CALIXTO CATAPHYGIOTES
SOBRE A UNIÃO DIVINA
E A VIDA CONTEMPLATIVA
Calixto Cataphygiotes
Nosso bem-aventurado Padre Calixto, chamado de Cataphygiotes (talvez do
nome de uma igreja da Mãe de Deus, também chamada de Cataphyges, ou seja, o
refúgio), não deixou registro nos anais a respeito de quem ele foi, qual era
sua pátria ou onde teria ele levado sua vida anacorética. Mas pelo testemunho
dos presentes capítulos, ele foi um homem versado no conhecimento das coisas
exteriores e das coisas interiores e, sobretudo, capaz de além de todos na
altura, na profundidade, no comprimento e na largura inteligíveis das
contemplações. O bem-aventurado estava voltado para aquilo que é mais do que o
mundo, para o Um oculto, para o Deus Trinitário mais alto que o ser, a ponto
de, liberto de uma vez por todas, obteve a visão imediata de Deus, a união
imediata, o silêncio do intelecto e o desconhecimento mais que desconhecido, na
superabundância da pureza, ao mesmo tempo em que caminhava sobre a terra na
verdade, conforme nos foi reportado, como se fosse um anjo ou um deus pela
graça.
Alguns, por certos indícios, disseram que este Calixto seria Calixto de
Xanthopoulos, o Patriarca de Constantinopla que escreveu outros cem capítulos.
Pois a maior parte daqueles, dizem, falam de ação, enquanto estes falam apenas
da contemplação e da vida contemplativa. Como ação e contemplação estão unidas
uma à outra, o intérprete das duas seria naturalmente a mesma pessoa. Eles
afirmam ainda que diversos capítulos daquela centúria lembram os presentes
capítulos, pois se referem à intervenção e ao recolhimento do intelecto, à
união divina, à energia e à iluminação do coração. Outros dizem que as duas
centúrias não se assemelham devido às diferenças de texturas entre as frases de
uma e de outra. Quanto a nós, pensamos que se deve estar de acordo com os
primeiros, uma vez que não concordamos com estas diferenças de texturas. Pois é
possível, e mesmo fácil, para os sábios, adaptar a escrita das frases aos
diferentes temas tratados, exprimindo em termos elementares o que é elementar e
em termos sublimes o que é elevado. Mas é verdadeiramente lamentável que nesta
centúria na qual, na medida em que podemos conjecturar, os presentes capítulos
pedem outros, em especial aqueles que explicam a vida contemplativa – que a meu
ver são os mais sublimes e mais completos no que se refere ao sentido, ao
sublime das frases, à beleza da língua e ao rigor do raciocínio – sejam os
únicos do manuscrito que temos em mãos conservados até aqui.
*
O nome de Calixto Cataphygiotes
significa “aquele que se refugia”, que vive na solidão, e designa assim um
monge, cuja identidade histórica ignoramos, mas que talvez seja o mesmo que se
exprime nos escritos de Calixto o Patriarca. Ou seja, Calixto Cataphygiotes,
Calixto o Patriarca e Calixto Xanthopoulos seriam a mesma pessoa? Isto não é
impossível, dado que suas obras, escritas todas no final do século XIV, logo
antes da desaparição do Império Bizantino, constituem com toda evidência a
chave de abóboda do memorial hesiquiasta, sendo que em todas se encontram
esparsas expressões e referências que indicam uma mesma tensão em direção à
última. Mas nada disto é certo. Cada qual a seu modo, eles lembram Simeão o
Novo Teólogo, Denis o Areopagita e anunciam os místicos renanos, enquanto os
escritos de Calixto Cataphygiotes são atípicos, como que saídos de uma história
milenar em cujo decurso a continuidade do movimento monástico se identificava
com a transmissão eclesial do Evangelho.
Aqui o hesiquiasmo é colocado
sobretudo naquilo que ele é: um movimento do intelecto que, diz Calixto,
“abandona o criado para buscar sua própria causa” e assim “adquirir a paz,
penetrar no infinito e no incriado”, onde se encontra, “acima do mundo, Deus,
que é o Um”, não o Um imanente e abstrato dos neoplatônicos, mas o Um
transcendente, vivo, que representa a essência e as energias das três Pessoas
divinas, como a irradiação do amor criador transmitida aos fiéis para que eles
sejam um.
Entrementes, a ascese é rigorosa:
o intelecto não pode alcançar a semelhante divina se não parar de se dispersar
nas coisas do mundo e se não se encontrar “fora das paixões e da divisão”, em
plena liberdade evangélica, a qual, diz Calixto, é “o sinal evidente da adoção
divina”. Exige-se do intelecto livre que não volte atrás, que não se detenha no
sensível, mas que vá em direção ao inteligível, para aquilo que não pode ser
´percebido senão pela noera aisthesis,
o sentido intelectual: o Reino de Deus no coração do mundo.
A mensagem filocálica é aqui
conduzida à sua ponta mais aguda. Dos três componentes platônicos da alma – o
desejo, o ardor e a razão – somente a razão encontra a graça e faz corpo com o
intelecto “retornado”, ele próprio conduzido à unidade e à simplicidade
originais. Este intelecto em estado puro não pode senão amar a beleza de Deus.
Ele está votado ao “eros divino”, ele
se torna “filocálico”, diz Calixto. A perspectiva é perfeitamente cristã, mas o
amor está de tal forma voltado para a beleza de Deus, o magnetismo desta é tão
forte, que o discurso é como que absorvido pelo ponto de fuga (a visão
beatífica) e se anula nele. A partir daí, resta a chave não mencionada: Cristo ressuscitado,
o corpo glorioso.
Retomando as palavras do
Eclesiastes, Calixto afirma que o monge contemplativo é de algum modo dividido
entre o tempo de se calar, que é o arrebatamento do intelecto, e o tempo de
falar, que é o combate espiritual e a transmissão da experiência. Mas a
conclusão é imperativa: “reencontrar o estado de infância”, para alcançar a
condição extrema, a contemplação silenciosa do Um oculto, “que a natureza, o
espaço e o tempo não podem conter”. Este último grande texto da mensagem filocálica
– certamente um dos mais belos e difíceis – permanece sendo sempre uma apologia
do êxtase e do silêncio.
SOBRE A UNIÃO DIVINA
E A VIDA CONTEMPLATIVA
1. Tudo o que vive está
naturalmente submetido à energia que o domina, e recebe desta o repouso e o
prazer que a acompanham. Assim se é cumulado de alegria, consagrando-se a isto
de todo seu coração. Assim o homem, uma vez que possui um intelecto e que
compreende naturalmente a vida, se alegra plenamente e recebe sua parte em
repouso quando concebe as coisas mais elevadas e aquelas que lhe dizem
respeito, boas ou belas, segundo o nome que se quiser dar a elas. É isto que
lhe acontece em verdade, quando conserva a Deus em seu intelecto e considera as
virtudes Daquele que está verdadeiramente acima de tudo, que é inteligível além
de toda inteligência, que além de toda inteligência ama o homem até o fim, e
que além de toda inteligência prepara aos que vão a ele uma herança de bondade
e beleza. E esta herança é eterna.
2. Todo nascimento concede ao nascido
uma semelhança com aquele que o engendrou. O Senhor disse: “O que nasce da
carne é carne, e o que nasce do Espírito é Espírito[1]”.
Portanto, se o que nasce do Espírito é Espírito, isto quer dizer que ele será
Deus, segundo o Espírito que o engendrou, uma vez que é Deus o Espírito do qual
nasceu pela graça aquele que tem parte no Espírito. Mas se este homem é Deus,
ele será manifesta e naturalmente contemplativo. Com efeito, é por “contemplar”
(theorien) que Deus é chamado de
“Deus” (Theos). Assim, aquele que não
contempla, não contempla por que o nascimento espiritual ainda não lhe foi
concedido e ele ainda não recebeu o Espírito, ou por que, tendo-o recebido,
perdeu por ignorância seu poder de contemplar e em sua inexperiência se desviou
dos raios inteligíveis de Deus que envolvem o Sol inteligível da justiça[2].
Ele teve sua parte no poder contemplativo, mas permaneceu infelizmente privado
desta energia, ainda que tenha até se votado para a santidade.
3. Todos os seres receberam
Daquele que os criou pela palavra seu próprio movimento e sua própria natureza.
O mesmo acontece com o intelecto. Mas o movimento do intelecto é a eternidade,
e esta não possui fim nem limite. Será, portanto, ao encontro de sua própria
condição e de sua própria natureza que o intelecto poderá ser detido ou
limitado em seu movimento. Esta será a sua lei, se ele se mover em meio às
coisas finitas e limitadas. Pois não é possível que as coisas sejam finitas e
limitadas e que ao mesmo tempo o movimento do intelecto que as percorre ou as
envolve vá até o infinito. O movimento eterno do intelecto tem necessidade de
um ser que seja sem fim e sem limite, para o qual ele se encaminhe sempre e
sempre, por que isto está em conformidade com a sua razão e lhe é natural. Mas
nada é verdadeiramente sem limite senão Deus, que é um por natureza e em seu
próprio ser. O intelecto deve assim voltar-se, mirar e se pôr em movimento em
direção a Deus, para a unidade propriamente infinita. De fato, esta é a sua
natureza.
4. Aquilo que contemplamos e que
envolve a Deus não tem fim nem limite. No entanto, o intelecto que busca a Deus
de quem vêm estas coisas não pode desfrutar delas plenamente. Pois cada ser
recebe naturalmente sua alegria daquilo que lhe é semelhante. Ora, o intelecto
é um por natureza, ainda que sejam múltiplos seus pensamentos, desde que ele
esteja voltado para Deus e num movimento em sua direção, em direção a Deus,
cuja natureza é uma e cuja energia é múltipla. E é impossível ao intelecto
usufruir disto plenamente antes que alcance o Um naturalmente sem limites, como
que passando através do múltiplo. O intelecto não pode usufruir de modo natural
e pleno senão apenas de Deus. Cada ser encontra sua maior alegria em sua
própria natureza. Assim, a natureza própria do intelecto consiste em se mover
para, em votar-se para, em regozijar-se plenamente apenas no Deus simples e
infinitamente uno.
5. Todo movimento de uma
criatura, qualquer que seja ela, todo movimento do próprio intelecto, tende
para a detenção e a calma, a imobilidade, a paz. O fim da criatura é
forçosamente o repouso. Mas o intelecto, que é uma dentre as criaturas, não
pode, por seu próprio movimento, participar da detenção e da calma em meio ao
criado. Com efeito, se o criado está destinado a terminar – uma vez que teve um
começo – é claro que o movimento eterno do intelecto deverá abandoná-lo para
buscar sua própria causa. Assim, na medida em que permanecer encerrado nas
coisas finitas e limitadas, o intelecto não poderá conhecer a paz, nem
descobrirá sua própria finalidade, nem terá em si o movimento de que falamos.
Aqui estamos longe de sua natureza própria, que é manifestamente o movimento
eterno. E não é possível que o intelecto encontre a paz e se detenha, se ele
permanecer entre as criaturas. Onde então poderá o intelecto assumir aquilo que
lhe é próprio, vale dizer, deter por si só seu movimento e obter assim a calma,
estar em paz e receber com toda certeza a sensação de repouso, se não penetrar
no infinito e no incriado, onde se encontra essencialmente e acima do mundo, o
Deus que é a própria unidade? É preciso, portanto, que, por meio do movimento,
o intelecto alcance esta unidade e este infinito, descobrindo naturalmente no
repouso intelectual a calma que é característica de sua natureza. De fato, esta
é a detenção suscitada pelo Espírito, o repouso apátrida, o termo infinito de
todas as coisas. No coração desta unidade, o movimento permanece em toda a
inteligência que descobriu aquilo que não possui nem fronteira nem limites, o
que não tem fim, o que não possui figura nem forma, o que é absolutamente
simples, que é o Um de que falamos, ou seja, Deus.
6. Se Deus, segundo Davi, fez de
seus anjos espíritos[3],
e se dos homens gerados pelo Espírito ele os torna espíritos[4],
como disse o Senhor, o homem assim nascido se torna anjo por sua clara
participação no Espírito de Deus. Mas a obra dos anjos consiste em contemplar
sempre a face de nosso Pai que está nos céus[5],
conforme também disse o Senhor. Então é preciso que aquele que possui
claramente o Espírito Santo esteja, como é natural, voltado para a contemplação
da face de Deus. É o que ensina Davi quando diz: “Busquem o Senhor e sua força.
Busquem sempre a sua face[6]”.
Portanto, quem participa do Espírito vivificante, que concede a luz e executa a
obra do amor, quem atingiu a experiência do nascimento inefável que provém do
Espírito, quem se elevou até o estado angélico e que depois, por causa de uma
piedade presunçosa, impede em si mesmo que o sentido espiritual perceba a Deus
e recusa voltar-se para Deus e para o que é divino, este não guarda aquilo que
deveria se tornar natural nele. Pois o Salvador manda que permaneçamos nele,
para que ele permaneça em nós[7].
E Davi disse: “Vão ao seu encontro e irradiarão a luz[8]”.
Na verdade, se fizermos o que devemos fazer e insistirmos até o final, veremos
na luz a Deus o Pai, vale dizer, o Espírito Santo, a luz que está ao redor de
Deus, ou seja, a verdade divina. Caso contrário, estaremos escolhendo, em nossa
própria ignorância, não retornarmos para os raios divinos.
7. O intelecto se eleva por três
caminhos à contemplação de Deus: por seu próprio movimento, por um movimento
exterior e por um movimento que é a um tempo seu e estranho a si. O caminho do
movimento próprio pertence unicamente à natureza do intelecto. Ele apela para a
vontade deste, passa pela imaginação e se realiza na contemplação das coisas
que cercam a Deus. De certa forma, é o que fizeram os Gregos. O segundo caminho
é sobrenatural: ele se abre apenas pela vontade e a iluminação de Deus. Assim,
ele está inteiramente sob o comando de Deus, ele é arrebatado nas revelações
divinas, ele prova dos mistérios inefáveis, ele vê a realização das coisas por
vir. O caminho médio compartilha dos dois caminhos. Como ele trabalha pela
vontade e a imaginação, ele está em acordo com o movimento próprio do
intelecto. Mas ele comunga do movimento exterior ao intelecto, uma vez que se
une a ele sob a iluminação divina e vê a Deus inefavelmente, para além de sua
própria união intelectual. Ele está assim fora de tudo o que podemos ver e
dizer das coisas que cercam a Deus. Ele não vê nem a bondade original, nem a
deificação, nem, a sabedoria ou o poder criativo, a providência ou qualquer das
outras coisas divinas. Mas ele está repleto, no mais alto grau, da luz
intelectual misturada à alegria que é suscitada pelo amor do fogo divino.
8. O intelecto que se serve de
sua própria imaginação para contemplar o invisível é conduzido pela fé. Quando
a graça o ilumina, ele se vê confirmado pela esperança. Mas quando ele é
arrebatado pela luz divina, ele se torna um tesouro de amor pelos homens, e
mais ainda de amor a Deus. Assim, a ordem tripla do intelecto, seu movimento na
fé, na esperança e no amor, é perfeito e deificante, seguro e firme. Uma vez
atingido este vasto lugar na acrópole, o intelecto se encontra seguro na
cidadela do amor. É o que disse Paulo: “O amor cobre tudo, suporta tudo[9]”,
pela graça da fé e da esperança. “O amor, disse ainda ele, não tomba jamais[10]”,
por sua ardente união com Deus e sua inefável conjunção.
10. A mentira é dividida, mas a verdade
é uma. Portanto, o intelecto que, no Espírito, volta-se para o Um, para o que
está além do mundo, para o que está acima de tudo, para o que é a origem do
múltiplo, volta-se para a própria verdade. Uma vez que o intelecto não pode se
livrar das paixões senão for liberto pela verdade[11],
ele precisará, para tanto, se voltar e se dirigir unicamente para o Um que está
acima do mundo. A liberdade conduz o intelecto ao mais alto ponto, à
impassibilidade, à semelhança divina e à filiação espiritual. Mas jamais à
servidão. Pois foi dito que o escravo não sabe o que seu mestre faz[12]:
a ignorância é própria do escravo. Mas é claro que aquele que participa da
liberdade conhece os mistérios do Pai. Foi-lhe concedido elevar-se contra tudo
e contra todos até alcançar o que é belo e bom, a dignidade da adoção. Com
efeito, assim como a ignorância é o contrário do conhecimento, também o status
do escravo é oposto ao status filial. Portanto, se quem não sabe é escravo,
quem sabe não é escravo, mas livre: a bem dizer, ele é filho. Pois o Espírito
de verdade liberta. Ele próprio torna filhos de Deus aqueles em quem penetra.
De fato, foi dito: “Os que são conduzidos pelo Espírito de Deus, estes são os
filhos de Deus[13]”.
Portanto, se dirigir-se ao Deus que está acima do ser é próprio da própria
verdade, a verdade concede a liberdade ao intelecto, e a liberdade é o sinal
evidente da filiação divina. Nada é maior do que este dom da adoção. E nada
convém mais à natureza dotada de razão. Esta é uma coisa mais do que
necessária, e é preciso muito refletir sobre ela: que o intelecto conduzido
pelo Espírito se volte, para contemplá-lo e nele se recolher, tanto quanto lhe
for possível, para o Um que está acima do mundo, ou seja, para Deus.
11. O Espírito Santo diz: “O
Senhor seu Deus, o Senhor é um[14]”.
É assim que é ordenado ao intelecto elevar-se pela divindade do Espírito em
direção ao Um que está acima do mundo. Portanto, não é permitido pregar o Um e
ao mesmo tempo negar o retorno e a contemplação do intelecto. Pois o desejo do
intelecto é de entender o que diz o Espírito Santo, e ele deve se voltar para
aquilo que compreende. E de fato, quando falha o retorno do intelecto para o
inteligível, aí falha igualmente a compreensão dele. E falharão necessariamente
a predicação do Um conforme mencionamos, e também a fé suscitada por esta
predicação. Se isto é absurdo, absurdo é que a inteligência que regresse e se
volte para o Um não o compreenda.
12. A natureza conduz os seres
nascidos de uma causa, em especial os seres racionais, a se voltar e buscar por
sua causa, regressando sobre si mesmos. A causa de tudo é Deus, de quem provém
também o intelecto. Ora, Deus é o Um supremo, o Um absoluto. Portanto, a
natureza conduz o intelecto a se voltar e buscar o Um supremo e absoluto, desde
que se coloque de regresso à sua causa.
13. Se tudo provém dele, existe
por ele e para ele[15],
e se o intelecto é a unidade do todo, o intelecto provém dele e existe por ele.
Mais precisamente, ele provém de Deus e existe por ele, por que se assemelha a
ele. Assim ele deve em primeiro lugar voltar-se para ele. E quando dizemos para
ele, isto significa que, regressando sobre si mesmo, ele deverá contemplar a
manifestação do Um que está acima do mundo. É assim que o intelecto deve
contemplar o Um.
14. O múltiplo provém do Um, mas
não o contrário. Ora, se a criação é múltipla, claramente ela procede do Um. E
o Um, que é o Criador e Ordenador, está acima da criação. A contemplação
daquele que observa a criação como se deve se realizará necessariamente
voltando-se para o Um acima do mundo. Pois as criaturas trazem em si numerosos
ecos do Criador, por meio dos quais conhecemos Aquele que criou tudo com sua
providência e ao seu bel prazer, com arte e sabedoria, poder e bondade. É por
isso que Isaías disse no Espírito: “Ergam os olhos e vejam quem lhes mostrou
todas essas coisas[16]”.
Ele disse “todas essas coisas” por causa das numerosas criaturas, e “quem”
elevando sua inteligência em direção Daquele de quem estas coisas provêm, o Um
absoluto por natureza.
15. A criatura se encontra
reunida na unidade, mas numa unidade composta, múltipla. Ela também não é sem
começo, por que ela foi criada. O Um criador, ele não é um apenas por
estabelecer harmonicamente as coisas múltiplas e diferentes com apenas um sopro
que a tudo abarcou com o intuito de criar. Ele é ainda incriado, como causa
anterior à fundação do mundo. É assim necessário que o intelecto que emerge a
partir do Criador alcance a Unidade original, que fundamenta e comanda a ordem
visível dos seres, sua gênese, sua harmonia e sua respiração comum no Um. Caso
contrário, ele se dirigiria ao infinito, o que é absurdo. Pois todas as coisas
que se movem e que nasceram nem sempre existiram: houve um tempo em que elas
não haviam. Elas não existiam, e começaram a existir. E se começaram, é porque
foram postas em movimento. É preciso buscar aquilo que lhes concedeu o
movimento e as conduziu ao nascimento. Ora, o que incita o movimento não pode
ser senão imóvel. Caso contrário, qual seria a causa do movimento, algo que não
estivesse sujeito a nenhuma outra origem, por ser ela mesma sem origem? Ora, se
ela é imóvel, é também imutável. E se ela é assim, ela tem que ser simples, a
fim de que o ser composto não possa alterar aquilo que a nós aparece como
imutável. Pois é a mistura dos elementos que implica a detenção. E o fim do
movimento implica a dissolução. Portanto, na causa não pode existir nenhuma
mistura de elementos, para que aí não haja detença, e para que, não havendo
detença, não haja dissolução. Não havendo dissolução, não haverá tampouco
mudança nem movimento no imutável e imóvel, que concede o movimento mas não o
recebe, e que conduz ao nascimento mas não é ele próprio nascido nem submetido
ao devir. Portanto, se a causa é imutável e imóvel, ela está necessariamente
fora de toda mistura, e por isso ela é completamente simples, o Um absoluto que
está acima do mundo. O intelecto que assim se volta para o Um se coloca de
todas as maneiras fora de tudo, pelo olhar que ele dirige para aquilo que é
mais do que belo, e pelo impulso que o empurra para junto do que está acima de
tudo, ou melhor, para perto do lugar de onde provém tudo, e para o qual tendem
naturalmente todas as coisas. Se esta tensão em direção ao Um se faz
corretamente, o intelecto se coloca fora das paixões: desenvolvendo-se e se
estabelecendo acima até do que há de mais belo, ele permanecerá em repouso, e
sentirá vergonha das paixões. Por isso você não deverá adorar senão a ele[17],
ou seja, ao Um, diz a Lei santa. Devemos, então, nos voltarmos para o Um
supremo, se quisermos cumprir a Lei de Deus e nos colocarmos acima das paixões.
16. Foi dito que só o Senhor os
conduziu, e que entre eles não haviam deuses estrangeiros[18].
Vê você aqui o poder do Um e do Único? Vê que não havia com eles nenhum deus
estrangeiro, por que só o Senhor os conduzia? Ora, o Senhor conduz os que o
seguem, não os que o rejeitam. E quem segue, se volta para aquele a quem segue.
Então, se não quisermos ter conosco deuses estrangeiros, demônios ou paixões,
sigamos o Um e Único através do regresso do intelecto, para que de nós também
seja dito com razão: somente o Senhor os conduz, com eles não há deuses
estrangeiros.
17. Se o múltiplo provém do Um,
dele provém por diferentes vias. Pois o modo pelo qual os seres provêm da
Unidade primeira não é o mesmo para todos. Dentre eles, uns têm um começo e são
criados, enquanto outros são incriado e escapam ao modo de origem
temporal. Para todos, de qualquer
maneira, a causa é o Um mais alto que o ser. Agora, uns estão ligados à causa
por serem criados, enquanto outros estão ligados naturalmente. E não podemos
nos aproximar deles, de uns como de outros, nem nos ligarmos a eles da mesma
maneira. Dos seres que estão submetidos a um começo e à criação é preciso se
aproximar passando por um outro ser e não pelo que eles são em si mesmos; é
como quando nos aproximamos de um espelho através daquilo que está figurado ou
revelado nele. Com efeito, a criação não é capaz de aproximar do melhor senão
pela revelação do Um absoluto nela. Mas quando nos voltamos para os seres que não
têm começo e que estão naturalmente ligados à causa, nos dirigimos a eles sem
passar por outro ser. E passamos por eles para descobrir a Origem, pois eles
dela se aproximam em verdade por si próprios. E o Um supremo habita neles de
maneira imediata e natural. Na verdade, eles fazem corpo com o Um supremo e
absoluto, direta e naturalmente, como dissemos. E devemos não apenas nos
aproximar deles como nos ligarmos a eles e nos esforçarmos por receber a marca
divina, imitando por intermédio deles a beleza primeira, a única beleza, a fim
de alcançar assim a sinergia e o socorro da graça, a dignidade da glória de
Deus, à sua imagem e semelhança[19].
Portanto, através dos seres que têm sua causa na criação, se bem os observar e
considerar, o intelecto se elevará pela contemplação em direção à visão do Um,
e se unirá pura e simplesmente à concepção única do Um mais alto do que o
mundo. Mas através dos seres que são naturalmente ligados à causa também é
possível ao intelecto, animado por esta causa e identificando-se com estes
seres, consiga se unir ao próprio Um. Portanto, a partir de todos estes seres
nascido de uma causa, naturalmente ligados a ela ou criados, o intelecto pode
se recolher normalmente na Origem única e absoluta, seja pela natureza, pela
ação ou a contemplação. Porém, se o intelecto que se consagra ao Um – ou às
numerosas criaturas, ou aos seres naturalmente primeiros – não o faz para
alcançar o Um, nem para se voltar para o Um original e envolvente para
compreendê-lo por inteiro, simples e unicamente, na santa comunhão e no impulso
do Espírito que ilumina, isto lhe será imputado como pecado, mesmo que esta
consagração lhe pareça um bem. O que provém do Um conduz ao Um aqueles que se
consagram como devido. Ao se desenvolver, toda manifestação da luz gerada pelo
Pai e que vem habitar em nós por um puro dom de sua bondade, diz o grande
Denis, nos cumula uma vez mais, com efeito, por sua tensão como um poder
unificante, e retorna à unidade do Pai que nos reúne e também à simplicidade
deificante. Pois tudo provém dele e a ele retorna[20].
Mas se o intelecto não se eleva para este objetivo, ele fracassa e seu
exercício se desvia do caminho natural.
18. Existe uma ação que precede a
contemplação, e uma ação que se segue à vida contemplativa. Uma é realizada
pelo corpo. Nos que refrearam os impulsos do corpo e se prepararam para ser
conduzidos pouco a pouco à boa ordem, ela concede à inteligência que avance
livremente naquilo que lhe é próprio, ou seja, para dentro do próprio
intelecto, para aí trabalhar para seu benefício. A segunda, que parte do
próprio intelecto e da compreensão em espírito, se recolhe no que existe de
mais alto que a inteligência, ou seja, Deus. Uma vez que se aproxime de Deus, o
intelecto se dirige para o Um, pois Deus é o Um. Ele se une assim a si próprio em vista do Um e
se torna indivisível. Pois o Um suscita a unidade e se deixa contemplar pela
simplicidade semelhante a Deus. Que o intelecto contemple o Um mas não possua
em si próprio a simplicidade no Um, estas são coisas impossíveis de conciliar.
Ele se divide e se diversifica por que vê as coisas divididas e compostas. Já o
Um absoluto é aquele que é simples por si só. Aquilo que o intelecto é está
sujeito a alterações em sua energia, embora ele próprio permaneça simples;
assim, é preciso que ele seja igualmente o Um em sua energia quando ver o Um. Ora,
se ele vê o Um mas ainda está dividido em dois, o que pode fazer por si própria
a parte separada daquela que vê o Um? De fato, ou bem ela verá outra coisa, ou
bem não verá nada, e isto por duas razões: ou por que não quer, ou por que está
embotada por outra força de ação que não a visão. Se supusermos que ela vê
outra coisa, temos que considerar então que o intelecto não está vendo o Um
absoluto, mas duas coisas, o que é contrário à razão. Por que, vendo duas
coisas, ele não pode ser o Um, mas permanece dividido naquilo que contempla,
como demonstramos. E se ele não vê, é impossível que seja por não querer ver,
pois o intelecto dotado de razão não pode sofrer, por pouco que seja, de
inação, nem ser reduzido assim à insignificância. Tampouco ele pode ser parte
agudo e parte embotado, ou coisa assim, pois então ele será feito de partes
dessemelhantes e será, portanto, composto e não simples. Ora, é o que
aconteceria se, por um lado, ele visse e, por outro, se consagrasse a qualquer
outra forma de energia: ele seria feito de uma mistura de elementos e não
poderíamos dizer que a inteligência é simples. É por isso que a unidade e a
simplicidade do intelecto, uma vez que ele considera o Um absoluto, se
identifica ao Um pela energia. E se ela for pura e simplesmente o Um, ela
contemplará o Um absoluto. Portanto, toda ação, ou toda contemplação, deve se
voltar necessariamente para o Um que ultrapassa a inteligência. Senão o
intelecto não chegará a lugar algum, e tudo o que fizer ou contemplar terá sido
em vão. Pois, submetido à divisão ele provocará paixões, por não ser conduzido
por nenhuma percepção da alma em direção à sua união com o Um que de maneira
única ultrapassa o entendimento. Com efeito, esta união é capaz de iluminar e
purificar a contemplação do intelecto, quando esta contemplação se eleva e se
volta para o Um, cheia de amor em relação Àquele de quem, por quem e em quem
todas as coisas têm seu ser[21],
e em vista de quem elas se vieram a ser, existem e permanecem.
19. A união entre Deus e a alma,
esta união que ultrapassa a inteligência, é o cume de todos os desejos. Mas
para chegar à união divina, é preciso primeiro assemelhar-se a Deus. E para
atingir a semelhança divina, é preciso agir segundo o intelecto, ou seja, é
preciso contemplar. Uma tal contemplação é da ordem do divino: por isso lhe
damos o nome de Deus. Com efeito, a contemplação se eleva diretamente para o
pensamento de Deus. Pois de todas as partes e em todas as coisas Deus envia como
que raios ao intelecto contemplativo. O intelecto que contempla tem a Deus
diante de si. Ora, Deus é o Um que está acima do mundo. E a natureza do
intelecto pode, em sua energia, se tornar semelhante àquilo que ele vê. É o que
afirma o Teólogo, o divino Gregório, quando diz que viu e experimentou o
esplendor de Deus. Pois o que o intelecto vê ele também experimenta, ou ainda,
ele se torna como ele. O intelecto, diz ainda Pedro Damasceno, toma a cor
daquilo que contempla[22].
Assim como, observando as coisas divididas ele se diversifica e se divide no
múltiplo, também quando ele se eleva na contemplação do Um absoluto mais alto
que o mundo ele se torna Um, como eu disse antes. E quando ele penetra no Um,
ele vê aquilo que não tem começo nem fim, o que é simples e sem forma. Pois
assim é o Um. É por isso que o intelecto, quanto à sua energia, é restabelecido
no seu estado original, sem começo nem fim, simples e sem forma. Ao
experimentar isto, ao se ver assim transformado, ele se encontra na semelhança
do divino, na medida em que isto é possível. Daí para diante ele se lança para
o cume de todos os desejos: a união divina e inefável que o ultrapassa. O
objetivo supremo, o objetivo divino. Por isso o intelecto deve se esforçar por
todos os meios e voltar-se e mirar no Espírito para atingir a contemplação e a
consideração do Um que está acima do mundo.
20. Quando o intelecto se
dispersa no múltiplo, ainda que apenas na dualidade, é claro que ele não
contempla o Um absoluto. Ele então está limitado, encerrado, obscuro. Esta é,
com efeito, a parte daquilo que não é absolutamente simples. Mas quando ele
entra em contato intangível com o Um verdadeiro, através da contemplação
intelectual no Espírito, ele se volta para ele com os olhos fechados e se torna
sem começo nem fim, sem limites, forma ou figura, e se reveste de silêncio
calando-se num arrebatamento, enchendo-se de delícias e saboreando o inefável.
Mas não se diga que ele se tornou sem começo, sem fim e sem limites em sua
essência, por que isto se dá em sua energia: a transformação do intelecto não é
própria da sua essência, mas de sua energia. Pois se ele se transformasse
segundo a essência, vendo e experimentando a deificação, ou seja, tornando-se
deificado ao contemplar a Deus, o intelecto seria Deus em sua essência. Isto
ele não é, assim como não o são os anjos tampouco. Apenas Deus, em seu absoluto
e sua unidade, é Deus em essência. Assim, se a afirmação de que a deificação do
intelecto em essência é absurda, resta dizer que ele experimenta a deificação
pelo fato de ver. Pois ele não possui uma natureza que o permita mudar em sua
essência, mas ele muda segundo sua energia. De resto, se o intelecto se
transforma naturalmente, como dissemos, conforme aquilo que ele contempla, ele
não contempla a essência divina, mas a energia. Então, ele próprio não se
transformará segundo a essência, mas segundo a energia.
21. Todas as coisas, depois de
brotar luminosamente do Um que está acima do mundo, não se afastam do lugar
onde tiveram sua gênese, mas permanecem aí contidas e se realizam tal como
nasceram. Não existe nada no universo que não testemunhe a irradiação e como
que do perfume deste Um criador, deste Um verdadeiro. As coisas que participam
do ser não podem deixar de expressá-lo desde que ele se revele, não como o Um
acima do mundo (por que este está fundamentado acima de toda contemplação e de
toda intelecção), mas como um raio do Um mais alto do que o mundo. Assim, desde
que o Um é expressado por todas as coisas e que todas as coisas tendem para o
Um, e que o Um acima do mundo se revela por si só ao intelecto através de todos
os seres, é necessário que o intelecto seja conduzido, levado e guiado em
direção ao Um acima do mundo. Seja por ser forçado a ir pela persuasão de
tantos seres, seja por que o Um criador – já falamos disto – na superabundância
de sua bondade quer ser contemplado pelo intelecto, a fim de que este, nesta
contemplação, experimente a vida, como já o disse o Um eterno: “Eu sou a vida[23]”.
E: “A vida eterna consiste em conhecê-lo, o único e verdadeiro Deus[24]”.
E em outra parte: “Busque ao Senhor e sua alma viverá[25]”.
Pois da busca vem a visão e da visão vem a vida, a fim de que a inteligência
exulte, se ilumine e se regozije, como disse Davi: “Em você está a morada de
todos os que se regozijam[26]”.
E: “Na sua luz vemos a luz[27]”.
Senão, como teria ele criado a inteligência contemplativa, como teria semeado
em todos os seres aquilo que a ele pertence e por meio do qual, como que
através de uma janela, revelando-se ao intelecto em seu flamejamento
intelectual, ele o chama para si, pleno de luz?
22. Tudo o que fez o Deus bom, o
Deus único em três Pessoas, ele o fez por sua vontade. E o que Deus quer é
profundamente bom, pois a bondade é a sua natureza. Assim, ele criou a
inteligência para que o contemple, ou contemple aquilo que dele provém. E ele é
capaz de reunir esta inteligência quando ela contempla o Um. Então, é a vontade
de Deus que a inteligência contempla – e isto é bom, profundamente bom. Ora,
Deus é propriamente o Um absoluto. Assim, tender para o Um e se recolher
simplesmente nele é profundamente bom, como demonstramos.
23. Se o eros absoluto é um em seu recolhimento, como afirmam os sábios de
Deus, o ser amado será também um. Pois se os seres amados fossem dois (no
mínimo), ou bem haveria dois eros, ou
bem o eros único seria dividido, e
não se poderia dizer que ele é um em seu recolhimento. Mas se afirmamos que na
realidade o eros absoluto é um em seu
recolhimento, daí decorre que o ser amado srá igualmente um. Mas o ser amado
existe antes do amor que lhe é dedicado, e não é possível que haja amor antes
de que o tenha recebido o ser amado. O eros
é o amor dirigido que a lei natural e a lei escrita de Deus exigem que tenhamos
por Deus. A primeira, ao persuadir profundamente a inteligência filocálica, a
faz conceber o melhor, que é Deus. A segunda diz: “Você amará o Senhor seu Deus
com toda sua alma, todo seu coração, todo seu pensamento. O Senhor seu Deus, o
Senhor é um[28]”.
Um é portanto o ser amado: é a unidade das três Pessoas, que existe antes do
amor que o intelecto lhe dedica. É preciso, assim, que o intelecto deseje se
dirigir para o Um mais alto do que o mundo. Pois assim, por sua descoberta e
sua contemplação, o eros brilhará ao
redor do Um e o homem terá o poder de realizar a lei e os mandamentos, amando,
como foi dito, ao Senhor seu Deus.
24. Uma vez tendo se elevado até
o Um que ultrapassa todo entendimento, é impossível que o intelecto não seja
amado por ele. Pois a beleza inefável e incompreensível que provém dele nos é
dada como uma raiz que fundamenta o universo. O intelecto se encontra diante
dos esplendores divinos como a rede que está prestes a se romper sob o peso dos
inumeráveis peixes que ele descobriu e atraiu[29],
e está arrebatado na contemplação da beleza que o ultrapassa. Ele se embriaga
como de vinho. Fica fora de si, como um louco. Prova do maravilhamento que
ultrapassa todo pensamento. E já não consegue suportar a visão mais do que bela
da incomensurável beleza. Ele se torna preso pelos laços do amor e é consumido
como se pela sede. Pois o Um que ele contempla está além do seu entendimento.
Mas ele foi pregado para todos, como sendo a causa primeira de todas as coisas,
como o começo, como o fim, como a continuidade de tudo. Pelo transbordamento do
poder que criou o belo e o bom, ele gerou a beleza e a bondade de todas as
coisas belas e boas. Pois ele é o Ser único incomparavelmente acima do mundo, e
fundamentado infinitamente ao infinito acima de toda beleza e de toda bondade.
Ele é o único que ama naturalmente acima de todos os que amam, por que ele é o
único propriamente belo e bom que está acima de toda bondade e de toda beleza,
o único que é verdadeiramente amado em virtude da lei da natureza e da ordem,
por que ele é a causa de tudo. Ele ama a tal ponto e de tal maneira é amado que,
pelo transbordamento da beleza e da bondade ele ultrapassa todos os seres
amados e todos os que amam. O Um mais alto do que o mundo é verdadeiramente
como o único Ser que existe, o único Ser que criou todos os seres. Portanto, é
preciso – e com a graça de Deus, como foi dito – retornar no Espírito à
descoberta e ao conhecimento do único Um, de onde provém a origem de todas as
coisas, e para onde segue o fim de todas as coisas. A porta do amor divino se
abrirá por si só diante de nós pela graça de Cristo e nós entraremos no repouso
de nosso Senhor[30],
nós nos regozijaremos, exultaremos, conheceremos a alegria do Um e provaremos
das delícias divinas, nos tornaremos um e já não seremos mais divididos e
partidos, como pediu o Salvador a seu Pai quando disse: “Que eles sejam um,
como nós somos Um[31]”.
Então poderemos cumprir exatamente o mandamento que nos ordena: “Você amará o
Senhor seu Deus com toda sua alma[32],
e seu próximo como a si mesmo[33]”.
Então teremos recebido a perfeição de que o homem é capaz. Pois o fim da lei é
o amor[34],
do qual dependem não apenas toda Lei e os Profetas[35],
mas todos os que atingem a perfeição em Deus e em Cristo.
25. Para todo ser que alcance a
unidade no Espírito, a divisão representa um relaxamento. Assim é que o
intelecto, ao se dividir em sua energia, fica de fora daquilo que a graça lhe
concede. E é o que lhe acontece quando se volta para o múltiplo, pois não lhe é
possível ter em si o indivisível ao mesmo tempo em que considera a diversidade.
Com efeito, se isto fosse possível, não seria fácil explicar por que o
intelecto que se dedica à hesíquia é tão posto àquele que mira a confusão: isto
equivaleria a demonstrar que o intelecto daqueles que se voltam para Deus é
semelhante ao intelecto perturbado pela desordem das paixões, o que é absurdo.
Pois este último, seja lá o que for que possa ver potencialmente, vê na verdade
as coisas composta e acaba por modificar a si próprio. Ele se afasta da
simplicidade e já não pode conter em si o indivisível. Ora, quem está sob os
golpes da divisão nunca pode se dizer puro do pecado. É assim que esta divisão
foi considerada por aqueles que puderam discernir as coisas. Com efeito, se o
intelecto voltado para a visão do Um supremo e mais alto do que o mundo deve,
em primeiro lugar, provar, por meio do sentido intelectual, a beleza que
ultrapassa a natureza, é a graça que o faz escapar à divisão. É preciso assim
conservarmo-nos junto ao Um mais alto do que o mundo e nos voltarmos para ele
com toda nossa alma, unicamente e apenas para ele, se quisermos escapar da
alienação e da divisão. Se o intelecto não se debruça sobre o Um, mas sobre o
criado, é impossível que ele não seja dividido, por que não se pode dizer que o
criado seja simples: ele é finito, composto, limitado. Por isso nunca podemos
chamá-lo de Um absoluto. Ao se voltar para ele, o intelecto deixa de ter em sua
própria energia toda e qualquer simplicidade, toda e qualquer unidade. Sua
visão estará cercada e limitada, pois o criado é comporto. O que ele contemplar
será sempre limitado, e ele terá decaído da graça divina que o fizera simples,
sem começo e sem limite ou restrição.
Ele estará fora do Um oculto, deste Um que ultrapassa todo entendimento,
e será privado de sua própria glória, que consiste na fruição de sua identidade
original e sem começo, no ilimitado e na simplicidade, no fato de ser
absolutamente independente de qualquer forma. Nestas condições, ele será
incapaz de imaginar a beleza sobrenatural e inefável. É preciso, assim, que o
intelecto se volte e se dirija para aquilo que não tem começo, para o simples,
o ilimitado e o verdadeiramente Um, e que então ele se abra para a luz, que ele
se uma à unidade que comanda o recolhimento e que por meio deste se una a si
próprio, a fim de não apenas ser amado pelo melhor – por ter se tornado
semelhante a ele, na medida do possível, na simplicidade, ilimitado, sem forma
nem figura – mas ainda que ele possa amar a beleza divina mais do que bela e
sobrenatural, elevando-se em direção à semelhança, como foi dito. Com efeito,
se o estado amoroso encaminha naturalmente os seres para os seus iguais, é
claro que o intelecto amará a Deus assim como por ele será amado. Pois o mesmo
é semelhante ao mesmo. E assim como a similaridade implica sua recíproca, o
amor terá sempre como resposta o amor. Nada, mais do que o amor, une a alma a
Deus.
26. O intelecto ultrapassa sua
própria natureza quando se eleva acima de si próprio, fora de toda imagem e
figura, quando se torna todo divinamente sem forma, sem começo nem fim, e por
assim dizer acima da união que lhe é própria. Mas quando ele traz consigo seu
próprio pensamento, mesmo que se consagre ao divino e ao inteligível, dizemos
que ele se move e age naturalmente, e que se mantém dentro de sua natureza.
Ora, o sobrenatural ultrapassa em muito o natural: ele está muito acima deste.
É preciso, assim, amar intensamente aquilo que ultrapassa a natureza, pois é aí
que reside o melhor, conforme o mandamento que nos ordena buscar os melhores
carismas[36].
Vale dizer que está em Deus o intelecto que se encontra no sobrenatural. Pois
Deus está fora e além de toda natureza, por ser mais antigo e por ser o Um
absoluto. É preciso, portanto, que o intelecto se volte, mire e se eleve
ardentemente para aquilo que é mais antigo e que é o Um absoluto, a fim de que,
elevado ao Um mais alto do que a natureza acima de sua própria energia natural,
ele possa descobrir o que é melhor para si, ao invés de permanecer naquilo que
ele já possui segundo a natureza.
27. Cada ser se regozija e
repousa naturalmente naquilo que lhe é próprio e que preexiste inteiramente na
origem mais antiga, que é a causa única. O intelecto entrará naturalmente nas
grandes alegrias e terá em si uma longa felicidade, encontrando o maior repouso
quando, depois de haver atravessado tudo e a tudo abandonado, se consagrar por
meio do regresso intelectual a esta causa original e primeira da qual nasceram
o universo e todas as coisas, por ser ela o começo, o meio e o fim; esta causa
na qual tudo existe e se conserva, por meio da qual aquilo que é realizado é
conduzido ao seu fim próprio, pela qual é feliz aquele que vive no bem, pela
qual foi fundado o próprio intelecto tal como ele é. De certa forma, o
intelecto é chamado a regressar sobre si mesmo a partir do instante em que ele
retorna a esta causa soberana de todas as coisas, que é seu verdadeiro modelo.
Todo ser que ama verdadeiramente a si mesmo – e esta é uma coisa que o
intelecto experimenta realmente – como uma imagem da maravilhosa beleza do Um
mais do que belo além do entendimento, é tomado de um grande amor ao retornar e
contemplar sua própria origem. Pois, como foi dito, ao ver a si mesmo, ele vê o
além e ama infinitamente. Aliás, esta é a afeição plena de amor que sentem
naturalmente os nascidos em relação aos autores de seu nascimento, assim como,
reciprocamente, os pais são tomados de amor por seus filhos. É por isso que
aquele que regressa à origem de tudo, ao Um, recebe um grande e inefável
prazer. Pois ele regressa para sua causa e para si próprio, como foi dito. Tudo aqui preexiste em razão da causa. E,
particular o intelecto, por ser a unidade de tudo, existe no Um que ultrapassa
o entendimento, como em sua origem e modelo.
28. Assim como todo ser provém do
Ser que está além do ser, que toda natureza provém do Ser acima da natureza,
que o temporal e o composto provém do intemporal e do simples, e que, enfim, o
criado extrai sua existência do incriado, também toda forma tem sua origem no
que não tem forma e a multitude das coisas visíveis tem sua origem no Um que
está acima do mundo. Portanto, quem não se consagra ao Um que está além da
forma, que não o contempla e que não está como que suspenso nele, mas que olha
para qualquer outra coisa que se possa ver numa forma e na criação, este coloca
aquilo que está incomparavelmente abaixo antes do que está acima, e se aproxima
assim dos idólatras. Por que ele busca o que o ocupa e o que enxerga, e o que
ele procura o domina. E o que o domina o sujeita[37].
Assim é que este homem adora a criatura ao invés do Criador[38].
Com efeito, o intelecto de cada um se sujeita àquilo que ele vê e com o que se
ocupa. A isto ele adora e ama. Mas se por um lado o fato de se ocupar e de
enxergar para longe do Um absoluto e sem forma provoca tal queda, por outro não
podemos dirigir para o Um absoluto e sem forma nosso esforço e nossa busca
senão por meio de um retorno sobre nós mesmos e pela tensão intelectual, a fim
de que os tesouros de todo conhecimento[39],
onde quer que se encontrem, constituam o repouso e o fim de toda contemplação,
a detenção do pensamento, o silêncio que ultrapassa a inteligência e o regozijo
inefável num imenso maravilhamento.
29. Todos os seres buscam o ser.
Mas em todos este ser tem sua causa no Um que está acima do ser. Portanto,
todos os seres, e, em especial os dotados de razão e que caminham sobre a via
reta, ao buscarem o ser, buscam pelo Um que está acima do ser. Assim sendo, o
intelecto que não se volta para o Um acima do ser e que não o busca, dirige-se
em verdade para a desordem e a perdição, e perde a dignidade que lhe é própria:
o conhecimento do Um acima do ser, a divindade e a simplicidade da união e do
amor que para além de si mesmo ele descobre no Um.
30. As causas condizem ao mais
alto grau a beleza dos efeitos que elas produzem. Ora, a causa de todas as
coisas, e o que elas têm em comum, é o Um além do ser. Portanto, se o intelecto
se liga a alguma das coisas que seguem o Um além do ser e considera que esta
coisa é bela e de algum modo digna de atraí-lo, é claro que ele se perde de seu
objetivo. Pois assim ele ama a beleza sem ser levado ao Um acima do ser, para o
Um primeiro e soberano, de onde todas as coisas belas extraem sua beleza.
Deixando-se levar pela negligência e a ignorância, ele se volta para as coisa
que não fazem mais do que participar da beleza do Um. Quanto ao intelecto que
alcança a visão última, este volta para o Um acima do ser os olhos de seu
pensamento. Ele sabe com clareza que seu desejo será atendido além de toda
medida, por estar na contemplação espiritual considerada como sua origem. E ele
sabe que ninguém, salvo o Um além do ser, pode lhe dispensar a beleza que lhe é
própria – ou qualquer beleza que seja. Alguns seres podem ter aparentemente a
faculdade de dispensar o que lhes é próprio. Mas estas coisas não permanecem
eternamente no intelecto amoroso. Somente o Espírito Santo as realiza, como e
onde quer. Pois ele é o Senhor, uma das três pessoas da Unidade, e sua natureza
é soberana. É preciso assim que o intelecto retorne para o Um acima do ser,
onde se encontra não apenas a fonte de todos os seres, mas ainda a indefectível
distribuição dos carismas.
31. Todos os seres buscam
naturalmente o bem. Mas o verdadeiro bem é único, ainda que sejam numerosos os
nomes do bem. Pois você não encontrará nada nas numerosas formas do bem que
seja simplesmente bom e como que perfeito. Aquilo a que chamamos de bem o é
sempre por uma certa participação no bem. Ele participa do bem do Um que está
acima do ser, mas não possui o bem por si mesmo. Com efeito, somente este bem
Absoluto, único, acima do ser, é mais do que bom e fonte de toda bondade.
Somente ele dispensa o que lhe pertence, toda essência, toda existência, todo
estado, todo poder, todo movimento, toda energia, toda propriedade, toda
beleza, toda bondade, e ele retorna naturalmente sobre si mesmo. Simplesmente
todos os seres e tudo o que vemos ao redor deles receberam do Um acima do ser
sua manifestação, por que este os criou. É por isso que o movimento do
intelecto se perde quando se volta para qualquer outra coisa e não para o Um
absoluto além do ser. Talvez este intelecto se volte para o bem, mas não para o
bem absoluto em si, para aquilo que o pode cumular de bondade pelo
transbordamento da efusão benfazeja, para aquilo que concede o melhor a quem
precisa receber o bom e o melhor.
32. O intelecto da maioria está
dedicado à ignorância por causa da divisão. Ele está como que espedaçado entre numerosos
bens, mas ignora o bem real, o Um absoluto. Nem o busca, por que não se
consagra a ele. É destes bens que fala o Espírito em Davi: “Muitos dizem: quem
nos mostrará os bens?[40]”.
Mas não o bem, justamente. Eles se inquietam e se agitam por muitas coisas,
enquanto que só uma coisa é necessária. Esta parte, a boa parte[41],
que nos foi revelada pela santa palavra de Deus, ou a ignoraram passando ao
largo, ou a negligenciaram e a perderam. Não lhes ocorreu ao espírito buscar o
que vale a pena ser buscado mais do que toda outra coisa. Os que foram
ensinados por Davi, que resolveram seguir suas pegadas, disseram: “Sobre nós se
revelou a luz de sua face, Senhor[42]”.
Vale dizer: o conhecimento de sua glória única se manifestou a nós como em um
espelho. Assim a maior parte dos homens se regozija por possuir muitos bens.
Mas os que vivem no Espírito recebem acima deste mundo a luz do conhecimento do
bem único, o bem absoluto.
33. Assim como a impetuosidade de
um curso d’água é tanto maior na medida em que este corre num só leito do que
quando se divide e se separa em muitos ramos, também a contemplação do
intelecto, o movimento e o impulso que lhe são próprios serão mais fortes se
não o obrigam a se dividir e se modificar, mas se concentram num só ponto sem
se dividir. É o que acontece naturalmente quando o intelecto, com toda sua
contemplação, se volta e mira o Um absoluto acima do mundo. Pois o Um absoluto
acima do mundo se lhe assemelha verdadeiramente. É impossível que o intelecto
ao qual foi concedido ver o Um não receba naturalmente sua forma, como uma
imagem, e não realize a unidade da ordem única, não se torne simples, sem cor e
sem figura, inqualificável, intangível, invisível, sem limite nem forma, tal
como o Um absoluto acima do mundo, iluminado pelos raios do eros divino que está acima de tudo,
coroado pela revelação do conhecimento místico, pelo silêncio e pela
incompreensibilidade que ultrapassam a razão e o entendimento, nas delícias do
regozijo espiritual e da felicidade celeste. Pois ele conheceu a mudança que
conduz ao mais divino, ele se revestiu da forma divina, ele adquiriu em
espírito a simplicidade, a ausência de forma e de figura, a unidade e as demais
qualidades que mencionamos. Mas se ele não chegar a este ponto, se não
experimentar esta mudança divina, ser-lhe-á impossível tocar e ver o Um mais
alto do que o mundo. Pois Deus é a Unidade que unifica, a Inteligência que
ultrapassa o entendimento. A partir deste momento o intelecto vê a Deus, mais
alto do que o mundo, quando, junto com tudo o que mencionamos, ele se torna o
Um que ultrapassa todo o entendimento e experimenta a visão divina.
34. As três Pessoas da Divindade
acima do ser estão reunidas sobrenaturalmente na Unidade. Pois Deus é a Unidade
das três Pessoas. Assim, não é possível que a alma se torne uma imagem à
semelhança de Deus se ela própria não for tripla e não tenha chegado
sobrenaturalmente a se tornar o Um em si mesma. Digo que a alma é tripla, não
por que ela esteja dividida em razão, ardor e desejo. Não é propriamente nisto
que a alma é tripla. Por que a alma racional não tem por que se dedicar ao
desejo e ao ardor, que são privados de razão, que pertencem à vida presente, à
vida animal, e que são por si mesmos selvagens e tenebrosos. A alma está
dedicada à razão, e sua natureza é cheia da luz intelectual. É preciso dizer
aqui que ela possui por si só as coisas sem as quais ela não poderia pôr a
trabalhar sua própria energia. Mas ela age bem sem o ardor e o desejo. Na verdade,
é quando ela age sem estes que ela age realmente. Eles não fazem propriamente
parte dela, mas, como foi dito, constituem nela potências de ordem animal e
inferior. Pois a alma racional contempla pelo intelecto as coisas do alto, ela
olha o inteligível, ela se coloca além de si mesma, ela rejeita para longe como
meras bravatas o desejo e o ardor, e não tem o que fazer com eles. Como foi
dito, ela se lança para o lugar onde estão a simplicidade, a ausência de
imagens, de figura, de cor e de forma, e todas estas coisas que exigem uma
inteligência livre e totalmente simples. É nesta própria simplicidade que a
alma é tripla. Pois ela pé a inteligência que, pela razão e o espírito, executa
o que lhe é próprio e que não prejudica absolutamente esta simplicidade. Com
efeito, o fato de que seja simples a Origem única, a Divindade de quem a alma é
a imagem semelhante não impede que ela seja uma e simples. A Divindade é
justamente o Um absoluto acima do ser, mas nem por isso deixa de ser, e é
certamente, a Trindade. O mesmo acontece com a alma. O intelecto (pois a alma é
o intelecto, e o é totalmente), a razão e o espírito são sobrenaturalmente um.
A alma nos permite que nos assemelhemos à Divindade única em três Pessoas. E
isto não lhe vem aliás senão da consideração e da contemplação da Unidade
sobrenatural das três Pessoas. É esta unidade que fez da alma esta imagem, e a
tornou esta imagem antes da queda. E sem a consideração e a contemplação da
unidade, é impossível que a alma se unifique. Se não chegamos a ver a unidade,
se não reencontramos a semelhança, permaneceremos sempre imperfeitos. Assim,
tudo o que nos permitir alcançar a contemplação e a verdade será digno de nossa
atenção. Sem essas coisas nos será impossível alcançar o estado de
impassibilidade. Pois assim como precisamos da ação para nos voltarmos para o
bem, a fim de nos colocarmos entre os impassíveis, também precisamos da
contemplação para descobrir a verdade, a fim de nos tornarmos semelhantes a
Deus, e adorarmos a Deus que domina o universo, buscando tornarmo-nos deuses
por adoção, na medida em que nos é permitido nos assemelharmos ao modelo. É
então necessário que nos tornemos um, pela semelhança com o modelo, que é o Um
acima do mundo. Esta é a obra da consideração e da contemplação deste Um, da
tensão, do retorno do intelecto, do olhar voltado diretamente para ele. Assim é
que é preciso nos esforçarmos por todos os modos para nos voltarmos para o Um
acima do mundo e de todo entendimento, para a ele nos ligarmos inteiramente com
todo fervor, de todo coração e com toda nossa alma, nutrindo em nós o eros voltado para o Um – e somente para
ele – o Um que está acima do mundo e que se debruça sobre tudo, como se este eros que trazemos em nós nos desse asas
santas para nos elevarmos até ele através do intelecto. Assim como no espaço,
num estado de simplicidade além de toda forma, estaremos sempre juntos do
Senhor[43],
do Um verdadeiro. Pelo intelecto e a razão levaremos em espírito a tripla
celebração à Trindade. Abertos naturalmente para ela, arrebatados, estaremos na
simplicidade unidos ao Um por nossa própria união além de toda união.
35. A unidade sensível é o
princípio de toda multitude possível de enumerar. E a unidade mais alta do que
o mundo é o princípio de toda multitude visível e invisível e de todo ser.
Assim, do mesmo modo como todo número extrai da unidade sua origem, também todo
ser provém do Um mais alto que o mundo, no qual tem sua causa natural ou
criadora. Mas o lugar da unidade numérica, dado que esta unidade é sensível,
decorre de sua própria natureza. Pois ela é a origem de tudo o que está
submetido ao número. E na ordem sensível dos números, ela é o primeiro. Mas
quanto ao Um acima do mundo ocorre o contrário, por que ele está além da
inteligência. Ele é por natureza a unidade original de todas as coisas, e o
intelecto o coloca depois de todas as coisas. Pois nenhuma inteligência pode
tomar como como origem o Um mais alto do que o mundo, e daí se dirigir para o
múltiplo. Ao contrário, é do múltiplo que ele se eleva até o Um e nele se
recolhe. Por um lado, o um numérico é necessário aos sentidos para progredir no
múltiplo: de outro modo, nenhum ser poderia contar ou avançar como desejasse.
Por outro lado, o múltiplo é necessário ao intelecto para que, através dele,
este se eleve até o Um mais alto que o mundo e nele se recolha, por que não há
outro ponto de partida para que ele se eleve por meio da contemplação deste Um
acima do mundo. Portanto, o intelecto, segundo sua ordem e sua via próprias,
começa pelo múltiplo e tem seu fim no Um supremo acima do mundo. Pois o um
numérico, tal como o concebem os sentidos é fácil de conceber e definir: os
sentidos o colocam naturalmente em primeiro lugar, como pede sua natureza. Mas
a unidade que a inteligência busca, a que está acima do mundo, por ser
sobrenatural e não se deixar compreender, está longe do lugar que é seu por
natureza, um lugar tal que a inteligência pudesse partir dele. Ao contrário, o
intelecto o encontra não como uma origem sobrenatural, mais alta do que a
natureza, mas como um final que se segue à passagem, e por assim dizer depois
da total enumeração do múltiplo. Com efeito, uma vez que a natureza do
intelecto é de compreender, e que o Um acima do mundo é em si incompreensível e
inacessível, a atividade do intelecto se inclina contra sua vontade para o
múltiplo. O intelecto não pode passar sem compreender, mas também não tem força
para captar o Um supremo mais alto do que o mundo. Quando ele observa o
múltiplo, ele vê assim em cada coisa aquilo que é inteligível, não o que faz desta
coisa um ser, mas aquilo que o liga a uma unidade. Recolhendo a seguir de cada
coisa que ele vê tudo o que lhe parece inteligível, e considerando que os seres
correspondem e não se opõem entre si, sendo como as flores de uma mesma raiz e
de uma mesma planta, ele vai do múltiplo ao Um supremo, que permite à multidão
de todos os seres se reunir naturalmente e passar do estado de natureza à ordem
sobrenatural. Então ele contempla o Um acima da natureza e do ser, uma vez que
ele agora se coloca em sua natureza de ver simplesmente o sobrenatural a partir
das coisas naturais.
Então o intelecto, que teve sob
seus olhos, inefavelmente, o jorro da fonte, o transbordamento criador de todas
as bondades e de todas as belezas, e que se deliciou no Um mais alto do que o
ser, já não retorna por si mesmo para o múltiplo, ainda que aí os seres sejam
belos e tragam em si a boa parte. Pois ele ama naturalmente a beleza a ponto de
não mais se afastar voluntariamente Daquele que está acima de tudo, a menos que
alguma circunstância o obrigue. Mas uma vez que os seres não se apresentam
todos da mesma maneira, o intelecto tem uma visão intelectual diferente de cada
um deles, e, por intermédio deles, ele retorna diferentemente ao Um
sobrenatural acima do mundo. A meu ver, é preciso ter se esforçado um pouco em
caminhar sobre a via que conduz do múltiplo ao Um acima do mundo, para além do
ser, para que o intelecto, elevando-se como que por degraus, afirme bem seu
movimento próprio, saiba se este movimento não se apresenta defeituoso, se ele
segue bem por onde deve andar, ainda que por algum tempo tenha se deliciado no
Um, e saiba também qual foi o seu erro, na medida em que se afastou desta
beleza e desta revelação, deste banquete divino, e como lhe será possível
retornar para o lugar de onde caiu. Então ele conhecerá a bruma das paixões, a
claridade do coração puro e a descoberta da verdade. Por que ele terá visto no
espelho o que ele é. E tomará parte das contemplações celestes, e trará em si o
sentido divino, e não voltará atrás, quer cresça quer decline na ciência destas
coisas admiráveis. E ele compreenderá qual é o objetivo da hesíquia e do
enclausuramento.
É justamente isto que dizemos
aqui. Todos os seres estão distribuídos em seres criados e sensíveis, seres
criados e inteligíveis e seres incriados e inteligíveis. O incriado que
ultrapassa a inteligência é o Um mais alto do que o ser. No entanto, o olho da
alma – ou seja, o intelecto – que se volta para o Um e o vê distintamente, caso
escolha viver na hesíquia e na ascese, se elevará como que de um primeiro
degrau desde a ação que o levará a fazer solitariamente aquilo que lhe é
natural, até a contemplação que lhe permitirá permanecer no Um verdadeiro, onde
receberá as delícias do celestial, onde se cercará e se regozijará com os raios
da verdade, onde se enriquecerá infinitamente com o eterno, e dele se cumulará
maravilhosamente de encanto e doçura. Pela sinergia da graça, quando chegar o
tempo, quando a luz intelectual nele se firmar de modo contínuo, o intelecto
poderá se elevar da terra. Tomado por Aquele que está além dele, e vendo Aquele
que está incomparavelmente além de toda beleza, ele já não sentirá as coisas
daqui.
Esta escada sagrada possui cinco
degraus e se eleva de degrau em degrau até o objetivo extremo. Mas a distância
entre os degraus não é espacial. A diferença, aquilo que separa um degrau do
outro, é da ordem da qualidade ou da especificidade. Assim é que os seres podem
ser criados e sensíveis ou criados e inteligíveis. Mas os segundos superam em
larga medida os primeiros, assim como o intelecto, por sua beleza própria,
supera os sentidos. Da mesma forma os seres incriado e inteligíveis superam em
muito os criados e inteligíveis. Mas cada qual tem seu lugar na ordem dos
seres. Os seres incriados e inteligíveis estão eles também submetidos ao Um, ao
incriado que ultrapassa a inteligência. A partir daí a coisa é clara: o que
permite ao intelecto que se desenvolve a partir da ação alcançar Aquele que o
conduzirá acima de todos os seres e alçar-se ao cume do segredo que habita além
de todo o sensível e de todo o inteligível, é sua visão e sua contemplação ao
mesmo tempo mais altas e mais humildes no seio das criaturas sensíveis e,
sobretudo, na vida ativa. Será preciso, então, uma vez que o intelecto ama a
beleza por natureza, buscar aquilo que é o melhor de todas as maneiras, para
não apenas usufruir, mas ter a experiência da maior mudança, aquela que
naturalmente o ultrapassará. Pois, como foi dito, na medida em que vê ou que
desfruta daquilo que vê, o intelecto recebe esta transformação. Porém, uma vez
que o movimento giratório ligado à natureza do intelecto não terminará por si
próprio enquanto durar este dia[44],
e, como foi dito, até que desapareçam as sombras[45],
ou seja, até que tenhamos partido desta vida presente, que nos mostra num
espelho e num enigma[46]
a verdade como uma sombra, é preciso que, inclinando-nos a partir da
contemplação e da visão do incriado, do Um que ultrapassa a inteligência,
aproximando-nos assim dos seres inteligíveis e incriados, façamos todo o
possível para retornarmos a este incriado, ao Um que está acima da
inteligência.
Quando se dissipar a bruma
espessa que entenebrece toda compreensão e espalha a acídia que impede o
intelecto de contemplar, devemos nos voltar, por meio da ação e com um coração
humilde, para as orações. E quando, pelo poder da prece e as lágrimas, as
trevas se forem, quando a luz do intelecto, pela energia anipostática do
Espírito, ocupar o primeiro lugar no coração, ou seja, quando o intelecto for o
primeiro a possuir o coração, deveremos regressar como criaturas sensíveis ao
grau fundamental, ao poder da vida ativa sustentada pela ciência. Então
intelecto se elevará naturalmente, como ao cume de uma montanha ou uma torre de
observação, e contemplará não somente aquilo que a maioria não vê, mas ainda o
que buscam sem compreender, aquilo sem o que ninguém pode enxergar a si
próprio, e muito menos a Deus[47].
Falaremos agora rapidamente desta vida ativa, sem nos afastarmos de nosso
objetivo.
36. A alma possui dentro de si três
faculdades ativas: a razão, o desejo e o ardor. E três faculdades fora dela: a
busca pela glória, pelo prazer e pela abundância. A alma que, com conhecimento
de causa, vê estas duas tríades, na vida encarnada que Cristo viveu, através
das suas quatro virtudes gerais – a sabedoria, a justiça, a coragem e a
castidade – se cura pela graça do Senhor Jesus e permite ao seu próprio
intelecto elevar-se para fora das trevas, ver o divino ao seu redor e
contemplar a Deus. Com efeito, quando o Senhor Jesus foi levado pelo Espírito
ao deserto para combater o diabo[48],
ele curou o desejo por meio do jejum, a razão por meio da vigília e a prece na
hesíquia, e o ardor pela refutação. Ele não procurou nem o amor pelos prazeres,
nem o amor pela vanglória, nem o amor pelo dinheiro, ainda que tivesse fome e o
diabo lhe propusesse transformar as pedras em pão; ele tampouco se atirou do
pináculo do templo para ser glorificado pela multidão quando a queda não lhe
causasse nenhum ferimento; e ele se recusou a se prosternar diante da promessa
de receber a riqueza de todos os reinos. Sua ardente refutação foi sábia e
justa, casta e corajosa. Ele rejeitou Satanás, nos ensinando a vencê-lo cada
vez que ele atacar.
As mesmas coisas veremos nós, e
poderemos conhecê-las pela cruz do Salvador. Orava o Salvador, no tempo devido,
afastando-se dos seus discípulos[49]?
Esta é a cura da razão. Permanecia ele vigilante, velava, sofria a sede na cruz[50]?
É o remédio contra o desejo. Ele não contestava, não disputava, não gritava[51].
Injuriado, não orava ele pelos que o ultrajavam[52]?
Esta é a justa medida do ardor: refutar o diabo, responder com o silêncio, a
paciência, aos homens que nos ultrajam, pois eles próprios sofrem o ultraje de
Satanás, e orar por eles. Não recebeu ele os escarros e as bofetadas, não
suportou a zombaria e os gracejos da multidão[53]?
Este é o tratamento que previne o amor à vanglória. Não foi ele servido de
vinagre, alimentado com bílis, crucificado, perfurado com a lança[54]?
Esta é a cura do amor aos prazeres. Não foi ele suspenso à cruz, em pleno ar,
nu, ao desabrigo, à vista de todos, como um pobre e um indigente? É isto que
destrói todo pendor pelo amor ao dinheiro.
Assim o Salvador nos mostrou por
duas vezes a cura das paixões de dentro e de fora: quando ele começou a se
revelar ao mundo em seu corpo, e no momento em que deixou o mundo. É por isso
que quem o vê, quem vê seu ensinamento e sua cruz, e que o imita tanto quanto
possível, com a sabedoria e a justiça, a castidade e a coragem que ele próprio
possuía, abolirá a energia dessas paixões que conduzem ao mal, e através destas
a energia de todas as paixões, e as tratará como devem ser tratadas, e depois
delas a todas as demais paixões. Este se tornará um homem que age segundo a
verdade, pronto a contemplar e ver a Deus, e a se consagrar a esta tensão do
intelecto. Assim é que o intelecto, que começou pela multitude dos seres que
ele pode sentir – os seres criados –, viu realizar-se sua obra de beleza, daí
compreendeu os seres criados e inteligíveis e em seguida se dirigiu aos seres
inteligíveis e incriados, passou por quatro degraus, como numa escada. A partir
deste momento já não se fala mais nada, vêm o silêncio e o arrebatamento
divinos que ultrapassam a inteligência, numa palavra, a consideração e a
contemplação do Um mais alto do que o mundo, a união que ultrapassa o
entendimento, o coroamento da hesíquia, o objetivo extremo, o cumprimento
perfeito do desejo – na medida em que este pode ser atingido na vida presente –
a realização da verdade, o fruto da fé, o claro esplendor da glória esperada, o
fundamento do amor, a realização da inteligência, a detenção de seu movimento
contínuo, o fim do incompreensível, o estado de simplicidade, a obra que nos
garante os penhores do século futuro, a causa da felicidade inimaginável, o tesouro
da paz, a extinção dos cuidados da carne, o afastamento do século presente, a
tensão em direção ao século futuro, o abandono da vida passional, a aquisição
natural da impassibilidade, o alegre regozijo da alma, o recolhimento, o
repouso e a guarda de seus movimentos e seus poderes, enfim, para resumir em
poucas palavras, o conhecimento divino e a impassibilidade.
O intelecto que recolhe sua boa
vontade, ou seja lá qual for a circunstância exterior, deve então considerar
que terá que retornar à sua beleza própria, a beleza da contemplação,
desembaraçando-se da paixão que o entrava e o afasta de seu objetivo. Ele deve
considerar o quanto está distante de atingir o objetivo extremo de seu desejo e
o porquê disto, ainda que lhe tenha sido dado contemplar os seres sensíveis e
criados, os seres inteligíveis e criados ou os seres inteligíveis e incriados,
ou ainda que esteja separado da Um acima do mundo, o único verdadeiro e além de
toda unidade, por pensamentos vãos ou qualquer outra necessidade. Ele deverá afastar
os obstáculos entre ele e este Um, a fim de retornar simplesmente, como o pede
sua própria ordem, à contemplação e à consideração do Um acima do mundo. Pois o
intelecto que se encontra fora deste Um, fora do Um incriado que o ultrapassa,
está submetido à divisão e já não se encontra no seio da verdadeira beleza,
ainda que se conduza bem. Esta beleza suprema é, com efeito, o Um mais alto do
que o ser, simples e incriado, além de toda inteligência. É ela que oferece em
verdade ao intelecto sua extrema realização. Assim, o intelecto que sabe se
conduzir de modo são, se vê elevado por tudo o que dissemos e conhece a união
que o ultrapassa.
Devemos perseguir o quanto
pudermos o infinito, buscar aquilo que ultrapassa a inteligência, contemplar o
Um sem forma, e compreender desde o princípio o incompreensível, a fim de
descobrir em sua simplicidade a herança do Deus Altíssimo, a herança do Um,
pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo e do Espírito vivificante, que nos
concedem o esplendor da contemplação e o dom de Deus: pela adoção, nos
tornarmos maravilhosamente deuses.
37. O intelecto que se eleva até
o lugar onde Deus se oculta permanece naturalmente silencioso. A simplicidade o
unificou. Na unidade e na comunhão do Espírito, ele se torna iluminado pelo Um
que ultrapassa o entendimento. Com efeito, que poderá ele dizer, uma vez que se
encontra acima de sua própria faculdade, colocado fora de todo e qualquer
pensamento, inteiramente nu, acima da própria meditação? Pois se ainda lhe
restasse uma palavra, por assim dizer, é sinal de que ele ainda se manteria
pensando, pois toda palavra segue um pensamento. E, se ele ainda se mantivesse
pensando, como poderia ter penetrado no lugar daquilo que é oculto? Com efeito,
nada está propriamente oculto se o intelecto o puder ver, ainda que mais
ninguém o veja. Se não fosse assim, existiriam muitas coisas ocultas. Pois a
maior parte das coisas, e mesmo, por assim dizer, todas as coisas que vê o
intelecto, ele as vê ainda que mais ninguém saiba o que ele está vendo. As coisas
ocultas seriam então em número infinito, o que é absurdo. Pois o que é
realmente secreto é o Um. E é em direção a ele que se eleva o intelecto depois
de todas as coisas, como para a origem de tudo o que é visível ou inteligível. Evidentemente,
ao se elevar para o que está além de tudo o que pode ser visto, dito e pensado,
ele terá ultrapassado a visão, a palavra e o pensamento. Mas ele não terá
alcançado ainda este ponto, nem terá penetrado no mistério de Deus enquanto
puder falar. Pois ainda estará pensando, e o segredo é impensável, estando
assim além de toda palavra. E o intelecto que se elevou até o lugar do segredo
divino e a ele se uniu, se cala, voluntária e naturalmente, simplesmente,
iluminado pelo Um que ultrapassa o entendimento.
38. Se as palavras fazem o
intelecto avançar e progredir, também elas se elevarão e progredirão até o
ponto em que já não existirão mais palavras, ou seja, na realidade, no silêncio
perfeito. Mas se as palavras estão sempre ligadas ao intelecto, se a alma tem
sempre necessidade delas, não vejo todavia qual progresso intelectual se pode
obter falando. Pois, é claro, falar é útil, não apenas para agir como também, e
não menos, para contemplar. Entretanto, a partir das palavras que representam
os seres, o intelecto se eleva parcialmente em direção ao Um simples, sem
forma, absoluto, que ultrapassa o entendimento. Ora, aí toda palavra parece
deslocada, ou se torna, a bem dizer, um obstáculo. Pois as palavras geralmente
passam de um pensamento a outro pensamento. Mas aquilo que é simples, absoluto,
sem limite e sem forma, numa palavra, o Um que está além de qualquer palavra,
como teria ele necessidade de palavras, e para ir aonde? Como o poderíamos
compreender? Pois a palavra normalmente busca a compreensão, e o incompreensível
não possui limite nem forma. E, se a palavra não é capaz de se adaptar ao Um
que ultrapassa o intelecto, ela sempre poderá se adaptar ao silêncio. Os que
progrediram falando devem ao final se calar, a partir do momento em que se
dirigiram à pura contemplação, fora de toda figura e de toda forma.
39. As palavras estão ligadas ao
conhecido, e o que é oculto é desconhecido. Portanto, o que está oculto está
fora de qualquer palavra. Pois se a ignorância do que é oculto é mais alta do
que o conhecimento, aquilo que está além do conhecimento não tem necessidade do
conhecimento, nem precisará de palavras. O intelecto que se elevou até o Um
absoluto, o Um oculto, se cala naturalmente. Mas se ele se calar sem que isto
lhe seja natural e sem se dedicar ao silêncio, ele não terá ainda alcançado o
Um oculto que se desenvolve acima de tudo.
40. Assim como acontece
eventualmente aos homens que vivem na hesíquia sair de suas celas e, por meio
desta experiência, conhecer a diferença entre se manter imóvel e sair, também
os que, por meio da contemplação, se ligam à glória de Deus, que vivem no
silêncio, mas que se põem a falar num dado momento, sabem por que, no estado em
que se encontram, o silêncio lhes vem naturalmente e não por intenção, e por
que se permitem falar mesmo possuindo em si este silêncio. Eles oram. Senão,
mantendo-se em seu estado, eles jamais chegariam a abrir a boca. Por que eles
estão na terra dos anjos: com os olhos fechados, em toda a unidade e toda a
simplicidade, fora de qualquer figura ou forma, numa palavra, unidos à verdade
nas visões imutáveis do intelecto, a sós consigo mesmos, eles se maravilham e
se admiram sem pensar em nada, apenas se atirando de olhos fechados nos
flamejamento divinos que não têm começo. Mas quando o intelecto, que tem a
faculdade de mudar, retorna do êxtase, eles acabam por falar e se transportar
pelo pensamento de um estado a outro, passando assim várias vezes e de diversas
maneiras do silêncio à palavra. Depois, para retornar ao estado de silêncio –
que é bem melhor do que a palavra – eles abraçam a hesíquia, se protegem de
seus sentidos e de todo o sensível, e, ao mesmo tempo em que cessam de falar,
se esforçam por todos os meios para não pensar, a fim de poder dizer com Davi:
“Eu permaneci mudo, eu me humilhei, eu estou calado, longe dos bens[55]”.
Falar dos bens está, portanto, abaixo do silêncio que acompanha a palavra.
41. O divino não é nem totalmente
aparente nem totalmente oculto. É claro que ele existe, que ele é, mas aquilo
que ele é permanece oculto. E é grande a diferença entre saber o que ele é e
saber que ele existe. Uma coisa é revelada pela energia, mas a outra – aquilo
que ele é – pertence à essência, aquilo que mesmo os anjos não podem saber de
Deus. Pois Deus é ao infinito infinitamente mais alto do que todo ser, do que
toda inteligência e do que todo pensamento. Quando ele se configura àquilo que
revela o que é Deus, o intelecto tem muito a dizer e pouco a filosofar. Nestes
casos, o filósofo pode também ser chamado de teólogo. Mas quando ele vai mais
longe e mais alto, graças ao fato de que o segredo de Deus o envolve, ele é
levado pela visão daquilo que é. A graça lhe concede ser sem forma
naturalmente, sem contato, sem rosto. Toda palavra que pudesse dizer qualquer
coisa de Deus se cala. O intelecto, reunido à unidade, permanece imóvel, e
penetra no incompreensível. Ele se entrega inteiramente àquilo que está além de
tudo, lá onde já não existe palavra, nem pensamento, nem nenhuma reflexão
mutante, mas a simplicidade, a incompreensibilidade, o silêncio e o
arrebatamento. Ele vê o Infinito, aquilo que não tem forma nem limite. Ele vê o
invisível. Mas sua visão é estranha aos sentidos, por estar diretamente ligada
à forma que não tem forma. O próprio intelecto se torna absoluto, fora de
qualquer figura. Conforme o que ele houver contemplado no invisível e recebido
de olhos fechados, numa palavra, ele se tingirá da divina beleza sobrenatural,
e glorificará a Deus que criou semelhante beleza.
42. Não é apenas por ser Deus
simples, além de toda composição, que ele é chamado de Um, mas por que ele é o
único que em verdade é o Ser entre todos aqueles a quem chamamos seres, mas que
extraem seu ser dele. Pois aquele que não é pura e simplesmente o Ser tampouco
é pura e simplesmente o Um. Deus é, de maneira absolutamente incompreensível,
Aquele que é. Ele é o único que difere de tudo e que existe puramente
independente de tudo. Ele é eterno, nunca teve começo e jamais terá fim. Ele
faz brilhar sobre todas as coisas igualmente e com a mesma pureza o raio divino
de sua providência, ainda que nem todas as coisas recebam igualmente este raio.
Em verdade, ele se revela absolutamente a todos como o Intelecto simples, sem
forma, sem figura, sem cor, sem contato com qualquer ser que seja,
absolutamente absoluto, sobrepujando ao infinito, fora de qualquer limite, o
tempo, a lugar, a natureza e as coisas que envolvem a natureza, exigindo apenas
ser contemplado na simplicidade, acima da união intelectual.
43. Quando, além de todo
pensamento, tem lugar a união entre Deus e o intelecto, dizemos então que o
intelecto que, por meio do sentido intelectual, vê absolutamente o sobrenatural
oculto, atinge o que está acima de sua própria natureza. O intelecto se torna
ele próprio aquilo que ele mesmo experimenta em sua natureza purificada pela
graça. Pois o pensamento está para o intelecto aquilo que a visão é para o
olho. Então, assim como aquele que vê nas trevas não enxerga nada senão estas
trevas, como uma só e mesma coisa, e ele vê e não vê, pois, se fechasse os
olhos, poderia pensar que a luz e outras coisas estivessem ao seu redor, mas
agora ele olha e vê claramente que ele não vê: ultrapassar nas trevas a
faculdade de ver e conhecer o que está oculto está, com efeito, acima da
natureza do olho, que não é a de ver o que não se vê; da mesma forma, o
intelecto que se elevou até o lugar oculto de Deus e se encontra além de todo
pensamento, não contempla nada. Como? Ele contempla aquilo que não contempla, e
o que ele não contempla é uma só e mesma coisa oculta como que por uma treva,
donde se origina todo ser qualquer que seja, visível ou inteligível, contado
entre a criação ou eternamente incriado. E, se ele não contemplasse, ele não se
veria infinitamente estendido além de si mesmo. Mas na realidade ele contempla.
E contempla com toda clareza que não contempla, por que está acima da
contemplação. Pois lhe é impossível contemplar o que não contempla.
Penetrar e contemplar no interior
do lugar de Deus, o lugar único e oculto que está acima de si, ultrapassa a
natureza do intelecto. Mas considerar a treva divina deste lugar oculto, ver
nela a unidade inefável que domina todas as coisas num mistério indizível, e
contemplar que nada contempla no interior da treva divina, isto é próprio do
intelecto puro que contempla no Espírito. Com efeito, quando o intelecto
contempla que nada contempla senão a unidade divina absoluta que reside no
lugar oculto, a visão intelectual não se fecha, tapada e inerte. Isto é apenas
o signo de sua ignorância. Quando ela contempla com clareza, então ela se eleva
para aquilo que a ultrapassa e, considerando o lugar oculto, o lugar do Um contempla
claramente que o Um é a origem de tudo o que é oculto. Mas não contempla aquilo
que ele é.
Foi dito que o intelecto alcança
neste momento aquilo que ultrapassa sua própria natureza. Pois ele considera o
lugar de Deus, o lugar que é infinitamente simples e oculto. Mas chegar até lá
não é natural para o intelecto, a menos que ele tenha se tornado puro. Sua
natureza, então, passa a ser a de chegar de olhos fechados àquilo que está
acima da natureza, ou seja, de se dirigir inconcebivelmente para o lugar de
Deus, o lugar único e oculto que se estende infinitamente além dele. Pois então
ele cessa de possuir em si seja lá qual forma de conhecimento for. Ele não
conhece senão o Um indivisível. Tendo chegado a este ponto por seu próprio
movimento, ele se detém na imobilidade e no repouso. Não falo da imobilidade
desprovida de contemplação, pois isto é a demência. Falo da imobilidade e do
repouso nos quais parramos de passar de um pensamento a outro, o que nos
permite contemplar. Pois o intelecto que chegou até aí, que atingiu a
incompreensibilidade do lugar de Deus, o lugar oculto e invisível, e que se
encontra em plena luz intelectual, no coração de um espaço infinito que não tem
limites, por assim dizer se abandona e permanece imóvel, não experimentando
outra coisa que o arrebatamento que o cumula de alegria radiosa. Ele não sai de
si, mas é animado pela energia da luz intelectual. Ele contempla imóvel o lugar
oculto que está acima do ser. Na unidade e na simplicidade, ele está privado de
todo conhecimento, mas se vê cumulado de beleza pela interioridade inacessível
do indivisível flamejamento. A contemplação não o deixa inerte. Senão, como
poderia ele provar do arrebatamento e a alegria radiosa? Mas quando o intelecto
chega a este ponto dizemos que ele permanece imóvel. Ele contempla, ele
descobre o Um sem ter que se agitar, ele se dirige para o esplendor do Um que o
cumula de alegria e luz, e permanece imóvel. Mas ele próprio não deixa de
usufruir da contemplação. Pois evitar esta experiência é algo condenável, cheia
das trevas da ignorância: estaríamos, neste caso, completamente fora da
contemplação.
A detenção do intelecto acontece
diante de um flamejamento inacessível de luz. A contemplação, aqui, não busca a
mudança, a passagem de um estado ao outro, mas o repouso e a detenção. Pois
este Um sobrenatural que permanece acima do ser e se revela no lugar oculto, é
infinito. Nenhuma inteligência pode chegar até aí. No entanto, não convém que o
intelecto contemplativo contemple em outro lugar, desde que ele tenha recebido
a purificação que lhe é própria e a elevação divina. Ele não descerá desta
contemplação divina, deste esplendor que está acima de toda beleza e deste
infinito, a menos que seja atraído pelas paixões, pela avidez ou pela
versatilidade natural de que costuma sofrer.
44. A natureza do intelecto é o
pensamento, e o pensamento reside na mudança e no movimento. Mas, uma vez que o
intelecto que penetrou em Deus se encontra acima do pensamento e do movimento,
podemos dizer com razão que, ao contemplar a Deus, ele ultrapassou
completamente sua natureza. Pois está claro que todo pensamento tem sua origem
em alguma coisa. Onde não existe nada para ver, nenhum pensamento pode nascer
nem se encontrar aí. Deus, que de forma alguma pode ser visto em sua realidade,
se revela naturalmente ao intelecto por meio daquilo que o cerca ou seja, por
aquilo que ele anima com sua energia. Com efeito, todas as coisas são lugares
de uma potência proveniente de um ser potente. Assim, a partir do momento em
que o intelecto se habitua a contemplar as potências que acompanham os seres
potentes, ele se volta para conhecer a Deus. Mas ele não consegue, por que isto
está além da natureza de toda e qualquer inteligência criada. Ele contempla
aquilo que está ao redor de Deus, e, com os olhos fechados, como dissemos, ele
representa Deus para si colocando sobre ele, simples e em recolhimento, toda a
sua atenção. Assim ele alcança o céu da hesíquia, ganha a bem-aventurança
divina e, por meio da energia do Espírito de Deus, do Espírito de adoração que
age sobre ele, se torna continuamente arrebatado para longe de todo pensamento,
num estado simples, fora de qualquer figura e de toda propriedade. O poder
sobrenatural do Espírito o faz penetrar no interior do coração rapidamente. Aí
ele permanece imóvel na visão de Deus, e já não pensa em mais nada. Ele está
além do pensamento. Do pensamento das coisas que estão ao redor de Deus ele se
eleva à visão divina e se restabelece na simplicidade. É neste momento que se
diz que ele ultrapassou sua própria natureza, por que atinge um ponto que está
além de todos os pensamentos.
45. Tudo o que dizemos ser oculto
deve se revelar de algum modo. Por isso estas coisas são chamadas de ocultas:
senão elas estariam mais próximas do mero nada. De fato, podemos pensar: aquilo
que não se dá inteiramente a conhecer, de uma maneira ou de outra, é semelhante
àquilo que absolutamente não existe. O segredo de Deus não deixa de incluir
pequenas revelações por meio das quais o intelecto que segue estas pegadas
consegue pressentir este lugar oculto, elevando-se em direção à
incompreensibilidade por meio daquilo que é compreensível em Deus. É então que
ele se dá conta de que existe precisamente algo que escapa à sua compreensão
natural, que é muito elevado para que ele possa perceber, por que este lugar
oculto é sobre natural. Causa, começo e fim de toda a natureza, de todo ser e
de toda existência, ele é em si mais alto dos que a natureza e do que o ser,
infinitamente além de toda existência. Ele está fora de todo nascimento, de
todo começo, de todo limite. A natureza, o espaço, o tempo simplesmente não o
podem conter. Assim é o Um oculto que ultrapassa a inteligência.
E é dele que provém naturalmente
a compreensão divina, que é tão abundante que nos conduz novamente para ela nas
alturas e que, guiando-nos em espírito, chamando-nos a retornar e nos atraindo
para si, nos une ao Um original e oculto, mais alto do que a natureza. E ele
nos une de tal forma a si que sabemos que ele existe e é, e que ele é o Um, mas
também que nos é absolutamente impossível conhecer este Um oculto. O que está
acima da inteligência e que escapa ao pensamento, que se pode falar dele?
Aquilo que é inteligível e do qual não se pode falar, o intelecto o contempla
na unidade, em silêncio, indizivelmente, inefavelmente, além de todo
pensamento, como segredo, regozijando-se aí como da causa e da providência, e
disto se maravilha como do ser mais que luminoso, mais do que bom, mais do que
sábio, mais do que poderoso, dele recebendo uma alegria divina, como através de
todos os seres que que não têm fim nem limite, que revelam o Um oculto que está
acima do ser, e, certamente, a continuidade da natureza dotada de razão. Não é
normal que o intelecto que experimenta estas coisas as mencione ou que delas
fale ao passar de um estado para outro. Portanto, se ele não se cala e se põe a
falar, é por que ainda não atingiu seu estado extremo. Pois é assim o estado
extremo, como o testemunham aqueles que nada colocam diante da verdade: quando
o intelecto alcança o ponto mais alto de sua energia, o estado supremo consiste
na contemplação deste ponto mais alto, a qual, como foi dito, se exerce bem
abaixo, com os olhos fechados e em silêncio.
46. Quando o intelecto se dirige
ao lugar de Deus com seus olhos fechados, para o cume do lugar oculto, único e
além de todo o conhecimento, a própria percepção que ele tem disto é cega. Esta
percepção lhe vem de além, marcada de simplicidade e de unidade, e cheia de
esplendor inefável, acima de toda beleza e de toda luz. No silêncio ela chama
para um abismo de admiração e arrebatamento. Ela investe o coração de energia
espiritual e doce alegria. Ela se torna assim, no intelecto, a iluminação
intelectual, flamejante, a imagem do eros
divino, regozijo radioso. Ela tem sua fonte em Deus, de onde provém todo dom de
bondade[56],
por intermédio da pureza do intelecto. E ela extrai sua matéria, se podemos
dizer assim, das revelações divinas reveladas pouco a pouco nas Escrituras e
nos seres correta e sabiamente contemplados na hesíquia e na prece. Pois a
visão do Um oculto no interior do divino, além de todo pensamento, não é
fortuita. Vemos o Um no esplendor que provém do lugar oculto, esplendor simples
que cumula para além de tudo a consideração e a contemplação intelectuais. Quem
não experimentou isto na razão e no conhecimento sobe de modo exterior para o
Um oculto, simples e sobrenatural, mas não tem em si a energia do coração nem a
luz do intelecto.
47. A claríssima, pura e simples
contemplação do intelecto em Deus, a contemplação voltada para o lugar de Deus,
o lugar único e oculto, e para o esplendor que irradia deste lugar, a
contemplação que recebeu o divino flamejamento da efusão luminosa sem começo
nem fim, exige não somente o silêncio da boca mas também do intelecto. Quando a
boca se cala ainda é possível que o intelecto siga trabalhando no interior,
entregando-se aos pensamentos e às reflexões mais diversas, como se a palavra
se encontrasse no interior. Mas neste caso o intelecto estará longe de se
elevar até o lugar oculto da unidade divina, este lugar que se estende para
além de toda figura. Com efeito, a contemplação do intelecto é uma coisa, e seu
trabalho, seu pensamento que procede da palavra interior, é outra. O intelecto
que penetrou nas coisas criadas e compostas, ou simplesmente diversas, começa
por contemplar, depois ele próprio se diversifica e se põe a pensar. Muitas
vezes ele encontra numa mesma coisa inúmeros pensamentos. Mas no lugar de Deus,
no lugar interior oculto, único e simples, ele volta e derrama o olhar de sua
contemplação e é iluminado pela simplicidade da irradiação divina. Ele quase
não se dispõe a pensar, pois a simplicidade do Um escapa a toda mudança e
dispersão do intelecto. E o lugar secreto está fora de toda palavra que pudesse
explicar o pensamento por um discurso interior e pela boca, É por isso que o
homem que se elevou em espírito até o lugar de Deus, o lugar oculto, o lugar
único da maior glória, silencia naturalmente em sua boca e em seu intelecto.
48. Quando o intelecto se
converte inteiramente a Deus, quando sua contemplação é absorvida pelos raios
perfeitamente luminosos da beleza divina, quando ele se eleva além de toda
figura, a simplicidade e no ilimitado do Um oculto que não tem forma, quando
ele se torna em si mesmo o Um por sua própria tensão em direção a este e a
admiração de seu olhar no sopro do Espírito, então esta busca do coração
encontra claramente o estado de infância. O intelecto prova do Reino de Deus,
inefável e sobrenatural, como disse o Senhor: “Se vocês não se converterem e
não se tornarem como crianças, vocês não entrarão no Reino dos céus[57]”.
Com efeito, o intelecto que ultrapassou os limites, que se voltou para o
indizível desconhecido acima dele, vê-se inteiramente restabelecido em sua
liberdade e em sua independência perante todo começo, todo pensamento, toda
composição, toda diversidade. É com naturalidade que ele silencia. Seu estado
não apenas se encontra acima de toda e qualquer palavra, como está acima de sua
própria energia. Pois ao mesmo tempo em que aborda o lugar oculto onde já não
existe forma, ele traz em si o sobrenatural, a graça e a doçura que culminam no
regozijo intelectual.
49. É numa forma sobrenatural
além de toda forma, numa beleza imaterial que não é composta, e na mais simples
figura que os contemplativos contemplam a Deus, o Um em sua unicidade, coroado
de bens infinitos, adornado de belas luzes inumeráveis, envolvendo todo o
intelecto com as belezas luminosas de sua irradiação, como uma beatitude
inefável e indizível, uma abundância incontida de coisas belas e boas que
jorram da fonte infinitamente, um imenso tesouro de glória, insondável,
inesgotável, que cumula as inteligências cegas com tantas delícias, alegrias,
graça e o mais puro regozijo que brota sempre misteriosamente desta unidade
divina sobrenatural mais alta do que tudo, oculta no segredo inacessível. Deste
local oculto se espalha. Tão imenso que ninguém pode ver seus rastros, um
oceano de inefável bondade, de amor inexplicável, de providência
incompreensível, no coração de um poder que não tem limite e que é de uma
sabedoria indizível: estas coisas que os próprios anjos e serafins não
conseguem conceber, por que elas estão além de toda inteligência. Uma razão
inefável nos permite tê-las em nós ainda no século presente, mas é no século
futuro que elas serão reestabelecidas e como que geradas e realizadas, e elas
maravilharão o intelecto dos querubins, que até então as compreendeu apenas
obscuramente. Ó bondade e vontade de Deus, amor e doçura, sabedoria e
providência divinas! Verdadeiramente bem-aventurados são aqueles cujas faltas
foram apagadas e os pecados perdoados[58]!
Bendito o homem que o Senhor instrui e ao qual ele concede o ensinamento de sua
Lei e do Espírito[59]!
50. É em espírito e verdade[60]
que se revelam as coisas invisíveis aos habitantes do mundo que não podem
receber o Espírito Santo[61],
conforme nos mostrou o Senhor. Alguns no entanto imaginaram que seria melhor
partir, morar longe do mundo e daqueles que vivem no mundo. Pela graça divina,
a luz da inteligência, o Oriente altíssimo[62],
o Oriente do sol inteligível, iluminou os olhos de seus corações. Eles
receberam o socorro que vem de Deus, e as revelações estão em seus corações[63].
A irradiação das visões divinas os ilumina. Eles veem de forma natural e clara
inúmeras coisas que vêm de Deus, que são oferecidas ao intelecto e que são
dignas da contemplação espiritual. Aqueles que assim levaram uma vida santa
estão ainda prometidos ao restabelecimento futuro, eterno, imutável, que não
apenas não será sensível como ainda ultrapassará o intelecto. Com efeito, todos
os que tiverem alcançado o estado mais alto do que a inteligência, que tenham
alcançado a vida e as delícias que ultrapassam o entendimento, serão
inteiramente transformados. Eles serão como que deuses por adoção,
transbordando de alegria diante Daquele que é naturalmente Deus, e se
regozijarão dos bens sobrenaturais que o Deus supremo lhes dispensará, ele, o
Deus único por natureza. Eles estarão ao redor dele. Sua vida, em toda
santidade, em toda pureza, será no mais alto ponto do cume divino, cume que
ultrapassa o intelecto. Eles dividirão com todas as ordens inteligíveis dos
anjos a única alegria regozijante, a única celebração das delícias
bem-aventuradas. Imenso é o fluxo da pura alegria das belezas últimas, é
impossível se fazer uma ideia do que seja. Pois se a beleza sensível que, por
intermédio dos sentidos, toca o intelecto, esta beleza que é limitada e que
passa, que não é ímpia nem incriada, suscita na alma delícias que não são da
graça, e se os que têm inteligência e consideram a analogia não estão longe de
ver e de compreender, que podem se tornar os que atingem as coisas
inteligíveis, das que ultrapassam a inteligência, que não têm limites, que não
escoam, mas que têm sua origem em Deus de onde vêm todas as coisas belas e
boas? Pois estas não são criadas, elas jamais tiveram começo, elas são feitas
para o regozijo, para a alegria, para a vida divina, de maneira digna do século
futuro e deste estado.
51. O intelecto que expressou sua
alegria diante das expansões do tempo e do espaço e diante das propriedades que
definem as naturezas, e que depois ultrapassou estas coisas, se torna em
verdade despido na simplicidade única e na vida despojada de toda arte e de toda
forma. Sem mais véu algum, sem qualquer vestimenta, fora de todo começo e de
toda compreensibilidade, de todo fim e de todo limite, ele cessa de pensar e de
falar, penetra sobrenaturalmente no poder e na irradiação divina, poder e
irradiação que o Espírito anima e que, o infinito, se estende aparentemente à
própria contemplação do intelecto. Então a paz de Deus se eleva sobre a alma, e
a alegria inefável, o indizível regozijo do Espírito Santo se espalha sobre
ela. O arrebatamento que ultrapassa o conhecimento a leva a cantar. Ninguém a
verá. Mas o Deus dos deuses se revela em Sião[64],
no intelecto que se eleva e contempla a altura. Senhor Deus dos Exércitos,
bem-aventurado o homem que se confia a você[65]!
52. Quando o intelecto que se
encontra entre Deus e as coisas divinas é iluminado no arrebatamento daquilo
que ele não consegue nem pensar nem dizer, ele devora o quanto pode dos
verdadeiros frutos do conhecimento espiritual, ele é deificado, ele se
regozija, ele progride no eros
divino. Ele já não fala nem disserta, nem consigo mesmo, nem em seu interior.
Ele cessa de pensar. Ele vê em si próprio, na unidade, na luz da verdade e do
Espírito, e daquilo que ele vê ele faz suas imutáveis delícias.
53. Quando o rosto do intelecto
que se debruça para o interior do coração vê brotar de si como um jorro
contínuo o flamejamento do Espírito, este é o momento de se calar[66].
54. Quando todo o rosto do
intelecto vê a Deus, quando todo o intelecto penetrou em Deus e, por assim
dizer, quando Deus penetrou todo o intelecto, este é plenamente, e daí por
diante, o tempo de se calar[67].
55. Quando o intelecto que, na
comunhão com o Espírito, recebeu a permissão de entrar em contemplação diante
de Deus, usufrui, na medida em que lhe é possível, da glória e do esplendor que
irradiam da face de Deus, é naturalmente necessário se calar e contemplar na
hesíquia, na ausência de qualquer ruído. Mas se, suscitado por uma palavra como
um fogo luminoso e abrasador, alguma coisa da perturbação das trevas vier, de
um modo ou de outro, se insinuar entre o intelecto e Deus, é preciso rejeitar
imediatamente esta palavra das trevas, que pode até ter uma aparência divina, a
fim de, afastando o mais depressa possível as trevas por meio da luz, as brumas
por meio do calor, iluminando e aquecendo desta maneira o intelecto, poder
novamente compreender a Deus como antes, contemplar sua beleza, usufruir
naturalmente dele, revestir-se de glória, numa palavra, experimentar as coisa
que, vindas de Deus, se derramam sobre a inteligência quando recebemos o
Espírito vivificante; é preciso retornar à simplicidade e estar em Deus em
espírito e verdade, desembaraçado de todas as coisas, inclusive daquelas que
envolvem a Deus. É isto que é natural, e que convém ao contemplativo.
Aquele que se dedica apenas à ação
deve também se ligar a este estado. Pois ele ainda não se acha unido a si
mesmo, e por si mesmo a Deus. É assim normal que este homem cante, que fale
muito e muitas vezes das coisas de Deus, de várias maneiras. Suas palavras são
como flechas que ele não cessa de lançar, atemorizando e expulsando os que nos
oprimem com sua maldade e nos combatem. Pois também para ele, que espera,
chegará o tempo. O sopro do Espírito irá chegar quando a cintilação de tantas
odes, cantos e palavras divinas, como uma luz flamejante, se reunir num mesmo
fogo, quando ele impor ao inimigo um golpe mortal, abrasador, dissipando – ou
melhor, destruindo – as trevas, iluminando a si próprio no fogo, aquecendo-se e
se elevando o mais possível em direção ao eros
divino, levando ao próprio Deus o hino do seu coração no silêncio e no
arrebatamento, representando para si mesmo o quão extraordinários são os
milagres dos mistérios. Pois não é sem razão que são chamados de
bem-aventurados os que esperam o Senhor, ou que, ao chegar o tempo, como mansos
herdarão a terra prometida[68],
a terra inteligível, em Cristo nosso Senhor.
56. Quando o intelecto, iluminado
por todas as efusões luminosas do Espírito, experimenta a vertigem, perde o pé
e se vê transformado, cada vez mais para longe de si próprio em direção ao
infinito, para o ilimitado, este é o tempo de calar[69].
57. Mas quando o intelecto se
sente esgotado pelo excesso de claridade que vê, quando sente que quer se
desembaraçar para encontrar algum repouso depois de relaxar a tensão, então este
é o tempo natural para falar[70],
ainda que brevemente, daquilo que concerne a iluminação divina.
58. Quando o intelecto, fugindo
em meio às águas do Faraó inteligível, atravessa sua noite à luz do fogo e seu
dia sob a cobertura da nuvem[71],
então é chegado o tempo do justo silêncio e da hesíquia, o começo, para a alma,
de sua purificação. Mas quando ela é combatida pelo temível Amalec espiritual e
pelas nações que o seguem, impedindo-lhe a passagem para a terra prometida[72],
então o tempo é de falar[73].
Mas ela é sustentada perante Deus pela ação espiritual e pela justa
contemplação, como outrora teve Moisés as mãos sustentadas por Aarão e Hur[74].
59. Quando o poder espiritual que
se derrama do coração vem do abismo da divina contemplação do intelecto, esta
inspiração que jorra da fonte, chega naturalmente o tempo de calar[75].
Com efeito, é neste momento que se celebra inefavelmente o culto de Deus, sua
adoração pelo intelecto em espírito e verdade[76],
por intermédio do verdadeiro sentido intelectual.
60. Quando, à custa de mirar a
Deus por intermédio do intelecto, a razão da alma se enche inteiramente do
arrebatamento divino, quando sua inteligência se enche com a visão, quando a
própria alma se enche de alegria, este é incontestavelmente o momento de se
calar. Pois em seu recolhimento e em sua sensibilidade o intelecto vê em
espírito a verdade, venera a Deus que ali brilha e o adora em seu
arrebatamento.
61. Aqueles que, como convém,
adoram e servem naturalmente a Deus, em espírito e verdade, não apenas não o
adoram e servem num dado lugar, como não o podem adorar e servir pela expressão
da palavra. Com efeito, assim como o sentido intelectual que se elevou
retamente não pode adorar num dado lugar Àquele que nada pode conter e que não tem
lugar onde repousar[77],
também quando ele guarda o que lhe é necessário e alcança a verdade, ele
naturalmente não pode sofrer por adorar e depois servir por uma diversidade de
palavras e definições de linguagem Àquele que é infinito, que não tem limite,
nem começo, nem forma, que é perfeitamente simples e que, por assim dizer,
ultrapassa o intelecto, uma vez que chegou para o intelecto, pela impulsão e o
sopro do Espírito, o tempo de brilhar na simplicidade e no conhecimento da
verdade divina[78].
Assim, quando chegado o tempo, o intelecto se desembaraça de tudo e sai de si
mesmo, não apenas ele deixa de falar, mas deixa de pensar, ele se dedica com
alegria e arrebatamento àquilo que a luz intelectual concede de melhor à
própria razão e a si mesmo, e ele o contempla, imóvel e imutável, fora de toda
arte, numa atenção cega e na união que o ultrapassa.
62. É preciso que o intelecto,
cuidadosamente atento a si mesmo, organize seu próprio estado espiritual com
prudência, sabedoria e justiça. A partir do momento em que ele sente que
contempla os mistérios da teologia, os mistérios simples, isentos de qualquer
figura, é preciso que ele permaneça em silêncio na hesíquia e no
maravilhamento, sem se afastar de seu próprio coração que recebe a energia e a
luz do Espírito. Pois então é chegado o tempo, não apenas para todos os
sentidos do ser em estado de hesíquia, longe das coisas sensíveis, mas para a
palavra, que deve cessar todo discurso e se calar. E, sobretudo para os que
possuem o conhecimento, é preciso dizê-lo, é chegado o tempo de repousar de toda
ocupação intelectual na hesíquia e de deixar de ver. Pois é preciso que ele se
aplique a permanecer perfeitamente imóvel nos sentidos, nas palavras, nos
pensamentos, a fim de que o intelecto, totalmente isolado – como é justo e
devido – em sua pura contemplação do Deus uno e único em três Pessoas, possa
com toda liberdade e na medida em que lhe for permitido, ver o que não tem
começo, fim ou limite, e as demais coisas divinas, numa palavra, as coisas
imutáveis e absolutas, e se unir a elas, transformado e simplificado pela
contemplação, e, com alegria e maravilhamento, tornado, pela graça divina,
totalmente semelhante a Deus. E, querendo o intelecto, se fosse possível,
permanecer neste estado – embora ele não possa, por que ele é mutável, ele vive
com as coisas que mudam e está conforme o corpo e as circunstância – ele deve
em conhecimento de causa, não se afastar, não decair da contemplação simples, e
não falar em excesso. Ele pode falar um pouco, e falar das iluminações divinas,
a fim de não apenas retornar o mais depressa possível à união com Deus que o
ultrapassa, mas de sentir em si esta união a um tempo mais evidente e mais
contínua. Quanto mais o intelecto guarda aquilo que recolheu em si e não deixa
que escorra para fora, mais depressa ele se nutre da união divina, mais ele se
une com clareza aos flamejamentos da luz, e mais fecundos se tornam seus
flamejamentos no contínuo habituar-se ao divino.
63. Quando o intelecto que prova
a revelação da pura e simples luz divina se vê transformado pela visão
intelectual e iluminado em todo o seu redor pelo desconhecido além de todo
conhecimento, ele é restabelecido em sua natureza indivisível, simples,
ilimitado, e se torna iluminado tanto na luz como nas trevas. Em sua
simplicidade transbordante ele contempla a beleza infinita, a beleza sem figura
acima de toda figura, a beleza sem começo que ultrapassa todo começo, que não
tem limites e que é infinita, por que preenche num transbordamento de plenitude
todos os bens que nela se encontram, os limites e a extensão de todas as
coisas, quaisquer que sejam elas. Numa palavra: quando, acima de todos os
seres, ele contempla a todos na visão do Um pela razão inefável de uma potência
intelectual que ultrapassa o entendimento, este é o momento de se calar,
simultaneamente imerso no mistério e além do mundo, ou, por assim dizer, o
tempo de experimentar sem ver e sem falar o puro e simples regozijo que concede
uma iniciação mais divina à verdade.
Mas quando tudo isto a que nos
referimos deserta do intelecto e ao redor dele surge a divisão, é o momento de
falar, mas apenas para dizer coisas dignas da elevação que conduzem ao
silêncio. O silêncio que ultrapassa a palavra e que, se podemos dizê-lo, vem a
seu tempo e naturalmente, é, com efeito, bem melhor do que qualquer palavra.
Salomão colocou o silêncio em primeiro lugar quando disse: “Existe um tempo
para calar e um tempo para falar[79]”.
O melhor é colocar em primeiro lugar o silêncio que vem em seu tempo. Mas se
este silêncio ainda não chegou, se o intelecto ainda não se voltou unicamente
para aquilo que ultrapassa a palavra, que entrementes a palavra em seu tempo
seja secundária a fim de que falar seja como calar e esteja próxima do
silêncio. Falemos quando for o tempo, mas apressemo-nos em retornar ao
silêncio, falando das coisas de Deus e nele pensando continuamente,
contemplando a criação, nela vendo seu Criador como num espelho, do qual ela
nos conta maravilhas. Nisto consiste em falar a seu tempo. E é assim que deve
ser compreendido o que definimos.
64. Quando o intelecto que
ultrapassou todas as coisas daqui e que se elevou naturalmente acima dele
próprio cala em sua alegria, é chegado para ele o tempo de usufruir das coisas
inefáveis mais altas do que o mundo. É o tempo do flamejamento e da luz
intelectual, da união do intelecto e da contemplação, da simplicidade, do
ilimitado, do infinito e do conhecimento mais do que luminoso. Numa palavra, é
o tempo da percepção e da comunhão da sabedoria espiritual, que permite ao
intelecto atingir o repouso e o silêncio, depois que ele recebeu a inexprimível
alegria do arrebatamento.
65. Quando a alma que recebeu a
verdade, que bebeu do cálice da graça como o melhor de todos, se sente
embriagada e fora de si, é claro que chegou para ela o tempo de calar.
66. Quando o homem interior chega
num estado em que clama: “Senhor, numerosos são os que me atormentam, numerosos
os que se levantam contra mim[80]”,
é então o tempo de falar, mas de falar naturalmente, sem dizer qualquer coisa,
e de opor aos inimigos, como se deve, a linguagem comedida conveniente.
67. Quando a luz da face do
Senhor se imprime na alma[81],
quando esta se vê cumulada de sua beleza e esplendor, e sobre ela se espalha
uma efusão de alegria divina: este é o tempo de calar.
68. Mas quando ela vê
levantarem-se contra ela os testemunhos injustos que dela exigem o que ela não
conhece[82]
e a perturbam, então é tempo de falar, e mesmo de contender.
69. O cume, se podemos dizê-lo, o
ponto extremo, a mais alta ponta do belo e bom é Deus, em todos os seres
inteligíveis como em todos os seres visíveis. Em sua natureza o homem é um ser
bem melhor, sem dúvida incomparavelmente maior do que si mesmo, e, pela graça,
verdadeiramente maior do que os próprios anjos. Portanto, o intelecto
contemplativo, que dentre tantas coisas que existem entre Deus e os homens, se
aproxima daquilo que ultrapassa o entendimento, se vê restabelecido no
arrebatamento mesmo que ainda não tenha experimentado da abundância da graça
que ilumina. Mas quando ele a prova, pelo poder ativo do Espírito que reside no
coração, se posso dizê-lo, ele se eleva ao cimo do belo e do bom, em direção a
Deus, e, por intermédio de um dom mais do que divino, nele penetra. Ele enxerga
o coração da unidade e é arrebatado, permanecendo em silêncio no abismo que o
ultrapassa. Aí estão, se podemos dizê-lo, os penhores do primeiro repouso
sabático, cuja imagem é o repouso de Deus após a criação dos seres[83].
Mas o intelecto contemplativo desfruta manifestamente de outro repouso
sabático, maior e diferente, cujo exempli iniludível nos foi dado pelo povo de
Deus[84]
que se voltou para si próprio, para longe de Deus, abandonando o sábado. É
então que o intelecto conhece a si mesmo como a imagem que segue o modelo, é
então eu ele conhece por completo as coisas que estão entre Deus e os homens.
Não apenas ela toma o caminho do modo que convém, num arrebatamento
maravilhado, em direção ao que é mais alto do que si próprio e que ultrapassa o
pensamento, mas ainda, para além de tudo o que se pode descrever ele se enche
de alegria e regozijo espiritual, irradia em silêncio sob os flamejamentos e os
milagres das visões de Deus que o abrem para além de si mesmo. E ele se une a
esta unidade da Divindade sobrenatural, em Jesus Cristo.
70. Quando aquilo que
verdadeiramente é apaga como se fossem nada todas as coisas criadas que lhe
estão submetidas, então o intelecto que contempla em espírito e verdade, na
infinita eminência indizivelmente, acima da energia e da união de que é capaz.
Ele se torna simples, ou ele se torna Um, por assim dizer, inefavelmente possuído
pelo silêncio. Ele já não está apenas cheio de amor e de alegria, mas das coisa
que provêm da energia do Espírito, das delícias dos anjos.
71. Assim como, Senhor, você é
absolutamente incompreensível em sua essência, e que ninguém – nenhuma natureza
dotada de razão e de intelecto, nenhum conhecimento criado, ainda que aquele
dos querubins – pode compreendê-lo, por ser infinitamente ao infinito mais alto
do que todo o conhecimento, também as coisas que estão ao seu redor, Mestre,
são totalmente sem fim e sem limites. É isto o que, numa insuperável
solicitude, você ordenou a Moisés, o legislador do Antigo Testamento, no
sentido de pregar que você é e de falar de você. E é também o que você, que não
mente, que é o único, a mais alta verdade, disse de alguns dos seus. De fato,
você lhes apareceu, e, no entanto, não revelou seu nome. Por que ele está
incomparavelmente acima de todo nome[85],
não apenas dos nomes dos seres que vivem sobre a terra, mas ainda dos nomes dos
seres que estão nos céus. Os que estão cheios de luz revelam a sua essência,
mas não aquilo que você é fundamentalmente. Por que a inteligência que temos de
você não tem nada de fundamental. Assim é que você se revelou mais alto do que
o ser, para se dar a conhecer claramente além do entendimento, infinitamente
desconhecido, infinitamente mais alto do que todos os que têm o poder de se dar
a conhecer. Você se revelou mais alto do que o tempo, sem começo, por que você
é a própria vida. Você não tem limites, você escapa por completo a todo
pensamento espacial, você que está sobejamente presente em toda parte e que
está acima de tudo, como criador do mundo inteiro. Você é verdadeiramente o
único a abarcar as naturezas intelectuais, e você é o lugar inacessível. Você
ultrapassa prontamente o intelecto e prevê seu pensamento, por que você está
acima de tudo, você é a mão que inexplicavelmente sustenta o universo. E você
não está submetido, se isto fosse possível, aos limites da natureza, por que
você não tem limites. Não apenas você é como que sobrenaturalmente
incompreensível na própria natureza, como ainda é incompreensível nos seres
naturais que o cercam, por que você é a sabedoria mais do que sábia, a potência
mais do que potente, o amor a bondade que ultrapassam todo pensamento de amor e
de bondade.
Que dizer do que é você? A luz,
da qual se diz ser inacessível? Mas você está acima da luz. Que dizer do que é
você? O juiz para quem nada é desconhecido antes mesmo do nascimento? E isto lá
é próprio de algum juiz? Você é muito mais do que um juiz. E que tipo de
criador podemos dizer ser você, que deifica num único e mesmo impulso de sua
vontade a multitude e a diversidade das coisas imateriais? Ó profundidade da
eminência! Com uma única impulsão do Espírito, por assim dizer, sua natureza
única suscita tantos e tantos seres espirituais quão diferentes são as
condições e as pessoas. Esta é uma coisa maravilhosa e que ultrapassa do
pensamento. Mas é isto próprio de um criador? Absolutamente. Existe aqui mais
do que criador. Pois podemos chama-lo de criador do mesmo modo como chamamos um
pedreiro ou um artesão? Que pedreiro constrói sem uma fundação, sem nenhuma
base, e, rapidamente, como você, Mestre que fundou a terra sobre o nada[86]
– com todas as suas montanhas, suas pedras e todos os demais elementos da matéria
– e que a fundou tão firmemente? Ou qual artesão criou a partir do nada tão
grandes coisas geradas num único instante pela palavra, como você criou? Se
dissermos que sua criatura foi feita por um pedreiro ou um artesão, será justo
o que dizemos? Na verdade, jamais. Por que você é Deus, você está infinitamente
acima de um pedreiro ou um artesão. Poderia jamais alguém conhecer, ou
aprender, ou refazer um amor tal como o que sua bondade maravilhosa nos mostrou
em condições tão extraordinárias, quando, para além de toda esperança, em seu
grande amor pelo homem, você assumiu nossa natureza? Os que são capazes de sem
dúvida contemplar estas coisas só o podem fazer por intermédio da graça, quando
retamente se dirigem para a imensidão, para o oceano de um amor e de uma
providência que lhes são estranhos. Mas a violência do eros os coloca fora de si, e eles já não sabem como nomear as
coisas que a eles chegam vindas de você. As condições de sua encarnação no
homem, ó Deus mais do que bom, ultrapassam com efeito, de longe, a inteligência
e a razão, tudo o que podemos entender e pensar.
É você o Pai de todos, podemos
chamá-lo assim? Mas você está inefavelmente acima de qualquer paternidade, de
toda causa e de todo poder, de toda providência e de toda instrução, de toda
paciência, de toda constância. Podemos chama-lo de rei? Mas sua realeza não se
resume ao presente, e menos ainda ao futuro, e absolutamente ao passado. Mas
como? Maravilhosamente, absoluta e independentemente. Seu Reino é, com efeito,
ao mesmo tempo o Reino de todos os séculos, ele pertence igualmente ao
presente, ao passado e ao futuro. E sua soberania se estende de idade em idade[87].
Assim, em tudo e por tudo, de uma
vez por todas, você está absoluta, incomensurável e simplesmente acima de toda
inteligência, Senhor incompreensível, você e as coisas que estão ao seu redor.
O intelecto que contempla estas coisas é arrebatado por algo que ele não pode
ver de você, ele mergulha por inteiro no sopro do Espírito, ele penetra como
que numa treva mística, por que ele não pode vê-lo perfeitamente devido à
natureza infinita e inacessível da glória. É assim que, na calma que sobrepuja
o mundo, você concede inefavelmente o repouso aos que, maravilhosamente, o
contemplam e o amam, e você nada faz sem que eles o vejam. Você lhes concede
novamente o repouso divino e sobrenatural, Deus inefável, incompreensível,
indefinível, ilimitado, numa palavra: infinito. Você lhes concede o repouso da
essência e da energia. Amém.
72. Quando o intelecto que se
confiava às coisas contraditórias e aos pensamentos divididos se afasta de toda
atividade distrativa, quando ele se encontra acima de sua própria dispersão, na
respiração e na participação do Espírito Santo que unifica e não cessa de
soprar e de se derramar no coração, quando ele ama permanecer todo o tempo nos
lugares divinos pela graça das visões de Deus, a partir do momento em que ele
se alimenta da contemplação inefável, na unidade e no desejo do amor, como de
um só e mesmo olhar espiritual, das grandes coisas que estão à volta de Deus,
então ele penetra claramente no repouso divino, ele desfruta da paz profunda de
Deus, do santo e calmíssimo repouso do coração, em nosso Senhor Jesus Cristo.
73. Quando o intelecto se volta
para Deus e ora, como um filho, com todo seu ser, e se entrega ao seu pai
afetuosíssimo, quando ele se regozija por ver inefavelmente a luz de Jesus,
quando ele é arrebatado em seu grande desejo de amor, quando ele sente clara e
sobrenaturalmente em seu coração o eros
divino e a energia do Espírito Santo, quando ele deseja se elevar no mistério
mais alto do que o mundo, acima mesmo das manifestações e das realizações
divinas, ele repousa de todas as suas obras[88],
acima de toda meditação, ele ultrapassa o pensamento, ele se regozija
maravilhosamente e repousa verdadeiramente na paz do Espírito vivificante de
Cristo.
74. Deus repousou de todos os
trabalhos que havia feito[89],
mas depois de se ter cumprido a criação no Verbo e no Espírito. Da mesma forma,
o intelecto semelhante a Deus repousa de todas as obras que realizou desde o
começo para realizar o mundo inteligível voltado para a virtude, mas não
repousa senão depois de haver, no Verbo de Deus e no Espírito vivificante,
considerado e refeito em si, continuamente, o mundo inteiro e as coisas
vivificantes que ele contém, e não sem antes ter, desde aí, subido, no Verbo e
no Espírito, àquelas coisas que dissemos se seguirem às naturais, e de se ter
debruçado sobre as visões místicas da teologia, simples e absolutas. Então ele
se verá de fato em repouso e desfrutará na verdade intelectual de uma grande
paz. Ele será deificado pela luz do conhecimento e pela participação do
Espírito vivificante, em nosso Senhor Jesus Cristo.
75. Assim como Deus repousou não
de todas as suas obras, mas apenas daquelas que havia começado, e não repousou
das obras incriadas que não têm começo e que lhe eram como que naturais, também
o intelecto que, à imitação de Deus, conseguiu, pelo Verbo divino e o Espírito
vivificante, superar e ultrapassar sobejamente a criação visível, não repousa
de todas as obras que lhe são naturais, que não têm começo e que não terão fim,
mas repousa apenas das obras visíveis que possuem um começo e que terminarão. A
partir do momento em que, pela imobilidade, o repouso do corpo obedece ao que
está repousado, é, ao contrário, ao estado do intelecto que ele obedece. Pois
se o intelecto não está constantemente em movimento sob o sopro vivificante e
contínuo do Espírito no conhecimento daquilo que ele vê, tampouco ele saberá se
ele entrou no repouso intelectual, girando na unidade e num movimento contínuo
em direção a Deus apenas, e contemplando Aquele que se entregou a ele no
indizível e inefável repouso de Cristo.
76. “Não se apresse, disse
Salomão, em falar diante da face do Senhor. Pois Deus está no céu altíssimo, e
você está aqui em baixo sobre a terra[90]”.
Ele indica e expõe com clareza e exatidão qual é o tempo de calar. Ele o diz
abertamente: uma vez que você que está aqui em baixo sobre a terra foi levado
até diante da face do Senhor que está nos altos céus, e que você foi tornado
digno de uma graça tal que lhe permite desde baixo contemplar e meditar as
coisas do alto[91],
e, dirigindo-se a elas por intermédio do intelecto, erguer-se diante da face do
Senhor, não se apresse em dizer palavra. Pois este é o tempo de calar. Não fale
quando, na unidade e à imagem de Deus, seu intelecto é animado pela energia da
verdade. Nisto consiste o ser em face do Senhor: voltando-se única e
simplesmente para Deus, o intelecto o contempla em sua unidade a multidão dos
seres que estão ao redor de Deus. Se você fizer esta experiência, se você se
encontrar diante da face do Senhor, não se apresse em falar. Do contrário, ou
você, voluntariamente e sem o saber, estará recuando e descendo de volta a si
mesmo, ou ser-lhe-á necessário explicar o sentido de suas palavras.
A natureza humana era tal como
era. Ela era pura, e com toda justiça estava distante do mal e próxima a Deus.
Ela contemplava a Deus. Em Adão o Ancestral, com alegria e maravilhamento, ela
desfrutava da glória da beleza de sua face. Suas delícias eram imateriais,
intelectuais, celestes, incorruptíveis. Uma graça imensa envolvia, com sua
efusão, a alma do primeiro homem. No coração do paraíso terrestre, seu
intelecto semelhante a Deus se banhava numa multitude de tensões voltadas para
Deus e de contemplações que lhe concediam todo o conhecimento. Assim, ele
desfrutava do paraíso intelectual. Eu diria que sua vida era bem-aventurada.
Ele estava unido a si próprio e permanecia em si mesmo próximo a Deus, ligado
naturalmente a Deus pela simplicidade e divindade de seu estado, e com toda
justiça, por que fora criado à imagem de Deus.
Numa palavra, esses bens que
provinham de Deus estavam por toda parte ao nosso redor. Ora, isto é uma coisa
que o maldito demônio, devorado pela inveja, hostil à nossa felicidade e à
nossa glória, não podia suportar. Como? Este ser profundamente malfeitor, por
meio de seus pretensos conselhos, iludiu e suspendeu nossa esperança. Atiçando
o desejo que tínhamos por uma deificação ainda mais alta, o primeiro operário
do mal nos desviou do caminho reto do mandamento de Deus[92].Então
sofremos impiedosamente a perdição a que nos levou a mentira e fomos exilados
para longe de Deus e para longe das delícias divinas[93],
tombamos fora da vida espiritual simples à qual se dedicava o intelecto,
decaímos do poder que tínhamos de contemplar a face de Deus e sermos
glorificados, transfigurados pelo raio da beleza divina. Fomos divididos e
submetidos a inúmeras divisões. E – coisa jamais deveríamos ter feito –
gostamos destas vidas divididas e destas alienações. Nos afastamos até o ponto
de venerar, em lugar do Deus único em três Pessoas, numerosos deuses que, na
verdade, sequer deuses eram, mas demônios enganadores, corruptores e
malfeitores; perdemos o Um em si, a vida e a ordem simples, dividimos nosso ser
numa multitude de partes diferentes e nossa força intelectual, a tensão – ou,
mais exatamente, a energia que nos elevava – acabou por nos faltar. Fomos dar
nas profundezas de um mal extremo[94],
em direção às coisas mais baixas. Nós que éramos a imagem de Deus[95],
que éramos dignos da vida do alto, escolhemos a loucura[96].
Mas nossa natureza não é nem
imutável, nem imóvel. Da mesma forma como fomos miseravelmente decaídos desta
glória imensa até a mais baixa desonra, nos é felizmente possível retornar,
voltar e rever a face santíssima de Deus. Claro, não mais a podemos como antes.
Mas nos é concedido experimentar de longe o esplendor de sua beleza. Assim foi
com o divino Moisés, com o conjunto de todos os profetas e com aqueles que
vieram antes deles, com Abrahão e seus filhos: todos viram a face de Deus na
medida em que lhes foi permitido. E a viram claramente. Desfrutaram
suficientemente da luz desta beleza e foram arrebatados por sua glória
inacessível. Alguns disseram: “Pobre de mim![97]”
Outros, diz-se, consideraram que não passavam de terra e cinzas[98].
E outros nada puderam dizer sob o transbordamento da glória Daquele que
contemplavam. Eles consideraram que sua voz era fraca e que sua língua muda[99].
E eles atravessaram gloriosamente muitas outras provas bem-aventuradas.
O maravilhoso Davi, queimando de
desejo de ver o esplendor de beleza da face de Deus, clama por Deus e implora:
“Quando poderei ver a face de meu Deus?[100]”.
Querendo mostrar em que estado de alma é possível ver a face do Senhor, ele
disse: “Os corações retos permanecerão com a sua face[101]”.
E quando sabiamente ele mostrou a força concedida à alma pela contemplação da
face de Deus, disse: “Você me rejeitou sua face e eu estou perturbado[102]”.
Mas se a perturbação vem quando a
face de divina nos é rejeitada, a paz espiritual se segue à sua presença e
visão na alma. O dom é tão grande que depois do amor divino e da alegria
aparecem as coisas do Espírito – podemos chama-las de carismas ou de frutos – e
os que vivem na santidade e na beatitude caminham à luz da face do Senhor. Foi
dito: “Senhor, eles caminharão à luz de sua face e se regozijarão todo dia com
seu nome[103]”.
Este dia é o dia espiritual, a partir do momento em que o Sol inteligível, o
Sol inefável, envia seus puros raios vivificantes apo homem interior e que a
percepção das coisas mais altas que o mundo se acende no intelecto, ao mesmo
tempo em que toda memória da alma é erguida da terra e levada ao céu.
Quem pode dizer até que ponto o
homem é bem-aventurado, e exulta, canta os hinos naturalmente e se regozija na
alegria, nas delícias e na felicidade? Ele está radiante e seu coração está em
festa, cumulado pelo esplendor da face do Senhor. De resto, é por isso que ele
suplica a Deus. Ele diz: “Não afaste de mim sua face, ou eu serei como aqueles
que descem à cova[104]”.
Pois a causa das trevas é o afastamento da face de Deus. Mas seu retorno nos
enche de toda luz do intelecto, bem como, justamente, de alegria espiritual,
como Davi diz de si mesmo: “A luz de sua face se levantou sobre mim[105]”.
E ele acrescenta: “Ela trouxe alegria ao meu coração[106]”.
Ele deu testemunho novamente do dom espiritual que lhe concedeu a graça divina
cumulando-o com a luz da face do Senhor. Ele disse que os que se mantêm perto
da face do Senhor e o invocam são os ricos do povo de Deus[107],
os ricos em espírito. Pois se são numerosos os santos e os homens de Deus,
seria sem mais permitido a todos que vissem a face de Deus, levando uma vida
angélica enquanto ainda estão na terra? Faltaria muito. Só o podem os que, com
sabedoria e conhecimento de Deus, consideram seu dever servir e adorar o divino
em espírito e verdade[108].
Assim, é com justiça que eles são chamados os ricos do povo de Deus, os que
iluminam os mistérios de tantas contemplações. Pois sua riqueza consiste na
profundeza de uma imensa sabedoria e de um conhecimento divino e espiritual
que, segundo Paulo, não é dada a todos[109].
É por isso que o maravilhoso Davi disse a Deus: “Os ricos da terra implorarão
sua face[110]”.
Do mesmo modo, Salomão, que possuía
o conhecimento mais do que todos, que mais do que todos estava cheio da
sabedoria divina[111]
e que ensinou com grande felicidade as coisas mais altas, disse: “Não se
apresse em falar diante da face do Senhor. Pois Deus está nos altos céus, e
você está sobre a terra aqui em baixo[112]”.
Quando, por um dom de Deus, chegamos a estar diante da face do Senhor, quando
vemos sua imagem divina e simples, ou seja, quando nos elevamos à contemplação
do intelecto, é o tempo de calar. Não se apresse em dizer a menor palavra,
seguindo seu hábito de tomar a palavra ao acaso, pois ainda não é tempo de
falar. Você se tornou Deus, você também, enquanto ainda está sobre a terra,
contemplando, à imitação dos anjos, a face de Deus que está nos céus. Pois os
anjos, como disse nosso Salvador, veem continuamente a face de nosso Pai que
está nos céus[113].
Então, quando você ouvir, como disse Salomão algures, que a luz brilha sempre
sobre os justos[114],
considere que estes experimentam naturalmente esta luz pela própria irradicação
da face do Senhor, por que eles veem por intermédio da graça divina, à maneira
dos anjos, esta face de onde a luz se derrama como de uma fonte. Pois o homem
se torna e se constitui sobre a terra como um anjo, para não dizer Deus.
Portanto, se você retornar ao dom da graça do Senhor, ao dom que o faz ver sua
imagem, considere que aquilo que é Deus no alto o é também você sobre a terra,
ou seja, Deus. Mas não fale desta maravilha, sequer pense nela. Caso contrário,
você estará dividido em sua inteligência. Aplique-se com toda simplicidade,
contemple como Deus na treva, imóvel, numa visão simples e única, e desfrute do
esplendor inacessível que flameja e irradia da face do Senhor.
Esta é, digna de ser imitada, a
alta condição daqueles cujo intelecto é sábio e voltado para Deus: a flor, por
assim dizer, da pureza intelectual, a unidade desejada da fé[115]
realizada na comunhão do Espírito, o fruto glorioso da sabedoria divina e
deificante, o fundamento da paz espiritual, a morada da alegria inimaginável, a
porta do amor de Deus, o germe do flamejamento, a fonte de onde se derramam as
águas inesgotáveis do Espírito, o verdadeiro alimento simbolizado pelo maná, as
delícias, o crescimento e a transformação da alma, o começo dos mistérios e das
revelações inefáveis de Deus, a realização da única verdade primigênia, a
desaparição de todo pensamento, o fim de todas as reflexões, o conhecimento
mais alto do que toda compreensão, a origem do arrebatamento, a renovação da
inteligência, a renovação que a ultrapassa, e sua mudança em vista daquilo que
é simples, sem limites, infinito, incompreensível, sem figura e sem forma,
puro, invariável, intangível, mais alto do que o mundo: em tudo o
restabelecimento que conduz à imagem de Deus.
Uma vez que você atingiu este
estado, e que a graça, em seu amor pelo homem, o fez conhecer o milagre de
Deus, não se apresse, por ignorância, em dizer a menor palavra diante da face
do Senhor[116].
Pois a ele cabe a glória única e simples pelos séculos dos séculos.
77. O intelecto que pretende
contemplar os inteligíveis que o ultrapassam não vê senão coisas incertas,
obscuras, confusas, se, por intermédio da graça de Deus, não obtiver o auxílio
de seu coração para alcançar esta contemplação. É por isso que ela precisa
conhecer o prazer que lhe é próprio, mesmo que, por ignorância, ele imagine
provar deste prazer antes de tê-lo realmente provado, assim como alguém que
come pão sem fermento imagina ter um certo prazer, enquanto que, não tendo
jamais provado do verdadeiro pão, ainda necessita conhecer o prazer que dá o
verdadeiro pão.
78. Depois de ter se unido ao
coração por intermédio da graça, o intelecto contempla sem erro a luz
espiritual e se volta para o objetivo de seu próprio desejo, que é Deus. Ele se
encontra totalmente fora dos sentidos. Para além de toda cor, de toda
qualidade, de toda imaginação, ele cessa de ver o sensível.
79. O intelecto que, por
intermédio da graça, foi conduzido à contemplação, come sempre em verdade do
maná espiritual. Pois o maná sensível de que Israel se alimentava e que nutria
os corpos tinha o poder de fornecer um prazer real, mas ninguém sabia do que
ele era feito. O próprio nome “maná” – que significa: “O que é isto?” –
significa este desconhecimento: a palavra o diz. Os Hebreus comiam o que
estavam vendo, mas, ignorando do que era feito aquilo que comiam,
interrogavam-se, dizendo: “O que é isto?[117]”.
O contemplativo se maravilha, ele também, em seu intelecto, e diz a si mesmo:
“O que é isto?”. Aquilo que ele contempla alegra e alimenta o intelecto que se
alimenta em espírito. Isto, de fato, ultrapassa todo pensamento. Pois é uma
coisa divina, sobrenatural, paradoxalmente alimentando e dessedentando a
inteligência, e que escapa ao estado desta, não apenas por ser incompreensível
em sua essência, como por ser infinita e não possuir limites.
80. Três coisas dão testemunho da
verdade, posso dizê-lo com toda certeza: a criação, a Escritura e a visão no
Espírito. Com efeito, é a partir da Escritura, da criação e daquilo que vemos
em Espírito, que podemos contemplar a verdade simples que é única, e a verdade
composta que dela deriva. Se, por intermédio destas três coisas que mencionamos,
chegarmos a estas duas verdades, e se aí nos mantivermos, teremos encontrado,
pela graça de Cristo, o caminho direito. Pois a verdade simples nos permite
atingir a altura e a profundidade inteligíveis, assim como a largura infinita
pelas quais celebramos com arrebatamento e temor. E além destas coisas, a
verdade composta nos permite descobrir a paz, o amor e a alegria do coração.
Maravilhados, cantamos amorosamente.
Mas ao homem é preciso muito
tempo, esforço e paciência para, de um modo ou de outro, rejeitar os sentidos,
separar o intelecto do sensível e permanecer no inteligível. Só então a
contemplação da verdade resplandece na alma. Não digo que a verdade seja
necessária para descobrir essas coisas, uma vez que demanda tempo, esforço e
paciência para as compreender. O que afirmo é que é o homem que as deve
encontrar. Pois a verdade é coisa uma e simples, ainda que sua contemplação a
revele como dupla. E ela se dirige a todos, para dar testemunho diante daqueles
que a querem ver. Mas o homem é composto, ele está ligado aos sentidos,
submetido às mudanças e à evolução, ele acaba saindo de si de um modo ou de
outro, alienado pela malícia e a presunção e pela doença da descrença. Pois
estas três coisas – a presunção, a malícia e a descrença – o fazem decair
miseravelmente dos três testemunhos da verdade, ou seja, da Escritura, da
criação e do Espírito. É por isso que devemos rejeitar a má presunção, ao mesmo
tempo em que rejeitamos as demais coisas de que já falamos, a fim de que o
intelecto, retornando à humildade, possa crer com toda simplicidade para em
seguida ser capaz, por meio da Escritura e da criação, de conhecer claramente
no Espírito não apenas a verdade simples, como também a verdade composta que
dela é derivada. Acrescentarei ainda que estes males afastam a inteligência da
contemplação e a impedem de desfrutar desta.
A verdade primeira é assim uma só
e mesma coisa simples. Depois, para nós que somos compostos, vem a verdade
composta que se segue à verdade simples. Tal é a última e melhor garantia de
nosso intelecto, para a qual os que são conduzidos ao objetivo do Espírito
entregam toda conduta e toda ascese, a fim de que o intelecto posto a nu possa
ver o esplendor que provém da única verdade primigênia e desta verdade
composta, e delas possa desfrutar maravilhosamente. Ora, isto não pode ser
feito senão por meio da humildade e da simplicidade na fé, pelo testemunho da
Escritura e da criação, no Espírito.
Quando o intelecto vê a verdade
no espelho destas três potências, pelo triplo testemunho de que falamos, ele
retorna naturalmente a si mesmo, tornando-se ainda mais humilde, mais simples,
e reencontra a fé com toda a certeza. A partir daí, com os pés alegres, como se
diz, ele se eleva para a contemplação desta verdade que brilha com toda luz de
seus raios, que o farão retornar a si mesmo através da grandeza da glória que
contempla, arrebatando-o e investindo-o na fé. Assim, regressando e voltando a
si, percorrendo como um círculo divino, elevando-se por meio da humildade, a
simplicidade e a fé, contemplando a verdade, fazendo-se a cada dia mais humilde
na luz da verdade e mais e mais simples na fé, ele não mais cessa de caminhar
por esta via, na medida em que lhe for possível dizer: “hoje[118]”.
Com humildade, simplicidade e fé, pelo testemunho da Escritura e da criação, no
Espírito, ele contempla a verdade e depois retorna para o ponto de onde partiu.
Assim deificado a cada dia pela graça, brilhando com uma luz que o ultrapassa,
levando uma vida cheia de graça em nosso Senhor Jesus Cristo, ele recebeu como
penhor o gosto da fruição dos bens eternos por vir.
81. A integridade e a
invulnerabilidade da vida contemplativa são asseguradas por estas três coisas,
a saber: a fé, a clara comunhão do Espírito Santo e a sabedoria do
conhecimento. Com efeito, por definição, a contemplação é o conhecimento do
inteligível no seio do sensível. Em alguns casos, naqueles que progridem, ela é
o conhecimento do inteligível puro, fora dos sentidos. Mas aqui a fé é
necessária. Pois foi dito: “Se vocês não crerem, vocês não compreenderão[119]”.
E também é necessário o Espírito, uma vez que o Espírito sonda tudo, mesmo as
profundidades de Deus[120].
O divino Jó disse: “O sopro de Deus que domina o universo me ensinou[121]”.
Depois a energia divina que brota fervente no coração, se posso me expressar
assim, embora viva e vivifique para além do mundo, se recolhe naturalmente em
si mesma, reúne inefavelmente o intelecto, afasta-o de toda distração e, com
serenidade, profunda alegria, consolação e amor divino, lhe concede ver sem
dificuldade as coisas de Deus, se voltar para elas, contemplar a Deus com toda
novidade e se regozijar abundantemente nele no coração deste novo eros ainda maior e da alegria que dele
recebe.
Mas, como eu disse, também é
necessária a sabedoria. Pois a sabedoria, diz a Escritura, ilumina a face do
homem[122].
Ela a ilumina para nos fazer passar alegremente dos sentidos à intelecção, para
nos elevar das coisas sensíveis às visões inteligíveis de Deus, para nos dar a
ver as coisas inefáveis da revelação intelectual. Ela a ilumina para que
possamos contemplar no mistério e ver na unidade a Deus mais alto do que o ser.
“Bendito é o home a quem você instrui, Senhor, e a quem você ensina com a sua
lei[123]”.
Pois é verdadeiramente sábio aquele que, pela instrução, atinge a fé, e que,
pelo ensinamento do Espírito, aprende os segredos de Deus. É uma grande coisa,
em verdade, um sábio que, pela fé, caminha na união e na comunhão sobrenaturais
do Espírito. Como já foi dito, existem três coisas que ninguém pode dominar:
Deus, o anjo e o home que ama a sabedoria. O sábio é uma espécie de anjo,
estranho sobre a terra. Em tudo ele vela sobre a criação visível. Ele é o fiel
iniciados das processões incriadas de Deus, vale dizer, de seus dons, e ele
traz em si, por uma atenção concentrada, à imitação dos anjos, o conhecimento
deste Deus invisível.
Tal é, em poucas palavras, o
homem que, no Espírito Santo, pela fé, é sábio e bem-aventurado, ainda que, sem
nenhuma dúvida, para encerrar me baste citar aquilo que Lucas explica nos
Evangelhos a propósito de Jesus nosso Senhor, ao contar o poder e os louvores
da sabedoria e da graça. Foi ele, de fato, que escreveu que Jesus progredia em
sabedoria, idade e graça[124],
e ainda que ele crescia e se fortalecia em espírito, cheio de sabedoria[125].
Ainda tentando expressar mais claramente o que precede, acrescentarei o que
Salomão disse a Deus: “Quem poderia ter descoberto o que há no céu e quem
saberia qual é a sua vontade, se você não concedesse a sabedoria e não houvesse
enviado do alto seu Espírito Santo? Assim foram guardados os caminhos dos que
estão sobre a terra. Assim os homens aprenderam o que lhe agrada, e foram
salvos pela sua sabedoria[126]”.
Vê quanto poder alcança a sabedoria, quando unida ao Espírito? E o quanto se
afasta da salvação aquele que não possui nem a sabedoria nem o Espírito que vêm
de Deus, e que não tem como se socorrer do sábio e daquele que participa do
Espírito? Se estas coisas foram escritas sobre o Salvador em quem reside toda a
plenitude da divindade[127],
segue-se daí, numa palavra, que a toda a raça dos homens foi dado saber o
quanto é necessária a sabedoria sob a impulsão do Espírito, e o quanto o sábio
espiritual – que sonda o que há nos céus e caminha para o conhecimento da
vontade do Altíssimo – pelar compaixão, maravilhosamente recebe o poder e o
progresso deste Deus que ama aos homens.
Devemos falar agora longamente da
vida contemplativa e da contemplação, fazer progredir em parte e nutrir a razão
de quem nos escuta atentamente, podemos dizer, sem nenhuma hesitação. Pois Deus
ordena de uma vez por todas aos seres racionais: eles devem transmitir
abundantemente aos que estão em baixo as coisas inteligíveis e acessíveis da
irradiação divina, recebê-las do alto com piedade e, num espírito de comunhão e
bondade, falar a seus semelhantes dos inteligíveis e de Deus. Assim, não apenas
a retidão e a constância radiosas do Deus vivo poderá brilhar na Igreja, como a
santidade do amor e a extrema beleza da face conhecida pelos discípulos de
Cristo poderão resplender continuamente nos corações, derramadas sobre nós pelo
Espírito Santo, no puro e perfeito amor aos homens. Assim poderemos levar sobre
a terra, em meio às maiores delícias, uma vida angélica e verdadeiramente
bem-aventurada, pois nos teremos ligado ao duplo amor divino e deificante do
qual dependem toda a Lei e os profetas[128].
Nada é mais doce à alma do que este amor, em especial quando ele não cessa de
irradiar profusamente da contemplação e do conhecimento de Deus e das coisas
divinas, ou seja, da graça que nos ilumina.
Portanto, aquele que tem este
objetivo, que se esforçou por elevar sua obra a Deus para se unir a ele, por
assim ser deificado, para ser salvo – pois se o intelecto não for deificado é
impossível que o homem seja salvo, como revelaram os pregadores de Deus – este
avança na contemplação permitida dos seres e das aparências, colocando em
prática na medida do possível os mandamentos do Senhor. Sua ação não é cega,
uma vez que ela não se separa da contemplação. E sua contemplação não é inerte,
uma vez que ela acontece conjuntamente com a ação.
Assim, com a sabedoria e a santa
ciência da Escritura conformes à razão e à inteligência, ele começa com um bom
impulso, como foi dito, a contemplar feliz, como a prova do Criador
infinitamente poderoso e infinitamente sábio, o mundo das coisas sensíveis
submetidas à razão, depois contempla no infinito o poder e toda a diferença, na
medida em que se coloca diante delas com toda a sua atenção e que delas
desfruta. Em segredo, por tudo o que é oculto, ele nutre então fartamente o
intelecto, e assim, chegado o tempo, ele conduz uma vida calma na hesíquia,
filosofando apenas com as coisas de Deus através da Escritura e do mundo
visível. Em todas as suas obras, ele busca na medida do possível contemplar em
espírito a criação pela Escritura, e os símbolos pela verdade, numa visão mais
unificadora.
A partir daí, com a benevolência
do Espírito de adoração e da energia que dele provém, o intelecto passa a se
elevar na visão e na ciência da santa verdade, como disse o grande Denis: “Ele
atinge o grau sagrado da contemplação, que é geralmente o segundo, ou seja, o
das visões e dos pensamentos divinos, independente de todo véu e de toda imagem[129]”. Assim é que o intelecto nu, aplicando-se às
coisas intelectuais nuas, considerando que as manifestações divinas trazem
nele, através de sua própria pureza e de sua tensão em direção a Deus, como num
espelho limpo, os raios mais brilhantes do que o Sol, e novamente nutrido pela
graça com aquilo que lhe foi concedido e que lhe é possível, avança para um
terceiro grau, nestas numerosas visões bem-aventuradas e nestas processões
divinas, cada vez com mais unidade. Em recolhimento e atenção, ele se eleva das
numerosas diferenças ao inefável amor da unidade imutável e secreta. Ele se vê
transformado pelo sentido intelectual. Assim, aquele que contempla em verdade e
reminiscência se vê, pelo Espírito que ilumina, transformado em fogo e em eros do coração, em amor maravilhoso por
Deus, em amor sem fim. Esta é, segundo o grande Denis, a divina participação no
Um simples, na medida do possível. Sobre estes degraus de uma única
participação, o intelecto que traz em si a Deus e pensa em Deus se eleva na
tripla beatitude e, desfrutando manifesta e visivelmente dos insuportáveis
aguilhões do delírio divino e do amor louco que está no coração deste delírio,
ele se vê ferido de amor[130]
e como que consumido pelo que lhe acontece. Ele se vê transportado em Deus e
sai verdadeiramente de si mesmo. Ele penetrou, com o rosto radioso, nos
mistérios apofáticos[131]
da teologia. Com toda sua atenção cegada, ele fez sua morada naquilo que não
possui começo nem fim, no que é incompreensível, totalmente inefável e
impalpável. Ele contempla como um oceano o infinito e a inacessibilidade da
essência de Deus que ultrapassa todo pensamento de Deus e de natureza, segundo
nosso teólogo. Tal é, ainda conforme Denis, o festim, a visão atenta que nutre
o espírito e deifica todo o ser que a ela se consagra, começando pela
contemplação e o conhecimento dos seres, no além, onde o próprio Hierofante
purifica os símbolos sagrados da hierarquia terrestre[132].
É o que o grande Basílio explica
quando diz: “Quando alguém que, por meio da contemplação, ultrapassa a beleza
que está nas coisas sensíveis, é levado diante do próprio Deus cuja visão não é
concedida senão aos corações puros, depois de haver progredido até o cume da
teologia, então ele pode se tronar contemplativo”.
E ainda: “Pela manhã irei diante
de você e o verei[133]”.
Assim falou no Espírito o grande Davi. Quando eu for em sua direção, disse ele,
e quando, por intermédio do intelecto eu me aproximar da contemplação de sua
face, então receberei a energia da visão por meio da iluminação do
conhecimento. Podemos ouvir as mesmas coisas de são Máximo, que diz e mostra o
grande progresso que realizam a contemplação e o conhecimento de Deus por meio
da Escritura e da criação. Com efeito, é de lá que costuma vir a iluminação do
conhecimento, enquanto que a deificação bem-aventurada, quando chega a ocorrer,
é uma coisa rara e difícil para os que vivem na hesíquia, caso lhes falte o
Mestre que ensina por sua própria experiência o que lhe foi concedido no tempo
da graça, como disse santo Isaac o Sírio, este guia eminente dos caminhos da
hesíquia, no discurso em que falou do sentido espiritual e o poder
contemplativo. Assim é que são Máximo afirma: “Dizemos que os ensinamentos dos
santos são luzes da obra divina, pois eles suscitam a luz do conhecimento e
deificam aqueles que obedecem”. Nisto ele acompanha são Denis, que disse: “A
tradição secreta de nossos guias divinos nos forneceu por suas palavras a
revelação de outras luzes da obra divina, estas luzes nas quais nós mesmos
fomos iniciados[134]”.
Em outra parte ele diz: “O conhecimento de Deus eleva aqueles que para ele se
dirigem tanto quanto é dado, e os unifica em sua união que os torna simples”. E
ainda: “Todo progresso da manifestação luminosa que provém do Pai e permanece
em nós como um dom de bondade, nos simplifica desenvolvendo-se para o alto como
uma potência unificante, e retorna à unidade e à simplicidade deificante do Pai
que a tudo reúne. Pois todas as coisas vêm dele e nele são[135]”.
Compreenda, então, que quem
sabiamente encontrou a simplicidade desenvolvendo-se para o alto pelo retorno a
Deus, ou seja, pela atenção divina, se une a Deus e é deificado se, em sua
elevação, contemplar a Deus a partir dos seres e se contemplá-lo a partir da
Escritura, seja de forma simbólica, seja divinamente. Como tal homem não seria
chamado de Deus? Pois tudo aquilo que se voltou totalmente, tanto quanto
possível, para a união com o segredo da obra divina que reside nas
Inteligências espirituais, tende de uma maneira incompreensível, tanto quanto
possível, para os esplendores divinos desta união, imitando a Deus com todo seu
poder, se podemos nos exprimir assim, e se torna digno do nome divino[136].
É isto que diz também a língua
teológica de Gregório: “O homem é um vivente que tem seu destino aqui em baixo
e que depois é transportado para outra parte, para enfim ser deificado ante o
chamado do mistério que conduz a Deus”. E são Máximo: “A forma intelectual da
Escritura divina muda por meio da sabedoria os que têm o conhecimento. Ela os
conduz à deificação transfigurando a palavra que está neles e, com o rosto
descoberto, eles refletem a glória do Senhor”[137].
Mas esta vida contemplativa necessita, como eu disse, destas três coisas: a fé,
a comunhão espiritual e a sabedoria do conhecimento, em nosso Senhor Jesus
Cristo.
82. A vida contemplativa aberta
ao Espírito vivificante enche de inúmeras e admiráveis maravilhas inteligíveis
aquele que contempla no segredo. Ela não o cumula nem imediatamente nem de uma
vez, mas com o tempo e através do longo amor pela sabedoria, progressivamente e
como que por degraus.
Agora, escute este contemplativo,
quando a eminência da hesíquia e sua fuga para longe de tudo – salvo Deus – o
fazem dizer: “Eu me manterei solitário até que eu passe[138]”.
Em outra parte, quando ele se volta para os seres para conhecê-los: “Quão
grandes são suas obras, Senhor, tudo você fez com sabedoria[139]”.
E: “O odor das suas vestes é como o odor de um campo fértil que você abençoou,
Senhor[140]”.
E quando ele chega mais alto e se eleva aos degraus inteligíveis, ele confia a
Deus: “Eu corro atrás de você, ao odor de seu perfume[141]”.
E: “Eu o exaltarei, ó Deus, meu Rei, eu bendirei seu nome pela eternidade,
pelos séculos dos séculos[142]”.
E: “O Senhor é grande e grande é seu louvor. Sua grandeza não tem medidas[143]”.
E: “Seu conhecimento me deixou maravilhado: ele é tão alto que não consigo
atingi-lo[144]”.
E também: “Você, ó Senhor, é o Altíssimo por toda a eternidade. Sua memória
dura por todas as eras[145]”.
Aqueles que veem, voltados para
aquilo que na visão é mais alto do que o ser, são convidados pela vida contemplativa
a cantar: você se elevou acima de todos os deuses! Outras vezes eles são
levados a declarar abertamente: “Nada se parece com você dentre os deuses,
Senhor. E nada é como suas obras[146]”.
Aos que contemplam em espírito a montanha do conhecimento e o santo lugar de
Deus, ela mostra onde se elevam e onde moram os que têm as mãos inocentes e o
coração puro, ao mesmo tempo em que lhes permite ver as elevações até os céus e
as descidas até os abismos, ou seja, a altura e a profundidade dos mistérios do
Espírito. Ora ela se aplica admiravelmente em discernir o que lhe concede ver
as Pessoas da Trindade; ora se ocupa, em arrebatamento, em se fixar sobre a
contemplação de Jesus, da economia de sua encarnação e dos mistérios
sobrenaturais que advêm disto. Enfim, após tantas visões bem-aventuradas, ela
não mais abandona aquele que contempla, mas o encaminha por uma nova via – e, ó
graça! – no próprio seio de Deus, iluminado numa verdadeira detença, num
repouso inefável, nas delícias sobrenaturais do Espírito, para não dizer na
embriaguez dos bens de Deus e num êxtase mais e mais divino. Pois este seio
mais do que bendito possui a grande profundidade dos segredos divinos, e ele
permite aproximar suficientemente o senti da supra-essencialidade de Deus. É
este seio que Abrahão herdou do alto, quando o próprio Deus se fez herança de
Abrahão ao dizer: “Eu sou o Deus de Abrahão[147]”.
Deus é, assim, por excelência, o Deus de Abrahão. O seio de Deus é, por
conseguinte, também o seio de Abrahão[148].
Portanto, é no seio de Deus – que também podemos chamar de seio de Abrahão
- que, ao se elevar, a vida
contemplativa, a vida no espírito, permite penetrar com toda simplicidade,
deifica no coração com uma imensa alegria de amor e conduz à beatitude, no
regozijo das delícias inefáveis, ao intelecto que comunga da sabedoria e que
coloca toda a sua atenção em voltar para o alto seu olhar, em Jesus Cristo
nosso Senhor.
83. A partir do momento em que a
criação e a Escritura se desenvolveram pela palavra de Deus, aquilo que se pode
contemplar em espírito confirma o intelecto e todas as suas potências na visão
e na compreensão de Deus, desde que o coração esteja previamente animado e
posto em movimento pela energia do Espírito. Ensina-o o bem-aventurado Davi,
com a maior sabedoria, ao dizer: “As inteligências – que ele aqui denomina
‘céus’ – foram fundadas pela palavra do Senhor, e todo o seu poder pelo sopro
de sua boca[149]”.
E em outra parte: “A terra inteligível – ou seja, nosso coração – está cheia da
piedade do Senhor[150]”,
vale dizer, do poder, da energia e do movimento do Espírito, de maneira
sensível e manifesta. Mas enquanto o intelecto não sentir no coração a energia,
o poder e o movimento, não apenas ler em espírito a criação e a santa Escritura
pela contemplação como recolher numa só razão o que nelas existe, não o
confortarão, e devemos temer a possibilidade de que ele se perca em ilusões.
Portanto, se devemos nos consagrar à contemplação de Deus a partir da Escritura
e da criação, reunindo em sua unidade e sua simplicidade, numa só razão e num
só sopro, as numerosas razões dos seres e tudo o que neles vemos, e nos
abrindo, além de todo limite, de todo fim e de todo começo, à contemplação
única e simples, independente de toda forma, busquemos em primeiro lugar
descobrir o tesouro que existe dentro de nosso coração e supliquemos ao Deus
santo que encha de piedade nossa terra. Então, se pudermos, elevemos com toda
liberdade nosso intelecto à contemplação de Deus, único, como foi dito, puro e
simples, eterno, além de toda forma, de todo fim, de todo limite, na
contemplação e no socorro do Verbo e do Espírito.
84. Quando, pela retidão e a
simplicidade da alma, o homem, à custa das virtudes, com a humildade, a
paciência e a esperança que são dadas pela fé, chega ao fim do caminho
virtuoso; quando o poder e a energia vivificantes que jorram sempre e sempre do
Espírito Santo fazem sua morada no coração, iluminando as potências da alma,
chamando e apressando com seu movimento natural manifesto e pela invocação o
intelecto ativo, e se unindo inefavelmente a este, de tal maneira que o
intelecto e a graça se tornam verdadeira e indubitavelmente um só Espírito;
então o intelecto, levado pelo sopro da graça, dirige-se por si só à
contemplação, com seu movimento giratório e sua desorientação indizivelmente
detidos pela energia e a luz do Santo Espírito vivificante. Ele vai e vem nas
revelações dos mistérios espirituais de Deus. Por todas as formas do silêncio,
pela calma de seu próprio olhar, ele consegue penetrar no sobrenatural
inefável. E tanto mais ele contempla, e tanto mais é inspirado por Deus, e
tanto mais se volta para a visão do próprio Deus, na ciência das coisas
divinas, esta ciência que provém das leituras sagradas, que, animado por Deus
no Espírito Santo, ele obtém propriamente, por analogia, a humildade e a prece.
Ele já não está por fora do conhecimento teológico, mas se torna precisa e
realmente teólogo, e já não suporta não se dedicar continuamente ao
conhecimento teológico.
Entretanto, sem o dom celeste de
que falamos, sem o Espírito sempre claramente em movimento e soprando no
coração, o intelecto jamais vê o que imagina, e o que ele pode dizer de Deus
não passa de palavras atiradas ao ar inconsideradamente, que não revelam o
sentido da alma convenientemente. Por
que ele age por ouvir dizer e sob o efeito de palavras que provêm do exterior.
É por este motivo que a terrível desorientação dos inteligíveis corrompe o
próprio caminho por onde passa a teologia, por que esta não vem do coração nem
é conduzida pelo Espírito que ilumina. O mesmo acontece com a verdade única dos
inteligíveis, assim como com a verdade imutável da teologia, quando nele – de
modo geral mas especialmente no coração – o poder e a energia vivificantes e
irradiantes do Espírito não assistem de maneira manifesta e sempre
transbordante aquele que as recebe, quer digamos que o Espírito sopra, quer
digamos que jorra. Não existe aí nenhuma união intelectual, antes existe a
divisão: nenhum poder, nenhuma estabilidade, mas fraqueza e versatilidade;
tampouco alguma luz, nenhuma visão da verdade, apenas trevas, ficções
arbitrárias da imaginação; em tudo, a via da irracionalidade e do erro.
Para os Padres, com efeito, o
intelecto pode passar por três ordens, ou três vias: a via natural, a via
sobrenatural e a via contra a natureza. Quando o intelecto contempla em sua
matéria uma coisa inteligível, ele vê segundo a natureza, mas com a energia
sobrenatural do Espírito. Quando ele vê a coisa de maneira fundamental, e não
na matéria, ele pode ver um demônio ou um anjo. Se ele se une na paz, e se a
iluminação do Espírito se faz mais e mais forte, ele vê sobrenaturalmente, e é
claro que vê sem erro. Mas se, ao contemplar o visível, ele se divide e se
entenebrece, se a potência vivificante se extingue, ele está vendo contra a
natureza e esta visão é da ordem da ilusão. É por isso que não convém que o
intelecto se eleve de maneira fundamental até a visão espiritual, nem que ele
deposite confiança nesta visão, quando o coração ainda não se encontra animado
e transportado pelo poder do Espírito Santo, se é verdade que devemos ter um
intelecto são e sábio.
85. Alguns, que fazem tudo
corretamente, tentam curar as queimaduras de suas paixões com o orvalho celeste
da graça. Á a respeito destes que foi escrito: “O orvalho que procede de você
será para nós um remédio[151]”.
Em outros, este mesmo orvalho se une de alguma maneira a um socorro divino
ainda maior e se transforma em maná, como se, pela contrição da humildade do
coração, pela água das lágrimas e pelo fogo do conhecimento espiritual, ele se
tornasse pão de trigo, num estado digno e justo, transformado num alimento
semelhante ao dos anjos. É de tais seres que foi dito com razão: “O homem comeu
o pão dos anjos[152]”.
Outros há enfim, mais altos ainda, que se tornaram como cordeiros. Sua própria
natureza se revela como maná. Os Evangelhos dizem deles: “Aquele que nasce do
Espírito é Espírito[153]”.
A primeira ordem é a dos sábios hesiquiastas. A ordem seguinte é a dos que
vivem no silêncio e trazem consigo o conhecimento divino. A terceira ordem é a
dos que se tornaram inteiramente simples e que foram transformados em Jesus
Cristo nosso Senhor.
86. Quando, pela graça, como é
natural, o intelecto foge em espírito do Faraó, do Egito e das coisas duras e
penosas que aí ele encontrou, esta vida na carne sacudida pelas ondas
passionais da amargura e do mal desagradável, quando ele penetra no deserto
inteligível, num estado desembaraçado dos pensamentos faraonitas, numa palavra,
quando em espírito ele se liberta das paixões, estes males que então fustigavam
os Hebreus em seus sentidos, ele passa a comer doravante, pelo sentidos da
alma, com toda certeza, o maná inteligível, cuja imagem foi Israel, quando
comia outrora o maná sensível[154].
Mas pode acontecer ao intelecto, e não sem perigo ou risco de queda, de se
lembrar em espírito dos sacrifícios egípcios e desejá-los, como os Hebreus se
lembravam e desejavam a carne sensível[155].
Neste momento o intelecto experimentará o abandono de Deus, até que, pela prece
do arrependimento, ela retorne e ele se reconcilie com o divino. Mas se, na
hesíquia, ele se saciar do maná sem jamais relaxar, quando chegar o tempo,
quando a graça lhe conceder a impulsão e a força, ele verá manifesta e
claramente sua carne inteligível se transformar, por assim dizer, na própria
natureza do maná.
Mas um intelecto como este que
come o maná possui uma balança com pratos graças à qual, tomando seu peso de
maná, ele não estoca mais do que o alimento cotidiano, a fim de que nada se
perca, cheio de vermes e apodrecendo[156]
por ter tomado mais do que a medida, e também ele não perde a si mesmo por
comer demais, por não observar aquela mesma medida. Fica assim claro que o
intelecto que se alimenta do maná, uma vez que não coma nada além disto, leva
manifestamente uma vida melhor do que todo intelecto que coma, mesmo em
espírito, não importa o que e não importa como. O sinal de que ele próprio,
pela faculdade que adquiriu de se alimentar, se transformou naquilo que dá
qualidade ao maná, é que ele não tem mais apetite pelas muitas coisas estranhas
que ele desejava antes. Quando ele come o maná em todas as coisas e se torna
como criança, ligado ao amor de Deus, não é de se estranhar que este intelecto
se transforme no estado que ele experimenta continuamente e que o sacia desde
há muito; a transformação do intelecto em estado de maná jamais se dá contra a
natureza. O alimento, quando tomado contínua e ininterruptamente, costuma se
transformar naturalmente naquele mesmo que é alimentado.
A partir daí, não apenas o
intelecto se aproxima claramente da ordem angélica, como passa a tomar parte da
filiação divina. Ele se torna digno de ser transportado de glória spiritual em
glória espiritual[157].
Não apenas ele tende para o Um, como se torna ele mesmo Um, vivendo por ele,
dele fazendo suas delícias, desfrutando por assim dizer dos mistérios
inefáveis, levado pelo Espírito Santo pela semelhança divina e o amor a Deus, e
se tornando assim de certa forma à imagem das coisas visíveis e celebradas, na
medida em que ele próprio se vê em estado de maná. Esta ordem é bem mais elevada
e mais venerável do que a do intelecto que conhece a si próprio por haver
comido o maná, mas não por ter se transformado em estado de maná. O primeiro
conhecimento é o do intelecto que começa a se recolher sob si mesmo na união
inteligível. O segundo é a clara evidência de uma união mais visível, de uma
revelação dos mistérios do conhecimento, da libertação última além de todas as
coisas, e da intelectualidade transcendente.
87. O intelecto é simples por
natureza. Pois aquilo de que ele é imagem é também simples, vale dizer: o
divino. Portanto, se ele é simples, ele ama agir na simplicidade. De fato, ele
ama tudo o que traz em si esta natureza simples. E no entanto ele se
diversifica, não por si mesmo, mas pelos sentidos e pelo sensível, através dos
quais ele recebe os inteligíveis. Mas quando ele permite à sua própria razão
discernir e julgar com todo conhecimento, na medida do possível, entre ele
próprio e os sentidos dedicados ao sensível, sem podar os sentidos que não
devem ser podados, sem suprimir por negligência ou emular por preguiça a beleza
do sensível, não submetendo a ela seu poder, por indiferença, mas atribuindo
sabiamente a cada coisa o que lhe é devido, então o intelecto logo se
restabelece na unidade e na simplicidade que é seu natural, e se afasta das
coisas divididas. Ele retoma naturalmente seu amor pelo Um, pela simplicidade,
pela ação una e simples que ele busca com seu amor. E é nesta busca que ele
assegura seu próprio voo acima de tudo o que existe de composto, até descobrir
aquilo que é em si verdadeiramente uno e simples – que é Deus – enquanto se
regozija nas delícias, coberto agora apenas pelas asas divinas, e novamente
erguido às alturas por estas mesmas asas, como é natural que se regozije uma
inteligência guardada e carregada por Deus.
88. O que provém das paixões
cobre o discernimento da alma como uma bruma espessa que toma o lugar da
verdadeira visão. Mas quando, pela prece frequente, pela realização dos
mandamentos, pela tensão em direção à contemplação de Deus, o intelecto recebe
a graça de dissipar esta espessa bruma, ele percebe claramente e por si só que
ele enxerga a Deus, sem precisar para tanto de nenhum intérprete, do mesmo modo
como alguém que vê o mundo sensível não necessita de ninguém que lhe ensina, se
nada vier turbar ou velar as pupilas de seus olhos. Com efeito, assim como o
sensível está naturalmente ligado aos sentidos, desde que estes sejam sãos,
também o inteligível está unido aos pensamentos purificados da nuvem das
paixões. E, assim como a compreensão do sensível provém da percepção dos
sentidos, também a visão dos inteligíveis provém normalmente do olhar do
intelecto. Depois segue-se a contemplação de Deus, simples, fora de qualquer
forma, propriedade ou imaginação, que retém a inteligência e a desembaraça de
todo sensível e de todo inteligível, guardando-a no coração de um abismo de
infinito, de incompreensibilidade, de ausência de limites, num arrebatamento e
num maravilhamento que nenhuma palavra é capaz de descrever.
89. Ó Mestre que domina o
universo, que é a origem de todo o visível e de todo o inteligível, Incriado
que tem por início o que não tem começo, Infinito que tem por limites o que não
tem limites, Incompreensível que tem por natureza o que está além da natureza,
Não-gerado que tem como ser o que está além do ser, Invisível que tem como
imagem o que não possui imagem, Incorruptível que tem como propriedade o que
não tem propriedades, Inencontrável que tem como forma o que não possui forma,
Ilimitado que ocupa um lugar que não se pode definir, Insondável que tem como
compreensão o que não se pode compreender, Inacessível e Incompreensível que
tem como conhecimento e contemplação o invisível e o desconhecido, Inexplicável
que tem como palavra o indizível, Indizível que tem como explicação o inexplicável,
Inconcebível que tem como pensamento o que não pode ser pensado,
Mais-do-que-Deus que em tudo tem como morada o retiro acima de tudo, você que
está inteiro em todos, maravilha, serenidade, coragem, amor, doçura, regozijo,
confiança, verdadeira ausência de inquietação, alegria, você, a única glória, o
único reino, a única sabedoria, a única potência anipostática. Por isso é você
natural e indizivelmente o êxtase além de todo o visível, a realização além de
todo inteligível e o repouso maravilhoso que recebem os que o contemplam e que
participam do Espírito Santo, ó Deus inefável.
90. Aquilo que admiramos – ou
seja, o divino – também desejamos. E o que desejamos nos purifica, diz a voz
teológica de Gregório. Ora, o que purifica torna os seres semelhantes a Deus, e
a estes seres se liga daí por diante, como o faz aos seus[158].
Não apenas Deus é assim. Aqueles que foram purificados aqui descobrem como
seus, em espírito e verdade, o divino e Deus. O Teólogo acrescenta: “Deus está
unido aos deuses e é conhecido dos deuses[159]”.
Vê você a natureza maravilhosa da união? De fato, foi dito: “Deus está unido
aos deuses”. Mas se a união se dá entre os mesmos, é claro que as disposições e
a fruição desta união são forçosamente as mesmas. É por isso que também foi
dito: “Ele é conhecido”. Realmente, assim como os que são semelhantes a Deus e
são deuses pela graça encontram e conhecem como seus o divino e Deus, também
Deus contempla e encontra para unir-se àqueles que, como dissemos, são
semelhantes a Deus e são divinos.
Então o grande Gregório
acrescenta, não sem razão, para explicar: “Deus é conhecido pelos seres puros
que são deuses, na medida em que ele já os conhece, na medida em que Aquele que
é Deus por natureza conhece os deuses por adoção[160]”.
Quão grande é você capaz de representar para si a similitude, quando pensa
nela? Bem-aventurados são os que, como se deve, tensionam sua alma com toda
força e toda a ciência espiritual, nas visões e nas contemplações de Deus,
quando, através da ausência de começo e de limites, a incompreensibilidade, a
eternidade e o infinito absolutos o envolvem, são vistos na natureza impalpável
de Deus todos os que receberam a maravilha mais do que maravilhosa e tamanho
arrebatamento. A partir de então sua alma se dedica a seguir a Deus com todo
seu amor[161].
Consumidos pela contemplação da face divina e da admirável beleza que nela
reside, eles experimentam com alegria um desejo difícil de suportar. Então eles
são purificados, até que em sua obra divina se tornem semelhantes a Deus e a
ele se unam com todo o conhecimento.
Aquele que, pela eminência que
cumula os deificados, e seguindo-se ao dom sobrenatural de sua deificação,
alcança o conhecimento da união divina, capta maravilhosamente em sua beleza
mais do que bela todo o sentido intelectual e todo o desejo, e os atrai ao
redor de si como se fossem anjos que cantam sem descanso e com toda justeza:
“Deus está na assembleia dos deuses e julga em meio aos deuses[162]”.
E: “O Deus dos deuses, o Senhor, falou. Ele chamou a terra, os filhos da terra,
do nascente ao poente[163]”.
É por isso que os príncipes dos povos se juntaram ao Deus de Abrahão[164].
Eles se colocaram ao redor de Deus[165],
como os serafins que o cercam, recebendo os esplendores divinos dos mistérios
mais altos do que o mundo e ligando-se sem ruptura ao Deus que é infinitamente
ao infinito separado de tudo. Assim, se os corações puros, segundo declarou o
Senhor, são bem-aventurados por que verão a Deus[166],
como não seriam manifestamente bem-aventurados os contemplativos purificados
pelo maravilhamento do conhecimento de Deus e que, ao avançar, se elevam até a
dignidade divina? É preciso, assim, que os que desejam experimentar a beatitude
e a deificação, e assim se manter na imobilidade como os querubins ao redor de
Deus, se liguem com toda sua força à ciência e à ação contemplativas em nosso
Senhor Jesus Cristo.
91. Eu quero vê-lo e por isso
mesmo celebrá-lo, a você que criou a vida, a você que é a vida dos que o veem,
Senhor meu Deus. Mas eu não posso dizer nada por mim mesmo que seja digno. Na
verdade, eu nada sei e sofro. Como pode o intelecto se unir a você, Mestre,
Criador sapientíssimo? Aquele que não vê senão a Deus desfruta da paz e do
repouso que lhe são naturais. Pois o intelecto, quando se liberta da rotação
exterior das aparências e se detém sobre si mesmo, deseja meditar e
compreender, com sua natural prontidão, as coisas mais altas, e se ligar por
intermédio das coisas mais fortes ao devir de sua imaterialidade. Ele se
encaminha naturalmente e como que por si mesmo para aquilo que está acima de
tudo, para aquilo que é mais alto do que toda a imaterialidade. E assim ele
recebe, como é natural, seu socorro pela fé, sob o impulso do Espírito Santo, e
assim ele se dirige para você. Ou antes, a inteligência, atraída pelos seres
intelectuais que o cercam como aparentados seus, deseja fortemente vê-lo com
toda a resolução de sua alma. E assim ela experimenta naturalmente as coisas
maravilhosas e bem-aventuradas.
A partir do momento em que sua
natureza, que é intelectual, como eu já disse, mais leve e mais rápida do que
todas as criaturas, o transporta com todo seu desejo em direção aos
inteligíveis, ele deve pensar, assim como comem os animais sensíveis. Pois
pensar é, para a inteligência, aquilo que comer é para os animais sensíveis. É
pelo pensamento, com efeito, que a vida própria, o crescimento, a alegria e as
delícias são concedidas ao intelecto, como o são aos animais sensíveis pelo
alimento sólido.
É isto que o intelecto
experimenta agindo assim, ou seja, pensando além de toda medida, e principalmente
quando seu desejo misturado à atração de sua glória inefável chega, por sua
bondade espiritual, àquilo que nasce indizivelmente em você. Com que
finalidade, de fato, aquele que tem em si seu próprio desejo poderia
experimentar naturalmente o que lhe vem Daquele que o atrai, e sobretudo de um
ser como você, e isto por sua providência, em vista de um ser tão desejado
quanto você? Pois é você, ó Rei sábio, todo-poderoso, Senhor mais do que bom,
você que tornou vivificante a inteligência inteligível, é você que a criou tal
que ela possa se alegrar com o que é seu e entrar indizivelmente na posse do
seu eros divino em estado de
arrebatamento, é você que a criou de forma a que ela possa se entregar
loucamente a você num transporte divino.
O intelecto, criado assim,
filocálico ao extremo, é então, por natureza, inteiramente filocálico. Ele tem
em si, graças à providência, a tensão que o conduz a pensar o melhor, a deseja
r sempre adiante as coisas mais altas e a se regozijar com o melhor em tudo o
que lhe acontece. É aí que ele se manifesta, para que você o capture com toda
sabedoria, atraído que ele é pelo eros
no coração de sua contemplação e arrebatado de uma vez por todas para longe de
tudo, com exceção apenas de você, na resolução da alma. Pois você não se
revela, ó dulcíssimo, nem apenas diverso, nem apenas simples, nem apenas
compreensível, nem apenas incompreensível, nem apenas terrível, nem apenas
clemente. Você é tanto isto como aquilo, a fim de que o movimento e, portanto,
a transformação do intelecto, vindo daqui e dali, não se debruce para alguma
das coisas que estão fora de você, por causa da aparente diversidade, ou da
simplicidade, ou do desejo da incompreensibilidade, ou do desejo da
compreensão, ou por causa do terrível, ou por causa da clemência. Numa palavra,
você é a única bondade, a única beleza englobante, a origem mais do que boa e
mais do que bela, criadora de toda bondade e de toda beleza. O intelecto não
pode absolutamente contemplar, permanecer e se alegrar, de muitas maneiras e frequentemente,
em nada senão em você. Pois você contém em si o universo, do qual é a causa, e
você é mais alto do que todas as coisas, por que é infinitamente ao infinito o
Criador mais do que bom.
Assim, ó Deus, você é Um. Suas
energias, em sua multitude, revelam de inúmeras maneiras a sua essência. E você
é imenso, por sua própria grandeza. E o mais admirável, maravilhoso, é que você
resida naqueles mesmos a quem se deu a compreender. Pois você é totalmente
incompreensível em sua essência e em suas energias, e ninguém pode compreender
o seu poder. Quem jamais descobriu a medida de seu poder? Quem conheceu sua
sabedoria? Quem sondou o oceano de sua bondade? Quem jamais chegou ao fundo de
qualquer coisa sua[167],
embora, de algum modo e por outra via, seja possível compreendê-lo?
Portanto, o intelecto que, por
intermédio do inteligível no coração do mundo sensível, começa a contemplar, se
eleva em seguida à unidade e à incompreensibilidade que o cercam, ó Salvador.
Pela doçura e as delícias perfeitas daquilo que compreende, e por ser
filocálico, ele se apressa com grande ardor e se esforça de todas as maneiras
para passar além tanto quanto lhe é possível. Mas enquanto ele não consegue ir
mais longe, considerando aquilo que lhe escapa indubitavelmente, que está acima
dele e que o transporta, ele se mantém presa do eros, irresistivelmente transportado de amor louco por você, e
acende na alma um desejo intenso, inflamado pelo amor divino a partir do que
consegue compreender do incompreensível, e fazendo da privação um modo de
adquirir o eros, menos pelo encanto com que você o toca do que pela queimação
daquilo que lhe escapa e que o dispõe, pela natureza inacessível de seu
conhecimento, a se maravilhar ao mais alto grau, a desejar antes de tudo, e
acrescentarei, a se persuadir a não buscar o que você é em sua essência, coisa
que além disso é totalmente impossível. Mas a natureza do poder e da energia da
essência divina é incompreensível, como a dos seres inteligíveis que
contemplamos ao seu redor e que são infinitos em grandeza e insondáveis em sua
multitude. Desde que estes seres são infinitos, é de fato impossível
alcançá-los. Mas é possível, aproximando-se de você pela purificação e
voltando-se para a sua beleza, atingir visões mais claras e mais luminosas dos
seres que o cercam, e ser por conseguinte deificado. Você queima com a ferida
do eros o intelecto que aguarda,
iluminando-o pouco a pouco, e assim introduzindo-o nas maravilhas que ele
contempla, inacessíveis, místicas, mais altas do que o céu.
Ó Unidade infinitamente
celebrada, Trindade infinitamente venerada, Abismo sem fundo de poder e
sabedoria! Como, a partir deste ponto ou desta linha de partida, qualquer que
seja o nome que lhe dermos, fará você penetrar na divina treva que está em você
o intelecto que se elevou como quer a Lei, conduzindo-o de glória em glória[168]
e lhe concedendo tantas vezes habitar no próprio interior da treva mais do que
luminosa? Eu não sei, como você sabe, se outrora Moisés penetrou nesta treva[169],
se ele chegou a ser a imagem desta treva, ou se a treva foi sua imagem. Eu só
sei de uma coisa: esta treva é manifestamente inteligível, e nela são
celebrados divinamente, sobrenaturalmente, inefavelmente, no secreto da alma,
os mistérios da união e do amor espirituais. Os que são introduzidos nesta
treva com a chama do Espírito que ilumina se encontram na mais intensa luz.
92. Quem, vendo-o, Senhor,
Trindade, não se regozija por descobrir em você o rei, o mestre que jamais nos
deixa, o dispensador de todas as coisas belas e boas, quaisquer que sejam, e a
fonte de sua alegria? E quem, antes de ver seu poder que domina o universo,
pode conhecer a verdadeira felicidade? É evidente que ninguém é capaz. É por
isso que são verdadeiramente bem-aventurados os corações puros[170],
pois eles o veem com os olhos da alma, a você que é justamente e antes de tudo
a alegria espiritual. Eles se regozijam, radiosos, com o coração profundamente
feliz, e são cumulados de insuportáveis desejos de amor, ainda que sejam
massacrados pelas vicissitudes do corpo e pelos ataques dos demônios. Pois a
luz espiritual da beleza de sua face, Senhor, é infinitamente ao infinito mais
alta do que toda submissão à tristeza do mundo, para aqueles que podem ser
iluminados pela graça.
É por isso que quando você
avança, você é todo doçura, inteiro desejo, santa tensão, eros inefável. Então seu amor restabelece os que foram feridos
pelos aguilhões sobrenaturais insuportáveis e que, de certo modo, o veem em seu
intelecto. Indo atrás de você, seguindo o odor de seu perfume[171],
as almas daqueles aos quais você se revela, Deus inefável, correm com todas as
suas forças, sem descanso, e se esforçam por todos os meios para atraí-lo para
si mesmos, vencidos e esgotados que estão por seu desejo. Elevados à altura de
sua beleza sobrenatural, eles o guardam em seu intelecto sem jamais esquecê-lo.
Ou antes, é primeiro você quem guarda contínua e espiritualmente seus corações
dia e noite. E o sono se vai de suas pálpebras (...)[172].
Eles repousam então, mas seu coração vigia[173],
alegres em seus leitos[174],
como disse o Profeta. Eles veem em abundância, sentem-se oprimidos e não
suportam o que lhes acontece. Eles nada sabem, eles são arrebatados por que
recebem o esplendor inefável de sua face, pela grandeza da glória de sua
santidade, por suas elevações que vão mais alto do que o mundo e que eles
trazem em si, pelas revelações místicas e pelas miríades de dos misteriosos e
inefáveis, belos e bons, Pai, que o cercam (...)[175].
Possa você afirmar aqueles que,
retamente, permanecem diante de sua face[176].
[1] João 3: 6./
[2]
Cf. Malaquias 3: 20.
[3]
Cf. Salmo 103 (104): 4.
[4] Cf. João 3: 6.
[5]
Cf. Mateus 18: 10.
[6] Salmo 104 (105): 4.
[7]
Cf. João 15: 4.
[8] Salmo 33 (34): 6.
[9] I Coríntios 13: 7.
[10] I
Coríntios 13: 8.
[11]
Cf. João 8: 32.
[12]
Cf. João 15: 15.
[13] Romanos 8: 14.
[14] Deuteronômio 6: 4.
[15]
Cf. Romanos 11: 36.
[16] Isaías 48: 26.
[17] Deuteronômio 6: 13.
[18]
Cf. Deuteronômio 32: 12.
[19]
Cf. Gênesis 1: 26.
[20]
Cf. Romanos 11: 36.
[21]
Cf. Romanos 11: 36.
[22]
Cf. Pedro Damasceno, Livro II,
Discurso 9.
[23] João 11: 25.
[24] João17: 3.
[25] Salmo 68 (69): 33.
[26] Salmo 86 (87): 7.
[27] Salmo 35 (36): 10.
[28] Deuteronômio 6: 4.5.
[29]
Cf. Lucas 5: 6.
[30]
Cf. Hebreus 4: 3.
[31] João 17: 22.
[32] Deuteronômio 6: 5.
[33] Levítico 19: 18.
[34]
Cf. Romanos 13: 10.
[35]
Cf. Mateus 22: 40.
[36]
Cf. I Coríntios 12: 31.
[37]
Cf. II Pedro 2: 19.
[38]
Cf. Romanos 1: 25.
[39]
Cf. Colossenses 2: 3.
[40] Salmo 4: 7.
[41]
Cf. Lucas 10: 42.
[42] Salmo 4: 7.
[43]
Cf. I Tessalonicenses 4: 17.
[44]
Cf. Hebreus 3: 12.
[45]
Cf. Cânticos 2: 17.
[46]
Cf. I Coríntios 13: 12.
[47]
Cf. Hebreus 12: 14.
[48]
Cf. Mateus 4: 1 ss.
[49] Mateus 26: 36.
[50]
Cf. João 19: 28.
[51]
Cf. Isaías 42: 2; Mateus 12: 19.
[52]
Cf. Lucas 23: 34.
[53]
Cf. Mateus 26: 67 e paralelos.
[54]
Cf. Mateus 29: 34 e 48; João 19: 20-30.34.
[55] Salmo 38 (39): 3.
[56]
Cf. Tiago 1: 17.
[57] Mateus 18: 3.
[58]
Cf. Salmo 31 (32): 1.
[59]
Cf. Salmo 93 (94): 12.
[60]
Cf. João 4: 23-24.
[61]
Cf. João 14: 17.
[62]
Cf. Lucas 1: 78.
[63]
Cf. Salmo 83 (84): 6.
[64] Salmo 83 (84): 8.
[65] Salmo 83 (84): 13
[66]
Cf. Eclesiastes 3: 7.
[67] Ibid.
[68]
Cf. Mateus 5: 5.
[69]
Cf. Eclesiastes 3: 7.
[70]
Cf. Eclesiastes 3: 7.
[71]
Cf. Êxodo 13: 21.
[72]
Cf. Êxodo 17: 8.
[73]
Cf. Eclesiastes 3: 7.
[74]
Cf. Êxodo 17: 12.
[75]
Cf. Eclesiastes 3:7.
[76]
Cf. João 4: 24.
[77] Isaías 66: 1.
[78]
Cf. I Timóteo 2: 4.
[79] Eclesiastes 3: 7.
[80] Salmo 3: 2.
[81]
Cf. Salmo 4: 7.
[82]
Cf. Salmo 34 (35): 11.
[83]
Cf. Gênesis 2: 2-3.
[84]
Cf. Hebreus 4: 9.
[85]
Cf. Filipenses 2: 9.
[86]
Cf. Jó 26: 7.
[87]
Cf. Salmo 144 (145): 13.
[88]
Cf. Gênesis 2: 3.
[89]
Cf. Gênesis 2: 3.
[90] Eclesiastes 5: 1.
[91]
Cf. Colossenses 3: 2.
[92]
Cf. Gênesis 3: 4-5.
[93]
Cf. Gênesis 3: 23-24.
[94]
Cf. Provérbios 18: 3.
[95]
Cf. Gênesis 1: 27.
[96]
Cf. Colossenses 3: 2.
[97] Isaías 6: 5.
[98]
Cf. Gênesis 18: 27.
[99]
Cf. Êxodo 4: 10.
[100]
Salmo 41 (42): 3.
[101]
Salmo 139(140): 14.
[102]
Salmo 29 (30): 8.
[103]
Salmo 88 (89): 16-17.
[104]
Salmo 142 (143): 7.
[105]
Salmo 4: 7.
[106]
Salmo 4: 8.
[107]
Cf. Salmo 44 (45): 13.
[108]
Cf. João 4: 24.
[109]
Cf. I Coríntios 8: 7.
[110]
Salmo 44 (45): 13.
[111]
Cf. I Reis 3: 12.
[112] Eclesiastes 5: 1.
[113]
Cf. Mateus 18: 10.
[114]
Cf. Provérbios 13: 9.
[115]
Cf. Efésios 4: 13.
[116]
Cf. Eclesiastes 5: 1.
[117]
Cf. Êxodo 16: 15.
[118]
Cf. Hebreus 3: 13.
[119]
Isaías 7: 9.
[120]
Cf. I Coríntios 2:10.
[121]
Jó 33: 4.
[122]
Cf. Eclesiastes 8: 1.
[123]
Salmo 93 (94): 12.
[124]
Lucas 2: 52.
[125]
Lucas 2: 40.
[126]
Sabedoria 9:16-19.
[127]
Cf. Colossenses 1: 19.
[128]
Cf. Mateus 22: 40.
[129]
Cf. Carta IX, 1.
[130]
Cf. Cânticos 2: 5.
[131]
Aproximação de Deus por negações sucessivas.
[132]
Cf. Hierarquia eclesiástica I, 3.
[133]
Salmo 5: 4.
[134]
Nomes divinos I, 4.
[135]
Romanos 11: 36; Hierarquia celeste I, 1.
[136]
Hierarquia celeste XII, 3.
[137]
Cf. II Coríntios 3: 18; Máximo o
Confessor, Centúrias sobre a Teologia
I, 97.
[138]
Salmo 140 (141): 10 (Ofício de
Vésperas).
[139]
Salmo 103 (104): 24 (Ofício de
Vésperas).
[140]
Gênesis 27: 27.
[141]
Cânticos 1: 4.
[142]
Salmo 144 (145): 1.
[143]
Salmo 144 (145): 3.
[144]
Salmo 138 (139): 6.
[145]
Salmo 101 (102): 12.
[146]
Salmo 85 (86): 8.
[147]
Gênesis 26: 24.
[148]
Cf. Lucas 16: 22.
[149]
Cf. Salmo 32 (33): 6.
[150]
Cf. Salmo 32 (33): 5.
[151]
Isaías 26: 19.
[152]
Salmo 77 (78): 25.
[153]
João 3: 6.
[154]
Cf. Êxodo 16: 35.
[155]
Cf. Êxodo 12: 8.
[156]
Cf. Êxodo 16: 18-20.
[157]
Cf. II Coríntios 3: 18.
[158]
Gregório de Nazianze, Discurso XXXVIII,
7.
[159]
Ibid.
[160]
Ibid.
[161]
Cf. Salmo 62 (63): 9.
[162]
Salmo 81 (82): 1.
[163]
Salmo 49 (50): 1.
[164]
Salmo 46 (47): 10.
[165]
Cf. Isaías 6: 2.
[166]
Cf. Mateus 5: 8.
[167]
Cf. Sabedoria 9: 17; Isaías 40: 13.
[168]
Cf. II Coríntios 3: 18.
[169]
Cf. Êxodo 20: 21.
[170]
Cf. Mateus 5: 8.
[171]
Cf. Cânticos 1: 3.
[172]
Lacuna no texto.
[173]
Cf. Cânticos 5: 2.
[174]
Cf. Salmo 149: 5.
[175]
Lacuna no texto.
[176]
Cf. Salmo 139 (140): 14.
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