segunda-feira, 26 de junho de 2017

Kalistos Ware - A Igreja Ortodoxa - Parte I: Moscou e Petersburgo (Tradução: Padre Pedro de Oliveira)

Moscou e Petersburgo.

"O sentimento da presença de Deus — do sobrenatural —
parece-me penetrado na vida russa mais completamente
que em qualquer outra nação ocidental" (H.P.Lindon,
Canon of Saint Paul’s, depois de uma visita à Rússia, 1867).


Moscou, "a terceira Roma."

Após a tomada de Constantinopla em 1453, só havia uma nação capaz de assumir a liderança no Cristianismo Oriental. A maior parte da Bulgária, da Sérvia e da Romênia já havia sido conquista pelos turcos, enquanto o resto havia sido absorvido muito antes. Só a Rússia sozinha remanesceu. Para os russos não pareceu coincidência que no mesmo momento que o Império Bizantino chegava ao fim, eles russos estavam finalmente limpando os últimos vestígios da suserania tártara: parecia que Deus estava lhes dando liberdade porque os tinha escolhido para serem os sucessores de Bizâncio.

Ao mesmo tempo que a terra russa, a Igreja russa ganhou liberdade, mais por circunstâncias do que por um desígnio deliberado. Até então o Patriarca de Constantinopla designava o cabeça da Igreja Russa, o Metropolita. No Conselho de Florença, o Metropolita era um grego, Isidoro. Isidoro, que apoiava a união com Roma, retorna a Moscou em 1441 e proclama os decretos de Florença, mas não encontra nenhum apoio dos russos Foi aprisionado pelo Grão Duque, mas depois de algum tempo foi permitido que ele escapasse e voltasse para a Itália. A cadeira mais importante ficou então vazia, mas os russos não podiam pedir ao Patriarca um novo Metropolita, porque até 1453 a Igreja Oficial de Constantinopla continuava a aceitar a União Florentina. Relutantes em tomar uma atitude própria, os russos postergaram a solução por muitos anos. Eventualmente, em 1448 um Concílio de Bispos russos procedeu à eleição de um Metropolita sem nenhuma interferência de Constantinopla. A comunhão entre o Patriarcado e a Rússia foi restaurada, mas a Rússia continuou a indicar o chefe de sua própria hierarquia. Daí para a frente a Igreja Russa foi autocéfala.

A idéia de Moscou como sucessora de Bizâncio foi ajudada por um casamento. Em 1472, Ivan III, o "Grande" (reinou 1462 — 1505) casou-se com Sofia, sobrinha do último Imperador de Bizâncio. O casamento serviu para estabelecer uma ligação dinástica com Bizâncio. O Grão Duque de Moscou começou a assumir os títulos bizantinos de "autocrata" e "Tsar" (uma adaptação do romano "César") e a usar a águia de duas cabeças de Bizâncio como seu emblema de estado. Começou-se a pensar em Moscou como a "Terceira Roma." A primeira Roma (assim argumentaram) tinha caído para os bárbaros e então entrou em heresia. A segunda Roma, Constantinopla, por sua vez havia caído em heresia no Concílio de Florença e como punição foi tomada pelos turcos. Moscou então sucedeu Constantinopla como a Terceira Roma, o centro da Cristandade Ortodoxa. O monge Filoteu de Pskov colocou essa sua linha de argumento em uma famosa carta escrita em 1510 para o Tsar Basílio III: "Eu gostaria de acrescentar algumas palavras sobre o Império Ortodoxo de nosso dirigente: ele é na terra o único Imperador (Tsar) dos Cristãos, o líder da Igreja Apostólica que não está mais em Roma ou em Constantinopla, mas na abençoada cidade de Moscou. Só ela brilha no mundo inteiro mais do que sol .... Todos os impérios Cristãos caíram e em seu lugar está sozinho o Império de nosso dirigente, de acordo com os livros proféticos. Duas Romas caíram, mas a terceira permanece e uma quarta não existirá!" (citado em Bayntes and Moss, Bysantium: an Introduction, pág.385)

Essa idéia de ser Moscou a "Terceira Roma" tem um certo sentido quando aplicada ao Tsar: o imperador de Bizâncio anteriormente agiu como campeão e protetor da Ortodoxia, e agora o autocrata da Rússia é chamado a executar a mesma tarefa. Mas também poder-se-ia entender de outros modos menos aceitáveis. Se Moscou fosse a "Terceira Roma," não deveria então o Chefe da Igreja Russa estar classificado acima da do Patriarcado de Constantinopla? De fato essa posição nunca foi garantida e a Rússia nunca foi classificada acima da quinta posição entre as Igrejas Ortodoxas, atrás de Jerusalém. O conceito de "Terceira Roma" encorajou também um tipo de Messianismo Moscovita e fez com que os russos as vezes pensassem em si próprios como um povo escolhido que não poderia fazer nada de errado e, se fosse tomado esse pensamento, não só pelo lado religioso mas também pelo lado político, ele poderia ser usado para promover o término do imperialismo secular russo.

Agora que o sonho pelo qual São Sérgio trabalhou — a liberação da Rússia do domínio dos tártaros — tinha se tornado uma realidade, uma triste divisão ocorreu entre seus descendentes espirituais. São Sérgio tinha unido o lado social e o lado místico à monarquia, mas sob seus sucessores esses dois aspectos tornaram-se separados. A separação mostrou-se abertamente pela primeira vez num Concílio da Igreja, em 1503.

Quando esse Concílio chegava ao seu final, São Nilo de Sora (Nil Sorsky, 1433? — 1508), um monge de um eremitério nas florestas além do Volga, levantou-se para falar e lançou um ataque sobre propriedade de terras pelos mosteiros (cerca de um terço da terra na Rússia pertencia a mosteiros nesse tempo). São José, Abade de Volokalamsk (1439 — 1515) respondeu em defesa da propriedade das terras pelos mosteiros. A maioria do Concílio apoiou José, mas existiram outros na Igreja Russa que concordaram com Nilo — principalmente eremitas que como ele viviam além do Volga. O partido de José ficou conhecido como os possessores, Nilo e os eremitas trans-volga como não-possessores.

Durante os vinte anos seguintes houve uma tensão considerável entre os dois grupos. Finalmente os não-possessores, em 1525 — 1526, atacaram o Tsar Basílio III por divorciar-se injustamente de sua mulher (a Ortodoxia concede divórcio, mas só por certas razões). O Tsar então aprisionou o líder dos não-possessores e fechou os eremitérios trans-volga. A tradição de São Nilo tornou-se subterrânea e, apesar de nunca ter desaparecido completamente, sua influência na Igreja russa tornou-se muito restrita. Por muito tempo os possessores reinaram supremos.

Por traz da propriedade monástica estavam duas concepções da vida monástica e finalmente dois pontos de vista diferentes da relação da Igreja com o mundo. Os possessores enfatizavam as obrigações sociais da monarquia. Faz parte do mundo dos monges cuidar dos doentes e dos pobres, mostrar hospitalidade e ensinar. Para fazer essas coisas com eficiência os mosteiros precisavam de dinheiro e por isso precisavam possuir terras. Monges (assim eles argumentavam) não usam suas riquezas para si próprios, mas zelam por elas para benefício de outros. Existia um dito entre os seguidores de José, "as riquezas da Igreja são as riquezas dos pobres."

Os não-possessores argumentavam de outro lado, que esmola era obrigação dos leigos, enquanto que a tarefa principal do monge é ajudar aos outros pela oração por eles e dando-lhes exemplos. Para fazer isso adequadamente um monge deve ser e estar desprendido desse mundo e só aqueles que fazem votos de completa pobreza podem atingir o verdadeiro desapego. Monges que são senhores de terras não podem evitar se envolver com as ansiedades seculares e porque eles se tornam absorvidos com preocupações mundanas, eles agem e pensam de maneira mundana. Nas palavras do monge Vassiam (príncipe Patrikiev), um discípulo de Nilo: "Aonde nas tradições do Evangelho, Apóstolos e Padres e Monges são ordenados a adquirir vilas populosas e escravizar camponeses para a irmandade?... Nós olhamos para as mãos dos ricos, contentes com o seu apego, tentem bajulando-os tomar-lhes alguma pequena vila ... Nós enganamos, roubamos e vendemos Cristãos, nossos irmãos. Nós os torturamos com açoites como bestas feras". (citado em B. Pares, A Hystory of Rússia, 3ª edição, p.39)

O protesto de Vassiam contra torturas e açoites traz-nos para um segundo assunto sobre o qual os dois lados divergiam: o tratamento dos heréticos. José mantinha a visão não universal do Cristianismo de seu tempo: se os heréticos fossem recalcitrantes, a Igreja deveria chamar o braço civil e valer-se de prisão, tortura e, se necessário, fogo. Mas Nilo condenava toda forma de coerção e violência contra os heréticos. Deve-se somente lembrar de como os Protestantes e Católicos Romanos tratavam-se uns aos outros na Europa Ocidental durante a Reforma, para constatar quão excepcional Nilo era em sua tolerância e respeito pela liberdade humana.

A questão dos heréticos por sua vez envolveu o problema mais amplo da relação entre Igreja e Estado. Nilo encarava a heresia como uma questão espiritual, para ser resolvida pela Igreja sem a intervenção do Estado; José invocava o auxílio das autoridades seculares. No geral, Nilo traçava mais do que José uma linha claramente divisória entre as coisas de César e as coisas de Deus. Os possessores eram grandes apoiadores do ideal de Moscou como "Terceira Roma"; acreditando em uma forte aliança entre Igreja e Estado, eles tinham forte atuação na política, como Sérgio tinha feito, mas talvez eles fossem menos cuidadosos que Sérgio em guardar e não permitir que ela se tornasse serva do Estado. Os não-possessores por sua parte tinham um sentido mais apurado dos testemunhos proféticos e não-mundanos da monarquia.Os partidários de José estavam em perigo de identificar o Reino de Deus com um reino desse mundo; Nilo viu que a Igreja na terra deve ser sempre uma Igreja em peregrinação. Enquanto José e seus partidários eram grandes patriotas e nacionalistas, os não-possessores pensavam mais na universalidade e catolicidade da Igreja.

Mas as divergência entre os dois lados não terminaram por aí: eles também tinham idéias diferentes sobre piedade Cristã e oração. José enfatizava a posição de regras e disciplina; Nilo a relação interna e pessoal ente a alma e Deus. José valorizava o lugar da beleza na adoração; Nilo temia que a beleza pudesse se transformar num ídolo: o monge (assim Nilo mantinha) não é a dedicação somente à pobreza exterior, mas também a um absoluto auto-desnudamento, e ele ser cuidadoso para que a devoção a belos ícones ou a música da Igreja não venha a ficar entre ele e Deus (nessa suspeição sobre a beleza, Nilo apresenta um puritanismo — quase um Iconoclasmo — muito raro na espiritualidade russa). José dava importância à adoração corporativa e à oração litúrgica: "Pode-se orar no próprio quarto, mas nunca se orará como se ora na Igreja "... onde o canto de muitas vozes sobe único para Deus, onde todos tem um pensamento e uma voz na unidade do amor .... Nas alturas o Serafim proclama o Trisagion, aqui abaixo a multidão humana eleva o mesmo hino. Céu e terra mantêm o festival juntos, uns em agradecimento, uns em felicidade, uns em jubilo". (citado em J. Meyendorff, "Une Controverse Sur lê Role Social de L’Eglise. La Querelle Dês Bien: Eclesiastiques Au XII e Siècle en Russie," in the Periodical Irenikon, vol XXIX (1956), p.29).

Nilo por sua vez estava principalmente interessado não na oração litúrgica, mas na oração mística: antes de se fixar em Sora ele tinha vivido como monge no Monte Atos e conheceu a tradição hesicasta bizantina em primeira mão.

A Igreja russa corretamente viu coisas boas nos ensinamentos tanto de José quanto de Nilo, e canonizou a ambos. Cada um herdou uma parte da tradição de São Sérgio, mas não mais do que uma parte: a Rússia precisava tanto do monasticismo de José quanto o da forma trans-volguiana, pois um suplementava o outro. Na verdade foi triste que os dois lados tivessem entrado em conflito e que a tradição de Nilo tenha sido largamente suprimida: sem os não-possessores a vida espiritual da Igreja Russa tornou-se unilateral e desbalanceada. A integração próxima que os partidários de José mantiveram com o Estado, seu nacionalismo russo, sua devoção às formas exteriores de adoração — essas coisas conduziram a problemas no século seguinte.

Um dos participantes mais interessantes na disputa dos possessores e não-possessores foi São Máximo, o Grego (1470? — 1556), uma "figura ponte" cuja longa vida abraça os três mundos da Renascença na Itália, Monte Athos e Moscou. Grego de nascimento, ele passou os anos de adulto jovem em Florença e Veneza, como um amigo dos eruditos humanísticos tais como Pico Della Mirandola; também caiu sobre a influência de Savanarola e por dois anos foi Dominicano. Retornando à Grécia em 1504, ele tornouse monge do Monte Athos, em 1517 foi convidado para ir à Rússia, pelo Tsar, para traduzir obras gregas para o eslavônio e para corrigir os livros de Ofícios russos que estavam desfigurados por inúmeros erros. Como Nilo, ele era devotado aos ideais hesicastas e, na sua chegada à Rússia, ele se ligou aos não-possessores. E sofreu com o resto, sendo feito prisioneiro por vinte e seis anos, de 1525 a 1551. Ele foi atacado com particular severidade pelas modificações que ele propôs nos livros de Ofícios e o trabalho de revisão foi interrompido, ficando inacabado. Seus grandes dons de aprendizado, os quais os russos poderiam ter aproveitado e muitos, foram grandemente perdidos na prisão. Ele era tão rígido quanto Nilo por auto-desnudamento e pobreza espiritual: "se você de fato ama o Cristo crucificado," ele escreveu ."..seja um estranho, desconhecido, sem pátria, sem nome, silencioso perante seus parentes, seus conhecidos e seus amigos; distribui tudo que tiveres aos pobres, sacrifica todos seus velhos hábitos e toda tua vontade própria." (citado por E. Denissoff, Máxime lê Grec et l’occident, Paris 1943, pp. 275-276).

Apesar da vitória dos possessores ter significado uma estreita aliança entre Igreja e Estado, a Igreja não perdeu toda sua independência. Quando Ivan, o Terrível estava com seu poder no auge, o Metropolita de Moscou, São Felipe (morto em 1569), ousou protestar abertamente contra o Tsar por seus derramamentos de sangue e injustiças e repreendeu-o cara a cara durante a celebração pública da Liturgia. Ivan o pôs na prisão e depois fez com que fosse estrangulado. Outro que criticou agudamente Ivan foi São Basílio, o Bendito, o "louco em Cristo" (morreu em 1552). Louco por Cristo é uma forma de santidade encontrada em Bizâncio, mais particularmente proeminente na Rússia medieval: o "louco" carrega o ideal de auto-desnudamento e humilhação para o extremo, renunciando a todos os dons intelectuais, toda forma de sabedoria terrena, e colocando voluntariamente sobre si a Cruz. Esses loucos freqüentemente desempenhavam um valioso papel social: simplesmente porque eles eram loucos, podiam criticar aqueles que estavam no poder com uma franqueza que ninguém mais ousaria empregar. Assim foi com Basílio, a "consciência viva" do Tsar. Ivan prestou atenção à perspicaz censura do louco, e longe de puni-lo, tratou-o com remarcada honra. Em 1589, com o consentimento do Patriarca de Constantinopla, o chefe da Igreja russa foi elevado do nível de Metropolita para o de Patriarca. Foi, de certo ponto de vista, um triunfo para o ideal de Moscou: "Terceira Roma." Mas foi um triunfo limitado, pois o Patriarca de Moscou não tomou o primeiro lugar no mundo Ortodoxo, mas o quinto, depois de Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém (mas superior ao Patriarcado mais antigo da Sérvia). Com a mudança das coisas, o Patriarcado de Moscou iria durar um pouco mais de um século.

O Cisma dos Velhos Crentes.

O século dezessete na Rússia abriu com um período de confusão e desastre, conhecido como Tempo de Turbulência, quando a terra foi dividida contra si mesmo e caiu vítima de inimigos externos. Depois de 1613 a Rússia teve uma súbita recuperação e os quarenta anos seguintes foram de reconstrução e de reforma em muitas áreas da vida da nação. Nesse trabalho de reconstrução a Igreja desempenhou um papel muito importante. O movimento de reforma na Igreja foi liderado pelo Abade Dionísio do Mosteiro Trindade-- São Sérgio e por Filareto, Patriarca de Moscou de 1619 a 1633 (ele era o pai do Tsar); depois de 1633 a liderança passou para um grupo de clero paroquial casado e, em particular, para os Arciprestes John Neronov e Avvakum Petronich. O trabalho de corrigir livros de Ofícios, começado no século anterior por Máximo, o Grego, foi então assumido cautelosamente; uma Imprensa Patriarcal foi montada em Moscou e livros de Igreja mais acurados foram editados, apesar das autoridades não terem querido se aventurar em fazer muitas alterações drásticas. No nível paroquial, os reformadores fizeram tudo o que podiam para elevar os padrões morais tanto entre o clero quanto entre os leigos. Eles lutaram contra a bebedeiras; eles insistiram que os jejuns fossem observados; eles pediram que a Liturgia e outros Ofícios nas Igrejas paroquiais fossem cantados com reverência e sem omissões; e encorajaram oração freqüente.

O grupo reformador representava o que havia de melhor na tradição de São José de Volokalmsk. Como José, eles acreditavam em autoridade e disciplina e viam a vida Cristã em termos de regras ascéticas e oração litúrgica. Eles esperavam que não só monges, mas também padres paroquiais e leigos — marido, mulher, crianças — mantivessem as quaresmas e passassem longos períodos em oração cada dia, fosse na Igreja ou diante dos ícones em suas casas. Aqueles que apreciassem a severidade e autodisciplina do círculo reformador deveriam ler a vívida e extraordinária autobiografia do arcipreste Avvakum (1620 — 1682). Em uma de suas cartas Avvacum recorda como em cada anoitecer ele e sua família recitavam as orações usuais, apagando a seguir as luzes, recitando-se então 600 orações a Jesus e 100 para a Mãe de Deus, acompanhadas por 300 prostrações (a cada prostração ele tocaria o chão com sua testa, e levantar-se-ia outra vez para a posição de pé). Sua mulher, quando com criança (como usualmente estava), recitava só 400 orações com 200 prostrações. Isso dá alguma idéia sobre os exatos padrões observados pelos devotos russos no século dezessete.

O programa dos reformadores fazia poucas concessões à fraqueza humana e era muito ambicioso para ser completamente realizado. Mesmo assim, Moscou por volta de 1650 foi bem longe justificando assim o título de "Santa Rússia." Ortodoxos do Império Turco que visitavam Moscou ficavam pasmos (e freqüentemente desmaiavam) pela austeridade do jejum, pela duração longa e magnificência dos Ofícios. A nação inteira parecia viver como "uma vasta casa religiosa" (N. Zernov, Moscou, The Third Rome, pág. 51). O arcebispo Paulo de Aleppo, que ficou na Rússia de 1654 a 1656, verificou que os banquetes na corte eram acompanhados não por música, mas pela leitura da vida de Santos, como nas refeições de mosteiros. Ofícios durando sete horas ou mais eram assistidas pelo Tsar e toda corte: "Então, o que deveríamos dizer dessas obrigações severas bastante para tornar o cabelo de crianças cinza, e que são estritamente observadas pelo Imperador, Patriarcas, nobres, princesas e senhoras ficando em pé da manhã ao anoitecer? Quem acreditaria que eles iriam seguir os devotos anacoretas do deserto?" ("The Travels of Macarius," em N. Palmer, The Patriarc and the Tsar, London, 1873, vol II, pág. 107). As crianças não eram excluídas dessas rigorosas observâncias:
"O que nos surpreendeu mais foi ver meninos e crianças pequenas de cabeças descoberta e sem movimentos, sem trair o menor gesto de impaciência" (The Travels of Macarius, Editada por Riding, pág. 68). Paulo achou a severidade e o rigor russo não inteiramente de acordo com seu gosto. Ele reclamou que eles não permitiam "jovialidades, risadas, gracejos," nem bebedeiras, nem "comer ópio" nem fumar: "Pelo crime especial de beber tabaco eles até mesmo condenavam alguém à morte" (Ibid, pág. 21). É um quadro impressionante o que Paulo e outros visitantes pintaram da Rússia, mas há talvez muita ênfase nas exterioridades. Um grego marcou em seu retorno para casa que a religião moscovita consistia grandemente em toque de sinos.

Em 1652-1653 uma querela fatal começou entre o grupo reformador e o novo Patriarca, Nicon (1605-1681). Camponês por origem, Nicon foi provavelmente o mais brilhante e dotado homem que tornou-se chefe da Igreja russa em qualquer tempo; mas ele sofria de um temperamento dominante e autoritário. Nicon era um forte admirador das coisas gregas: "Eu sou russo e filho de uma russa," costumava dizer, "mas minha fé e religião são gregas" (Ibid, pág. 37). Ele exigiu que as práticas russas deveriam ser conforme os padrões dos quatro antigos Patriarcados e que os livros de Ofícios russos deveriam ser alterados em qualquer ponto que divergissem dos gregos.

Essa política forçou a oposição daqueles que pertenciam à tradição de José. Eles encaravam Moscou como a "Terceira Roma" e a Rússia como fortaleza e modelo de Ortodoxia; e agora Nicon dizia a eles que em todos os aspectos eles deveria copiar os gregos. Mas a Rússia não era uma Igreja independente, um membro completamente adulto da família Ortodoxa, intitulada para manter seus próprios costumes e tradições nacionais? Os russos certamente respeitavam a memória da Igreja Mãe de Bizâncio de quem tinham recebido a fé, mas eles não sentiam e mesma reverência pelos gregos contemporâneos. Eles se lembravam da "apostasia" dos gregos em Florença e eles conheciam alguma coisa da corrupção e desordem do Patriarcado de Constantinopla sob o domínio turco.

Tivesse Nicon procedido com tato, tudo poderia ter corrido bem: o Patriarca Filareto já tinha feito algumas correções nos livros de Ofícios sem levantar oposição. Nicon, no entanto, não era homem gentil e com tato e pressionou com seu programa, sem considerar os sentimentos dos outros. Em particular, ele insistiu que o sinal da cruz, na época em questão, feito pelos russos com dois dedos, fosse feito da maneira grega com três dedos. Isso pode ser visto como um assunto trivial, mas deve ser lembrado quão grande importância Ortodoxos em geral e os russos em particular sempre deram a ações rituais, aos gestos simbólicos pelos quais a crença interna de um Cristão, constitui uma troca de fé. A divergência no sinal da cruz levantou concretamente a questão completa de Ortodoxia russa. A fórmula grega com três dedos era mais recente que a forma russa com dois: porque deveriam os russos, que permaneceram leais aos modos antigos, serem forçados a aceitar uma inovação grega "moderna"?

Neronov e Avvakum, junto com muitos outros clérigos, monges e leigos, defenderam as velhas práticas russas e se recusaram a aceitar as modificações de Nicon ou usar os novos livros de Oficio que ele editara. Nicon não era homem de tolerar qualquer discordância, e ele exilou e prendeu seus oponentes: em alguns casos eles foram até mesmo mortos. No entanto, apesar da perseguição, a oposição continuou. Apesar de Neronov finalmente submeter-se, Avvakum recusou-se a desistir e, após dez anos de exílio, finalmente foi queimado numa estaca. Seus apoiadores o viram como um santo e mártir pela fé. Aqueles que como Avvakum desafiaram a Igreja oficial com seus Niconicos livros de Oficio formaram uma seita separada (raskol) conhecida como Velhos Crentes (seria mais exato de chamá-los de Velhos Ritualistas). Assim, levantou-se na Rússia do século dezessete um movimento de dissidência; mas se nós compararmos essa com a dissidência inglesa do mesmo período, nós notaremos duas grandes diferenças. Primeiro, os Velhos Crentes — os dissidentes russos — divergiram da Igreja Oficial só no ritual, não na doutrina; segundo, enquanto a dissidência inglesa
foi radical — um protesto contra a Igreja oficial por não levar a reforma suficientemente longe — a dissidência russa foi o protesto dos conservadores contra a Igreja oficial que a seus olhos tinha levado as reformas muito longe.

O cisma dos Velhos Crentes continua até os dias presentes. Antes de 1917 seu número oficialmente estava assentado em dois milhões, mas realmente pode ter sido até cinco vezes maior. Eles eram divididos em dois grupos importantes, os popovtsy que mantiveram o presbiterado e que, desde 1846, possuem sua própria sucessão de bispos e os Bezpopovtsy, que não têm padres.

Há muito a se admirar na Raskolniki. Eles tinham em suas fileiras os melhores elementos entre o clero paroquial e os leigos no século dezessete na Rússia. Historiadores do passado cometeram uma grande injustiça considerando a disputa toda como meramente uma querela sobre a posição de um dedo, sobre textos, sílabas e letras falsas. A verdadeira causa do cisma esta em outras coisas e estas sim muito mais profundas. Os Velhos Crentes lutaram pelo sinal da Cruz com dois dedos, pelos velhos textos e costumes, não simplesmente como um fim em si mesmo, mas por uma questão de princípio que estava envolvida: eles viam essas coisas como dando corpo à antiga tradição da Igreja, e essa antiga tradição, assim eles sustentavam, tinha sido preservada em sua total pureza pela Rússia e pela Rússia sozinha. Podemos dizer que eles estavam completamente errados? O sinal da Cruz com dois dedos era de fato mais antigo que os de três dedos. Foram os gregos os inovadores e os russos que se mantiveram leais aos velhos costumes. Porque os russos deveriam então ser forçados a adotar a prática grega moderna? Certamente, no calor da controvérsia, os Velhos Crentes levaram seus casos a extremos e sua legítima reverência pela "Santa Rússia" degenerou num nacionalismo fanático; mas Nicon também foi muito longe com sua não crítica admiração por todas as coisas gregas.

"Não temos razão para nos envergonharmos da nossa Raskol" escreveu Khomiakov. "...é o valor de um grande povo, e poderia inspirar respeito num estranho; mas está longe de abarcar toda riqueza do pensamento russo" (ver A.Gratieux, A. S. Khoniakov et le Mouvement Slavophile, Paris, 1939, vol III, pág. 165). Ela não abarca a riqueza do pensamento russo porque ela representa só um simples aspecto do Cristianismo russo, a tradição dos possessores. Os defeitos dos Velhos Crentes eram os defeitos dos servidores de José aumentados: um nacionalismo muito estreito e uma ênfase muito grande nas exterioridades da adoração. Nicon, também apesar de seu helenismo, é no fim um seguidor de José: ele determinou uma absoluta uniformidade das exterioridades da adoração e como os possessores ele livremente invocou o auxílio das forças civis para suprimir todos os oponentes religiosos. Mais do que qualquer outra coisa, foi sua prontidão para valer-se da perseguição que tornou o cisma definitivo. Se o desenvolvimento da vida na Igreja entre 1550 e 1560, na Rússia, tivesse sido menos unilateral, talvez uma separação duradoura teria sido evitada. Se os homens tivessem pensado mais (como Nilo fez) em tolerância e liberdade ao em vez de usar perseguição, então uma reconciliação poderia ter ocorrido; e se eles atentassem mais para oração mística, eles poderiam ter argumentado menos acidamente sobre ritual. Por trás da divisão do século dezessete esteve as disputas do século dezesseis.

Bem como estabelecer práticas gregas na Rússia, Nicon perseguiu um segundo objetivo: fazer a Igreja ser suprema sobre o Estado. No passado, a teoria de relações governamentais entre a Igreja e o Estado tinha sido a mesma na Rússia como em Bizâncio — uma diarquia ou sinfonia de dois poderes coordenados, sacerdotiumimperium, cada um supremo em sua esfera. Na Catedral de Assunção, no Kremlim existiam colocados dois tronos iguais, um para o Patriarca e um para o Tsar. Na prática a Igreja tinha gozado de uma grande medida de independência e influência nos períodos de Kiev e Mongol. Mas sob os Tsares de Moscou, apesar de na teoria os dois poderes permanecerem o mesmo, na prática o poder civil veio a controlar a Igreja mais e mais; a política dos seguidores de José naturalmente encorajou essa tendência. Nicon tentou reverter essa situação. Não só ele demandou que a autoridade do Patriarca fosse absoluta nas questões da Igreja, como também reclamou o direito de intervenção em assuntos civis e assumiu o título de "Grande Senhor," até então reservado  exclusivamente para o Tsar. O Tsar Aléxis tinha um grande respeito por Nicon e no começo submeteu-se a seu controle. "A autoridade do Patriarca é tão grande," escreveu Olearius, visitando Moscou em 1654, "que ele de algum modo divide a soberania com o Grande Duque." (Palmer, The Patriarch and the Tsar, vol II, pág. 407).

Mas depois de algum tempo Aléxis começou a se ressentir da influência de Nicon nos assuntos seculares. Em 1658 Nicon, talvez com esperança de restaurar sua influência, decidiu por um passo muito curioso: ele retirou-se para uma semi-aposentadoria, mas não resignou ao posto de Patriarca. Por oito anos a Igreja Russa permaneceu sem um chefe efetivo até que, por requisição do Tsar, um grande Concílio reuniu-se em Moscou entre 1666 e 1667, sobre a presidência dos Patriarcas de Alexandria e Antioquia. O Concílio decidiu a favor das reformas de Nicon, mas contra sua pessoa. As
modificações de Nicon nos livros de Ofícios e acima de tudo sobre o sinal da Cruz foram confirmadas mas Nicon foi deposto e exilado, sendo apontado um novo Patriarca para seu lugar. O Concílio foi assim um triunfo para a política de Nicon de impor práticas gregas à Igreja russa, mas uma derrota para sua tentativa de colocar a Sé do Patriarca acima do Tsar. O Concílio reconfigurou a teoria bizantina de uma harmonia de poderes iguais.

Mas as decisões do Concílio de Moscou sobre as relações de Igreja e Estado não permaneceram em vigor por muito tempo. O pêndulo que Nicon puxou muito em uma direção, logo voltou noutra direção com redobrada violência. Pedro, o Grande (reinou de 1682 a 1725) suprimiu o cargo de Patriarca, cujos poderes Nicon havia ambiciosamente lutado para engrandecer.

O Período sinódico (1700-1791).

Pedro estava determinado a que não existissem mais Nicons. Em 1700, quando o Patriarca Adriano morreu, Pedro não tomou nenhuma medida para apontar seu sucessor e, em 1721, ele fez publicar o célebre Regulamentos Espirituais, que declarava estar o Patriarcado abolido e colocava em seu lugar uma comissão, o Colégio Espiritual do Santo Sínodo. Este era composto por doze membros, três dos quais eram bispos e o resto tirado de chefes de mosteiros ou do clero casado.

A constituição do Sínodo não estava baseada na Lei Canônica Ortodoxa, mas copiada dos Sínodos eclesiásticos protestantes da Alemanha. Seus membros não eram escolhidos pela Igreja mas nomeados pelo Imperador e o Imperador que nomeava podia também, à sua vontade, demiti-los. Enquanto um Patriarca, tendo o cargo pela vida toda, poderia talvez desafiar o Tsar, a um membro do Sínodo não era permitido nenhum ato de heroísmo, pois ele seria simplesmente retirado. O Imperador não era chamado "Chefe da Igreja," mas havia se lhe dado o título de "Juiz Supremo do Colégio Espiritual." Reuniões do Sínodo não eram assistidas pelo Imperador em pessoa, mas por um oficial do governo, o Procurador Chefe. O Procurador, apesar de se sentar numa mesa separada e não tomar parte nas discussões, na prática tinha considerável poder sobre os assuntos da Igreja, e era de fato, ainda que não de nome, um "Ministro da Religião."

Os Regulamentos Espirituais viam a Igreja não como uma instituição divina, mas como um departamento de Estado. Baseado principalmente em proposições seculares ele fazia poucas concessões para aquilo que era chamado pela reforma inglesa de "Direitos de Coroa do Redentor." Isso era verdade não só com relação à alta administração da Igreja, mas também para muitas de suas outras regras. Um padre que ouvisse, durante a confissão, qualquer esquema que o governo considerasse sedição, era ordenado a violar o segredo do sacramento e suprir a polícia com nomes e detalhes completos. O monasticismo era grosseiramente acusado de ser origem de inumeráveis desordens e perturbações e colocado sob muitas restrições. Novos mosteiros não podiam ser fundados sem permissão especial; monges eram proibidos de viver como eremitas; nenhuma mulher abaixo da idade de cinqüenta anos era autorizada a fazer votos como monja.

Existia um propósito deliberado por trás dessas restrições aos mosteiros — centros principais de trabalhos sociais na Rússia nesse tempo. A abolição do Patriarcado era parte de um processo maior: Pedro procurava não só privar a Igreja de liderança, mas também eliminar a participação dela em qualquer trabalho social. Os sucessores de Pedro circunscreveram os trabalhos dos mosteiros ainda mais drasticamente. Elizabeth (reinou de 1741-1762), confiscou a maioria das propriedades monásticas e Catarina II (reinou 1762-1796) suprimiu mais da metade dos mosteiros e nos que permaneceram abertos, ela impôs um estrito limite ao número de monges. O fechamento dos mosteiros foi um desastre nas províncias mais distantes da Rússia, onde eles eram virtualmente os únicos centros culturais e de caridade. Mas apesar do trabalho social da Igreja ter sido gravemente restringido, ele nunca cessou completamente.

O Regulamentos Espirituais deixaram vivas leituras, particularmente em seus comentários sobre comportamento do clero. Fomos informados que padres e diáconos "estando bêbados, pelas ruas, ou o que é pior, ao beber dão vivas ou saúdam a Igreja," bispos estão obrigados a controlar que o clero" não ande de maneira indolente, fazendo som monótono, nem se deitem pelas ruas para dormir, não bebam em tavernas nem se gabem da força de seus chefes" ( The Spiritual Regulations, traduzido por Thomas Consett no The Present State and Regulations of the Church of Rússia, London, 1729, pp. 157 — 158). Teme-se que apesar dos esforços do movimentos de reforma do século precedente, essas restrições não eram inteiramente injustificadas.

Existem também alguns vívidos conselhos para os padres: "Um padre não tem ocasião para empurrar ou suspirar como se estivesse remando um barco. Não tem necessidade de bater palmas, nem colocar
seus braços para o alto, nem pular ou saltar, nem dar risadinhas ou gargalhar, nem tem qualquer razão para lamentações horrendas com urros. Pois ele não deveria estar nunca tão aflito em espírito, porque
essas emoções são todas supérfluas e indecentes, e perturbam a Audiência". (Consett, op citado, pág. 80. O caráter pitoresco de estilo deve-se mais a Consett que ao original russo).

Demasiado para os Regulamentos Espirituais.As reformas religiosas de Pedro naturalmente levantaram oposição na Rússia, mas ela foi rudemente silenciada,. Fora da Rússia o respeitável Dositeu fez um vigoroso protesto; mas as Igrejas Ortodoxas sob domínio turco não estavam em posição de intervir efetivamente e em 1723 os quatro antigos Patriarcas aceitaram a abolição do Patriarcado de Moscou e reconheceram a constituição do Santo Sínodo.

O sistema de governo da Igreja que Pedro estabeleceu continuou em vigor até 1917. O período sinódico na historia da Igreja russa é usualmente representado como um período de declínio, com a Igreja em completa subserviência ao Estado. Certamente um olhar superficial ao século dezoito serviria para confirmar esse veredicto. Foi um período de uma ocidentalização doentia da arte na Igreja, da música da Igreja e da teologia.

Aqueles que se rebelaram contra o seco escolasticismo das academias teológicas voltaram-se não para os ensinamentos de Bizâncio e da velha Rússia, mas para movimentos religiosos ou pseudo- religiosos do ocidente contemporâneo: misticismo protestante, pietismo alemão, maçonaria (os Ortodoxos são terminante proibidos, sob pena de excomunhão, de se tornarem maçons) e para outros movimentos semelhantes. Proeminentes entre o alto clero eram prelados da corte como Ambrosio (Zertiss-Kamensky), Arcebispo de Moscou e Kaluga, que na sua morte em 1771 deixou (entre outras possessões) 252 camisas de fino linho e nove óculos com armação de ouro. Mas esse é um lado só, do quadro do século dezoito. O Santo Sínodo, apesar de sua objetável constituição teórica, na prática governava eficientemente. Homens de Igreja reflexivos estavam alertas para com os defeitos das reformas de Pedro e submetiam-se a elas sem necessariamente concordar. A teologia estava ocidentalizada, mas os padrões de ensino eram altos. Por trás da fachada de ocidentalização, a verdadeira vida da Rússia Ortodoxa continuava sem interrupção Ambrosio Zertiss- Kamensky representou um tipo de bispo russo, mas existiram outros bispos de caráter muito diferente, verdadeiros monges e pastores, tais como Santo Tikon de Zadonsk (1724-1783), bispo de Voronezh. Grande pregador e escritor fluente. Tikon é particularmente interessante como exemplo de alguém que, como a maioria de seus contemporâneos, foi fortemente influenciado pelo ocidente, mas que ao mesmo tempo permaneceu firmemente enraizado na tradição clássica da espiritualidade Ortodoxa. Ele seguiu muitos exemplos de livros de devoção alemães e anglicanos; suas meditações detalhadas sobre os sofrimentos físicos de Jesus são mais típicos do Catolicismo Romano do que da Ortodoxia; na sua própria vida de oração ele passou por uma experiência similar a da noite escura da alma, como descrito por místicos ocidentais como São João da Cruz.

Mas Tikon foi também parecido externamente a Teodósio e Sérgio, a Nilo e aos não-possessores como muitos Santos russos, leigos e monges ao mesmo tempo. Ele tinha especial prazer em ajudar os pobres e ficava mais feliz quando estava conversando com gente simples — camponeses, mendigos e até mesmo criminosos. 

A segunda parte do período Sinódico, o século dezenove, apesar de ser um período de declínio, foi um tempo de grande renascimento na Igreja russa. Houve um afastamento de movimentos religiosos e pseudo-religiosos do Ocidente contemporâneo e procurou-se de novo as forças espirituais da Ortodoxia. Mano a mano com esse renascimento da vida espiritual ocorreu um novo entusiasmo pelo trabalho missionário. Tanto na teologia, assim como na espiritualidade, a Ortodoxia se libertou de uma imitação eslava do ocidente.

Foi no Monte Athos que esse renascimento religioso teve origem. Um jovem russo da Academia Teológica de Kiev, Paissy Velichkovsky (1722-1794), horrorizado pelo tom secular do ensinamento escapou para o Monte Athos e ali tornou-se monge. Em 1763 ele foi para a Romênia e tornou-se abade do Mosteiro de Niamets, que ele tornou num grande centro espiritual, juntando ao redor dele mais de 500 irmãos. Sob sua direção, a comunidade devotou-se especialmente ao trabalho de traduzir padres gregos para o eslavônio. No Monte Athos Paissy tinha aprendido em primeira mão sobre a tradição hesicasta e ele nutriu uma forte simpatia por seu contemporâneo Nicodemus. Ele fez uma tradução para o eslavônio da Filocalia, que foi publicada em Moscou em 1793.

Paissy punha grande ênfase sobre a prática da oração contínua acima de tudo na oração do coração e a necessidade de obediência a um ancião ou staretz. Ele foi fortemente influenciado por Nilo e os não-possessores, mas ele não perdeu de vista os bons elementos da forma de monasticismo dos seguidores de José: ele deu mais espaço que Nilo para as orações litúrgicas e trabalho social e desse modo ele tentou, como Sérgio, combinar a mística com os aspectos corporativos e sociais da vida monástica.

Paissy nunca retornou à Rússia, mas muitos dos seus discípulos viajaram da Romênia para lá e sob a inspiração deles um renascimento monástico espalhou-se pela Rússia. Casas existentes foram revigoradas e muitas novas foram fundadas: em 1810 existiam 452 mosteiros na Rússia, enquanto que em 1914 existiam 1025. Esse movimento monástico, enquanto no seu aspecto externo estava preocupado em servir ao mundo, restaurou no centro da vida da Igreja a tradição dos não-possessores fortemente suprimida desde o século dezesseis. Ele foi marcado em particular pela prática altamente desenvolvida de orientação espiritual. Apesar do "Velho" ter sido uma figura característica em muitos períodos da história Ortodoxa, o século dezenove na Rússia, foi por excelência a época dos staretz.

O primeiro e grande dos staretz do século dezenove foi São Serafim de Sarov (1759-1833) que de todos os santos da Rússia é talvez o mais atrativo aos Cristãos não-Ortodoxos. Tendo entrado no Mosteiro de Sarov com dezenove anos, Serafim primeiro passou dezesseis anos na vida comum da comunidade. Então se retirou para passar os seguintes vinte anos em isolamento, vivendo primeiro numa cabana na floresta, depois (quando seus pés incharam e ele não podia mais andar com facilidade) recluso numa cela no mosteiro. Esse foi seu treinamento para a função de staretz. Finalmente em 1815 ele abriu a porta de sua cela. Da aurora à noite ele recebia todos que vinham a ele buscar ajuda, curando os doentes, dando conselhos, freqüentemente dando respostas antes que seu visitante tivesse tempo para fazer qualquer pergunta. Muitos, mesmo centenas, iam vê-lo num único dia. O modelo externo da vida de São Serafim lembra a de Santo Antonio ou (Antão) do deserto do Egito quinze séculos antes: a mesma retirada para depois voltar. Serafim é olhado corretamente como um santo caracteristicamente russo, mas ele é ao mesmo tempo um exemplo impressionante de quanto a Ortodoxia russa tem em comum com Bizâncio e com a tradição Ortodoxa universal ao longo dos séculos.

Serafim foi extremamente severo consigo próprio (num período de sua vida ele passou mil noites sucessivas em oração contínua, permanecendo imóvel através das longas horas sobre uma rocha), mas ele era gentil com os outros, sem no entanto ser sentimental ou indulgente. O ascetismo não o tornou melancólico e se alguma vez a vida de um santo foi iluminada com alegria, ela foi a vida de Serafim. Ele praticava a Oração do Coração e, como aos hesicastas bizantinos, a ele também foi dada a visão da Luz Divina e Não Criada. No caso de Serafim, na verdade a Luz Divina tomava uma forma visível transformando seu corpo. Um dos "filhos espirituais" de Serafim, Nicolas Motovilov, descreveu o que aconteceu num dia de inverno quando eles dois estavam conversando na floresta. Serafim tinha falado sobre a necessidade de adquirir o Espírito Santo e Motovilov perguntou como alguém poderia estar seguro de "estar no Espírito de Deus": "Então pai Serafim me pegou firmemente pelos ombros e disse :"Meu filho, nesse momento nós estamos ambos no Espírito de Deus. Porque tu
não olhas para mim?" "Eu não posso olhar, Pai," eu respondi, "Porque seus olhos estão brilhando como faróis. Tua face se tornou mais brilhante que o sol e machuca meus olhos olhar para ti." "Não tenha medo," ele disse. "Nesse instante tu próprio te tornaste tão brilhante quanto eu. Tu mesmo estás agora na totalidade do Espírito de Deus; de outro modo tu não conseguirias me ver como estás vendo." Então inclinando sua cabeça para mim, ele murmurou docemente no meu ouvido: "Graças ao Senhor Deus por sua infinita bondade para conosco ... Mas porque meu filho, tu não olhas nos meus olhos! Olhes e não tenha medo: o Senhor está conosco."

"Depois dessas palavras eu dei uma olhada rápida em sua face e veio sobre mim um temor reverente ainda maior. Imaginem no centro do sol, em sua luz deslumbrante do meio-dia, a face de um homem falando a vós. Vos veríeis o movimento de seus lábios e a expressão mutável de seus olhos, vos ouviríeis a sua voz, vós sentiríeis alguém segurando vossos ombros, ainda que não vísseis mãos segurando os ombros, vós não veríeis sequer vossos próprios corpos, mas somente uma luz cegante espalhando-se por muitos metros e iluminando com seu brilho a cobertura de neve que cobria a floresta e os flocos de neve que continuavam a cair incessantemente".... "O que tu tens?" Pai Serafim me perguntou. "Um incomensurável bem estar," eu respondi. "Mas que tipo de bem estar? Como exatamente tu estas se sentindo?" "Eu sinto tanta calma," eu respondi, "tanta paz na minha alma que não existem ´palavras para expressar o que eu sinto." "Essa," disse Pai Serafim, "é a paz da qual o Senhor falou para Seus discípulos: "Essa é a Minha paz que Vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá" (Jo 14;27). A paz que excede todo entendimento (Fi, 4,7). O que mais tu sentes?" "Infinita alegria em todo meu coração." E pai Serafim continuou: "Quando o Espírito de Deus desce sobre o homem e engolfa-o com a totalidade de sua presença, então a alma do homem flutua com alegria indescritível, pois o Espírito Santo preenche com júbilo tudo que Ele toca..." (Conversation of Saitn Serafin on the
Aim of the Christian Life, Impresso em A Wonderful Revelation to the World, Jordanville, N.Y., 1953, págs.23-25)

E assim a conversa continua. A passagem inteira é de extraordinária importância para o entendimento da doutrina Ortodoxa da deificação e união com Deus. Ela mostra como a idéia Ortodoxa de santificação inclui o corpo: não é só a alma de Serafim (ou de Motovilov), mas todo o corpo que é transfigurado e pela graça de Deus. Devemos notar que nem Serafim nem Motovilov estavam em estado de êxtase, ambos podiam conversar de maneira coerente e estavam ainda conscientes do mundo exterior, mas ambos estavam preenchidos com o Espírito Santo e circundados pela luz do tempo que há de vir.

Serafim não teve professor na arte da orientação espiritual e não deixou sucessor. Depois de sua morte o trabalho foi tomado por outra comunidade, o Mosteiro de Optino. De 1829 a 1923, quando o mosteiro foi fechado pelos bolcheviques, uma sucessão de startsi orientou muitos e sua influência estendeu-se como a de Serafim, sobre toda a Rússia. Os mais conhecidos dos startsi de Optino são Leonid (1768-1841), Macarius (1788-1860) e Ambrosio (1812-1891). Ao mesmo tempo que todos esses startsi pertenceram à escola de Paissy e eram todos devotados à Oração do Coração, cada um deles teve um caráter marcadamente de si próprio: Leonid, por exemplo, era simples, vivaz e direto, atraindo especialmente camponeses e mercadores, enquanto Macarius era altamente educado, um erudito em Patrística, um homem em contato estreito com os movimentos intelectuais de seu tempo, Optino influenciou muitos escritores incluindo Gogol, Khomiakov, Dostoyevsky, Solovieu e Tolstoi. (A historia de Tolstoi e sua relação com a Igreja Ortodoxa é extremamente triste. No fim de sua vida ele publicamente atacou a Igreja com grande violência e o Santo Sínodo, após algumas hesitações, o excomungou (fev. 1901). Quando ele jazia agonizante na casa do chefe de estação de Astapovo, um dos staretz de Optino viajou para vê-lo, mas teve seu acesso vetado pela família de Tolstoi). A figura marcante de Zossimo na novela de Dostoyevsky, os Irmãos Karamazov foi baseada parcialmente em
pai Macárius ou Pai Ambrósio de Optino, apesar de Dostoyevsky dizer que havia se inspirado principalmente na vida de São Thinkon de Zadonsk.

"Existe uma coisa mais importante que todos os possíveis livros e idéias", escreveu o eslavófilo Ivan Kireyevsky "que é encontrar um staretz Ortodoxo diante de quem tu podes colocar todos teus pensamentos e de quem tu podes ouvir não a tua própria opinião, mas sim o julgamento dos Santos Padres. Deus seja louvado por tais startsi, ainda não desapareceram na Rússia." (citado por Metropolita Serafim [de Berlin e Europa Ocidental], L’Eglise Orthodoxe, paris, 1952, pág. 219).

Através dos startsi, o renascimento monástico influenciou a vida do povo todo. A atmosfera espiritual desse tempo é vividamente expressa em um livro anônimo, Relatos de um Peregrino Russo, que descreve as experiências de um camponês russo que vagueia de lugar para lugar praticando a Oração do Coração. Para aqueles que não sabem nada sobre a Oração do Coração, não pode haver melhor introdução que esse pequeno livro, que mostra que a Oração do Coração não é limitada a mosteiros, mas pode ser usada por todos, em qualquer forma de vida. Enquanto viaja, o peregrino carrega consigo uma cópia da Philocalia, presumivelmente a tradução eslavônia feita por Paissy. O Bispo Teófano, o Recluso (1815 — 1894), durante os anos de 1876 a 1890, publicou uma tradução muito expandida da Philocalia em cinco volumes, não em eslavônio mas em russo.

Até aqui nós falamos principalmente do movimento centrado nos mosteiros mas entre as grandes figuras da Igreja russa, no século dezenove, existiu também um membro do clero paroquial casado, João Sergiev (1829 — 1908), usualmente conhecido como João de Kronstadt, porque durante seu ministério ele trabalhou nesse lugar, Kronstadt, uma base naval e subúrbio de Petersburgo. O padre João é mais lembrado por seu trabalho como padre paroquial, visitando os pobres e os doentes, organizando trabalhos caritativos, ensinando religião para as crianças de sua paróquia, pregando continuadamente, e acima de tudo rezando com e para seu rebanho. Ele tinha uma intensa consciência do poder da oração, e quando ele celebrava a Liturgia era inteiramente arrebatado: "Ele não conseguia manter a medida prescrita da entonação litúrgica: ele clamava por Deus; ele gritava; ele chorava em face do Gólgota e da Ressurreição que se apresentavam para ele com um atordoante imediatismo" (Fedotov, A treasury of Russian Spirituality, pág 348). O mesmo sentido de imediatismo pode ser sentido em todas as páginas da autobiografia que o padre João escreveu, My Life in Christ. Como São Serafim, ele possuía o dom da cura, de percepções e entendimento e de orientação espiritual.

Padre João insistia em comunhão freqüente, apesar de na Rússia de seu tempo era completamente não usual os leigos comungar mais do que quatro ou cinco vezes por ano. Porque ele não tinha tempo para ouvir individualmente confissões de todos que vinham para comungar, ele estabeleceu uma forma de confissão pública, como todos gritando seus pecados simultaneamente. Ele tornou a iconostase num anteparo baixo, de modo a que o altar e os celebrantes ficassem visíveis durante o Oficio. Na sua ênfase na comunhão freqüente e na sua reversão para formas mais antigas de iconostase, padre João antecipou os desenvolvimentos litúrgicos da Ortodoxia contemporânea. Em 1964 ele foi proclamado Santo pela Igreja Russa no exílio.

Na Rússia do século dezenove houve um impressionante renascimento do trabalho missionário. Desde os dias de Mitrofan de Sarai e de Estevão de Perm, os russos tinham sido ativos missionários, e quando o poder moscovita avançou para o leste, foi aberto um grande campo para a evangelização de tribos nativas e de mongóis maometanos. Mas apesar da Igreja nunca ter cessado de mandar pregadores para os pagãos, nos séculos dezessete e dezoito os esforços missionários enfraqueceram particularmente depois do fechamento dos mosteiros por Catarina. Mas no século dezenove o desafio
missionário foi retomado com nova energia e entusiasmo; a Academia de Kazan, aberta em 1842, esteve especialmente preocupada com estudos missionários e o clero nativo foi treinado; as escrituras e Liturgia foram traduzidas numa grande variedade de línguas.

Só na área de Kazan, a Liturgia era celebrada em vinte e duas línguas ou dialetos. É significativo que um dos primeiros líderes do renascimento missionário, o Arquimandrita Macarius (Glukharev, 1792-1847), foi um estudante do hesicasmo e conheceu os discípulos de Paissy Velichkovsky. O renascimento missionário teve suas raízes no renascimento da vida espiritual. O maior dos missionários do século dezenove foi Inocente (João Veniaminov, 1797-1879), Bispo de Kamchatka e das Ilhas Aleutas, que foi proclamado Santo em 1977. Sua diocese era do Estreito de Bhering até o Alaska, que naquele tempo pertencia à Rússia. Inocente desempenhou um papel importante no desenvolvimento da Ortodoxia das Américas, e milhões de Ortodoxos americanos hoje, podem olhar para ele com um de seus principais "Apóstolos."

No campo da teologia, a Rússia do século dezenove rompeu com sua excessiva dependência do ocidente. Isso foi principalmente devido ao trabalho de Aléxis Khomiakov (1804-1860), líder do círculo eslavófilo e talvez o primeiro teólogo original da história da Igreja Russa. Um proprietário de terras rurais e capitão da cavalaria aposentado, Khomiakov pertenceu à tradição de teólogos leigos que sempre existiu na Ortodoxia. Khomiakov argumentava que todo o Cristianismo ocidental, Romano ou Protestante, partilhavam das mesmas assunções e revelavam os mesmo pontos de vista fundamentais, enquanto a Ortodoxia é algo inteiramente distinto. Considerando que assim seja (Khomiakov continuava), não é suficiente para a Ortodoxia tomar emprestada a teologia do Ocidente, como estivera fazendo desde o século dezessete, ao invés de usar argumentos protestantes contra Roma, e argumentos romanos contra os Protestantes, os Ortodoxos deveriam retornar para suas próprias fontes autênticas, e redescobrir a verdadeira tradição Ortodoxa, que em suas pressuposições básicas, não é nem romana e nem reformada, mas única. Como seu amigo G. Samarin colocou, antes
de Khomiakov "nossa escola Ortodoxa de teologia não estava em posição de definir nem latinismo nem protestantismo, porque separavam suas posições próprias da Ortodoxia, ela tinha se dividido em duas, e cada uma dessas metades tinha tomado uma posição verdadeiramente oposta a sua metade oponente, latina ou protestante, mas não acima dela." Foi Khomiakov quem primeiro olhou para o latinismo e para o protestantismo do ponto de vista da Igreja, conseqüentemente de uma posição mais
elevada; e essa é a razão pela qual ele foi capaz de definir o latinismo e o protestantismo (citado em Birkbeck, Rússia and the English Church, pág. 14). Khomiakov estava particularmente preocupado com a doutrina da Igreja, sua unidade e autoridade; e aí ele deu uma contribuição duradoura à teologia Ortodoxa.

Khomiakov durante sua vida exerceu pouca ou nenhuma influência sobre a teologia ensinada nas academias e seminários, mas nesses locais também houve uma crescente independência da influência ocidental. Em 1900 a teologia acadêmica russa estava em seu pico, e existiram muitos teólogos, historiadores e liturgistas, inteiramente treinados em disciplinas acadêmicas ocidentais, que no entanto não permitiram que influências ocidentais distorcessem sua Ortodoxia. Nos anos seguintes a 1900 houve também um importante renascimento fora das escolas teológicas.Desde o tempo de Pedro, o Grande, a descrença tinha se tornado comum entre os "intelectuais" russos, mas nesses anos
citados, um bom número de pensadores, por vários rumos, acabou encontrando seu caminho de volta à Igreja. Alguns eram ex-marxistas, como Sergio Bulgakov (1874-1944) (posteriormente ordenado presbítero) e Nicolas Berodyaev (1874-1948). Ambos subseqüentemente tiveram um papel importante na vida da imigração russa em Paris. Quando se reflete sobre a vida de Thikon e Serafim, sobre os startsi de Potino e sobre João de Kronstadt, no trabalho missionário e teológico no século dezenove na Rússia, e que se pode ver como é injusto olhar para o período Sinodal simplesmente como um período de declínio. Um dos historiadores da Igreja Russa, professor Kartashev (1875-1960), disse com razão: "A subjugação foi enobrecida de dentro para fora pela humildade cristã (... ) A Igreja Russa sofreu sob o peso do regime, mas ela superou isso de dentro. Ela cresceu, se espalhou e floresceu de muitas maneiras diferentes, Assim o período do Santo Sínodo poderia ser chamado do mais brilhante e glorioso período da história da Igreja russa". (artigo no periódico, The Christian East, vol XVI, 1936, págs. 114 e 115).

Em 15 de agosto de 1917, seis meses depois da abdicação do Imperador Nicolas II, quando o governo provisório estava no poder, um concilio da Igreja de todas as Rússias foi reunido em Moscou, e não se dispersou até setembro do ano seguinte. Mais da metade dos delegados eram leigos — bispos e clero presentes somavam 250, os leigos 314 — mas (como o direito canônico exigia) a decisão final em questões especificadamente religiosas era reservada somente para os bispos. O Concílio analisou
um amplo programa de reforma, seu ato principal tendo sido a abolição da forma Sinodal do governo implantada por Pedro, o Grande, e a restauração do Patriarcado. A eleição do Patriarca ocorreu em 5 de novembro de 1917. Em uma série de votações preliminares, três candidatos foram selecionados; mas a escolha final entre esses três foi por sorteio. Na primeira votação Antony (Khrapovitsky), Arcebispo de Kharkov, saiu em primeiro com 101 votos; depois Arsênio, Arcebispo de Novgorod, com 27 votos;e terceiro Tikhon (Beliavin), Metropolita de Moscou (1866-1925); com 23 votos. Mas quando o sorteio foi feito, foi o último desses três candidatos, Tikhon, que na realidade foi escolhido como Patriarca.

Eventos externos deram uma nota de urgência às deliberações. Nas primeiras sessões os membros podiam ouvir o som da artilharia bolshevik bombardeando o Kremlin, e dois dias antes da eleição do Patriarca, Lenin e seus associados ganharam o comando completo de Moscou. A Igreja não dispôs de tempo para consolidar o trabalho da reforma. Antes que o Concílio fosse encerrado no verão de 1918, seus membros souberam com horror do brutal assassinato de Vladimir, Metropolita de Kiev, pelos Bolsheviks. A perseguição havia começado.

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