paixões, faz bem. Pois este é o amor da sabedoria: este homem estará sempre sóbrio e vigilante no que lhe acontecer, até nas menores coisas. Ele ajunta, como se fosse um tesouro, um grande repouso, ele quase não dorme a fim de que nada de contrário lhe aconteça, ele corta as raízes antes que aconteça o mal. Nas pequenas coisas ele suporta uma aflição menor, a fim de afastar as maiores e seguir adiante. É por isso que o sábio diz: esteja desperto, seja sóbrio e vigilante, vele por sua vida. Pois o sono da reflexão parece e se identifica com a verdadeira morte”. Basílio o hierofante diz igualmente: “Quem é negligente consigo nas pequenas coisas, não creio que se distinguirá nas grandes[489]”.


83.  Que o hesiquiasta deve se aplicar antes de tudo ao que foi dito. Que antes de tudo ele seja calmo e manso, e se mantenha invocando com pureza ao Senhor Jesus no interior do coração.

Portanto, aplique-se a tudo o que foi dito, e em primeiro lugar em invocar com uma consciência pura, das profundezas do coração, na hesíquia e com doçura, ao Senhor Jesus Cristo. Pois é assim que, avançando no caminho, você terá a graça divina repousando em sua alma. João Clímaco disse: “Ninguém, se estiver perturbado pela cólera e pela presunção, pela hipocrisia e a inveja, poderá jamais ver em si o menor traço de hesíquia que permita descobrir o êxtase. Mas quem é puro destas coisas conhecerá o bem. Ao contrário, o primeiro, em minha opinião, não o conhecerá[490]”. Não apenas a graça repousará em sua alma, mas sua alma repousará inteiramente dos demônios e das paixões que antes a perturbavam. E mesmo que eles a perturbem ainda, não serão mais capazes de agir, pois ela não está mais ligada a eles, nem deseja receber deles o menor prazer.


84.  Da beleza e do êxtase do eros. Da beatitude.

Todo o desejo daquele homem, o êxtase do eros em seu coração, a total abertura para a beleza mais do que bela, busca algo mais feliz ainda, aquilo a que os Padres chamaram de “cume do desejável”.

O grande Basílio disse: “Quando o amor da piedade se apodera da alma tudo o que a combate se torna derrisório, e todos os que a espancavam por causa Daquele que ela deseja mais a alegram do que a ferem”. E também: “O que há de mais maravilhoso do que a beleza divina? Que pensamento tem mais graça do que a grandeza de Deus? Que desejo da alma é tão agudo e revolucionário do que aquele que vem de Deus na alma purificada de toda malícia e que em verdade diz com todo seu ser: ‘Estou morta de amor[491]’?”.


85.  Do combate. Daquilo que Deus permite para instruir. E do abandono, quando ele dá as costas.

O homem é combatido a partir do momento em que Deus o permite, mas sem abandoná-lo dando-lhe as costas. Por quê? Para que seu intelecto não se orgulha daquilo que encontrou de bom. Cada vez que ele é combatido, cada vez que é castigado, ele se lembra da humildade. Pois é somente pela humildade que, não apenas ele vence os que o combatem por seu orgulho, como ainda se torna continuamente digno dos maiores dons. Entravado, oprimido pelos laços indissolúveis e o peso da carne, ele progride tanto quanto é possível à natureza humana e avança para a perfeição, para a impassibilidade de Cristo.

São Diádoco diz: “O próprio Senhor disse que Satanás caiu dos céus como um raio[492], a fim de que o disforme não pudesse mais ver as moradas dos santos anjos. Como então aquele que não foi considerado digno da comunhão com os bons servidores poderá ter no intelecto humano uma morada comum com Deus? Dizemos que isto só acontece porque Deus o permite; nada mais há a dizer. Pois aquilo que Deus permite para instruir não priva absolutamente a alma a da luz divina. A graça, como eu disse, esconde apenas o mais forte de sua presença no intelecto. Este é então empurrado para frente, como a alma que, fugindo da amargura dos demônios, busca com todo temor e muita humildade o socorro de Deus e reconhece pouco a pouco a malícia de seu inimigo. É a mesma coisa que faz a mãe que afasta de seus braços por um momento seu filho que se recusa a tomar regularmente seu leite para que, atrapalhado por se ver cercado de homens sórdidos e de animais, com medo e chorando, ele retorne ao seio materno. Quando Deus dá as costas, aquilo que ele permite então atira ao cativeiro dos demônios a alma que não quer Deus. Mas nós não somos filhos vira-casaca[493]. Ao contrário, cremos ser filhos autênticos nutridos do leite da graça de Deus, que, para nos elevar, nos abandona um pouco e nos consola muito. E esperamos, pela bondade divina, chegarmos a ser homens perfeitos, do canteiro de Cristo[494]”.

E ainda: “Aquilo que Deus permite para instruir traz consigo uma grande aflição, uma humildade, um desespero na medida da alma, a fim de que a porção vaidosa e temerária que há nela se torne humilde como convém. Isto conduz rapidamente o coração ao temor de Deus, às lágrimas da confissão, a um grande desejo pela beleza do silêncio. Mas quando dá as costas, Deus permite que a alma se encha de desespero, de infidelidade, de cólera, de torpor. Podemos assim ter a experiência destes dois caminhos que Deus nos concede, e nos dirigirmos a ele seguindo qualquer um deles. Pelo primeiro, ao mesmo tempo em que lhe prestamos conta de nossos atos, lhe damos graças por esta suspensão do consolo que poda tudo o que havia de intemperante em nosso pensamento, para que aprendamos dele, como de um bom Pai, a diferença que separa a virtude do vício. Pelo segundo, devemos confessar a ele nossos pecados sem descanso, chorando sempre, e retornar, a fim de que, aceitando as penas, possamos orar a Deus para que veja nossos corações como antes. Além disso, é preciso saber que, quando começa o verdadeiro combate entre a alma e Satanás, ou seja, quando Deus o permite para nossa instrução, a própria graça se retira, com eu disse. Mas sem se deixar conhecer ela assiste à alma, para mostrar que a vitória sobre os inimigos só a ela pertence[495]”.

E santo Isaac: “Não é possível que fora das tentações que Deus permite o homem descubra a sabedoria nos combates espirituais, que ele conheça Aquele que vela por ele, que sinta seu Deus e que seja secretamente fortalecido em sua fé, senão pela força da provação que recebeu. Quando a graça percebe que aponta a menor presunção no pensamento de um homem, e que este começa a ter uma grande opinião sobre si mesmo, ela logo permite às tentações assaltá-lo com força cada vez maior, até que ele aprenda sua própria fraqueza, que ele fuja e se dirija a Deus com humildade. Só assim ele atinge a medida do homem perfeito[496], na fé e na esperança do Filho de Deus, e se eleva para o amor. Pois o amor de Deus pelo homem faz maravilhas quando este se encontra no meio das provações que quebram sua esperança. É aí, na salvação que ele concede ao homem, que Deus mostra seu poder. Com efeito, o homem jamais apreende o poder divino na indolência e na facilidade. Deus jamais permitiu sentir sua energia senão no país da hesíquia, no deserto, nos lugares aonde falta tudo o que nos acontece e nos perturba quando nos encontramos no meio dos homens[497]”.


86.  Da impassibilidade. O que é a impassibilidade humana.

Devemos agora falar especialmente da impassibilidade e da perfeição, e depois colocar um fim na presente obra.

O grande Basílio disse: “Aquele que tende para Deus com todo seu amor e que buscar possuir, por pouco que seja, sua impassibilidade, a saúde espiritual, a serenidade, a calma, a mansidão, aquele que deseja provar da felicidade e da alegria que estas virtudes engendram, deve se dedicar a afastar de si os pensamentos de todas as paixões materiais que perturbam a alma. Com um olhar puro e sem sombras, ele considerará as coisas de Deus e se encherá da luz do além, e seu desejo será insaciável. Tendo exercitado a alma até atingir este estado, esta condição, com toda a semelhança que lhe é possível, ele se tornará familiar do Deus a quem ele ama e procura. Pois, uma vez que ele suportou o grande combate difícil de sustentar – a reflexão pura e livre de toda mistura com as paixões do corpo – ele poderá, a partir de sua compleição material, reencontrar a Deus”.

Isto a respeito da impassibilidade. Sobre no que consiste a impassibilidade humana, santo Isaac escreve: “A impassibilidade não consiste em não sentir as paixões humanas, mas em não as acolher. Quando as virtudes adquiridas, visíveis e ocultas são diversas e numerosas, as paixões, de fato, se esgotam nelas. É difícil para elas se sublevarem contra a alma. A reflexão não precisa estar sempre atenta, pois durante todo o tempo ela está cheia de pensamentos que lhe chegam da meditação e da utilização dos melhores modos suscitados conscientemente no intelecto. Quando as paixões despertam e começam a se agitar, à sua aproximação a reflexão é imediatamente tirada de seu contato por uma consciência atenta que está no coração do intelecto. E as paixões estéreis são afastadas dela. Como diz o bem-aventurado Marcos: o intelecto que, pela graça de Deus, cumpre com as ações das virtudes e se aproxima do conhecimento, não sente grande coisa proveniente da parte má e insensata da alma. Pois seu conhecimento o arrebata para as alturas e o separa de tudo o que está no mundo. Pela castidade que existe neles, pela finura, a leveza, a penetração de sua inteligência, e também por sua ascese, o intelecto desses homens se purifica e se torna transparente. Pois eles dessecaram sua carne vivendo na hesíquia e permanecendo nela longamente. É por isso que a contemplação que está neles vem repousar sem pena e rapidamente sobre cada qual e os conduz ao maravilhamento que ela suscita. Eles crescem muito com estas contemplações. Nunca falta à reflexão de seu intelecto a matéria necessária para que compreenda. E eles jamais conduzem suas vidas fora daquilo que neles engendra o fruto do Espírito[498]. O longo hábito apaga de seus corações as lembranças que as paixões suscitavam na alma, bem como a força do poder do diabo. Pois, quando a alma resiste às paixões e não possui laços com elas, por estar firme e continuamente voltada para outros cuidados, a força das garras das paixões não consegue superar os sentidos espirituais[499]”.

E o divino Diádoco: “A impassibilidade não consiste em não ser combatido pelos demônios (pois então teríamos que deixar o mundo, como diz o Apóstolo[500]), mas sim em que, combatido por eles, não mais sentir seus ataques. Os combatentes encouraçados de ferro recebem as flechas dos adversários, ouvem o ruído dos tiros, veem quase todas as flechas dirigidas contra eles, mas nenhuma os fere, pois suas vestes de combate são sólidas. Protegidos pelo ferro, eles são invulneráveis durante o combate. Também nós, por todos os bens que recebemos, cobertos com a armadura da santa luz e com o capacete da salvação, derrotamos as sombras das falanges dos demônios[501]. Pois não é apenas não fazer o mal que torna puro o homem, mas também ter a força de destruí-lo dedicando-se ao bem[502]”.

São Máximo distingue quatro vias da impassibilidade, Ele diz: “Chamo de primeira impassibilidade o movimento irrepreensível que evita cometer qualquer pecado corporal. Chamo de segunda impassibilidade a rejeição total dos pensamentos passionais da alma; por meio desta rejeição se estiola o movimento das paixões que a primeira impassibilidade detinha, pois este movimento já não traz em si os pensamentos passionais que inflamavam a alma para leva-la ao ato. Chamo de terceira impassibilidade a perfeita imobilidade do desejo diante das paixões; é por meio dela, inclusive, que se alcançava a segunda impassibilidade, fundamentada na pureza dos pensamentos. Chamo de quarta impassibilidade a rejeição total de todas as imaginações sensíveis que atravessam a reflexão do intelecto; a terceira impassibilidade extraía daí sua origem, pois esta quarta impassibilidade é desembaraçada das imaginações do sensível capazes de suscitar nela as imagens das paixões[503]”. E mais: “A impassibilidade é o estado pacífico da alma, que nela torna difícil qualquer movimento de malícia[504]”.


87.  Da impassibilidade e da perfeição.

Santo Efrém explica deste modo a impassibilidade e a perfeição: “Os impassíveis, insaciavelmente voltados com todo o seu ser para o cume do desejável, fazem da perfeição um estado que não tem fim. Pois os bens eternos são infinitos”. E: “A impassibilidade é perfeita, se tomamos como medida o poder humano. Mas ela é inacabada, pois ela ultrapassa a si mesma com aquilo que ela acrescenta a cada dia, elevando-se continuamente para Deus”.

Do mesmo modo são Nilo, a propósito da perfeição, diz o seguinte: “É preciso considerar que existem duas perfeições, uma temporal, outra eterna. É a respeito da última que o Apóstolo escreveu: ‘Quando vier o perfeito, o que é parcial desaparecerá[505]’. Quando vier o perfeito, significa aqui que não podemos trazer em nós a perfeição divina”. E também: “O maravilhoso Paulo conhecia duas perfeições. Ele afirmou que o homem é perfeito quanto à vida presente, mas imperfeito diante da verdadeira perfeição. É por isso que ele disse: ‘Não que eu já seja perfeito[506]’, acrescentando a seguir: “Isto é o que nós, os perfeitos, pensamos’[507]”.


88.  Da paixão, da preguiça, do pendor e da impassibilidade.

Santo Elias de Écdicos disse: “A matéria ruim do corpo é a paixão; a da alma, a preguiça; a do intelecto, o pendor. O tato denuncia a primeira; a segunda é denunciada pelos demais sentidos; e a terceira é denunciada pela disposição contrária[508]”. E mais: “Aquele que vive na preguiça está perto do passional. E quem se deixa levar por seus pendores está perto do que vive na preguiça. Longe de ambos está o impassível[509]”.


89.  Quem é o homem passional, o que vive na preguiça, o que se deixa levar por seus pendores e o homem impassível. Da cura desses males.

“O passional é o homem cuja tendência a falhar é mais forte do que o pensamento, mesmo se até então ele não tiver pecado exteriormente. Quem vive na preguiça é o homem cuja ação pecadora é mais fraca do que o pensamento, mesmo se ele a receber de fora. Quem se deixa levar por seus pendores é o homem que prefere estar solto a se sujeitar a situações medianas. Mas o impassível é o homem que ignora a diferença entre esses dois males[510]”. Quanto ao remédio para um e outro, ele diz claramente: “A paixão desaparece da alma pelo jejum e a oração. A preguiça, pela vigília e o silêncio. O pendor, pela hesíquia e a atenção. Quanto à impassibilidade, ela provém da lembrança de Deus[511]”.


90.  Da fé, da esperança e do amor.

Mas uma vez que o começo, o meio e o fim de todos os bens, ou, se assim o quisermos, as virtudes que dispensam e presidem são a fé, a esperança e o a mor, esta tripla corda trançada por Deus (e acima de todas o amor, porque “Deus é amor[512]” e é assim que o chamamos), seria injusto não terminarmos por elas aquilo que falta à presente obra. Ao contrário, como dizia santo Isaac, não recebemos a perfeição dos numerosos frutos do Espírito enquanto não formos considerados dignos do amor perfeito; assim, falemos dele um pouco[513].

João Clímaco escreveu: “Agora, depois de tudo o que foi dito, permanecem estas três virtudes, que estreitam e mantêm os laços que unem todas as coisas: a fé, a esperança e o amor. Mas a maior das três é o amor[514], pois este é o nome de Deus. Quanto a mim, eu vejo uma como um raio, outra como luz, e o terceiro como um círculo. Vejo essas três virtudes como um mesmo esplendor, um mesmo flamejar. Uma tudo pode fazer, tudo criar; outra é cercada pela piedade de Deus e ninguém pode confundi-la; e a terceira jamais tomba, jamais se detém na corrida, nem dá repouso a quem ela devora com sua bem-aventurada loucura[515]”.

E mais: “A razão do amor é conhecida dos anjos. E ela é revelada por eles na energia da irradiação: Deus é amor[516]. Quem pretende definir o amor é como o cego que mede os sedimentos de um abismo. Por sua qualidade própria o amor é a semelhança de Deus, na medida em que isto é permitido aos mortais. Por sua energia, ele é a embriaguez da alma. Por sua natureza, ele é a fonte da fé, abismo de paciência, mar de humildade. O amor é propriamente a rejeição de todo pensamento contrário, pois não leva em conta o mal[517]. O amor, a impassibilidade e a adoção filial não se distinguem senão pelo nome. Como a luz, o fogo e a chama não formam senão uma só energia, o mesmo acontece com essas três virtudes, em minha opinião[518]”.

E são Diádoco: “Irmãos, toda contemplação espiritual deve ser guiada pela fé, a esperança e o amor. Mas daqui em diante pelo amor. As duas primeiras virtudes nos ensinam a desprezar os bens visíveis. Mas o amor une a própria alma às virtudes de Deus, descobrindo pelos sentidos intelectuais o Deus invisível[519]”. E também: “Um é o amor natural da alma outro o amor que lhe vem do Espírito Santo. Um tem sua fonte em nossa própria vontade, quando o desejamos, e é por isso que os maus espíritos se apoderam dele facilmente quando não temos força para dominar sua própria intenção. O outro queima a alma de tal maneira com o amor a Deus que une todas as partes desta alma à inefável doçura do desejo divino e nos põe num estado de simplicidade infinita. Como o intelecto, a alma é então fecundada pela energia espiritual. Ela faz brotar uma fonte de amor e alegria[520]”.

E santo Isaac: “O amor ligado às coisas é como uma pequena lâmpada alimentada com óleo, que é a origem de sua luz; ou como uma corrente que escoa na chuva, e que cessa quando termina a matéria que a formou. Mas o amor que tem sua causa em Deus é como uma fonte que brota incessantemente e que não deixa jamais de correr. Pois somente Deus é a fonte deste amor, e sua matéria é inesgotável[521]”.

Foi-lhe então perguntado: “Qual é a perfeição dos numerosos frutos do Espírito?”. Ele respondeu: “Quando a pessoa se torna digna do amor perfeito de Deus”. Perguntaram-lhe: “E como sabemos se chegamos a este amor?”. Ele disse: “Quando a lembrança de Deus se revela na reflexão de seu intelecto, logo seu coração bate em seu amor e seus olhos se enchem de lágrimas abundantes. Pois o amor costuma fazer jorrar lágrimas à lembrança dos bem-amados. Um homem que traz em si tal amor jamais cessa de ter lágrimas, pois tem sempre em si a matéria que o leva a esta lembrança de Deus. Mesmo em seu sono ele conversa com Deus. Isto é o que faz o amor. E, nesta vida, esta é a perfeição dos homens[522]”.

E ainda: “O amor a Deus é ardente por natureza. Quando ele se funda sem medida em alguém, ele faz a alma sair de si. É por isso que o coração daquele que o sente não pode nem se separa dele, nem suportá-lo. Mas, segundo a capacidade e na medida do amor que lhe atinge, uma mudança inusitada se dá nele. Estes são os sinais sensíveis deste amor: o rosto do homem se torna como fogo e transborda de alegria. Seu corpo se aquece. O temor e a vergonha o deixam. Ele fica como que fora de si. A potência que coordena o intelecto o abandona. Ele parece louco. Ele considera a temida morte como uma felicidade. A contemplação de seu intelecto não deixa de portar o pensamento das coisas celestes. Presente em meio às outras pessoas, ele está ausente. Ninguém o vê. Seu conhecimento e sua visão natural são ultrapassados. Ele não sente de maneira sensível o movimento que o coloca em meio às coisas. Pois mesmo quando ele faz alguma coisa ele não a sente por inteiro, pois seu intelecto está suspenso na contemplação. E sua reflexão é sempre como um diálogo com alguém. Esta é a embriaguez espiritual que conheceram os apóstolos e os mártires. Os primeiros percorreram o mundo inteiro, entre penas e ultrajes. Os outros tiveram seus membros cortados e verteram sangue como água. Sofrendo as coisas mais terríveis, não tiveram medo e as suportaram nobremente. Eram sábios e foram considerados loucos. Outros perambularam pelos desertos, pelas montanhas, nas cavernas e nos antros da terra[523]. Em meio às desordens, permaneceram fiéis à ordem. Esta é a loucura que Deus lhes permitiu alcançar[524]”.


91.  Da santa comunhão. Dos bens que recebemos quando comungamos com frequência com uma consciência pura.

Nada concorre e contribui para a purificação de nossa alma, para a iluminação do intelecto, para a santificação do corpo, para a transfiguração de um e outro no divino, para a imortalidade e, certamente, para a rejeição das paixões e dos demônios, ou, mais exatamente, para a conjunção divina e sobrenatural que nos abre para Deus, como receber com um coração puro e pronto a contínua comunhão dos santos mistérios imortais que ninguém pode manchar e que dão a vida, vale dizer, o precioso Corpo e o precioso Sangue de nosso Senhor, de nosso Deus, de nosso Salvador Jesus. É por isso que é absolutamente necessário dar aqui uma explicação precisa, colocando-a por escrito, e com isto encerrar esta obra.

Não apenas a coisa é clara a partir do que disseram os santos, mas é ainda mais clara a partir das palavras da própria Vida e da própria Verdade. Pois ele disse: “Eu sou o pão da vida[525]”. E: “Este é o pão descido do céu, para que seja comido e não mais se morra. Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente”. E: “O pão que eu darei será minha carne; eu o darei pela vida do mundo[526]”. E: “Se vocês não comerem da carne do Filho do Homem, se não beberem de seu sangue, não terão a vida em vocês. Quem come de minha carne e bebe de meu sangue terá a vida eterna”. E mais: “Pois minha carne é verdadeiro alimento e meu sangue verdadeira bebida. Quem come de minha carne e bebe de meu sangue permanecerá em mim e eu nele. Assim como o Pai, o Vivo, me enviou, também eu vivo pelo Pai. E quem come a mim, também este viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu”. E: “Quem comer deste pão viverá por toda eternidade[527]”.

Paulo, que trazia a Cristo em si, disse igualmente: “Irmãos, eu recebi do Senhor aquilo que lhes transmiti. Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão, deu graças, partiu-o e disse: ‘Tomem e comam, isto é meu corpo partido por vocês. Façam isto em memória de mim’. Do mesmo modo, ao fim da ceia, tomou o cálice e disse: ‘Este é o cálice da nova aliança em meu sangue. Cada vez que vocês dele beberem, façam-no em memória de mim. Pois cada vez que vocês comerem deste pão e beberem deste cálice, estarão anunciando a morte do Senhor até que ele venha’. É por isso que quem comer deste pão ou beber do cálice do Senhor indignamente terá que responder pelo corpo e o sangue do Senhor. Que todo home teste a si mesmo, e que então coma do pão e beba do cálice. Pois quem come e bebe indignamente, sem discernir o corpo do Senhor, come bebe um julgamento contra si mesmo. É por isso que existem muitos doentes e enfermos entre vocês, e que alguns estão mortos. Se julgarmos a nós mesmos, não seremos julgados. Mas se formos julgados, seremos castigados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo[528]”.


92.  Que é necessário aprender o milagre do Santo Sacramento. Por que ele foi dado e ao quê ele serve.

João Crisóstomo disse: “Precisamos aprender o que é o milagre do sacramento, por que ele nos foi dado e ao quê ele serve. Que os iniciados sigam estas palavras: somos um só corpo[529], os membros da carne e dos ossos de nosso Senhor Jesus Cristo[530]. Para que não apenas nos tornemos o Corpo de Cristo no amor, mas para que estejamos unidos a esta carne em ato, esta se torna o alimento que o Senhor nos deu, mostrando o desejo que existe em nós. Ele se uniu a nós e formou em nós seu Corpo, para que sejamos um como o corpo está ligado à cabeça: isto é próprio daqueles que têm um grande desejo. Jó havia deixado isto subentendido quando falou dos servidores que desejavam ser como ele ao mais alto grau, pois, para mostrar seu desejo, eles disseram: ‘Quem nos permitirá que nos saciemos com sua carne?[531]’. Ora, é isto que Cristo fez, confiando-nos as maiores coisas por amor a nós. Ele mostrou como era seu desejo por nós. Não apenas ele se deu a ver àqueles que o desejavam, mas a tocar, a comer. Ele permitiu que entrassem em sua carne, que se unissem a ele, que saciassem todo desejo[532]”.

E mais: “Os que comungaram do santo Corpo e do Sangue precioso estão com os Anjos, os Arcanjos e as Potências do alto. Eles se envolveram com as vestes reais, as próprias vestes de Cristo. Eles possuem as armas espirituais. Mas eles nada disseram ainda. Pois eles revestiram o próprio Rei. Este mistério é grande, terrível e maravilhoso: se você chegar a ele com pureza você encontrará a salvação, mas se chegar com má consciência incorrerá na danação e no castigo. Pois quem come e bebe indignamente do Corpo e Sangue do Senhor come e bebe seu próprio julgamento[533]. Se, com efeito, aqueles que mancham a estola real são condenados como os que a rasgam, é natural que aqueles que recebem o Corpo com o espírito impuro sofram o mesmo castigo daqueles que o perfuraram com pregos. Considere como é terrível a condenação que nos mostra Paulo ao dizer que se alguém rejeita a lei de Moisés será lançado impiedosamente à morte sob o testemunho de dois ou três demônios. A quão pior castigo não estará sujeito aquele que pisotear o Filho de Deus e profanar o sangue da aliança no qual ele foi santificado[534]? Assim, quando comungamos do Corpo e provamos do Sangue, está claro que provamos Daquele que está no alto, que é adorado pelos Anjos, que está próximo da mais pura Potência. Nossa! Quantos caminhos nos levam à salvação! Ele fez de nós seu próprio Corpo, nos transmitiu seu próprio Corpo, e nada nos desvia do mal! Ó, a dureza! Ó, a insensibilidade![535]”.

E mais: “Um admirável ancião me mostrou uma coisa que lhe foi concedido ver e ouvir: aqueles que estão a ponto de partir daqui, se comungarem do sacramento com uma consciência pura no momento da morte, serão acompanhados por Anjos em sua comunhão, e eles o carregarão consigo[536]”.

E o divino João Damasceno: “Uma vez que somos duplos e compostos, é preciso que também nosso nascimento seja duplo, e que nosso alimento seja também composto. Assim é que o nascimento nos é dado pela água e o Espírito. E o alimento, o pão da vida, é nosso Senhor Jesus Cristo descido dos céus. E assim como, no batismo, os homens costumam ser lavados com água e untados de óleo, ele uniu ao óleo e à agua a graça do Espírito e fez desta união o banho de um novo nascimento, e, da mesma forma como os homens costumam comer pão, beber água e vinho, ele uniu a estas coisas sua Divindade e delas fez seu Corpo e seu Sangue, para que, por meio daquilo que nos é natural, alcancemos o que ultrapassa a natureza. O corpo nascido da santa Virgem é verdadeiramente um corpo unido à Divindade, não porque este corpo que ele tomou tenha descido do céu, mas porque este pão e este vinho se tornam o Corpo e o Sangue de Deus. Se você perguntar como isto foi possível, basta que você entenda que se trata de obra do Espírito Santo, assim como foi da Mãe de Deus e do Espírito Santo que nele o Senhor recebeu a carne em si. E nada mais sabemos, senão que o Verbo de Deus é verdadeiro, ativo, todo-poderoso, mas o modo como ele foi concebido é insondável. Assim é que ele conduz aqueles que comungam dignamente na fé a absolvição dos pecados à vida eterna e à guarda da alma e do corpo. Mas os que a recebem indignamente, na infidelidade, a este ele conduz à danação e ao castigo. É como na morte do Senhor”.

“E o pão e o vinho não são imagens do Corpo e do Sangue de Cristo, longe disso. Eles são o próprio Corpo de Cristo, que foi visto, e seu próprio Sangue. ‘Pois minha carne, disse ele, é um verdadeiro alimento, e meu sangue uma verdadeira bebida[537]’. São o Corpo e o Sangue de Cristo. Eles contribuem para formar nossa alma e nosso corpo. Eles não são consumidos nem se alteram, não são evacuados, ao contrário, fundamentam e sustentam nosso ser. Eles representam a purificação de toda mácula. Mesmo que Cristo receba de nós ouro impuro, ele o purificará no fogo do julgamento, para que não sejamos condenados junto com o mundo no século futuro[538]. Purificados por ele, somos unidos ao Corpo de Cristo e a seu Espírito, e nos tornamos Corpo de Cristo. Este pão representa as primícias do pão futuro, o pão epiousios[539]. O pão epiousios significa, seja o pão futuro, o pão do século por vir, seja o pão que recebemos para sustentar nosso ser. A carne do Senhor é espírito vivificante, pois ela foi concebida a partir do Espírito vivificante. O que nasceu do Espírito é espírito[540]. E não digo isto para suprimir a natureza do corpo, mas porque quero mostrar o que existe nele de vivificante e divino. Assim, o pão e o vinho são chamados de imagens das coisas por vir, não porque não sejam verdadeiramente o Corpo e o Sangue de Cristo, mas porque agora é por intermédio deles que comungamos da Divindade de Cristo, e que então seremos unidos a ele apenas pela visão do intelecto[541]”.

E o divino Macário: “Assim como o vinho se une aos membros daquele que o bebe, e que o vinho passa por ele e ele pelo o vinho, também para quem bebe o sangue de Cristo o Espírito da Divindade o embebe e se une à alma perfeita, e a alma perfeita se une a ele. Assim santificada, ela se torna digna do Senhor. Pois todos nós fomos embebidos de um só Espírito[542]. Pela eucaristia do pão é concedido aos que comungam em verdade participar do Espírito Santo. Assim as almas que são dignas dele podem viver na eternidade. E assim como a vida do corpo não vem dele, mas daquilo que lhe é exterior, da terra, também Deus quis que a alma não recebesse da natureza que lhe é própria, mas de sua Divindade, de seu próprio Espírito, de sua própria luz, o alimento, a bebida e as vestes que são a verdadeira vida da alma. Pois a natureza divina é o pão da vida, conforme ele disse: “Eu sou o pão da vida[543]”. Ela é também a água viva, o vinho que alegra[544], o óleo da felicidade[545]”.

E santo Isidoro: “A participação nos mistérios divinos é chamada de comunhão, pois ela nos une a Cristo e nos faz comungar de seu Reino”.

E são Nilo: “É impossível ao fiel ser salvo, receber a absolvição das faltas e alcançar o Reino dos céus se ele não comungar dos puros mistérios do Corpo e do Sangue de Cristo com fé, temor e desejo”.

Da mesma forma o grande Basílio escreve em sua carta a Patrícia de Cesaréia: “É bom e útil comungar a cada dia, tomar parte do santo Corpo e do Sangue de Cristo, pois ele disse claramente: “Quem come de minha carne e bebe de meu sangue permanece em mim e eu nele, e ele terá a vida eterna[546]”. De fato, que pode duvidar que participar continuamente da vida não é outra coisa que viver de várias maneiras? Nós mesmos comungamos quatro vezes por semana, aos domingos, quartas e sextas-feiras e aos sábados, e também outros dias, quando se comemora o Santo[547]”. Penso que são nestes dias que se celebra o Santo, pois ele não poderia comungar todos os dias, por estar sempre muito atarefado. Santo Apolo diz também que o monge, se puder, deve comungar todo dia o sacramento de Cristo. Quem se afasta daí, se afasta de Deus. Mas quem não cessa de comungar, recebe sempre a carne de Cristo. Pois a voz salutar disse: “Quem come de minha carne e bebe de meu sangue permanece em mim e eu nele[548]”. É, portanto, aí que os monges que mantém continuamente a lembrança da Paixão do Salvador encontram seu bem. O monge deve estar pronto a cada dia e se manter tal que esteja sempre digno de receber o santo Sacramento. É assim que nos é dada a absolvição dos pecados.

Também João Clímaco disse: “Se um corpo que toca outro corpo é transformado por esta ação, como não será transformado aquele que toca o corpo de Deus com mãos inocentes?”.

Está escrito no Gérontikon: “João de Bostres, homem santo e que tinha poder sobre os espíritos impuros, interrogou os demônios que assolavam algumas jovens, agitando-as e maltratando-as. Ele lhes disse: ‘O que vocês temem nos cristão?’. Eles responderam: ‘Em verdade, vocês possuem três coisas: uma, que trazem ao pescoço; outra, por meio da qual somos lavados na Igreja; e outra, que vocês comem na Assembleia’. E como ele lhes perguntou qual das três era a mais temida, eles responderam: ‘Se vocês guardarem bem aquilo que recebem quando comungam, nenhum de nós será capaz de prejudicar um cristão’.” É isto que os inimigos temem acima de tudo: a cruz, o batismo e a comunhão.


93.  Fim da exposição. Exortação particular ao que interrogou.

Eis, bem-amado filho, que sua pergunta foi inteiramente respondida, graças a Deus. Se não respondemos precisamente ao seu pensamento e à sua intenção, pelo menos fizemos todo o possível. Aquilo que fazemos dando nosso melhor agrada a Deus. Vigie para que não se detenha aqui seu amor em aprender e também suas penas, mas para que se mostre sempre um trabalhador desejoso de saber e de zelo. São Tiago, o glorioso irmão de Cristo, disse: “Bem-amados irmãos, ponham em prática a palavra de Deus. Não sejam apenas ouvintes que enganam a si mesmos. Pois quem ouve a lei e não a põe em prática é semelhante a alguém que vê num espelho o rosto com que nasceu. Mal ele percebe que partiu e já esqueceu quem era. Mas quem se debruça sobre a lei perfeita, a lei da liberdade, e que a ela se liga não como ouvinte distraído, mas para colocá-la em prática, este será bem sucedido no que fizer[549]”.


94.  Como escutar e guardar as palavras espirituais dos Padres.

Mas antes de tudo você deve receber e entender fielmente, com a piedade necessária, as ordens divinas, as ordens espirituais dos Padres. Com efeito, são Macário diz: “Os que não têm experiência não podem tocar o espiritual. Somente a alma santa e fiel pode receber a comunhão do Espírito Santo. Os tesouros celestes do Espírito não se revelam a quem não tem experiência. E quem não foi iniciado nada pode compreender. Escute então essas coisas com piedade, até que lhe seja permitido alcança-las pela fé. Então você saberá pela experiência dos olhos da alma com quais bens, quais mistérios as almas dos cristãos podem comungar aqui mesmo. Pois se você fizer assim, você colherá rapidamente o fruto e o benefício de todas essas coisas que foram escritas e que você ouviu. À força de escutar e fazer, você progredirá até ser capaz de exortar e conduzir a outros, por sua própria experiência, para as coisas divinas nas quais a maior parte não foi iniciada”.

Que seja assim para você. Possa você ser guiado e sustentado pela mão todo-poderosa do Senhor Jesus Cristo. Amém. Mas o abuso do discurso, tal como um alimento que excita o corpo, é nocivo ao entendimento.

E: “Toda medida é excelente”. Devemos assim fugir, também nós, dos abusos e abraçar o comedimento como sendo melhor, calarmo-nos um pouco a respeito de nós mesmos, escrever uma breve recapitulação da presente obra e assim fixar uma âncora ao discurso.


95.  Recapitulação. Como orar. Da verdadeira iluminação e do poder divino.

Os Padres dizem: quem quer ser sóbrio e vigilante em suas palavras, faça sempre entrar o sopro pela inspiração até o interior do coração e se esforçar para orar com um espírito puro e sem distração, permanecendo atento às palavras da prece – Senhor Jesus Cristo Filho de Deus tenha piedade de mim – meditando e refletindo a respeito até que seu intelecto se ilumine dentro do coração, como diz o santo Diádoco: “Os que não cessam de dizer nas profundezas de seu coração o nome glorioso e muito desejado do Senhor Jesus poderão um dia ver a luz do intelecto[550]”. Quando a tivermos visto, indo a partir daí sob o impulso de Deus como numa luz pelo caminho que nos resta a percorrer – o caminho de nossa vida devotada a Deus – e mais do que isto, tornados filhos da luz, caminharemos sem erro, sem esbarrar em ninguém, como disse Jesus, o que nos dá a luz: “Quando vocês tiverem a luz, confiem-se a ela a fim de se tornar filhos da luz[551]”. E: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não caminhará nas trevas, mas terá a luz da vida[552]”.

Também Davi disse ao Senhor: “É na luz que veremos a luz[553]”. E o divino Paulo: “Deus que disse: ‘Que nas trevas brilhe a luz’, é o mesmo que brilha em nossos corações[554]”. É por esta luz, de fato, como por meio de um candeeiro brilhante que jamais se extingue, que são conduzidos os que têm a verdadeira fé, é por ela que eles contemplam o que está além dos sentidos, e que lhes é aberta, como aos corações puros[555], a porta celeste de toda vida e de todo estado que nos tornam semelhantes aos anjos e nos levam às alturas.

E mais: como um disco solar, a luz se eleva sobre eles, permitindo-lhes examinar, discernir, ver, prever e realizar outras ações semelhantes. Através dela, toda manifestação, toda revelação dos mistérios sagrados os ilumina. Eles são cumulados em espírito de poder sobrenatural e divino. Seus corpos de terra, tornados leves por tal poder sobrenatural, ou antes, sua carne pesada refinada e aliviada levita. É por este poder flamejante do Espírito Santo que alguns de nossos Pais, quando ainda estavam na carne, puderam, como se fossem seres imateriais e incorpóreos, atravessar a pé rios inacessíveis e mares nos quais nem os navios se aventuravam; que eles percorreram num instante caminhos que exigiriam muitos dias de marcha; e fizeram outras coisas extraordinárias, no céu, na terra, no sol, no mar, nos desertos, nas cidades, em todos os lugares e países, no meio de feras e serpentes, ou simplesmente no meio de toda a criação, no meio de todos os elementos. Em tudo eles foram glorificados. De pé em suas orações, eles se elevaram sobre a terra como se tivessem asas seus corpos santos e preciosos. E pelo fogo divino devorador, pelo fogo imaterial da graça, eles reduziram a cinzas a espessura e a pesandez do corpo. Eles se tornaram leves e se elevaram sobre a terra, ó milagre!, transformados em vista de um estado mais divino de ser, pela mão de Deus, esta mão de força e de graça que habitava neles.

Mesmo depois do fim, os corpos veneráveis de alguns deles mostraram a incorruptibilidade e confirmaram claramente a graça e o poder sobrenaturais que neles habitavam, como em todos os que têm a certeza da fé. E depois da ressurreição comum e universal, como alados por este poder que os ilumina em espírito, eles serão transportados às nuvens ao encontro do Senhor no espaço, como disse o iniciado do inefável, o divino Paulo. Assim é que eles estarão sempre com o Senhor[556]. Davi, o profeta do Espírito, canta igualmente: “Senhor, eles caminharão sob a luz da sua face, eles se regozijarão em seu nome por todo o dia[557]”, ou seja, pelo dia eterno, eles se elevarão em sua justiça, pois você é a glória de seu poder. Nossa força se elevará na sua benevolência. E mais: “Os que têm sua força em Deus foram arrebatados da terra[558]”. Isaías, o grande profeta, afirma também: “Os que esperam o Senhor receberão asas, sua força será transfigurada[559]”. E são Macário: “Toda alma que, pela fé e o esforço de suas virtudes, foi considerada digna de revestir daí por diante a Cristo no poder e na certeza, e que se uniu à luz celeste da imagem incorruptível, receberá em sua hipóstase os mistérios do céu de todos os tempos. No dia da ressurreição, quando o corpo glorificado com a alma nesta imagem celeste de glória e arrebatado ao céu pelo Espírito, como está escrito, ao encontro do Senhor no espaço, será digno de tomar sua forma de corpo de glória, e então, numa alma e num corpo eles reinarão com Deus pela eternidade[560]”.


96.  Outra recapitulação.

A origem e a fonte desses novos estados situados além das possibilidades da razão está, como lembramos, numa total ausência de cuidados, a hesíquia, a atenção e a prece, as quais, como um fundamento sólido e uma muralha impenetrável, estão cheias do melhor cumprimento possível de todos os mandamentos deificantes.

Como dissemos, é da ausência de cuidados, da hesíquia, da atenção e da prece que vêm o movimento e o calor do coração que queimam as paixões e os demônios e purificam o coração como num crisol. Deste calor o desejo e o eros sobem sem cessar para o Senhor Jesus Cristo. É então que escorrem como de uma fonte as lágrimas do coração, lágrimas doces que, pelo arrependimento, o amor, a eucaristia e a confissão purificam, qual hissopo, a alma e o corpo, e os alimentam. Estas coisas engendram a serenidade, ou a paz dos pensamentos, que não tem limite porque ultrapassa toda inteligência[561]. Elas engendram o flamejar luminoso como a neve, e enfim a impassibilidade dada ao homem, ou a ressurreição da alma antes da do corpo: a nova criação, o retorno à imagem e à semelhança, pela ação e a contemplação, pela fé, a esperança e o amor, ou ainda a inteira tensão em direção a Deus, a união imediata, o êxtase. A detenção e a imobilidade, pelo século presente como num espelho, num enigma[562], e em penhor, e pelo século futuro no face a face[563], a perfeição, a participação total, o gozo eterno em Deus.



97.  Que esta é a vida conforme a Deus, infalível, verdadeira, transmitida pelos Padres: a hesíquia que vem da obediência, e a que os santos chamam com justiça de vida oculta em Cristo.

Este é o caminho, a conduta espiritual conforma a Deus, a obra sagrada daqueles que são verdadeiramente cristãos. Esta é, sem nenhuma ilusão, sem nenhuma alteração, com toda clareza, a verdadeira vida, a vida oculta em Cristo[564]. É o caminho desta vida que o Deus-Homem, o doce Jesus abriu e ensinou. É o caminho que percorreram os divinos apóstolos. É por este caminho que caminharam os que vieram depois deles, que os seguiram corretamente, nossos guias e mestres gloriosos, eles que desde o início da primeira vinda de Cristo sobre a terra até agora brilham no mundo como flamas[565], com o brilho irradiante de suas palavras vivas, com o milagre de suas obras, eles que transmitiram aos homens de nossa raça e que transmitiram uns aos outros a boa semente, o levedo sagrado, as santas primícias, o depósito inviolável, a graça, o poder do alto, a pérola preciosa, a divina herança dos pais, o tesouro escondido no campo, as garantias do Espírito Santo, o sinal real, a água viva que jorra[566], o fogo divino, o sal venerável, o carisma, o selo, a luz e tudo o mais.

Esta será também nossa parte na herança misteriosamente transmitida de geração em geração até a segunda vinda de Cristo sobre a terra. Aquele que o prometeu não mente[567]: “Eis que estarei com vocês todos os dias até o final dos tempos[568]”. Amém.


98.  Ainda que existam outros caminhos de salvação, este é uma via eleita e real que leva à adoção.

Outros caminhos, outras condutas e, se você quiser, outras obras são boas, levando à salvação e trazendo em si o repouso a quem o busca; da mesma forma, existem algumas que só conduzem à escravidão ou ao trabalho mercenário; foi dito que o Salvador prepara numerosas moradas junto ao Pai[569]. Mas este caminho é naturalmente a via real, a via eminente, que, assim como a alma ultrapassa o corpo, sobrepuja e ultrapassa todas as obras, uma vez que, a partir da terra e das cinzas[570], ela renova a criatura para lhe dar a filiação divina, e torna paradoxalmente o homem que a percorre como se fosse um Deus, sob a ação do Espírito. Como disse o grande Basílio: “Quando penetra na alma de um homem, o Espírito Santo dá a vida, a imortalidade, ele levanta aquele que jazia, tornando-o vivo, um santo animado pelo Espírito Santo com um movimento eterno. Quando o Espírito faz sua moradia nele, o homem recebe a dignidade de profeta, de apóstolo, de anjo de Deus, ele que antes não passava de terra e cinzas”.


99.  Que este modo de vida tem muitos nomes, tão grande é sua obra.

É por isso que os Padres divinos honraram este caminho com inúmeros nomes, diversos e gloriosos. Eles o chamaram de caminho do conhecimento, ação digna de louvor e contemplação justa, oração mais elevada do que toda extensão, sobriedade do intelecto, trabalho intelectual, obra do século futuro, vida angélica, existência celeste, conduta divina, país dos vivos, visão mística, festim espiritual, paraíso dos milagres de Deus, céu, Reino celeste, Reino de Deus, treva mais do que luminosa, vida oculta em Cristo[571], visão de Deus e deificação, cume das maravilhas e outros nomes semelhantes.

É de acordo com o que disseram estes Padres divinos que também nós, que vivemos em meio à argila e os tijolos[572], com pensamentos, palavras e obras maus e impuros, nos esforçamos, bem-amado, para responder à sua pergunta. Você nos perguntou e temíamos falar além de nossa capacidade, por causa do amor que lhe dedicamos e do mandamento do Pai, como dissemos no início. A porta para esta via angélica se torna aqui a nova e misteriosa economia do Verbo e Filho de Deus, sua encarnação no homem, a benevolência do pai que não tem começo, e a sinergia do Espírito Santo.


100. Que com a ajuda e a graça de Deus devemos, na medida do possível, nos esforçarmos e combatermos a fim de nos tornarmos dignos de tocar desde já esses imensos sons sobrenaturais e não lhes faltar por negligência alguma, coisas que agradam a Deus.

Uma vez que nos são propostos bens tão imensos, bem-amados, não apenas em esperanças e promessas para o século futuro, mas desde já em verdade e de fato, apressemo-nos, aproximemo-nos enquanto é tempo. Corramos, lutemos. Possamos nós por um pequeno esforço temporário e com um pouco de penas, mas acima de tudo pelo dom e a graça de Deus, sermos considerados dignos destes bens. “Pois os sofrimentos dos tempos presentes nada são comparados com a glória que se revelará em nós[573]”, disse Paulo, o divino predicador. Ouçamo-lo. E esforcemo-nos por descobri-la, como ele, desde já, ao menos em parte, como primícias e em garantia[574].

Com efeito, se alguns, desde a baixeza em que os colocou a sorte, foram chamados ao parentesco e à comunhão de alguma casa real, e tudo fizeram por meio de suas obras, suas palavras e seus pensamentos para alcançar estas coisas inacessíveis, desprezando até a própria vida por uma glória e uma honra temporais que se escoam, que passam e que às vezes levam à ruína total e não ao que é bom, quanto mais não devemos nós trabalhar com zelo para entrar em comunhão com Deus, participar das bodas e nos unir a ele que nos chama, ele, o Rei dos reis, o Criador, o único incorruptível, que permanece na eternidade e dispensa aos seus uma glória e uma honra resplendentes e duradouras?

E não apenas isto, mas ainda recebemos o poder de nos tornarmos filhos de Deus. Com efeito, foi dito que aqueles que o receberam, aos que creram em seu nome, ele deu o poder de se tornarem filhos de Deus[575]. Ele deu um poder. Ele não nos atrai de forma tirânica e não nos constrange contra nossa intenção. Pois a tirania sempre arma o escravo contra o tirano, para curar o mal com o mal. Ao contrário, ele honrou assim nossa antiga dignidade, a liberdade, para que o bem que provém inteiramente de sua boa vontade e de sua graça seja também considerado uma obra direita de nosso esforço e de nossa atenção. Ele é Deus e Mestre. Tudo ele fez por si mesmo. Ele criou todos os seres e da mesma maneira morreu por todos, para salvá-los sem distinção. E ele nos deixou livres para nos aproximarmos dele, nos confiarmos a ele, nos unirmos a ele, servi-lo com temor, com fervor e com amor, a ele, o Mestre que ama os homens, que verdadeiramente amou a todos nós e que nos protegeu até sofrer a morte por nós, e uma morte infame, para nos libertar da tirania do diabo, do inimigo que está na origem de todo o mal, para nos reconcilias com Deus Pai e fazer de nós herdeiros de Deus, herdeiros com ele[576], coisa maravilhosa e bem-aventurada dentre todas as coisas.

Por uma pequena negligência, por uma breve irresponsabilidade, por um falso prazer, não nos privemos de tantos bens imensos, de tantas recompensas, de tantas alegrias. Ao contrário, façamos de tudo, coloquemos tudo a trabalhar, nada desperdicemos por ele, mesmo nossa própria vida, como ele fez por nós embora fosse Deus, para nos tornar dignos tanto das coisas que podemos receber agora como de todos os dons e todas as coroas. Possamos todos nós chegar lá, pela benevolência e a graça do Senhor nosso Deus e nosso Salvador Jesus Cristo, boníssimo e compassivo, que tanto se rebaixou por nós, e que concede desde já a todos os que se rebaixam como ele, ativa e abundantemente, a graça sobrenatural e deificante. Pois a ele pertence toda a glória, honra e adoração, assim como a seu Pai puríssimo que não teve começo, e a seu Espírito Santíssimo eterno com ele, bom e vivificante, agora e para sempre até o infinito dos séculos dos séculos. Amém.


[1] Cf. João 6: 45, citando Isaías 54: 13.
[2] Cf. II Coríntios 3: 2-3.
[3] Cf. Romanos 8: 17.
[4] Salmo 13 (14): 7.
[5] Salmo 13 (14): 3.
[6] Cf. Gênesis 6: 3.
[7] Cf. João 5: 39.
[8] Cf. Mateus 25: 25.
[9] Cf. Números 22: 28.
[10] Cf. Efésios 6: 19.
[11] Cf. Êxodo 4: 10.
[12] João 15: 5.
[13] Salmo 126 (127): 1.
[14] Cf. Colossenses 3: 9-10.
[15] Gálatas 4: 20.
[16] Gálatas 3: 27.
[17] II Coríntios 3: 18.
[18] João Crisósotomo, Homilia sobre II Coríntios, VII, 5.
[19] Cf. II Coríntios 3: 18.
[20] Cf. Atos 19: 12.
[21] Cf. Atos 5: 15.
[22] Atos 6: 15.
[23] Cf. Êxodo 34: 30.
[24] João Crisóstomo, A uma jovem viúva, citando Êxodo 34: 30 e Mateus 17: 2.
[25] Gálatas 5: 16.
[26] Cf. I João 4: 8.
[27] Resposta ao que interrogaram sobre o batismo, 17, in Marcos o Monge, Tratados espirituais, pg. 107.
[28] Efésios 4: 13.
[29] Romanos 11: 29.
[30] Cf. I Coríntios 12: 7.
[31] Salmo 118 (119): 105.
[32] Salmo 18 (19): 128.
[33] I João 3: 24.
[34] I João 5: 3.
[35] João 14: 21-24.
[36] Cf. I Coríntios 12: 7.
[37] João 15: 15.
[38] I Timóteo 2: 8.
[39] I João 4: 16.
[40] Cf. Colossenses 3: 3.
[41] Cf. Filipenses 4: 7 e Isaías 9: 7.
[42] Cf. Mateus 22: 40.
[43] Cf. I João 4: 8.
[44] I Pedro 4: 8.
[45] I Coríntios 13: 7-8.
[46] João 14: 3.
[47] João 16: 23-26.
[48] Marcos 16: 17-18.
[49] João 20: 30-31.
[50] Filipenses 2: 10.
[51] Atos 4: 8-10.
[52] Atos 4: 12.
[53] Mateus 28: 18.
[54] João 14: 27.
[55] João 16: 33.
[56] João 15: 12.
[57] João 13: 55.
[58] João 15: 9-11.
[59] João 20: 19.
[60] João 21: 15ss
[61] Cf. Eclesiástico 4: 12.
[62] João 16: 7.
[63] João 15: 26.
[64] João 14: 26.
[65] João 15: 5.
[66] Cf. Filipenses 2: 9.
[67] João 8: 12.
[68] João 14: 6.
[69] João 10: 7-9.
[70] A escada santa IV, 8.
[71] Filipenses 2: 8-9.
[72] Lucas 2: 51.
[73] Mateus 29: 8-9.
[74] A escada santa XXVI, 55.
[75] A escada santa IV, 5.
[76] Cf. Lucas 10: 42.
[77] Cf. Provérbios 22: 28.
[78] Eclesiástico 4: 10.
[79] Lucas 10: 16.
[80] João Clímaco, A escada santa IV, 7, citando Romanos 14: 23.
[81] Salmo 118 (119): 160.
[82] Salmo 30 (31): 24.
[83] João 14: 6.
[84] I Coríntios 11: 16.
[85] João Clímaco, A escada santa XXII, 6.
[86] Salmo 31 (32): 5.
[87] A escada santa IV, 12.
[88] Ibid. IV, 115.
[89] Cf. Êxodo 31: 2.
[90] Hebreus 12: 14 e João Clímaco, A escada santa IV, 9.
[91] Cf. Gênesis 3: 6.
[92] João 12: 49-50.
[93] Cf. Provérbios 11: 14.
[94] Cf. Gálatas 6: 3.
[95] Gálatas 2: 2.
[96] João 6: 38.
[97] João 16: 13.
[98] Cf. Lucas 13:23.
[99] I Coríntios 3: 13.
[100] Salmo 61 (62): 13.
[101] Cf. II Timóteo 2: 7.
[102] Cf. Hebreus 5: 14.
[103] Mateus 7: 8.
[104] I Timóteo 6: 8.
[105] Mateus 7: 21.
[106] Tiago 2: 17-18.
[107] Mateus 28: 19-20.
[108] Cf. Salmo 72 (73): 28.
[109] Cf. Mateus 21: 21.
[110] Salmo 76 (77):11.
[111] A escada santa XXVII, 74.
[112] Salmo 115 (116): 1.
[113] Hebreus 11: 1.
[114] Romanos 1: 17, citando Habacuque 2: 4.
[115] Lucas 17: 6.
[116] Mateus 21: 22.
[117] Mateus 9: 22.
[118] João 14: 17 e 16: 13.
[119] Isaac o Sírio, Obras espirituais, pg. 342-343.
[120] Salmo 118 (119): 165.
[121] Salmo118 (119): 7.
[122] Salmo 33 (34): 15.
[123] Hebreus 12: 14.
[124] Romanos 12: 18.
[125] Obras espirituais, pg. 61.
[126] Citando Evagro, Esboço monástico 7.
[127] Mateus 6: 25-28.
[128] Mateus 6: 31-34.
[129] Obras espirituais, pg. 111.
[130] A escada santa XXVII, 52-53, citando Hebreus 10: 23.
[131] Obras espirituais, pg. 243.
[132] Ibid., pg. 213.
[133] Ibid., pg. 213.
[134] Sentenças dos Padres do deserto, Arsênio 1.
[135] Carta II, 2.
[136] Obras espirituais, pg. 392.
[137] Gênesis 4: 7.
[138] Salmo 45 (46): 11.
[139] A escada santa XXVII, 47.
[140] Obras espirituais, pg. 215.
[141] I Tessalonicenses 5: 18.
[142] Obras espirituais, pg. 188.
[143] Ibid., pg. 368 (ambas as citações)
[144] Salmo 6: 3.
[145] Salmo 21 (22): 7.
[146] Obras espirituais, pg. 143.
[147] Ibid. pg. 368.
[148] Efésios 6: 12.
[149] Hebreus 12: 8.
[150] Hebreus 12: 6, citando Provérbios 3: 12.
[151] Tiago, 1: 12.
[152] Elias de Ecdicos, Florilégio... I, 1; citando Salmos 25: 2 e 17 (36).
[153] Marcos o Asceta, Dos que pensam ser justificados, 198-204.
[154] Cf. Romanos 3: 19.
[155] Obras espirituais, pg. 268-269.
[156] Eclesiastes 2: 1.
[157] Eclesiastes 2: 2.
[158] I Coríntios 10: 13.
[159] Romanos 3: 35.
[160] Mateus 10: 22.
[161] Lucas 21: 19.
[162] Tiago 1: 2-4.
[163] Tiago 1: 12.
[164] Romanos 8: 18.
[165] Salmo 39 (40): 4.
[166] Provérbios 1: 7.
[167] Salmo 33 (34): 12.
[168] Provérbios 15: 27.
[169] Gregório de Nazianze, Discurso XXXIX, 8.
[170] Obras espirituais, pg. 59.
[171] Salmo 111 (112): 1.
[172] Salmo 127 (128): 1.
[173] Salmo 33 (34): 10.
[174] Salmo 127 (128): 4.
[175] Salmo 18 (19): 10.
[176] Cf. Salmo 39 (40): 3.
[177] Salmo 18 (19): 10.
[178] Pedro Damasceno, Livro II, Discurso 3.
[179] Marcos 8: 35.
[180] João 11: 25-27.
[181] João 3: 16.
[182] João 10: 10.
[183] Cf. Filipenses 3: 13.
[184] Cf. Lucas 17: 21.
[185] Nicéforo o Solitário, Sobre a sobriedade e a guarda do coração.
[186] Nicéforo o Solitário, ibid.
[187] Pseudo-Crisóstomo, Ad monachos.
[188] A escada santa XXVII, 62.
[189] Hesíquio de Bathos, Sobre a vigilância 182.
[190] Carta II, 2.
[191] Evagro, Sobre a prece, 149.
[192] Salmo 33 (34): 12.
[193] Hesíquio de Bathos, Sobre a vigilância 189.
[194] A escada santa VII, 35.
[195] Sentenças dos Padres do deserto, Poêmio 119.
[196] Hora canônica que completa o ofício divino e vem antes das vésperas.
[197] Elias de Ecdicos, Florilégio 93.
[198] A escada santa XV, 52.
[199] Cf. Êxodo 22: 29.
[200] Evagro, Sobre a prece 126; Nilo e Evagro são a mesma pessoa.
[201] Cf. Filipenses 4: 15.
[202] A escada santa XXXVII, 92.
[203] Cf. Hebreus 13: 15.
[204] Obras espirituais, pg. 241.
[205] Ibid., pg. 292.
[206] Ibid., pg. 188.
[207] Cf. I Tessalonicenses 5: 17.
[208] Daniel 6: 11ss.
[209] Todas as citações: João Crisóstomo, Sobre a prece I e II.
[210] Gregório de Nazianze, Discurso XXVII, 4.
[211] Obras espirituais, pg. 11.
[212] A escada santa XXVIII, 1.
[213] Ibid., XXVIII, 27.
[214] Evagro, Sobre a prece 37.
[215] Ibid., 36.
[216] Ibid., 3.
[217] Ibid., 101.
[218] Ezequiel 4: 10-11.
[219] Sentenças dos Padres do deserto, Longino 5.
[220] I Coríntios 9: 27.
[221] Salmo 108 (109): 24.
[222] Obras espirituais, pg. 297-298.
[223] Ibid., pg. 153.
[224] Ibid., pg. 151, citando Salmo 125 (126): 5.
[225] Ibid., pg. 248.
[226] Ibid., pg. 169-170.
[227] Ibid., pg. 290-291.
[228] Cf. Números 20: 17.
[229] Em torno do meio-dia.
[230] A escada santa, VI, 15.
[231] Hesíquio de Bathos, Sobre a vigilância 165.
[232] Obras espirituais, pg. 248-249 (cinco últimas citações).
[233] Cf. Isaías 58: 8.
[234] Obras espirituais, pg. 423-424.
[235] Cf. Êxodo 13: 21-22.
[236] Obras espirituais, pg. 297.
[237] Cf. Efésios 4: 22.
[238] Obras espirituais, pg. 460.
[239] Ibid., pg. 153.
[240] Ibid., pg. 184 (três últimas citações)
[241] Cf. Mateus 23: 23.
[242] Obras espirituais, pg. 151.
[243] Provérbios 24: 3-4.
[244] Obras espirituais, pg. 294.
[245] Sobre o amor IV, 63; citando I Timóteo 4: 8.
[246] Gálatas 5: 17.
[247] II Coríntios 4: 16.
[248] Obras espirituais, pg. 251.
[249] Ibid., pg. 91.
[250] Cf. I Coríntios 9: 25.
[251] Lucas 14: 11.
[252] I Coríntios 10: 12.
[253] Tiago, 4: 6.
[254] Eclesiastes 10: 12.
[255] Salmo 118 (119): 51.
[256] Romanos 12: 16.
[257] Obras espirituais, pg. 158.
[258] Ibid., pg. 87.
[259] Cf. Filipenses 4: 13.
[260] Cf. Filipenses 3: 12.
[261] Cf. I Timóteo 5: 21.
[262] A escada santa XXV, 14.
[263] Correspondência, Carta 38.
[264] Ibid., Carta 272.
[265] Salmo 93 (94): 19.
[266] Mateus 11: 28.
[267] Romanos 8: 17-18.
[268] Sobre a Teologia V, 35.
[269] Gregório de Nazianze, Discurso XXXVIII, 7.
[270] Inerente à hipóstase, à pessoa. União de Deus enquanto Verbo com a pessoa humana de Jesus.
[271] Obras espirituais, pg. 188-189.
[272] Cf. Efésios 4: 13.
[273] Cf. Lucas 12: 42-43.
[274] Sobre o abade Filemón.
[275] Obras espirituais.
[276] CF. Mateus 11: 12.
[277] Sobre a Teologia V, 33.
[278] Mateus 5: 19.
[279] Romanos 2: 13.
[280] Salmo 33 (34): 15.
[281] I Coríntios 2: 15.
[282] João 12: 35.
[283] Efésios 5: 14.
[284] II Pedro 1: 19.
[285] I Coríntios 2: 15.
[286] Mateus 5: 14.
[287] II Coríntios 4: 6.
[288] Salmo 4: 7.
[289] Salmo 35 (36):10.
[290] João 8: 12.
[291] Jó 37: 7.
[292] II Coríntios 1: 9.
[293] Os Euquitas ou Messalianos foram uma seita condenada como herética pela primeira vez em um sínodo realizado em 383 d.C. em Side, na Panfília, e cuja ata foi citada por Fócio. A palavra Messalianos vem do siríaco mṣallyānā, que significa "aquele que reza". A tradução para o grego, εὐχίτης, euchitēs, significa o mesmo. A condenação da seita por São João Damasceno e por Timóteo de Constantinopla expressou a visão de que a seita abraçava uma espécie de materialismo místico. Entre as crenças da seita estavam:  que a substância (ousia) da Trindade poderia ser percebida pelos cinco sentidos; que o Deus triplo se transformou numa única hipóstase (existência) para que pudesse se unir com as almas dos perfeitos; que Deus tomou diferentes formas para poder se revelar aos sentidos; que apenas estas revelações de Deus pelos sentidos conferem a perfeição aos cristãos; que o estado de perfeição, liberdade do mundo e paixão é, portanto, atingido apenas pela oração e não pela igreja, nem pelo batismo e nem por nenhum dos sacramentos, que não teriam efeito nas paixões e na influência do mal sobre a alma. Daí o nome da seita, "Aqueles que rezam". Os messalianos ensinavam que uma vez que a pessoa tenha experimentado a substância de Deus, ela estaria livre das obrigações morais e da disciplina eclesiástica.
[294] Todas as citações acima: Isaac o Sírio, Obras espirituais, pg. 270-274.
[295] Sobre a Teologia V, 96.
[296] Obras espirituais, pg. 189.
[297] Cf. Romanos 5: 5.
[298] Cf. Efésios 4: 13.
[299] Salmo 76 (77): 11.
[300] Salmo 115 (116): 2.
[301] I Coríntios 2: 9; citando Isaías 64: 3 e 52: 15.
[302] I Coríntios 2: 10.
[303] Obras espirituais, pg. 322.
[304] Ibid. pg. 249.
[305] A escada santa XXVII, 7.
[306] Ibid., XXVII, 18; citando Cânticos 5: 2.
[307] Ibid., XXVII, 19.
[308] Cf. Romanos 7: 17.
[309] Pseudo-Crisóstomo, Ad monachos.
[310] Cf. Romanos 2: 16.
[311] Cf. Salmo 122 (123): 2.
[312] Cf. I Coríntios 2: 8.
[313] Cf. Mateus 7: 14.
[314] Mateus 11: 12.
[315] Pseudo-Crisóstomo, Ad monachos.
[316] Romanos 10: 9-10.
[317] I Coríntios 12: 3.
[318] Ibid.
[319] Cf. Hebreus 12: 29.
[320] Cem Capítulos 59; citando Mateus 13: 45-46.
[321] Cf. Lucas 18: 1-8.
[322] Sobre a vigilância 149.
[323] A escada santa XX, 7.
[324] I Coríntios 12: 3.
[325] João 1: 17.
[326] I João 4: 2.
[327] Mateus16: 16.
[328] Cf. Mateus 18: 16.
[329] I Coríntios 12: 3.
[330] I João 4: 2.
[331] I Coríntios 12: 11.
[332] Cf. Eclesiástico 4: 12.
[333] Cf. João 6: 63.
[334] João 15: 5.
[335] João 14: 4.
[336] João 14: 3.
[337] Cf. Gálatas 5: 16.
[338] Cem Capítulos 57.
[339] Obras espirituais, pg. 243.
[340] Ibid., pg. 244.
[341] Correspondência, Carta 119.
[342] Aos monges da Índia 52, cit. II Coríntios. XIII,5.
[343] Pseudo-Crisóstomo, Ad monachos.
[344] Sobre a vigilância 21.
[345] Ibid., 196.
[346] Salmo 38 (39): 4.
[347] Lucas 12: 49.
[348] Lucas 24: 32.
[349] Todas as citações: Obras espirituais, pg. 101.
[350] Ibid., pg. 111; citando Salmo 41 (42): 3.
[351] A escada santa XXVIII, 48.
[352] Cf. Lucas 12: 42.
[353] Ibid., 1: 46
[354] Florilégio I, 105.
[355] Ibid., I, 106.
[356] Hebreus 12: 29.
[357] Cem Capítulos 97.
[358] Sobre a vigilância 159.
[359] Cânticos I, 3-4.
[360] Cânticos 2: 5.
[361] Sobre o amor I, 11.
[362] Tropário para a festa da Transfiguração.
[363] Tropário da liturgia bizantina cantado antes da comunhão.
[364] II Coríntios 5: 14.
[365] Romanos 8: 35.
[366] Romanos 8: 38-39.
[367] João Clímaco, A escada santa XXVI, 70.
[368] Sobre a lei espiritual 84; citando I Coríntios 8: 1 e 13: 7.
[369] Resposta aos que interrogam sobre o batismo, em Marcos o Monge, Tratados espirituais e teológicos, pg. 69.
[370] Gálatas 5: 16.
[371] Cf. Lucas 17: 21.
[372] Cf. Mateus 5: 8.
[373] Cf. II Coríntios 11: 14.
[374] Dos que pensam ser justificados, 28.
[375] Monge bizantino (séc. X); o mosteiro de Latros fica na Bitínia.
[376] Cf. I Samuel 17: 51.
[377] Cf. Salmo 67 (68): 3.
[378] Sobre a vigilância, 180.
[379] Na realidade, Hesíquio, ibid. 89.
[380] Cf. Atos 7: 48.
[381] Cf. I Coríntios 13: 12.
[382] Sobre o discernimento das paixões, 24.
[383] Carta II, 2.
[384] Máximo o Confessor, Sobre o amor I, 33.
[385] Ibid., 34.
[386] Máximo o Confessor, Sobre a Teologia II, 82.
[387] Id., Sobre o amor, III, 99.
[388] Ibid., 98.
[389] Máximo o Confessor, Sobre a Teologia II, 81.
[390] Cem Capítulos, 28.
[391] A escada santa XXVIII, 17.
[392] Cf. Colossenses 3: 9.
[393] Obras espirituais, pg. 203.
[394] Gregório de Nazianze, Discurso XLI, 11.
[395] Máximo o Confessor, Sobre o amor II, 5.
[396] Sabedoria 13: 5.
[397] Salmo 76 (77): 11.
[398] Cf. Mateus 17: 1-2.
[399] Cf. Salmo 102 (103): 12.
[400] Questões a Thalassius, 16.
[401] Denis o Areopagita, Dos Nomes Divinos VII, 1.
[402] Obras espirituais, pg. 365.
[403] I Coríntios 12: 8.
[404] Cem Capítulos, 9.
[405] Cf. João 4: 6-7.
[406] Sobre a Teologia IV, 29.
[407] Cem Capítulos, 68.
[408] Evagro, Sobre a oração, 53.
[409] A escada santa XVIII, 17.
[410] Cf. I Coríntios 2: 14.
[411] Carta II, 2.
[412] Cf. Gênesis 1: 26.
[413] Dos Nomes Divinos IV, 9.
[414] Questões a Thalassius, 33.
[415] Evagro, Sobre a oração 11.
[416] Ibid., 117.
[417] Filoteu o Sinaíta, Quarenta capítulos népticos 3.
[418] Cf. II Coríntios 6: 16.
[419] Carta II, 4.
[420] Sobre o amor II, 5.
[421] Sobre a prece, 58.
[422] Ibid., 56.
[423] Ibid., 57.
[424] Cf. Êxodo 33: 11.
[425] A escada santa XXVII, 22.
[426] A escada santa XXVIII, 19.
[427] Cf. II Coríntios 12: 2.
[428] Atos 10: 11-16.
[429] Da pobreza voluntária, 27-28.
[430] Cf. Gálatas 5: 22.
[431] Efésios 5: 8-9.
[432] Cf. Hebreus 12: 14.
[433] Cf. Judas 6.
[434] Cf. Mateus 25: 41.
[435] Mateus 11: 30.
[436] I João 5:3.
[437] Cf. Romanos 13: 10.
[438] Diádoco de Foticeia, Cem Capítulos 31.
[439]    Um êxtase.
[440] Ibid., 32.
[441]    I João 4, 6.
[442] Diádoco de Foticéia, Cem capítulos 33.
[443] Provérbios 25: 16.
[444] João 4: 14.
[445] João 7: 37-39.
[446] Gálatas 4: 6.
[447] Teólogo Místico II.
[448] Carta V.
[449] Salmo 41 (42): 3.
[450] Filipenses 1: 23.
[451] Lucas 2: 29.
[452] Grande Regra, 2.
[453] Gregório de Nazianze, Discurso XXXIX, 8.
[454] Trata-se de Evagro, Kephalaya Gnostika III, 88.
[455] A escada santa VII, 60.
[456] Cf. Lucas 10: 42.
[457] Tito 3: 4-7.
[458] II Coríntios 1: 21-22.
[459] II Coríntios 4: 7.
[460] Salmo 24 (25): 9.
[461] Mateus 11: 29.
[462] Isaías 66: 2.
[463] Mateus 5: 5.
[464] Cf. Marcos 4: 20.
[465] Máximo o Confessor, Sobre o amor IV, 80.
[466] Id., Sobre o amor II, 87.
[467] Mateus 5:23-24.
[468] Efésios 4: 31-32.
[469] Efésios 4: 26; citando Salmo 4: 5.
[470] Romanos 12: 19.
[471] Romanos 12: 21.
[472] Obras espirituais, pg. 322.
[473] Ibid., pg. 276.
[474] Cf. Romanos 3: 23-24.
[475] Obras espirituais, pg. 365-366.
[476] Ibid., pg. 367.
[477] Cf. Mateus 11: 28.
[478] Mateus 5: 4.
[479] Obras espirituais, pg. 208-209.
[480] A escada santa VII, 35.
[481] Ibid., 37.
[482] Ibid., 75.
[483] Ibid., 61.
[484] Sentenças dos Padres do deserto, Antônio 4 e Poêmio 125.
[485] Ibid., Teófilo I.
[486] Ibid., Poêmio 134.
[487] Ibid., Poêmio 95 e 81.
[488] Efésios 5: 16.
[489] Obras espirituais, pg. 175; citando Basílio, Regras morais VIII, 2.
[490] A escada santa XXVII, 38.
[491] Grande Regra 2; citando Cânticos 2: 5.
[492] Cf. Lucas 10: 18.
[493] Cf. Hebreus 10: 39.
[494] Diádoco de Foticéia, Cem Capítulos 86. Última citação, cf. Efésios 4: 13.
[495] Id., Cem Capítulos 87.
[496] Cf. Efésios 4: 13.
[497] Obras espirituais, pg. 132-133.
[498] Cf. Gálatas 5: 22.
[499] Obras espirituais, pg. 399-400.
[500] Cf. I Coríntios 5: 10.
[501] Efésios 6: 11. 17.
[502] Cem capítulos, 98.
[503] Sobre a Teologia V, 52.
[504] Sobre o Amor I, 36.
[505] I Coríntios 13: 10.
[506] Filipenses 3: 12.
[507] Filipenses 3: 15.
[508] Florilégio I, 71.
[509] Ibid., 72.
[510] Elias de Écdicos, Florilégio I, 73.
[511] Ibid., 74.
[512] I João 4: 8.
[513] Obras espirituais, pg. 439.
[514] Cf. I Coríntios 13: 13.
[515] A escada santa XXX, 1-3.
[516] Cf. I João 4: 8.
[517] Cf. I Coríntios 13: 5.
[518] João Clímaco, A escada santa XXX, 5-9.
[519] Cem capítulos, 1.
[520] Cem capítulos, 34.
[521] Obras espirituais, pg. 206.
[522] Ibid.
[523] Cf. Hebreus 11: 38.
[524] Obras espirituais, pg. 164-165.
[525] João 6: 48.
[526] João 6: 50-52.
[527] João 6:53-59.
[528] I Coríntios 11: 23-33.
[529] Cf. Romanos 12: 5.
[530] Cf. Efésios 5: 30.
[531]  31: 31.
[532] João Crisóstomo, Homilias sobre são João.
[533] Cf. I Coríntios 11: 29.
[534] Cf. Hebreus 10: 29.
[535] João Crisóstomo, Homilias sobre são João.
[536] João Crisóstomo, Sobre o sacerdócio VI.
[537] João 6: 55.
[538] Cf. I Coríntios 11: 32.
[539] Cf. I Mateus 6: 11.
[540] Cf. João 3: 6.
[541] A fé ortodoxa IV, 3.
[542] Cf. I Coríntios 12: 13.
[543] João 6: 48.
[544] Cf. Salmo 103 (104): 15.
[545] Cf. Salmo 44 (45): 8.
[546] João 6: 54. 56.
[547] Carta 93.
[548] João 6: 56.
[549] Tiago 1: 22-26.
[550] Cem capítulos, 59.
[551] João 12: 36.
[552] João 8: 12.
[553] Salmo 35 (36): 10.
[554] II Coríntios 4: 6.
[555] Cf. Mateus 5: 8.
[556] Cf. I Tessalonicenses 4: 17.
[557] Salmo 88 (89): 16-18.
[558] Salmo 46 (47): 10.
[559] Isaías 40: 31.
[560] Macário o Egípcio, Paráfrase 140; cit. I Tessalonicenses 4: 17, Filipenses 3: 21.
[561] Cf. Filipenses 4: 17.
[562] Cf. I Coríntios 13: 12.
[563] Ibid.
[564] Cf. Colossenses 3: 3.
[565] Cf. Filipenses 2: 15.
[566] Cf. Mateus 13: 24; Mateus 13: 33; Romanos 11: 16; I Timóteo 6: 20; Lucas 24: 29; Mateus 13: 46 e 44; II Coríntios 1: 22; João 4: 14.
[567] Cf. Hebreus 10: 23.
[568] Mateus 28: 20.
[569] Cf. João 14: 2.
[570] Cf. Gênesis 18: 27.
[571] Cf. Colossenses 3: 3.
[572] Cf. Êxodo 1: 14.
[573] Romanos 8: 18.
[574] Cf. Romanos 8: 23; Efésios 1: 14.
[575] Cf. João 1: 12.
[576] Cf. Romanos 8: 17.

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