SIMEÃO DE TESSALÔNICA
SOBRE A SANTA PRECE
DEIFICANTE
Simeão de Tessalônica foi
Arcebispo desta cidade no princípio do século XV, no momento em que a
desaparição do Império Bizantino iria, ao redor do mar Egeu, impor a todos os
cristãos, e não apenas aos monges, interiorizar mais do que nunca a revelação
bíblica e a predicação da Igreja. Nestes dois curtos capítulos extraídos de
suas obras, ele pede aos leigos para caminhar sobre a via traçada e perpetuada
pelos monges durante um milênio: condensar na prece do coração (a invocação
contínua do “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus”) e salvaguardar assim na mais
pura simplicidade e na mais imediata humildade, com a compaixão de Deus, a
irredutível identidade do fiel. Simeão faz bondosamente a apologia da ´prece do
coração.
O primeiro capítulo enumera as
virtudes desta prece, que ele chama de “prece divina”: o viático que permite a
passagem da criação à redenção, até a transfiguração do mundo na luz eterna, em
nome e pela graça do Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus. A via cristã é assim
reconduzida inteiramente a sua origem e ao seu fim, da invocação à confissão,
da confissão à iluminação: “a salvação e a vida”, conclui Simeão.
O segundo capítulo exorta a dizer
continuamente esta prece comum. Perpetuando a todo momento, no próprio curso do
mundo, os sacramentos da Igreja, identificando, definindo e reunindo “no
secreto” todos os cristãos, a prece do coração funda e verifica, na sua fé e
nas suas obras, o homem, quem quer que seja, monge, sacerdote ou leigo, que se
lembra de Cristo e traz a Cristo em si: tendido entre a humildade e a
deificação, aberta sobre o devir absoluto, a vocação mesma do cristão.
SOBRE A SANTA PRECE
DEIFICANTE
Capítulo 236
Esta prece divina, a invocação de
nosso Senhor – “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim” – é
ao mesmo tempo apelo, invocação e confissão de fé. Ela suscita o Espírito
Santo, é a morada de Jesus Cristo, é a fonte da reflexão espiritual e dos
pensamentos divinos, ela liberta dos pecados, cura as almas e os corpos,
concede a iluminação divina, distribui a piedade de Deus, concede na iluminação
as revelações e as iniciações divinas, e traz em si a única via de salvação: o
nome salutar de nosso Deus, vale dizer, o nome único de Jesus Cristo Filho de
Deus invocado em nós, que em nenhum outro reside a salvação[1],
como disse o Apóstolo.
Assim é que a prece é apelo, pois
nela pedimos a piedade de Deus. Ela é invocação, por que ao invocarmos
oferecemos a nós mesmos a Cristo. Ela é confissão, por que, por haver
confessado o nome divino, Pedro foi chamado de bem-aventurado[2].
Ela suscita o Espírito, pois ninguém pode dizer “Senhor Jesus” senão no
Espírito Santo[3].
Ela dispensa os dons de Deus, pois por meio dela eu lhe darei as chaves do
Reino dos céus, disse Cristo a Pedro[4].
Ela purifica o coração, pois ela vê a chama por Deus, e purifica aquele que vê.
Ela expulsa os demônios, pois todos os demônios são expulsos em nome de Jesus
Cristo. Ela é a morada de Cristo, pois Cristo está em nós quando nos lembramos
dele, ele permanece em nós em nossa lembrança e nos enche de alegria. De fato,
foi dito: “Eu me lembrei de Deus e me alegrei[5]”.
Ele é a fonte da reflexão espiritual e dos pensamentos divinos, pois Cristo é o
tesouro de toda sabedoria e de todo conhecimento[6],
e ele concede estas coisas àqueles nos quais ele habita. Ele é a libertação dos
pecados, pois foi dito: “Aquilo que você desatar por seu intermédio será
desatado no céu[7]”.
Ela cura as almas e os corpos, por que foi dito: “Em nome de Jesus Cristo,
levante-se e ande[8]”,
e também: “Enéas, Jesus Cristo o curou[9]”.
Ela concede a iluminação divina, por que Cristo é a verdadeira luz[10],
e ele transmite aos que o invocam o esplendor de sua graça. Foi dito: “Venha
sobre nós o esplendor do Senhor nosso Deus[11]”.
E também: “Aquele que me segue terá a luz da vida[12]”.
Ela espalha a piedade de Deus, pois nós pedimos esta piedade e: “O Senhor é
compassivo, ele tem compaixão por aqueles que o invocam[13]”,
e: “Ele faz justiça rapidamente aos que chama para junto de si[14]”.
Ele concede aos humildes revelações e iniciações divinas, pois estas foram
dadas a Pedro o pecador por uma revelação do Pai que está nos céus[15],
e Paulo foi arrebatado em Cristo e ouviu as revelações[16].
Seus efeitos são sempre os
mesmos. E ela é a única via de salvação, pois “em nenhum outro temos a salvação[17]”,
disse o Apóstolo, e também: “Ele é o Salvador do mundo, o Cristo[18]”.
É por isso que no último dia toda língua, queira ou não, confessará e cantará
que Jesus Cristo é o Senhor, na glória de Deus Pai[19].
Este é o sinal de nossa fé, pois somos cristãos e trazemos este nome. E ele
testemunha que somos de Deus. Pois, como já lembramos, foi dito: “Todo espírito
que confessa que Jesus Cristo é o Senhor vindo na carne é de Deus. E quem não o
confessa não é de Deus[20]”.
Mas “este é o espírito do Anticristo, que não confessa Jesus Cristo[21]”.
É preciso assim que todos os
fiéis não cessem de confessar este nome, para proclamar sua fé e por amos a
nosso Senhor Jesus Cristo, do qual ninguém jamais nos poderá separar[22],
e pela graça que seu nome derrama. E pela absolvição, a redenção, a cura, a
santificação, a iluminação, e acima de tudo a salvação. Pois foi neste nome
divino que os apóstolos fizeram maravilhas e ensinaram. O divino Evangelista
disse: “Estas coisas foram escritas para que vocês creiam que Jesus é o Cristo,
o Filho de Deus[23]”;
esta é a fé. “E para que, crendo, vocês tenham a vida em seu nome[24]”.
Tais são a salvação e a vida.
Capítulo 237
Que todo fiel diga continuamente
em seu intelecto e com sua língua esta prece do nome de Jesus. Imóvel ou
caminhando, sentado ou deitado[25]
o que quer que diga ou faça, que não cesse de se dedicar à prece. Então ele
encontrará uma grande serenidade, uma enorme alegria, como sabem por
experiência todos os que agem assim. Esta obra ultrapassa os homens que são
absorvidos pelas coisas desta vida, e os próprios monges, quando se encontram
em meio às perturbações do mundo. Entretanto, é preciso que aquilo que diz
respeito a esta obra esteja distribuído a cada qual, e que todos, sacerdotes,
monges ou leigos, tenham diante de si o modelo desta prece, a fim de praticá-la
tanto quanto possível. Em primeiro lugar os monges, por que esta é a sua ordem,
e por que a têm por obrigação. Ainda que estejam no vaivém dos serviços para os
quais são chamados, que se esforcem sempre em se aplicar à invocação, pois eles
se devem à prece e devem orar continuamente ao Senhor[26],
mesmo que estejam distraídos e ocupados, mesmo que seu intelecto esteja cativo,
como se diz, para que não se tornem negligentes e sejam capturados pelo
inimigo, eles devem retornar à prece e se alegrar por este retorno. Também os
sacerdotes devem orar, por que foram consagrado s a esta obra apostólica que
realiza a predicação divina e os gestos de Deus, e que revela o amor de Cristo.
Enfim, devem praticá-la tanto quanto puderem aqueles que estão no mundo, por
que ela se constitui num selo sobre eles e num signo de sua fé, ela os
santifica e expulsa deles toda tentação.
É preciso, portanto, que todos,
sacerdotes, leigos ou monges, a partir do momento em que despertam do sono,
tenham em primeiro lugar a Cristo no espírito, e que se lembrem sempre primeiro
de Cristo. Todos devem oferecer a prece a Cristo como as primícias e o
sacrifício de todo pensamento, lembrar-se, antes de cada pensamento, de Cristo,
que nos salvou e que tanto nos amou. Pois nós somos cristãos, e trazemos o nome
de Cristo. Nós nos revestimos dele pelo batismo divino[27]
e dele recebemos o selo pela unção. E comungamos e seguimos comungando sua
Carne santa e seu Sangue. Somos seus membros[28],
somos seu Templo[29].
Nós dele nos revestimos[30]
e ele permanece em nós. Por isso devemos amá-lo e sempre nos lembrarmos dele.
Que cada um tome para si como um dever consagrar-se à prece tanto quanto puder
por um determinado tempo, e de dizer um certo número de vezes esta oração.
Mas já dissemos o bastante. Os
que se interrogam a respeito da oração encontrarão benefícios naquilo que
ensinamos aqui.
[1] Atos 4: 12.
[2]
Cf. Mateus 16: 17.
[3]
Cf. I Coríntios 12: 30.
[4]
Cf. Mateus 16: 19.
[5] Salmo 76 (77): 3.
[6]
Cf. Colossenses 2: 3.
[7] Mateus 16: 19 e 18: 18.
[8] Atos 3: 3.
[9] Atos 9: 34.
[10] João 1: 9.
[11] Salmo 89 (90): 17.
[12] João 8: 12.
[13] Salmo 85 (86): 6; Salmo 144: 18.
[14] Lucas 18: 7.
[15]
Cf. Mateus 16: 17.
[16]
Cf. II Coríntios 12: 2.
[17] Atos 4: 12.
[18] João 4: 42.
[19] Filipenses 2: 11.
[20] I
João 4: 2.
[21] I
João 4: 3.
[22]
Cf. Romanos 8: 35.
[23] João 20: 31.
[24] Ibid.
[25] Cf.
Deuteronômio 6: 6-7.
[26] I
Tessalonicenses 5: 17.
[27] Gálatas 3: 27.
[28] I
Coríntios 12: 27.
[29] Cf.
II Coríntios 6: 16.
[30] Cf.
Gálatas 3: 27.
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