EXTRATOS DOS SANTOS PADRES
SOBRE A PRECE E A
ATENÇÃO
Estes extratos dos Padres,
publicados sem nome de autor, são talvez devidos ao mesmo Calixto Telikoudes.
Em todo caso, no corpo da antologia, eles estão na sequência da “prática
hesiquiasta”. À primeira vista é a mesma demonstração e a mesma exortação:
impossível “voltar o olho livremente para a luz” sem a dupla ascese do corpo e
do intelecto. Uma só necessidade: pela temperança, pela vigilância, revestir o
homem interior, “viver para Deus”, fazer do corpo a “moradia da alma”, aí
“recolher o intelecto” e alcançar assim o “céu do coração onde habita Cristo”.
Donde, por meio da prece, uma atenção em todos os instantes: “sempre observar o
presente para nele encontrar a beleza”. A inteligência, desembaraçada do
sensível, se torna “semelhante a uma safira celeste”. Do despojamento das
paixões à visão da luz eterna temos aqui como que uma ilustração do testemunho
de Calixto Telikoudes: um breve resumo, fiel e incisivo, da via hesiquiasta.
Sobre a prece e a atenção.
Todo o esforço da ascese deve
focar este ponto: quer a altura da alma não seja derrubada pela revolta dos
prazeres. Pois como uma alma que se liga ao que está embaixo pelo prazer da carne
poderá lançar um olhar livre para a luz inteligível à qual é aparentada? É por
isso que, antes de tudo, é preciso ser temperante: a temperança guarda em lugar
seguro a castidade. O intelecto que nos guia não deve se deixar absorver por
pensamentos impuros. É, assim necessária a vigilância do homem interior, se
quisermos que o intelecto não se perca em divagações, mas que se mantenha firme
no objetivo da glória de Deus, a fim de escapar ao julgamento do Senhor que
disse: “Infelizes de vocês, por que se assemelham a sepulcros caiados, que por
fora parecem belos mas que por dentro estão cheios de ossos dos mortos e de
todo tipo de impureza. Por fora vocês parecem justos perante os homens, mas por
dentro estão cheios de hipocrisia e iniquidade[1]”.
É por isso que, pelo coração, a
palavra e a ação, devemos conduzir um grande e justo combate, a fim de não
recebermos em vão a graça de Deus[2].
Mas, assim como a cera é modelada pela arte do escultor, também nosso homem
interior é modelado pelos ensinamentos de nosso Senhor Jesus Cristo. Então
podemos realizar com nossas ações a palavra de Paulo, que disse: “Vocês se
despojaram do homem velho e de suas obras e se revestiram do homem novo, que se
renova no conhecimento, à imagem de seu Criador[3]”.
Ele chama de homem velho a todos os nossos pecados e manchas. Devemos nos
revestir do homem interior, como sinal de vida nova[4],
até a morte, para que possamos dizer em verdade: “já não sou eu quem vive, mas
é Cristo que vive em mim[5]”.
Portanto, é preciso muita
atenção, muita vigilância para não faltar com nenhum dos deveres de que
falamos, quando cumprimos os mandamentos. Pois senão não apenas seríamos
privados de tamanha recompensa, como ainda tombaríamos sob o golpe de temíveis
ameaças. Quando o diabo espalha suas armadilhas e, com grande violência, envia
como se fossem flechas incendiárias[6]
os pensamentos que ele secreta de si mesmo contra a alma que vive na hesíquia e
na calma, quando ele se abrasa subitamente, quando ele prolonga indefinidamente
e torna insolúvel a lembrança daquilo que algum dia foi lançado em nosso
espírito, é preciso escapar a estas armadilhas por meio de uma sobriedade e de
uma atenção ainda mais intensas, como um atleta que, com a defesa precisa e a
velocidade de seu corpo consegue iludir os desígnios de seus adversários.
Enfim, por meio da prece e da invocação da aliança do alto, é preciso deter a
guerra e desviar as flechas. É o que Paulo nos ensinou quando disse: “Tomem
sobre vocês o escudo da fé...[7]”.
Quando a alma relaxa o rigor e o
ardor da reflexão e começa a rememorar ao acaso tudo o que já lhe aconteceu,
então o pensamento, longe de qualquer educação ou ciência em relação às coisas
das quais ela se lembra, é absorvido por elas e, divagando mais e mais, acaba
por cair em pensamentos infames e absurdos. É preciso corrigir esta negligência
e este despedaçamento da alma por meio de uma tensão mais rigorosa e mais
vigilante da reflexão, é preciso fazer com que a alma retorne sobre si mesma, e
lhe dar sempre o presente para considerar, para que nele ela veja a beleza.
Quer esteja numa praça pública, quer participe de uma festa, quer esteja sobre
uma montanha, ou no campo, ou no meio de uma multidão, o filósofo justo faz de
seu corpo o lugar de sua meditação e permanece seguro em sua alma, ele se
mantém fundamentado em si mesmo como em seu mosteiro natural, recolhendo aí seu
intelecto e pensando com toda sabedoria naquilo que lhe convém. Pois pode
acontecer que aquele que permanece sentado em sua cela, mas que é negligente,
deixe seus pensamentos errando por aí, e que o que está na praça pública, mas é
sóbrio e vigilante, esteja como que no deserto, voltado para si e apenas para
Deus, com os sentidos trancados às perturbações que, por intermédio das coisas
sensíveis, assaltam sua alma.
Assim, é preciso que aquele que
se aproxima do Corpo e do Sangue de Cristo em sua memória[8],
em memória dele que morreu por nós e que ressuscitou[9],
se purifique de toda mancha da carne e do espírito[10],
para não comer e beber de sua própria condenação[11].
E ainda será preciso claramente que ele seja o signo do julgamento Daquele que
morreu por nós e ressuscitou, não apenas purificando-se de todo pecado, mas
morrendo para o pecado, para o mundo e para si mesmo, e vivendo apenas para Deus[12].
Dentre os maus pensamentos,
alguns não chegam a atingir a alma, se nos protegermos. Outros nascem e
germinam em mós, quando somos negligentes: se nos prevenimos, eles logo se
afogam e desaparecem. Outros enfim, quando perseveramos na negligência, nascem
e crescem, nos conduzem às más ações e alteram toda a saúde da nossa alma. A beatitude
consiste em não receber nenhum mau pensamento; depois, em rejeitar os
pensamentos logo que eles entram e não aceitar que permaneçam em nós daí para
frente, a fim de que eles cessem de produzir o mal. Mas ainda que sejamos
sempre negligentes, o amor que Deus tem pelo homem pode corrigir esta
negligência. Sua inefável bondade pode preparar inúmeros remédios para essas
feridas.
Assim é que eu lhe peço, enquanto
você viver num corpo, não relaxe seu coração. Com efeito, assim como o
cultivador não pode jamais estar certo dos frutos que surgirão no seu campo,
por que ele não sabe o que poderá acontecer com este fruto antes que ele o
guarde no celeiro, também o homem não pode relaxar seu coração enquanto houver
um sopro em suas narinas. E assim como nenhum homem, até seu último suspiro, conhece
os sofrimentos pelos quais poderá passar, também o monge, enquanto respirar,
não pode relaxar seu coração. Ele deve clamar a Deus continuamente, pedindo seu
Reino e sua piedade. Ora, o maligno sabe muito bem que que ora a Deus sem
cessar poderá realizar grandes coisas. Então, ele se esforça, pelas vias da
razão ou da loucura, para desviar o intelecto. E cabe a nós, uma vez que temos
consciência disto, nos opormos ao nosso inimigo. Quando permanecemos em oração,
quando dobramos os joelhos, não deixemos que entre em nosso coração nenhum
pensamento, nem branco, nem preto, nem direito, nem esquerdo, que tenha sido
escrito ou que jamais tenha sido escrito. Não deixemos entrar senão a súplica a
Deus, a iluminação, a irradiação solar que vem do céu iluminar a razão.
É preciso ter conduzido um grande
combate, ter passado muito tempo em oração, para descobrir a serenidade da
reflexão, tal como um novo céu, o céu do coração onde habita Cristo, como disse
o Apóstolo: “Não reconhecem vocês que Cristo habita em vocês?[13]”.
Se quisermos atingir este estado da inteligência, guardemo-nos de todo pensamento.
Então o intelecto verá a si mesmo semelhante a uma safira celeste. Pois se o intelecto
não estiver acima de todos os pensamentos que o ligam às coisas, jamais ele
verá em si próprio o lugar de Deus. E jamais ele estará no alto, se não se
despojar das paixões que, através dos pensamentos, o ligam às coisas sensíveis.
Ele ultrapassará as paixões por meio das virtudes; os pensamentos simples pela contemplação
espiritual; e a própria contemplação, quando lhe aparecer a luz.
[1] Mateus 23: 27-28.
[2]
Cf. II Coríntios 6: 1.
[3] Colossenses 3: 9-10.
[4] Romanos 6: 1.
[5] Gálatas 2: 20.
[6]
Cf. Efésios 6: 16.
[7] Efésios 6: 16.
[8] Cf.
Lucas 22: 19.
[9] Cf.
II Coríntios 5: 15.
[10] Cf.
I Coríntios 11: 29.
[11] Cf.
II Coríntios 7: 11.
[12] Cf.
Romanos 6: 11.
[13]
II Coríntios 13: 5.
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