NICETAS STETHATOS
TRÊS CENTÚRIAS
PRÁTICA, FÍSICA E GNÓSTICA
SEGUNDA CENTÚRIA
CAPÍTULOS FÍSICOS
Da purificação do intelecto
1. O começo do amor a Deus consiste no desprezo pelas coisas visíveis
e humanas. O meio consiste na purificação do coração e do intelecto. De onde
vêm o desvelamento intelectual dos olhos deste intelecto e o conhecimento do
Reino dos céus oculto em nós[1].
O fim é a irresistível tensão amorosa que nos leva aos dons de Deus acima da
natureza, e o desejo natural da união com Deus para o repouso nele.
2. Onde se encontram o amor a Deus, a obra das coisas inteligíveis e a
comunhão com a luz inacessível, lá estão também a paz das potências da alma, a
purificação o intelecto e a habitação da Santa Trindade em nós. “Quem me ama,
foi dito, guardará minhas palavras e meu Pai o amará e nós viremos até ele, e
nele faremos nossa morada[2]”.
3. A razão conhece três estado de existência: carnal, psíquico
espiritual. A cada um destes estados corresponde um modo de vida que lhe é
próprio, que se distingue por si mesmo e difere dos demais.
4. O estado carnal da existência está inteiramente voltado para os
prazeres e o desfrute da vida presente. Nele nada há que pertença ao estado
psíquico ou ao estado espiritual, e nenhuma vontade de adquirir seja o que for
destes estados. O estado psíquico, que é uma fronteira entre o vício e a
virtude, cuida do corpo, cuida para torná-lo forte, considera o louvor dos
homens. Ele recusa as penas da virtude e também foge das ações da carne. Ele
não se liga ao vício, mas, por razões opostas, também não se liga à virtude. À
virtude, por causa daquilo que nela existe de rude e penoso. Ao vício, para não
perder o louvor dos homens. O estado espiritual da existência escolhe nada
saber dos dois primeiros estados para não cair nos seus males. Ele é totalmente
livre diante deles. Conduzido pelas asas de prata do amor e da impassibilidade
ele voa acima dos outros estados e nada faz do que é proibido, fugindo da
inércia dos vícios.
5. Os que vivem para a carne e trazem em si os cuidados com a carne
não passam de carne. Não há como agradarem a Deus[3].
Seus pensamentos são tenebrosos. Eles não recebem os raios da luz divina: as
nuvens das paixões escondem dele esta luz. Eles têm ao redor de si como que
altos muros que detêm a claridade do Espírito. Assim, permanecem na
obscuridade. Os sentidos de sua alma estão enfermos. Eles não conseguem erguer
os olhos para as belezas inteligíveis de Deus, nem ver a luz da verdadeira
vida, nem superar a baixeza das coisas visíveis. Como que transformados em
animais e não possuindo senão a sensação do mundo, eles entravam a dignidade da
razão com as coisas sensíveis e humanas. Estes homens combatem e lutam entre si
apenas para obtê-las, e por nada além delas, pelas quais chegam a perder suas
almas, agarrados que estão ao dinheiro, à glória, aos prazeres da carne, pensando
que a mera falta destas coisas lhes trará um grande mal. Justamente por sua
causa foram ditas por Deus estas palavras proféticas: “Meu Espírito não
permanecerá nestes homens, por que eles são carne[4]”.
6. Os que vivem psiquicamente – e por isso são chamados psíquicos –
são muitas vezes meio loucos. Seus membros estão como que paralisados. Eles
jamais se decidem a penar por uma virtude ou por um mandamento de Deus. Por
causa da glória dos homens eles evitam as ações vergonhosas. Dominados pelo
egoísmo, este mal que nutre as paixões funestas, colocam todo empenho na saúde
e no desfrute da carne: recusam toda aflição, toda pena, todo esforço duro para
conquistar a virtude. Eles confortam além da medida o corpo que nos combate.
Tal vida, tal conduta, fazem com que seu intelecto pesado de paixões se torne
terrestre. Eles estão completamente fechados para as coisas do intelecto, para
as coisas de Deus por meio das quais a alma é retirada da matéria e elevada em
direção aos céus inteligíveis. Embora tomados pelo espírito da matéria eles
amam suas próprias almas e escolhem fazer suas vontades. Vazios do Espírito
Santo, eles se privam também dos seus carismas. A partir daí, é impossível
ver-se neles algum fruto divino, nem o amor a Deus e ao próximo, nem a alegria
na pobreza e nas aflições, nem a paz da alma, a fé interior, a temperança
total, e menos ainda a compunção, as lágrimas, a humildade, a compaixão. Todo
seu ser está cheio de orgulho e vaidade. Eles não têm a capacidade de cavar as
profundezas do Espírito. Não há neles luz que os guie, que lhes abra a
inteligência e os leve a compreender as Escrituras[5].
Mas tampouco eles suportam que estas coisas lhes sejam ditas. O Apóstolo os
denunciou com justeza: “O homem psíquico não recebe as coisas do Espírito. Ele
as considera como loucura. Ele não sabe que a lei é espiritual e que somos
julgados pelo Espírito[6]”.
7. Os que caminham segundo o Espírito[7]
e assumem totalmente a vida espiritual agradam a Deus. Eles se consagram a Deus
como os nazireus[8]. Por
meio de suas penas, sempre e sempre, eles purificam suas almas, guardam os
mandamentos do Senhor, se esvaziam do próprio sangue por amor a ele. Por meio
dos jejuns e das vigílias eles purificam a carne. Com suas lágrimas, afinam a
espessura do coração. Mortificam seus membros na vida dura. Por meio da prece e
do estudo, eles cumulam o intelecto de luz e o tornam claro. Pela renúncia às
vontades, separam suas almas das paixões do corpo, e passam a depender
inteiramente apenas do Espírito. Por isso eles não apenas são reconhecidos como
espirituais, mas são também assim chamados. Alcançando a impassibilidade e o
amor, eles se elevam como que com asas até a contemplação do criado. A partir
daí, eles recebem o conhecimento dos seres através da sabedoria oculta em Deus[9],
que é dada somente aos que superaram a baixeza do corpo. Como igualmente ele
ultrapassaram toda sensação do mundo e foram introduzidos naquilo que está além
da sensação por meio do intelecto iluminado, eles iluminam a razão. No centro
da Igreja de Deus e na assembleia dos fieis[10]
eles proferem palavras benfazejas com o coração puro. Eles se tornam para os
homens sal e luz, como disse o Senhor: “Vocês são a luz do mundo e o sal da
terra[11]”.
8. “Parem e conheçam que eu sou Deus[12]”.
Aqueles que quiserem sabe o que significa aqui a palavra divina. A quem
rejeitou de uma vez por todas as desordens da terrível vacuidade da existência
para se tornar daí em diante profundamente atento a si mesmo e viver na
hesíquia, o mais importante será considerar cuidadosamente as coisas interiores
e buscar conhecer a Deus em si. Pois o Reino de Deus está em nós[13].
Se fizermos isto todo o tempo, poderemos apagar da alma as marcas da malícia e
sermos salvos por aquele que restabelece integralmente a beleza original.
9. A malícia nos enche de veneno. O fogo que nos purifica pelas
lágrimas tem forte necessidade do arrependimento e das penas voluntárias da
ascese. Pois somos purificados das manchas do pecado, seja pelas penas
voluntárias, seja por aquelas que nos chegam malgrado nossa vontade. Se nos
adiantamos e assumimos as penas voluntárias, não sofreremos as seguintes. Mas
se as primeiras não purificam o interior da taça e do prato[14],
serão as outras quem com mais e maior violência, nos restabelecerão no estado
original. Assim ordenou o Criador.
10. Brincam com a piedade e são manipulados pelas coisas, aqueles que
não levaram até o fim a própria renúncia conforme à razão, que não quiseram
buscar mestre nem guia desde o início e preferiram seguir sua própria
consciência, acreditando-se sábios aos próprios olhos[15].
11. Ninguém sabe exatamente as causas das doenças que nosso corpo
sofre, nem os remédios necessários, se não possuir uma grande experiência
médica. E ninguém conhece as causas das enfermidades da alma se se dedicar a
uma longa ascese. Se, com efeito, o conhecimento das doenças do corpo, objeto
da ciência médica, parece incerta e não se aprende senão pouco a pouco, o
conhecimento das enfermidades da alma é ainda mais incerto. Na mesma medida em
que a alma é maior do que o corpo são também suas paixões maiores e mais
difíceis de conhecer do que as doenças do corpo, que são visíveis aos olhos de
todos.
12. As virtudes fundamentais que comandam o resto foram colocadas no
homem por natureza. É a partir delas, como que de quatro fontes, que os rios[16]
de todas as outras virtudes se enchem de água e irrigam a cidade de Deus[17],
que é o coração purificado, consolado pelas lágrimas. Aquele que as guardou
firme contra o ataque dos espíritos do mal, ou que as levantou com seus
esforços quando elas foram derrubadas, construiu para si uma morada real e um
palácio, onde o Rei do universo fará para si uma morada[18]
e partilhará, concedendo em abundância, seus mais elevados dons àqueles que
para isto tanto se prepararam.
13. Breve é a existência, longo o século futuro, curto o tempo da vida
presente. O homem é este vivente grande e ínfimo, tão fraco, pois o tempo
presente lhe foi concedido para durar bem pouco. Assim, o tempo é curto e o
homem é fraco. Mas grande é o combate proposto para adquirir a recompensa,
através de milhares de espinhos e dos riscos de uma vida extremamente breve.
14. Deus não quer que o trabalho dos que o buscam se dê sem esforço,
mas que eles passem por grandes provas. Por isso ele envia o fogo das
tentações. Há momentos em que ele reduz a graça que lhes envia desde o alto e
permite que a serenidade dos pensamentos seja perturbada de tempos em tempos
pelos espíritos de malícia, para ver até onde os pode levar o impulso da alma,
se na direção de seu criador e benfeitor ou se para a percepção do mundo e a
facilidade do prazer. Assim, ou bem ele duplica a graça sobre ele, se
progredirem em seu amor, ou os golpeará com tentações e aflições se se ligarem
às coisas, até que sintam aversão pela ronda errante das coisas visíveis e
apaguem com suas lágrimas a amargura dos prazeres daqui de baixo.
15. Uma vez que a paz dos pensamentos foi perturbada pelos espíritos
de malícia, logo os demônios que amam a carne e que nos perseguem começam a
lançar as flechas incendiárias[19]
da concupiscência contra o intelecto que corre para as alturas. O intelecto,
atingido em sua elevação, cai em movimentos impróprios e confusos, a carne
começa a se sublevar contra o espírito, derrubando o intelecto a poder de
excitação e febres e procurando enterrá-lo sob um abismo de prazer. Se o Senhor
dos Exércitos não abreviasse estes dias e não concedesse aos seus servidores a
força da paciência, nenhuma carne se salvaria[20].
16. O demônio fraudador e enganador da prostituição é para alguns
queda e poço de lama, para outros chicote e vergasta de justiça, para outros
ainda provação e tormento da alma. Queda e poço para os noviços que carregam
mole e negligentemente o jugo da ascese. Chicote e vergasta para os que já
percorreram a metade do caminho progredindo na virtude, mas que relaxam seu
esforço. Provação e tormento para aqueles a quem as asas do intelecto já
conduziu até a contemplação e que se lançam daí para a impassibilidade mais
perfeita. Em outras palavras, tudo está organizado desde o alto para o bem de
cada um.
17. O demônio da prostituição leva à queda e ao poço de lama os que
passam a vida solitária e indiferente. Ele queima seus membros na chama da
prostituição e da concupiscência. Ele lhes fornece meios perversos para
satisfazer a vontade da carne sem se unir a outra carne, coisa que não se pode
descrever nem conceber sem vergonha[21].
Estes homens mancham sua carne[22],
conforme foi dito, eles comem os frutos de um prazer amargo, enchem seus olhos
de trevas e, por sua falta, se afastam do melhor. Mas os que quiserem encontrarão
remédio no fervor do arrependimento e na compunção das lágrimas, que suscita a
fuga para longe do mal, purifica a alma da sujeira e lhe concede a herança da
compaixão de Deus. O sábio Salomão dá isto a entender quando diz que o remédio
acalma os grandes pecados[23].
18. Este espírito é justamente chicote a vergasta para aqueles que,
por meio da filosofia ativa, atingiram a primeira impassibilidade e que daí por
diante progridem para as coisas avançadas e mais perfeitas. Com efeito, quando,
por negligência, eles relaxam a tensão de sua ascese, quando se deixam levar,
por pouco que seja, a buscar sem reservas a sensação do mundo, assim desejando
as coisas humanas, então a extrema bondade de Deus por eles permite que aquele
que os agride se lance contra eles e comece a feri-los por meio de pensamentos
da concupiscência da carne do homem que pensa no mundo. Se eles não o suportam,
se retornam rápida e diligentemente para a cidadela de seu esforço me de sua
atenção por meio de uma conduta voltada às penas, eles assumirão com ainda mais
resolução as obras de salvação. Pois Deus ama o bem. Ele não deseja que a alma
que chegou até aí se volte inteiramente para a sensação do mundo, mas que ela
prossiga adiante e se ligue ardentemente às obras mais perfeitas a fim de que o
chicote do mal não se aproxime de sua tenda[24].
19. Este mesmo espírito, dentro da economia divina, constitui uma
provação, um cardo, um tormento para aqueles a quem a primeira impassibilidade
conduziu à segunda, a fim de que, perturbados pela prova, eles se lembrem da
sua fraqueza natural e não se orgulhem da eminência das revelações que lhes
foram dadas contemplar, conforme foi dito[25].
Vendo aquele que combate a lei de seu intelecto[26],
eles derrubarão a simples lembrança do pecado, por medo de receber dele a
sensação de sujeira que ele engendra, e de relaxar a visão das alturas que seu
intelecto contempla.
20. Os únicos capazes de guardar o intelecto da perturbação causada
pela simples lembrança do pecado são aqueles que foram considerados dignos de
receber do alto, por intermédio do Espírito, a morte vivificante do Senhor[27]
em seus membros e seus pensamentos. Eles obrigam a carne a morrer para o
pecado, mas enriquecem de vida o espírito pela justiça[28]
que está em Cristo Jesus. A inteligência de Cristo é concedida por uma palavra
de sabedoria[29]
àqueles em que se encontra imperturbável a morte vivificante, no conhecimento
de Deus.
21. O espírito de concupiscência e de ardor costuma atacar as almas
que acabam de se purificar. De que maneira? Fazendo cair os frutos do Espírito
Santo com os quais estão carregadas. Pois a alegria da liberdade suscita uma
efusão nestas almas. E a sabedoria que ordena tudo para seu bem e que quer
sempre por intermédio de seus carismas atrais para si seus pensamentos e guardá-los
inquebráveis na humildade para que eles não se elevem acima dos outros por
causa de sua grande liberdade ou pela riqueza de seus carismas, ou ainda para
que não tenham a presunção de possuir este grande palácio de paz por seu
próprio poder e conhecimento, esta sabedoria permite àqueles espíritos
assaltá-los, restringindo sua paz. A partir daí, atirados ao medo da quedam
eles vigiam por guardar a bem-aventurada humildade. Tendo aprendido que estão
ligados à carne e ao sangue, eles agira buscam naturalmente a fortaleza
interior na qual possam se guardar sem prejuízo pelo poder do Espírito.
22. Conforme nos domina a doença das paixões, conforme a podridão do
pecado se instala em nós, nos assaltam as tentações. Então a mistura que nos
derrama a taça de absinto dos juízos de Deus nos parecerá mais amarga ou mais
doce. Pois se a matéria do pecado que está em nós – vale dizer, os pensamentos
que nos levam ao amor pelo prazer ou ao amor por esta vida – é curável e sara
com facilidade, o médico de nossas almas derramará também a compaixão no copo
de tentações que nos oferece, pois são doenças humanas que experimentamos, e
são coisas humanas que sofremos. Mas se a matéria do pecado é incurável, se
está enraizada, se os pensamentos de presunção e de extremo orgulho secretam a
podridão que conduz à morte, o copo nos é dado sem mistura, no amargor da
cólera, para que a doença, consumida pelo fogo de sucessivas tentações,
reduzida pela humilhação, se retire de nossas almas, para que assim apaguemos
com lágrimas a amargura dos pensamentos e estejamos puros à luz da humildade na
visão do médico de nossas almas.
23. Aqueles que combatem não conseguem escapar das tentações
sucessivas senão reconhecendo sua própria fraqueza e considerando a si próprios
como afastados de toda justiça, indignos de toda consolação, de toda honra, de
todo repouso. O objetivo de Deus, do médico de nossas almas, é que nos tornemos
sempre humildes e aflitos, estranhos a todos os homens, e que imitemos seus
sofrimentos. Pois ele era manso e humilde de coração[30],
e é nesta mansidão e humildade de coração que ele deseja que percorramos o
caminho de seus mandamentos.
24. Não são as macerações, o cabelo sujo, as vestes descuidadas,
grosseiras e rasgadas, estas coisas nas quais muitos encerram toda a virtude,
que conduzem à humildade, mas o coração quebrantado e o espírito de
rebaixamento, como disse Davi: “A um coração quebrantado e humilhado, Deus não
desprezará[31]”.
25. Uma coisa é a humildade da linguagem, outra a humildade exterior e
outra ainda a humildade do coração. Por todos os sofrimentos que aguentam e
pelas penas exteriores que a virtude tem que suportar, os que combatem alcançam
a humildade da linguagem e a humildade exterior, que juntas reúnem a obra e a
ascese do corpo. Mas muitas vezes sua alma carece de firmeza e quando encontra
a tentação fica perturbada. Mas a humildade do coração, que é coisa divina e
altíssima, não vem senão àqueles que ultrapassaram a metade da ascese e que
receberam em si o Consolador. Vale dizer que estes já percorreram, através de
toda a humildade exterior, o duríssimo caminho da virtude.
26. A humildade do coração penetra até as profundezas da alma, caindo
sobre ela como uma pesada pedra. Ela a esmaga e pressiona tanto mais quanto
mais ela esgota sua força no fluxo irresistível das lágrimas, na medida em que
ela purifica o intelecto de toda a sujeira dos pensamentos, na medida em que a
alma alcança, como Isaías, a visão de Deus, e exclama: “Infeliz que sou, estou
perdido! Pois sou um homem de lábios impuros e vi com meus olhos o Rei, o
Senhor dos Exércitos[32]!”.
27. Quando a humildade da linguagem se enraíza em você, então se
afastará o falatório orgulhoso. Quando se enraizar a humildade exterior nas
profundezas do seu coração, a humildade da linguagem, seja ela superficial ou
profunda, será afastada de você. E quando você receber do alto a riqueza da
humildade do coração, tanto esta humildade exterior quanto a da linguagem serão
apagadas. É o que disse Paulo: “Quando o perfeito chega, o parcial desaparece[33]”.
28. Tanto está distante o oriente do ocidente[34]
quanto está a verdadeira humildade da linguagem da verdadeira humildade
exterior. E tanto maior é o céu do que a terra e a alma do que o corpo, também
a humildade de coração concedida aos perfeitos pelo Espírito Santo é maior e
mais perfeita do que a humildade exterior.
29. Não creia que é fácil a alguém que fala humildemente e que se
reveste das formas da humildade exterior ser humilde de coração, nem que alguém
que fala dando-se ares e orgulhosamente, cheio de presunção e vaidade escapará
aos tormentos trazidos por estes vícios. Você os reconhecerá por seus frutos[35].
30. Os frutos do Espírito Santo são o amor, a alegria, a paz, a
bondade, a paciência, a bem-aventurança, a fé, a mansidão, a temperança[36].
Os frutos do espírito contrário são o ódio, a inquietude do mundo, a
inconstância da alma, a perturbação do coração, a malícia, a curiosidade, a
negligência, a cólera, a incredulidade, a inveja, a gula, a embriaguez, o
ultraje, a condenação, a concupiscência dos olhos[37],
a vaidade e a presunção da alma. É por tais frutos que você conhecerá a árvore[38].
E é assim que você poderá saber a qual espírito pertence quem se aproxima de
você. A palavra do Senhor lhe fornece os mesmos sinais, e com maior clareza
ainda: “O homem bom extrai do bom tesouro de seu coração aquilo que é bom. O homem
mau extrai do mau tesouro do seu coração aquilo que é mau[39]”.
Pois o fruto depende da árvore.
31. Assim é que a morada de Deus está naqueles em que vivem e se
revelam os dons do Espírito Santo. Estes homens têm em si a fonte pura da
palavra cheia de sabedoria e conhecimento, quer os ouçamos falar as coisas mais
humildes ou as mais elevadas. E naqueles em que não se revelam os frutos do
Espírito Santo, mas os frutos do espírito contrário, nestes estão as trevas da
ignorância de Deus, o enxame das paixões, a morada dos adversários, quer falem
humildemente e vistam roupas simples, quer digam coisas elevadas e se vistam
elegantemente e com todas as aparências da nobreza.
32. Não é nos rostos, nas formas ou nas palavras que reconhecemos as
marcas da verdade. Não é aí que Deus repousa. Ele está nos corações
quebrantados[40],
nos espíritos humilhados[41],
nas almas iluminadas pelo conhecimento divino. Às vezes, alguém a quem vemos se
rebaixar quando fala, em tudo dizer as coisas mais humildes e em tudo buscando
o louvor dos homens, por dentro está cheio de presunção, mentiras, inveja e
rancor contra o próximo. E outro a quem vemos combater pela justiça com
palavras grandiloquentes, erguer-se contra a mentira e a transgressão das
coisas divinas e não considerar senão a pura verdade, por dentro é todo
comedido, humilde, cheio de amor ao próximo. Às vezes vemos até alguém que se
glorifica no Senhor, como Paulo se glorificava no Senhor quando dizia: “Eu me
glorifico nas minhas fraquezas[42]”.
33. Deus não olha a aparência do que dizemos ou fazemos, mas considera
apenas a disposição de nossas almas, o objetivo pelo qual cumprimos um ato
visível ou expressamos um pensamento. Também aqueles que se distinguem dos
demais por sua consciência consideram acima de tudo o poder das palavras e a
finalidade das obras, e desta maneira asseguram seus julgamentos. “O homem
observa o rosto. Mas Deus vê o coração[43]”.
34. Deus considerou que, geração após geração, seus profetas e seus amigos
jamais deixariam de ser preparados pelo Espírito para a edificação de sua
Igreja[44].
Pois se o velho dragão nunca deixou de vomitar nos ouvidos dos homens o veneno
do pecado que atira a alma para a morte, como aquele que criou cada um de
nossos corações[45]
não poderia ressuscitar o indigente da terá da humildade ou não resgataria o
pobre do braseiro[46]
das paixões, trazendo a espada do Espírito[47]
que é a palavra de Deus para socorrer a sua herança? Os que começam pela
humildade, os que renunciam a si mesmos são aqueles que se elevam às alturas do
conhecimento. Do alto a palavra da sabedoria lhes é dada pelo poder de Deus.
Pois eles anunciam à sua Igreja a boa nova da salvação[48].
35. Conheça a si mesmo. Tal é a verdadeira humildade, a que ensina a
ser humilde internamente, a que quebranta o coração: aquela sobre a qual
devemos trabalhar, e que devemos guardar[49].
Se você ainda não se conhece, você tampouco sabe o que é a humildade, você
ainda não alcançou o verdadeiro trabalho, a verdadeira guarda. Pois conhecer a
si próprio é o fim da obra das virtudes.
36. Aquele que, através da pureza, alcançou o conhecimento dos seres,
conhece a si próprio, conforme foi dito: conheça a si mesmo. Mas quem ainda não
atingiu o conhecimento das próprias razões da criação, das coisas divinas e
humanas, conhece apenas o que está ao seu redor, o que está fora de si, mas não
conhece absolutamente a si mesmo.
37. O que eu sou não é o que está em mim; o que está em mim não é o
que está ao redor de mim; e o que está ao redor de mim não é o que está fora de
mim. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Eu mesmo sou a imagem de
Deus, pois fui concebido como uma alma intelectual, imortal, dotada de razão,
pois eu possuo a inteligência que engendra a razão e que é indivisível, consubstancial
com a alma. O que está em mim, que reina e comanda, é a razão e a liberdade. O
que está ao redor de mim é o que eu escolhi ser: lavrador, comerciante,
professor ou filósofo. O que está fora de mim diz respeito às ambições da
existência e à nobreza terrestre, a riqueza, a glória, a honra, a prosperidade,
a dignidade, ou seus contrários, a pobreza, a rejeição, a desonra, a
infelicidade.
38. Quem conhece a si mesmo repousa de todos os trabalhos que fez em
Deus. Este penetrou no santuário de Deus, na liturgia intelectual do Espírito.
Ele alcançou o porto divino da impassibilidade e da humildade. Mas quem ainda
não se conhece pela humildade do coração e a ciência, avança sempre através das
penas e dos suores desta vida. É o que Davi quis dizer com: “Existe uma pena
diante de mim, até que eu penetre no santuário de Deus[50]”.
39. Para conhecer a si mesmo é necessário se proteger do exterior,
abstrair as coisas do mundo e perscrutar a consciência. Logo uma divina
humildade vira subitamente fazer sua morada na alma, mais elevada do que a
razão, quebrantando o coração e provocando as lágrimas de uma fervorosa
compunção. Que, é arrastado por ela passa a se considerar como terra e cinzas[51],
verme e não homem[52],
sequer digno da vida animal, tão sublime é este dom de Deus. E se lhe for
concedido permanecer nela, ele será cumulado de uma outra embriaguez inefável,
a embriaguez da compunção. Ele penetrará nas profundezas da humildade do
coração e, fora de si, considerará como nada os alimentos exteriores, mesmo que
não ultrapasse a necessidade de beber e cobrir o corpo. Pois ele terá sido
transformado pela boa transformação da direita do Altíssimo[53].
40. A humildade é a maior de todas as virtudes de que necessitamos.
Naqueles em quem ela se implanta por meio de um arrependimento límpido, tomando
por companheiras a oração e a temperança, ela logo liberta da escravidão das
paixões, traz paz às suas forças, purifica seu coração com lágrimas e os enche
de felicidade na medida em que o Espírito neles faz sua morada. Quando eles
alcançam este estado, veem claramente a razão do conhecimento de Deus, chegam à
contemplação dos mistérios do Reino dos céus[54]
e das próprias razões da criação. Quanto mais eles mergulham nas profundezas do
Espírito, mais afundam no abismo da humildade do coração. A partir daí cresce
neles a consciência de suas próprias medidas. Eles conhecem a fraqueza da
natureza humana e transbordam de amor por Deus e pelo próximo, mas também
consideram como uma santificação ser retirados desta única ligação e da presença
daqueles dentre os quais vivem.
41. Nada concede tantas asas à alma em seu amor a Deus e sua caridade
para como os homens como a humildade do coração, a compunção e a prece pura. A
primeira quebranta o espírito, o faz encher-se de lágrimas, permite que veja a
brevidade da vida humana e ensina a conhecer a fraqueza de nossas medidas. A
segunda purifica o intelecto de toda matéria, ilumina o olho do coração e torna
a alma inteira luminosa. Enfim, a terceira une todo o homem a Deus, o faz
partilhar do alimento dos anjos, lhe dá a provar a doçura dos bens eternos de
Deus, lhe concede os tesouros dos grandes mistérios e, queimando de amor, o
convence a ousar dar sua própria vida por aqueles a quem ama[55],
uma vez que ele tenha ultrapassado os limites da humildade exterior do corpo.
42. Proteja o bom depósito[56]
da enriquecedora humildade. Nele se encontram os tesouros ocultos do amor[57]
e aí estão também conservadas as pérolas da compunção. Na humildade, o Rei,
Cristo Deus repousa como num trono coberto de ouro, partilhando os dons de seu
Espírito Santo com aqueles a quem nutre, concedendo-lhes grandes honrarias: a
palavra do conhecimento, a sabedoria inefável, a visão das coisas divinas, a
visão profética das coisas humanas, a morte vivificante através da impassibilidade,
enfim, a união consigo e o reinar consigo no Reino de Deus Pai, como ele
próprio pediu por nós quando disse: “Pai, aqueles que você me deu, eu quero que
eles estejam aonde eu estou[58]”.
43. Quando um homem se esforça para colocar em movimento os mandamentos
e subitamente se sente levado a uma alegria inexprimível, inefável, a ponto de
ser transportado pela graça de uma transformação estranha que ultrapassa a
razão, de ser liberto do peso do corpo, e esquecer alimento, sono e outras
necessidades da naturezas, saiba ele que nisto está a chegada de Deus, que
concede a morte vivificante aos que combatem e lhes dá mesmo aqui em baixo a
condição de anjos. A humildade é quem introduz nesta vida bem-aventurada; a
santa compunção é sua ama-de-leite; a contemplação da luz divina, amiga e irmã;
a impassibilidade é seu trono; e ao final, a Santa Trindade, que é Deus.
44. Quem conquistou esta acrópole já não pode ser entravado pelos
laços das coisas sensíveis. Ele não considera mais nada das delícias desta
vida, nem distingue mais o sagrado do profano. Assim como Deus dá a chuva e o
sol da mesma forma a justos e injustos, maus e bons[59],
também ele faz erguerem-se os raios do amor e os distribui sobre todos; seu
coração não é estreito, em seu seio o amor existe para todos. Ele sofre e se
atormenta apenas por não poder fazer todo o bem que gostaria. Dele parte, como
no Éden[60],
uma fonte de compunção, que se divide também em quatro correntes: a humildade,
a pureza, a impassibilidade, as alturas da prece ininterrupta. E ela irriga a
superfície de toda a criação intelectual de Deus.
45. Aqueles que não provaram da doçura das lágrimas da compunção, que
não sabem qual é sua graça e qual a sua energia, pensa que elas não diferem em
nada das lágrimas que vertemos pelos mortos. Eles imaginam toda espécie de
outras razões vãs e de pensamentos cheios de dúvida; isto é natural. Mas quando
o orgulho do intelecto se inclina para a humildade, quando a própria alma fecha
seus olhos para a ilusão do visível e a volta exclusivamente para a
contemplação da luz primigênia imaterial, quando ela derruba toda sensação do
mundo e recebe do alto a consolação do Espírito, logo as lágrimas correm como
provindas de uma fonte de água, cobrindo de doçura seus sentidos e cumulando
seus pensamentos de alegria e luz divina. Enfim elas quebrantam o coração e
conduzem o humilde intelecto à visão do melhor. Isto é impossível àqueles que
se lamentam e se atormentam de outras maneiras.
46. É impossível abrir a fonte das lágrimas sem uma profunda humildade
do coração, ou ser humilde sem a compunção que provém do Espírito quando este
vem habitar em nós. Pois a humildade engendra a compunção e esta engendra a
humildade pelo Espírito Santo. Unidas uma à outra numa mesma e única graça,
elas possuem entre si, como uma cadeia, o laço do Espírito que nada pode
romper.
47. A luz que o Espírito divino acende na alma normalmente se retira
diante da irresponsabilidade, da negligência, do excesso de palavras e de
alimentos. O excesso de comida, a moleza da vida, a intemperança da língua, a
imprudência dos olhos são, com efeito, de natureza a expulsar da alma a luz e
nos tornar tenebrosos. Uma vez que nos tornamos tenebrosos, os animais dos
campos[61]
do nosso coração e os leõezinhos, os pensamentos passionais, vêm para rugir
neles, desejando os alimentos das paixões e procurando como nos roubar[62]
o tesouro do Espírito que foi depositado em nós. Mas a temperança
verdadeiramente bem-amada e a oração que nos tornam semelhantes aos anjos não
apenas impedem que eles consigam cercar a alma como ainda mantêm ao redor do
intelecto a luz inextinguível do Espírito, tornando o coração sereno; elas são
a fonte pura da compunção divina e abrem a alma ao amor de Deus e, através da
alegria e da virgindade elas se unem por completo a Cristo por inteiro.
48. Nada está tão próximo do Verbo como a pureza e a castidade da
alma. A mãe delas é a temperança bem-amada que as abraça por inteiro. O pai da
temperança é o temor. O temor voltado para o desejo e unido ao apelo das coisas
divinas liberta a alma de todo medo, a enche de amor a Deus e a engravida do
Verbo divino.
49. Primeiramente o temor unido à alma concebe nela por meio do
arrependimento a razão do julgamento. Logo as dores dos tormentos do inferno a
cercam[63],
o coração se fecha, os gemidos e as penas esgotam a retribuição dos vícios que
o futuro reserva. Depois, através de muitas lágrimas e esforços, a alma leva a
cabo no seio do intelecto o espírito de salvação que concebera e o engendra
sobre a terra de seu coração. Ela está liberta das dores do inferno e das
lamentações do julgamento. Em seu lugar ela recebe o desejo e a alegria dos
bens futuros, a pureza bem-amada vem ao seu encontro junto com a castidade e
por intermédio do amor a une a Deus. Assim unida, a alma sente em si um prazer
inefável. Daí por diante ela verte as lágrimas da compunção com prazer e
doçura. Ela está fora de qualquer sensação do mundo. Como se estivesse fora de
si, ela segue o Esposo e chama inefavelmente: “Eu sigo o odor do seu perfume.
Diga-me, você a quem meu coração ama, aonde leva a apascentar seu rebanho? Onde
você repousa? No meio-dia da contemplação pura? Que eu jamais seja como aquele
que foi expulso do rebanho dos justos! Que junto a você eu descubra a luz dos
grandes mistérios[64]”.
O Esposo fará esta alma penetrar no secreto dos mistérios ocultos e a fará
contemplar na sabedoria as razões da criação.
50. Não diga em seu coração: já caí de tantas maneiras na corrupção e
na demência do corpo que me será impossível adquirir daqui por diante a pureza
virginal. Por que onde são conduzidas as penas do arrependimento na vida rude e
no fervor da alma, onde correm os rios de lágrimas da compunção, onde são
fustigadas as fortalezas do mal, onde se estingue o incêndio das paixões, onde
acontece o novo nascimento que vem do alto com a chegada do Consolador, aí a
alma se torna novamente um palácio de pureza e de virgindade. Nela, numa luz e
alegria perfeitas, Deus além de toda natureza desce. Ele se coloca no ponto
mais alto do seu intelecto como sobre um trono de glória e concede a paz às
potências que o cercam, dizendo: “Eu lhes dou a paz que supera as paixões
adversas. Eu lhes dou a minha paz, para que vocês ajam segundo a natureza. Eu
lhes deixo a minha paz[65]
para que vocês alcancem a perfeição acima da natureza”. Quando, por meio deste
triplo dom da paz, ele curou as três partes da alma, elevando-a à perfeição
trinitária e unindo-a a si, ele a funda novamente e a torna inteiramente virgem
daí por diante, bela e madura com o bom odor dos perfumes da pureza. E ele lhe
diz: “Levante-se, minha linda pomba, venha para junto de mim pela filosofia
ativa. Aqui termina o inverno das paixões. A chuva dos pensamentos que se
agradam do prazer cessou, foi-se embora sozinha. As flores das virtudes
nasceram na terra do seu coração com o perfume dos pensamentos. Levante-se,
venha para junto de mim no conhecimento da contemplação natural. Por ela, minha
pomba, venha sob a cobertura e nas trevas da teologia mística, sobre o firme
rochedo da fé em mim, Deus[66]”.
51. Bem-aventurado é aos meus olhos, na beleza da transformação e da
elevação, aquele que, pela filosofia ativa, franqueou os muros do estado
passional e, daí, sobre as asas da impassibilidade cobertas da prata[67]
do conhecimento, se elevou no espaço inteligível da contemplação dos seres,
depois penetrou nas trevas da teologia e repousou de todas as suas obras em
Deus, pela beatitude. Pois, tendo alcançado o estado de anjo terrestre e homem
celeste, ele glorificou a Deus em si mesmo e Deus o glorificará[68].
52. Uma grande paz cumula aqueles que amam a lei de Deus. Para estes
não existe escândalo[69],
pois o que agrada aos homens não é o que agrada a Deus: aquilo que não parece
bom a eles é naturalmente bom[70]
para aquele que conhece as razões dos seres e dos eventos.
53. É bom morrer para o mundo e viver em Cristo. Não existe outro
caminho para nascer do alto conforme pede o Senhor. E se não nascemos do alto,
não podemos entrar no Reino dos céus[71].
Este nascimento provém naturalmente da submissão aos Pais espirituais. Se não
trazemos em nós primeiramente a semente da palavra que nos traz os ensinamentos
dos Padres, se não nos tornamos filhos de Deus através deles, não poderemos
nascer do alto. Assim nasceram os Doze unicamente de Cristo, e os setenta
nasceram dos Doze. Eles se tornaram filhos de Deus Pai, como o Senhor havia
dito: “Vocês são filhos de meu Pai que está nos céus[72]”.
Também Paulo nos diz: “Ainda que vocês tenham milhares de mestres, não têm
muitos pais. Fui eu que os engendrei[73].
Sejam meus imitadores[74]”.
54. Não se submeter a um Pai espiritual à imitação do Filho que se
submeteu ao Pai até a morte e à cruz[75]
equivale a não nascer do alto. Quem não se torna o filho amado de um Pai bom,
que não nasce do alto de palavra e espírito, como será ele próprio Pai de bons
filhos, como será ele um bom Pai, como engendrará filhos bons conforme a
bondade de seu Pai? Se não for assim, o fruto será necessariamente à imagem da
árvore[76].
55. A descrença é um mal, a pior prole da avareza e da inveja. E, se
ela é um mal, qual pior não será quem a engendra? E quão pior não será, na
medida em que incita os filhos dos homens a preferir o amor pelo ouro ao amor
de Cristo, em que coloca o Criador da matéria abaixo da própria matéria, em que
persuade aos que servem à criação em lugar de Deus e transformam em mentira a
verdade de Deus[77] a
adorar a matéria mais do que a Deus. E, se esta doença é tão má que chegou a
receber o título de segunda idolatria[78],
de quais vícios não transbordará a alma que dela assim se torna enferma?
56. Se você ama ser amigo de Cristo, então você desprezará o ouro e
sua concupiscência. Pois ele capta para si o pensamento de quem o ama e o rouba
ao dulcíssimo amor de Jesus, amor que, em minha opinião, não se encontra nas
palavras, mas no trabalhar seus mandamentos[79].
Se você deseja o ouro, você o ganhará enterrando aquilo que você possui hoje,
se é que este amor que você prefere ao de Cristo representa um ganho[80],
e não o pior dos prejuízos. Saiba que você então será privado do amor de
Cristo, e que este prejuízo o levará a perder a Deus, que é seu fundamento. Sem
ele, a vida de salvação é impossível aos homens.
57. Se você ama o ouro você não ama a Cristo. E se você não ama a
Cristo, mas o ouro, veja com quê este tirano o irá assemelhar: àquele que foi o
discípulo mais infiel, o amigo mais hostil, que ultrajou o mestre de todos, que
perdeu miseravelmente a fé e o amor por ele, e por fim tombou no abismo do
desespero. Tema seu exemplo, fuja do ouro e do amor pelo ouro, creia-me, a fim
de ganhar a Cristo amando a si mesmo. Do contrário, você já sabe onde irá cair.
58. Mesmo que você ache que pode ajudar as almas, jamais se apresse,
seja pelo ouro, seja pela reunião das pessoas, seja por que lhe pedem, jamais
se apresse em tomar a frente das coisas sem o chamado do alto. Pois você terá
diante de si três coisas, e uma delas fatalmente lhe acontecerá. Ou bem,
através de todo tipo de agressões e infortúnios, você terá sobre si a
indignação e a cólera de Deus e receberá o combate não só dos homens como de
toda a criação, transformando sua vida numa grande pena; ou os que são mais
fortes do que você o destronarão, e sua vergonha será grande; ou então,
retirado da vida presente, você morrerá antes do tempo.
59. Ninguém é capaz de desprezar a glória e a desonra, nem superar
tanto a dor como o prazer, se não lhe for dado conhecer o fim das coisas. Com
efeito, quando vemos reduzidos a nada – pela morte que os sucede e destrói –
todo o prazer, toda a glória, todas as delícias, toda riqueza e todo conforto,
percebemos com toda evidência a vaidade das coisas humanas e voltamos nossos
sentidos para a finalidade das coisas divinas. Então nos ligamos àquilo que é e
que nada é capaz de corromper; uma vez que o temos conosco, superamos a dor e o
prazer. A dor, combatendo o amor da alma pelo prazer, a glória e o dinheiro; o
prazer, rejeitando a sensação do mundo. Assim, seja na honra, seja na desonra,
permanecemos sempre inalterados. Na dor como no conforto do corpo, em tudo
damos graças a Deus e não rompemos o pensamento.
60. O homem que se dedica à virtude deve também descobrir em seus
sonhos os movimentos e as disposições da alma e velar por seu estado. Pois os
movimentos do corpo e as imaginações do intelecto correspondem à disposição do
homem interior e suas necessidades. Se mantivermos na alma o amor pela matéria
e o prazer, buscaremos pela imaginação a posse das coisas, o conforto que o
dinheiro traz, as formas das mulheres, os abrasamentos passionais, e assim
manchamos a túnica[81]
e sujamos a carne[82].
Se temos a alma ávida e avara, vemos o ouro em toda parte, exigimo-lo, abusamos
do lucro, recolhemo-lo ao tesouro, mas falhamos em nossa compaixão e somos
condenados. Se temos a alma colérica e invejosa, somos perseguidos por feras e
serpentes venenosas e nos tornamos presas de medo e terror. Se nossa alma é
inflada pela vanglória, nos vemos aclamados, cercados de povo, e imaginamos
tronos de poder e autoridade. Sempre imaginamos que possuímos aquilo que não
temos ainda, ou ao menos que o teremos, e permanecemos sempre acordados
vigiando. Se temos a alma orgulhosa e cheia de presunção, nos vemos
transportados nas mais vistosas carruagens; podemos mesmo chegar a possuir asas
e voar pelo espaço, e todos tremem diante da grandeza de tal poder. Assim, o
homem justo e que ama a Deus, que se dedica à obra da virtude nos combates da
piedade, que guarda sua alma pura de toda matéria, vê em seus sonhos o
cumprimento das coisas futuras e as revelações de visões terríveis. Ao
despertar, ele se vê orando como nunca na compunção e num estado aprazível da
alma e do corpo, as lágrimas a lhe correr pelo rosto e nos lábios as palavras
que ele diz a Deus.
61. Dentre as coisas que imaginamos durante o sono, algumas são
sonhos, outras visões e outras revelações. Os sonhos, na faculdade imaginativa
do intelecto, são aquilo que muda. Eles tornam a imaginação confusa, versátil,
passando de uma forma a outra. Mas nenhuma destas formas representa um auxílio.
Estas imaginações desaparecem com o despertar, e quem se dedica à virtude deve
desdenhá-las. Já as visões não mudam: elas não se transformam umas nas outras,
mas permanecem gravadas no intelecto ao longo dos anos e não são esquecidas.
Elas mostram o cumprimento das coisas futuras. Por meio da compunção e do
espetáculo do terrível elas ajudam a alma. Pela constante e temível
contemplação das coisas que elas permitem ver, elas conduzem a quem vê para a
meditação e o temor. Os que se dedicam à virtude devem sempre levar em grande
conta estas visões. Quanto às revelações, elas escapam aos sentidos e
constituem as contemplações da alma iluminada em sua pureza mais intensa. Elas
trazem consigo o poder das coisas e dos pensamentos divinos estrangeiros, a
iniciação nos mistérios ocultos de Deus, o cumprimento de nossas maiores
resoluções e a comum transformação das coisas cósmicas e humanas.
62. Destas coisas que imaginamos durante o sono, algumas são típicas
dos homens materiais que amam a carne. Seu Deus é o ventre[83],
a saciedade desmedida. Seu intelecto é tenebroso e usado pelas paixões numa
vida negligente. Os demônios o cobrem de imaginações e brincam com ele. Outras
são próprias dos homens que se dedicam às virtudes purificando os sentidos da
alma: através daquilo que veem, eles recebem as benesses que os levam a
compreender as coisas divinas e a progredir na elevação. Outras enfim são
próprias dos homens perfeitos animados pela energia do Espírito divino e cuja
alma teológica está unida a Deus.
63. As visões que temos durante o sono não são verdadeiras para todos,
não ficam gravadas em todos na razão que dirige o intelecto, mas apenas
naqueles que purificaram o intelecto, que clarificaram os sentidos da alma e
que se voltaram vividamente à contemplação natural. Estes não têm nenhuma
preocupação com as coisas da existência nem se inquietam com a vida presente.
Os longos jejuns os levaram à temperança, os suores e as penas de sua vida
consagrada encontraram no santuário de Deus[84],
em seu conhecimento dos seres, um repouso na maior sabedoria. Sua conduta é
angélica. Sua vida está agora oculta em Deus[85].
A santa hesíquia lhes permitiu progredir e se elevar sobre o fundamento dos
profetas[86]
da Igreja de Deus. É deles que Deus falou através de Moisés: “Se um de vocês se
tornar profeta, eu me revelarei a ele durante o sono e lhe falarei através de
uma visão[87]”.
E em Joel: “Então eu espalharei meu Espírito sobre toda carne e seus filhos e
filhas profetizarão, seus anciãos terão sonhos e seus jovens visões[88]”.
64. A hesíquia é o estado imperturbável do intelecto, a calma da
liberdade e da alma alegre, o tranquilo e firme fundamento do coração em Deus,
a contemplação da luz, o conhecimento dos mistérios de Deus, a palavra de
sabedoria que provém da reflexão pura, o abismo dos pensamentos de Deus, o
arrebatamento da inteligência, a intimidade divina, o olho vigilante, a prece
intelectual, o repouso aprazível no meio de grandes penas, enfim, a união que
reúne a alma a Deus.
65. Enquanto a alma se revoltar contra si mesma no movimento
desordenado de suas potências, enquanto ele não recolher em si os raios de
Deus, enquanto não lhe for dado se libertar da escravidão das preocupações da
carne, enquanto ela não desfrutar da paz, enquanto não cessar nela a guerra das
paixões desenfreadas, ela terá necessidade de um grande silêncio dos lábios
para poder dizer com Davi: “Eu sou como um surdo que não escuta, como um mudo
que não abre a boca[89]”.
É preciso se manter sempre grave e seguir, dolorosamente, o caminho dos
mandamentos de Cristo, pois a alma é afligida pelo inimigo e aguarda a chegada
do Consolador. Somente quando ela é penetrada pela compunção e lavada pelas
lágrimas, estas lhe comunicam a verdadeira liberdade.
66. Quando aquele que seguiu a hesíquia secreta o mel das virtudes,
supera a baixeza da carne por meio dos combates da filosofia, quando, tendo
derrubado a arrogância, as potências de sua alma atingem o estado conforme a
natureza, quando, com o coração purificado pelas lágrimas, ele recolhe em si os
raios do Espírito, quando se reveste da incorruptibilidade da morte vivificante
em Cristo[90],
quando recebe ele também na câmara do andar de cima a hesíquia do Consolador com
a língua de fogo[91],
então ele traz em seu seio a lei do Espírito[92]
e ele deve falar com toda liberdade das maravilhas de Deus[93],
anunciar na Igreja a boa nova de sua justiça[94],
a fim de não ser atirado ao fogo eterno como o mau servidor que escondeu o
dinheiro de seu mestre[95].
É assim que Davi lavou seu pecado por meio do arrependimento e recebeu outra
vez o carisma da profecia. Como ele não podia esconder esta benesse, ele disse
a Deus: “Eis que já não fecharei meus lábios, Senhor, você o sabe. Não escondo
a justiça em meu coração e falo da sua verdade e sua salvação. Não mais escondo
sua compaixão e sua verdade diante da grande assembleia[96]”.
67. O intelecto purificado de toda lama se torna um céu estrelado na
alma pelo esplendor e a mais alta luz dos pensamentos. Nele o sol de justiça
brilha e envia para o mundo a claridade dos raios da teologia. A razão extraída
do abismo da sabedoria é para ele pura e do fundo desta sabedoria lhe traz,
simples e sem misturas, as ideias das coisas e as claras revelações dos mistérios
ocultos que lhe permitem ver quais são a profundidade, a altura e a amplitude
do conhecimento de Deus[97].
O intelecto recolhe tudo isso em seu seio. Ele revela por meio da razão as
profundezas do Espírito a todos os que possuem o Espírito divino dentro de si,
ele expões as armadilhas dos demônios e relata os mistérios do Reino dos céus.
68. A temperança, os jejuns, os combates espirituais detêm as
concupiscências do corpo e os levantes da carne. A leitura das divinas
Escrituras cobre de frescor as inflamações da alma e as feridas do coração, a
prece perpétua as atenua e, como o azeite, a compunção as banha em alegria.
69. Nada religa tanto o homem a Deus como a prece pura e imaterial.
Ela consegue unir ao Verbo aquele que não cessa de orar com o Espírito, quando
sua alma é lavada pelas lágrimas, adoçada pelo sabor da compunção, iluminada
pela luz do Espírito.
70. O grande número de preces salmodiadas é uma coisa excelente,
quando em primeiro lugar vêm a constância e a atenção. Mas é a qualidade que
fecunda a alma, é ela que permite o fruto. A qualidade da salmodia e da prece
consiste em orar com o espírito e o intelecto[98].
A pessoa ora com o intelecto quando, orando e salmodiando, considera a
inteligência contida na divina Escritura, e por meio de pensamentos divinos
recebe em seu coração os graus[99]
dos sentidos bíblicos. Arrebatada em espírito por tais pensamentos, a alma
flameja em um espaço de luz. Purificada mais e mais, ela se eleva inteira aos
céus e contempla a beleza dos bens reservados aos santos. O desejo por estes
bens a queima. Então ela exprime pelos olhos os frutos da oração. Sob a
influência da energia do Espírito, esta fonte de luz, as lágrimas correm, e seu
gosto é tão doce que às vezes os que as recebem se esquecem até do alimento do
corpo. Tal é o fruto da oração, que provém da qualidade da salmodia, nas almas
dos que oram.
71. Onde vemos o fruto do Espírito, ali está também a qualidade da
oração. E onde se encontra a qualidade, um grande número de preces salmodiadas
é coisa excelente. Mas se o fruto não vem, é por que falta qualidade à semente.
E se a qualidade seca, o grande número de orações é supérfluo. Pode ser um
exercício para o corpo, mas a maior parte dos que o praticam não encontram aí
nenhum benefício.
72. Cuidado com as armadilhas quando ora e canta os salmos do Senhor.
Pois, apropriando-se dos sentidos da alma, os demônios nos enganam e nos fazem
dizer uma coisa pela outra. Eles transformam em blasfêmias os versos dos salmos
e nos fazem recitá-los como não se deve. Ou então, ao começarmos um salmo, eles
nos fazem saltar para o final e desviam nosso intelecto do meio. Ou nos fazem
repetir indefinidamente o mesmo verso e nos mergulham no esquecimento,
impedindo-nos de encontrar a sequência das palavras. Ou quando chegamos ao meio
do salmo, eles subtraem subitamente do intelecto toda memória do encadeamento
dos versos e perdemos a lembrança, a salmodia nos foge à boca e já não
encontramos os versos nem conseguimos repeti-los com a língua. Eles também nos
lembram de que a hora é tardia para nos lançar na negligência e na acídia e
destruir os frutos de nossa prece. Oponha-se a tudo isso fortemente, leia o
salmo com mais lentidão, a fim de colher nos salmos, por meio da contemplação,
a colheita da prece e enriquecer-se com a iluminação do Espírito Santo, que
nasce na alma dos que oram.
73. Se isto lhe acontecer enquanto você salmodia com o intelecto não
se deixe, por negligência, cair na acídia. Tampouco prefira o conforto do corpo
ao bem da alma, considerando que a hora é tardia. Quando notar que a
inteligência está para ser capturada, levante-se. Se lhe acontecer ao final da
salmo, volte ao começo com todo o coração. Retome o salmo a partir daí, mesmo
que durante uma hora a distração volte a atormentá-lo. Se você fizer isto, os demônios,
não suportando mais a paciência de sua perseverança e a tensão de sua
resolução, irão para longe de você, cheios de vergonha.
74. Saiba com toda certeza que a prece perpétua é aquela que, dia e
noite, jamais abandona a alma. Nem a elevação das mãos, nem a atitude do corpo,
nem os sons da língua a denunciam aos olhares circundantes. Mas os que
compreendem sabem que, por meio da compunção perseverante, ela está na
meditação intelectual da obra do intelecto e da lembrança de Deus.
75. Podemos nos ligar continuamente à prece a partir do momento em que
recolhemos os próprios pensamentos sob a condução do intelecto, na paz e com
grande piedade, cavando as profundezas de Deus para tentar saborear aí a onda
dulcíssima da contemplação. Porém, na falta desta paz, tudo é impossível. É
preciso que as potências da alma estejam consagradas pelo conhecimento para que
se possa alcançar a prece contínua.
76. Se você estiver entoando
sua oração a Deus e um irmão vier bater à porta da sua cela, não prefira a obra
da prece à obra do amor, e não negligencie o irmão que bate. Isto não é amar a
Deus. Pois ele deseja a compaixão do amor, e não o sacrifício[100]
da prece. Então, deixe o dom da oração, acolha o irmão com todo amor, cuide
dele. Depois retorne para oferecer ao Pai dos espíritos o dom de sua prece[101],
entre lágrimas e com o coração quebrantado[102],
e o espírito de direito será renovado em você[103].
77. O mistério da oração não se realiza dentro dos limites de um tempo
e um lugar precisos. Se você assinalar aos assuntos da oração horas, momentos e
lugares, o tempo que ficar de fora da oração estará votado a outros assuntos,
as coisas da vaidade. A prece se define como o movimento perpétuo do intelecto
ao redor de Deus; sua obra consiste em voltar a alma para as coisas divinas;
sua finalidade é de unir o pensamento a Deus, torna-lo um só espírito com ele,
conforme a definição e a palavra do Apóstolo[104].
78. Mesmo que você faça morrer em si os membros da carne, mesmo q eu o
Espírito dê vida à sua alma, mesmo que Deus lhe conceda os carismas
sobrenaturais, nunca relaxe a razão de sua alma. Habitue-a a se voltar
constantemente para a lembrança de suas faltas passadas e das penas do inferno,
e considere em espírito que você está condenado. Se você tensionar desta forma o
intelecto e assim considerar a si mesmo, você manterá seu espírito quebrantado[105]
e trará em si a fonte da compunção que derrama as águas da graça divina: Deus,
que o vê e que concede o Espírito para confortar seu coração.
79. O jejum comedido, que tem por companheiras a vigília, a prece e a
meditação, conduz rapidamente para além das fronteiras da impassibilidade a
quem trabalha nisso, desde que, por meio de um transbordamento de humildade,
sua alma se derrame em lágrimas e que ele seja consumido pelo amor a Deus. Então
jejum o leva na paz do Espírito, que ultrapassa toda inteligência[106]
livre, e, por intermédio do amor, o une a Deus.
80. Nem um rei tem uma ideia tão elevada sobre sua glória e a de seu
reino, nem se felicita tanto de seu poder com maior alegria do que o monge
sente pela impassibilidade da alma e as lágrimas da compunção. Por que o
primeiro vê seu orgulho consumir-se com seu reino, enquanto que o segundo sente
a bem-aventurada impassibilidade partir consigo daqui de baixo e permanecer em
felicidade pelos séculos infinitos Como uma roda, ele gira em meio dos homens
durante sua vida presente, na qual, pela necessidade da natureza, ele convive
na terra e com aqueles que a habitam. Mas, levado como numa espiral pelo espaço
inteligível, ele relaciona ao fim o começo que se desenrola nele, e traz
gravadas na coroa da humildade as formas dos carismas. Sua mesa abundante é a
contemplação dos seres; sua bebida, o cálice da sabedoria; e seu repouso, Deus.
81. Quem de moto próprio se lança às penas da virtude e vai com grande
fervor até o fim do caminho da ascese, recebe grandes dons de Deus. A partir
daí, e progredindo pela mesma via, ele chegará às revelações e às visões
divinas, e se tornará tanto mais luminoso e sábio quanto mais duros forem os
combates. Quanto mais ele se elevar às alturas das contemplações, mais
suscitará contra si a inveja dos demônios que desejam sua perda. Pois eles não
suportam assistir um homem se transformar em natureza de anjo. É por isso que
eles aguçam contra ele secretamente a flecha encerada da presunção. Se,
percebendo a armadilha, ele se refugia na fortaleza da humildade e condena a si
próprio, ele escapa à perdição do orgulho e alcança o porto da salvação. Senão,
abandonado desde o alto, ele é entregue aos espíritos justiçadores do castigo
que não desejou, porque não foi capaz de corrigir a si mesmo. Estes espíritos,
malignos e violentos, são o amor pelos prazeres e o amor pela carne. Eles o
humilham duramente com suas agressões, até que ele reconheça sua própria
fraqueza, se lamente e se descarregue do tormento, dizendo com Davi: “É para
mim um bem ser rebaixado por você, meu Deus, para que aprenda seus julgamentos[107]”.
82. Deus não quer nos ver constantemente rebaixados pelas paixões e
caçados como coelhos, nem nos dar outro rochedo para nos refugiarmos[108]
que não ele próprio. Senão ele não teria dito: “Eu disse que vocês são deuses,
que vocês são todos filhos do Deus Altíssimo[109]”.
Ele quer nos ver correr como cervos sobre as altas montanhas[110]
de seus mandamentos, sedentos das águas vivificantes do Espírito. Da mesma
forma como estes animais comem as serpentes e, ao calor de suas longas marchas,
transformam em almíscar – diz-se – a natureza venenosa destas sem sofrer o
menor mal, também nós, transportemos para o ventre da reflexão todo pensamento
passional e, sob o ardor do caminho dos mandamentos de Deus e o poder do
Espírito Santo, agarremo-lo e transformemo-lo em na ação olorosa e salutar da
virtude, capturando assim todo pensamento por meio da ação, para obedecer a
Cristo[111].
Pois o mundo do alto não deve ser completado por homens terrestres e
imperfeitos, mas por homens espirituais e perfeitos elevando-se no homem
perfeito ao talhe de Cristo[112].
83. Quem está sempre voltado para a mesma coisa e não consegue ir mais
longe se parece com a mula que faz girar sempre a mesma roda. Aquele que
combate sempre a carne e não faz senão velar por conduzir duramente seu corpo
esqueceu-se, com efeito, da coisa mais importante e acaba por fazer mal a si
mesmo. Este não entendeu o objetivo da vontade divina. Os exercícios corporais,
disse Paulo, não servem para grande coisa[113]
enquanto o cuidado terrestre com a carne não for engolido pelas ondas do
arrependimento, enquanto o Espírito não concedeu ao corpo a morte vivificante,
enquanto a lei do Espírito não reinar em nossa carne mortal[114].
Ao contrário, a piedade da alma, na qual, por meio do conhecimento dos seres e
das plantas imortais – vale dizer, dos pensamentos divinos – podemos ver a
Árvore da vida nascer na obra espiritual, essa serve em qualquer parte e para
todas as coisas. Pois ela suscita a pureza do coração cujas energias apazigua,
bem como a iluminação do intelecto, a castidade do corpo, a modéstia, a
esperança em tudo, a humildade, a compunção, o amor, a santificação, o
conhecimento celeste, a sabedoria da palavra e a contemplação de Deus. Aquele
que, por meio de muitos exercícios, atingiu tal perfeição de humildade,
ultrapassou o Mar vermelho das paixões, entrou na terra prometida onde correm o
leite e o mel[115]
do conhecimento de Deus, o inesgotável alimento dos santos.
84. Aquele que ainda não se resolveu a deixar o que é parcial e de
pouca serventia, a fim de se elevar para seu bem até aquilo que é total,
continua a comer o pão com o suor do seu rosto[116],
como decidiu Deus desde a origem. Sua alma não sente nenhum desejo pelo maná
espiritual, nem pelo mel que escorreu da pedra quebrada[117]
para alimentar Israel. Mas aquele que ouviu: “Levantem-se, partamos daqui[118]”,
quem, ao comendo do Mestre, deixou suas penas e se levantou, quem deixou de
comer o pão da dor, que rejeitou a sensação e bebeu do cálice da sabedoria de
Deus, este sabe que Cristo é o Senhor. Ele cumpriu a lei dos mandamentos
servindo o Verbo, subiu à câmara do segundo andar e aguarda a vinda do
Consolador[119].
85. Devemos fazer tudo para prosseguir adiante segundo as ordens e os
graus da vida votada ao amor à sabedoria, e nos elevar com todo ardor àquilo
que nos ultrapassa, como seres em constante movimento em direção a Deus, sem
jamais nos detendo em nosso progresso no bem. Devemos assim subir da ascese
ativa para a contemplação natural da criação; depois, desta até a teologia
mística do Verbo, para aí repousarmos de todas as obras da atividade corporal,
pois daí em diante estaremos acima da baixeza do corpo, tendo recebido o
conhecimento límpido do verdadeiro discernimento. Mas se ainda não recebemos o
conhecimento deste discernimento, e, portanto, não sabemos nem seguir adiante
nem tender para o mais perfeito, estamos em pior situação até do que os que
vivem no mundo e que não conhecem a condição de progresso que traz sua
recompensa, nem o estado de elevação, na medida em que não são levados para
aquilo que ultrapassa as outras honrarias nem repousaram aí do impulso que nos
conduz.
86. A alma intensamente purificada no calor a que a levaram as penas
da ascese é iluminada pela luz divina e começa a ver pouco a pouco naturalmente
a beleza que Deus lhe concedeu desde a origem, e a se dilatar no amor daquele
que a criou. Quanto mais a iluminam, purificando-a, os raios do sol de justiça,
lhe desvelando e revelando a beleza natural, mais ela multiplica as penas da
ascese para se purificar ainda mais, a fim de conhecer com toda a pureza a
glória do dom recebido, de assumir a antiga nobreza e de se recobrir da imagem
do Criador pura de toda matéria e sem mistura. Assim ela continua a acrescentar
penas às suas penas, até que seja purificada de toda mácula e de toda mancha e
se torne digna de contemplar a Deus e se entreter com ele.
87. “Abra meus olhos e eu compreenderei as maravilhas de sua lei[120]”,
grita a Deus aquele que ainda se encontra encoberto pelas brumas dos cuidados
terrestres. Pois a ignorância da inteligência terrestre é como uma neblina e
uma profunda opacidade que recobre as visões da alma. Ela encerra em trevas e
obscuridade a sua compreensão das coisas divinas e humanas. Ela impede de
contemplar os esplendores da luz de Deus, ou de usufruir dos bens que o olho
não viu, que o ouvido não escutou e que não subiram ao coração do homem[121].
Mas quando a alma recebe desta luz a revelação pelos olhos do arrependimento,
ela vê com toda pureza, ouve com todo conhecimento, compreende com a
inteligência. Enfim, ela coloca degraus em seu[122]
coração para tais pensamentos. A partir daí, saboreando sua doçura, ela os
ilumina com o conhecimento. Pela palavra da sabedoria divina ela conta a todos
os bens maravilhosos que Deus preparou para aqueles que o amam[123].
Ela os exorta a vir, em meio a numerosos combates e lágrimas, e comungar destes
bens.
88. Existem sete carismas do Espírito. A palavra de Deus os enumera
começando pelo alto – a sabedoria – e os faz descer até o último: o temor
divino do Espírito. São eles: o espírito de sabedoria, o espírito de
inteligência, o espírito do conselho, o espírito da força, o espírito do
conhecimento, o espírito da piedade, o espírito do temor a Deus[124].
Nós devemos principiar pelo temor que purifica, o temor dos castigos, a fim de
que, começando com sucesso a obter a abstenção de todo mal e purificando-nos
das manchas do pecado por meio do arrependimento, alcancemos este outro temor do
Espírito, e nos encaminhemos para ele, fazendo nele repousar todas as obras da
virtude.
89. Quem começou pelo temor do Juízo e progrediu na pureza do coração
através das lágrimas do arrependimento logo se enche de sabedoria, conforme
está escrito: “O temor é o início da sabedoria[125]”.
Depois ele recebe simultaneamente o espírito de conselho e o de inteligência,
por meio dos quais é conduzido a desejar por si mesmo o que é bom. Sempre
progredindo pela prática dos mandamentos, ele chega ao conhecimento dos seres e
recebe a mais precisa ciência das coisas divinas e humanas. A partir daí, tendo
se tornado inteiro uma morada para a piedade, ele atinge a perfeição alcançando
a acrópole do amor, onde imediatamente é tomado pelo temor puro do Espírito[126],
que guarda o tesouro do Reino dos céus nele depositado. Este temor é muito
salutar. Ele torna atento e leva ao combate aquele que se eleva ao cimo do
amor. Ele o protege de tombar desta altura do amor de Deus e de ser novamente
rejeitado ao horror da danação.
90. Uma coisa é a leitura das Escrituras para os que acabam de entrar
na vida de piedade, outra para os que progridem a meio caminho e outra ainda
para aqueles que tendem à perfeição. Para os primeiros, ela é com efeito o pão
da mesa de Deus, que conforta seu coração[127]
nos sagrados combates da virtude, que lhes dá força para enfrentar os espíritos
que animam as paixões e os enche de coragem para combater os demônios, e para
que eles digam: “Você preparou para mim uma mesa diante do rosto daqueles que
atormentam[128]”.
Para os segundos, ela é o vinho do cálice de Deus, que alegra seus corações, os
fazem sair de si mesmos pelo poder dos pensamentos, rapta seu intelecto da
letra que mata[129],
os conduz ao fim de sua busca nas profundezas do Espírito e lhes permite de
engendrar inteiramente e descobrir o sentido das palavras, a fim de que eles
possam dizer de bom direito: “Delicioso é seu cálice, que me embriaga[130]”.
Enfim, para os últimos, ela é o azeite do Espírito divino, que unge sua alma, a
torna doce e humilde sob a efusão dos flamejamento de Deus e a eleva inteira
acima da baixeza do corpo, numa glória na qual ela também pode dizer: “Você
ungiu de azeite minha cabeça” e: “Seu amor me seguirá por todos os dias de
minha vida[131]”.
91. Na medida em que, através da filosofia ativa, nas penas e suores
do rosto, nos dirigimos a Deus reduzindo as paixões da carne, o Senhor come
conosco na mesa de seus carismas o pão do futuro[132],
preparado com o trabalho das virtudes e que restaura o coração dos homens. E
quando, pela impassibilidade, seu nome é santificado em nós, quando ele próprio
reina em todas as potências de nossa alma, submetendo e pacificando aquilo que
estava dividido, ou seja, submetendo os piores pensamentos aos melhores, quando
se faz sua vontade em nós como no céu[133],
então ele bebe conosco em seu Reino em nós instaurado a bebida nova[134]
da sabedoria do Verbo, esta bebida que ultrapassa a razão, misturada com a
compunção e o conhecimento dos grandes mistérios. E a partir do momento em que
comungamos com o Espírito Santo, em que somos transformados pela boa
transformação na renovação de nosso intelecto[135],
ele, que é Deus, estará conosco como com deuses, tornando imortal aquilo que
ele assumiu.
92. Quando a maré irresistível dos pensamentos passionais do intelecto
é detido com a chegada do Espírito Santo, quando o abismo salitrado das ideias
e das lembranças infames é represado pela temperança e a meditação da morte,
então sopra o espírito divino do arrependimento e se espalham as águas da
compunção que Deus o Mestre verte na bacia do arrependimento. Ele lava nossos
pés inteligíveis e os torna dignos de caminhar nos domínios de seu Reino.
93. O Verbo de Deus tornado carne[136]
tomou para si nossa natureza. Tendo se portado como homem perfeito, sem pecado[137],
ele, como Deus perfeito, reformou a natureza humana e a deificou. Ele é o Verbo
de Deus, o Verbo da Primeira Inteligência. Ele se uniu à razão de nossa
natureza e a fez voar nas alturas para que ela pense e considere as coisas de
Deus. Mas ele é também fogo. Pelo fogo essencial, pelo fogo divino, ele trancou
o ardor da alma às paixões e aos demônios contrários. Enfim, ele é a tensão de
toda natureza do razão e o repouso do desejo. Ele dilatou no amor interior o
desejo da alma concedendo-lhe que comungue de seus bens da vida eterna. Assim é
que ele renovou em si a totalidade do homem. Ele fez do homem velho um novo
homem que, recriado, já não tem em si mais nenhuma razão para acusar o Verbo
criador.
94. Celebrando em si próprio nossa nova criação, o Verbo sacrificou a
si mesmo por nós pela cruz e pela morte e nos entregou para sempre seu corpo
puro em sacrifício. A cada dia ele nos convida para o festim que alimenta a
alma. Quando o comemos, quando bebemos de seu sangue precioso, por meio desta
comunhão nos tornamos, na sensação da alma, melhores do que somos realmente.
Comungando de um e outro, transformados pela passagem do mais baixo ao mais
alto, somos duplamente unificados pela dupla razão, pelo corpo e a alma
espiritual, como que pelo Deus encarnado consubstancial a nós na carne. A
partir daí já não pertencemos a nós mesmos, mas àquele que nos uniu a si pela
refeição imortal. Pertencemos àquele que nos tornou por adoção aquilo que ele
próprio é por natureza.
95. Se então, provados nas penas das virtudes, purificados pelas
lágrimas, nos encaminhamos para comer deste pão e beber deste cálice, o Verbo
de duas naturezas se une com doçura às nossas duas potências naturais. Ele nos
transforma inteiramente em si mesmo, encarnado e consubstancial a nós pela
natureza humana, deificando-nos totalmente pela palavra do conhecimento e por
si próprio, a partir do momento em que, sendo Deus consubstancial ao Pai, ele
nos empresta sua forma e nos torna seus irmãos. Mas se nos manchamos com a
matéria das paixões e nos sujamos com a lama do pecado, ele aproxima de nós o
fogo natural que consome a malícia, nos abrasa e queima, e corta as coisas de
nossa vida, obrigado não por um desejo de sua vontade, mas pelo desprezo de
nossa insensibilidade.
96. O Senhor se aproxima secretamente de todos os que, pela filosofia
ativa, se colocam no caminho dos mandamentos de Cristo, e caminha com eles,
cujo coração é ainda imperfeito e cuja alma hesita diante da razão da virtude.
Os olhos de suas almas não podem neste momento reconhecer seu próprio
progresso, enquanto o Senhor caminha com eles[138],
os ajuda a se libertar das paixões e lhes estende uma mão segura para que
alcancem toda a virtude. Mas, se eles avançam nos combates da piedade, se, por
sua humildade, eles atingem o estado impassível, o Verbo já não os quer ver
adormecidos nas penas das virtudes, mas quer que eles avancem mais longe e se
elevem na contemplação. É por isso que, depois de nutri-los com medida e por
muito tempo com o pão das lágrimas[139],
ele os abençoa com a luz da compunção e abre sua inteligência para que ela
compreenda a profundidade das divinas Escrituras[140]
e para que depois reconheça as naturezas e as razões dos seres, e em seguida
ele se retira para que eles se elevem por si próprios e aprendam a buscar com
mais atenção qual o conhecimento dos seres e qual a elevação que provém dele. Os
que buscam de todo coração chegam assim ao mais alto serviço do Verbo e pregam
a nós sua Ressurreição na ação e na contemplação.
97. O Verbo censura a lentidão
daqueles que se atrasam nas penas da ascese ativa e que não querem retornar
para, a partir daí, subir para o degrau mais alto da contemplação. Ele lhes
diz: “Ó corações sem inteligência, lentos para crer[141]
naquele que pode revelar a razão da contemplação natural aos homens que andam
pelo caminho espiritual das profundezas do Espírito!”. Não querer passar dos
combates iniciais aos últimos combates, e do corpo textual da divina Escritura
alcançar a inteligência e a compreensão da palavra, é, com efeito, a marca de
uma alma negligente que não saboreia se bem espiritual e recusa perigosamente
seu próprio progresso. Esta alma carrega uma lâmpada apagada. Não apenas lhe
será dito: “Vá buscar azeite no mercado”, mas ainda, quando o lugar das bodas
já se achar fechado: “Vá embora; não sei quem você é[142]”.
98. Quando o Verbo de Deus penetra na alma decaída como o fez na
cidade de Betânia[143],
para ressuscitar sua inteligência morta sob o pecado e enterrada debaixo da
podridão das paixões, então a consciência e a justiça que estavam mergulhadas
na tristeza da morte do intelecto vêm banhadas em pranto ao seu encontro e
dizem: “Se tivéssemos velado por você, se o tivéssemos guardado junto a nós,
nosso irmão o espírito da inteligência não estaria morto sob o pecado[144]”.
A partir daí, com muita atenção, por meio do trabalho das virtudes, a justiça
se esforça para alimentar o Verbo e empenha toda sua honra em lhe oferecer uma
mesa variada e mais todo o esforço que fizer. Quanto à consciência, deixando de
lado todas as demais preocupações e penas, escolhe sentar-se diante dos
trabalhos e do movimento intelectual do Verbo e se põe a escutar os pensamentos
de sua contemplação. O Verbo recebe então uma que conduz o bom combate, que o
alimenta generosamente à mesa da filosofia múltipla e ativa, mas reprova-lhe o
tanto de preocupações a que se entrega, sempre se ocupando com o que não serve
para grande coisa[145].
Não se deve buscar senão uma coisa para as necessidades e o serviço do Verbo:
submeter o inferior ao pensamento mais alto e transformar os cuidados terrestres
em atenção espiritual sob os suores da virtude. É a esta última que ele louva e
une naturalmente a si, por que ela escolheu a melhor parte[146]
do conhecimento do Espírito, por meio da qual, pairando acima das coisas
humanas, ela penetra nas profundezas de Deus, adquire da melhor maneira esta
pérola[147]
do Verbo, contempla os tesouros ocultos do Espírito e alcança esta alegria
inefável que não lhe será tirada[148].
99. O intelecto morto sob as paixões e devolvido à vida com a chegada
do Verbo de Deus, liberto da pedra do endurecimento, rompe os laços do pecado e
dos pensamentos corruptores com o auxílio dos servidores do Verbo, vale dizer,
do temor da danação e as penas das virtudes, e, desfrutando da luz da vida
futura, se torna livre pela impassibilidade. A partir daí ele se assenta sobre
o trono dos sentidos, celebra com toda pureza o mistério da contemplação e vive
com o Verbo. Ele parte com o Verbo da terra em direção aos céus e, com todos os
seus desejos atendidos, reina com Cristo no Reino de Deus Pai.
100. O restabelecimento de todas as coisas no além, depois da dissolução
do corpo, é claro e se torna evidente pela certeza da energia do Espírito em
todos os que se dedicam à virtude, que lutam o justo combate[149],
que progridem em direção ao meio e se tornam perfeitos na medida da plenitude
de Cristo[150].
A alegria e a beatitude de tal destino habitam para sempre na luz eterna. Uma
alegria infinita toma os corações daqueles que lutam o justo combate e o
regozijo do Espírito Santo os abraça, regozijo este que, segundo a palavra, não
lhes será tirado[151].
Assim, aquele que foi considerado digno de que em si habite o Consolador, que
usufrui de seus frutos por haver cultivado as virtudes, que é rico de seus
carismas divinos, que foi cumulado de alegria e de todo amor, que se libertou
de todo medo, este, em sua felicidade, está livre dos laços do corpo e nesta
felicidade ele se desprende das coisas visíveis, das quais se livra colocando
esta alegria acima da sensação. Ele irá repousar na inefável alegria da luz
onde habitam todos os que se regozijam, mesmo que, neste ato de libertação e de
ruptura da união, o corpo possa experimentar a dor, como acontece nos partos
difíceis.
[1]
Cf. Lucas 17: 21.
[2] João 14: 23.
[3]
Cf. Romanos 8: 8.
[4] Gênesis 6: 3.
[5]
Cf. Lucas 34: 25.
[6] I Coríntios 2: 14.
[7]
Cf. I Gálatas 5: 25.
[8]
Cf. Números 6: 2-8; Juízes 13: 3.
[9]
Cf. I Coríntios 2: 7.
[10]
Cf. Salmo 39 (40): 10-11.
[11] Mateus 5: 13-14.
[12] Salmo 45 (46): 11.
[13]
Cf. Lucas 17: 21.
[14]
Cf. Mateus 23: 25.
[15]
Cf. Isaías 5: 21.
[16]
Cf. Gênesis 2: 10.
[17]
Cf. Salmo 45 (46): 5.
[18]
Cf. João 14: 23.
[19]
Cf. Efésios 6: 16.
[20]
Cf. Mateus 24: 22.
[21]
Cf. Efésios 5: 12.
[22]
Cf. Judas 8.
[23] Eclesiastes 10: 4.
[24]
Cf. Salmo 90 (91): 10.
[25]
Cf. II Coríntios 12: 8.
[26]
Cf. Romanos 7: 23.
[27]
Cf. II Coríntios 4: 10.
[28]
Cf. Romanos 8: 10.
[29]
Cf. I Coríntios 12: 8.
[30]
Cf. Mateus 11: 29.
[31] Salmo 50 (51): 19.
[32] Isaías 6: 5.
[33] I
Coríntios 13: 10.
[34]
Cf. Salmo 102 (103): 12.
[35]
Cf. Mateus 7: 16.
[36] Gálatas 5: 23.
[37]
Cf. I João 2: 16.
[38]
Cf. Mateus 12: 33.
[39] Mateus 12: 35.
[40]
Cf. Salmo 50 (51): 19.
[41]
Cf. Daniel 3: 39.
[42]
II Coríntios 12: 9.
[43] I
Samuel 16: 7.
[44]
Cf. Efésios 4: 11-12.
[45]
Cf. Salmo 32 (33): 15.
[46]
Cf. Salmo 112 (113): 7.
[47]
Cf. Efésios 6: 17.
[48]
Cf. Salmo 67 (68): 12.
[49]
Cf. Gênesis 2: 15.
[50] Salmo 72 (73): 17.
[51]
Cf. Gênesis 18: 27.
[52]
Cf. Salmo 21 (22): 7.
[53]
Cf. Salmo 76 (77): 11.
[54]
Cf. Mateus 13: 11.
[55]
Cf. João 15: 13.
[56]
Cf. I Timóteo 6: 20.
[57]
Cf. Colossenses 2: 3.
[58] João 17: 24.
[59]
Cf. Mateus 5: 45.
[60]
Cf. Gênesis 2: 10.
[61]
Cf. Salmo 103 (104): 11.
[62]
Cf. Salmo 103 (104): 21.
[63]
Cf. Salmo 17 (18): 6.
[64] Cântico dos Cânticos 1: 7.
[65]
Cf. João 17: 24.
[66] Cf. Cântico dos
Cânticos 2: 10-14. 10 “O meu amado fala, e me diz: Levante-se, minha amada,
formosa minha, venha a mim! 11 Veja: o inverno já passou! Olhe: a chuva já se
foi! 12 As flores florescem na terra, o tempo da poda vem vindo, e o canto da
rola já se ouve em nosso campo. 13 Despontam figos na figueira e a vinha
florida exala perfume. Levante-se, minha amada, formosa minha, venha a mim! 14
Pomba minha, que se aninha nos vãos do rochedo, na fenda dos barrancos... Deixe-me
ver a sua face, deixe-me ouvir a sua voz, pois a sua face é tão formosa e tão
doce a sua voz!”.
[67]
Cf. Salmo 67 (68): 14.
[68]
Cf. João 13: 31-32.
[69]
Cf. Salmo 118 (119): 165.
[70]
Cf. Gênesis 1: 31.
[71]
Cf. João 3: 3.
[72] Mateus 5: 45.
[73] I
Coríntios 4: 15.
[74] I
Coríntios 11: 1.
[75]
Cf. Filipenses 2: 8.
[76]
Cf. Mateus 12: 33.
[77]
Cf. Romanos 1: 25.
[78]
Cf. I Timóteo 6: 10.
[79]
Cf. João 14: 15.
[80]
Cf. Filipenses 3: 8.
[81] Cf.
Judas 23.
[82] Cf.
Judas 8.
[83]
Cf. Filipenses 3: 19.
[84]
Cf. Salmo 72 (73): 17.
[85]
Cf. Colossenses 3: 3.
[86]
Cf. Efésios 2: 20.
[87] Números 12: 6.
[88] Joel 3: 1.
[89] Salmo 37 (38): 14.
[90]
Cf. II Coríntios 4: 10.
[91]
Cf. Atos 2: 2-3.
[92]
Cf. João 7: 38-39.
[93]
Cf. Atos 2: 11.
[94]
Cf. Salmo 39 (40): 10.
[95]
Cf. Mateus 25: 30.
[96]
Cf. Salmo 39 (40): 11.
[97]
Cf. Efésios 3: 18.
[98]
Cf. I Coríntios 14:15.
[99]
Cf. Salmo 83 (84): 6.
[100]
Cf. Oséias 6: 6, citado em Mateus 9: 13; 12: 7.
[101]
Cf. Mateus 5: 23-24.
[102]
Cf. Salmo 50 (51): 19.
[103]
Cf. Salmo 50 (51): 12.
[104]
Cf. I Coríntios 6: 17.
[105]
Cf. Salmo 50 (51): 19.
[106]
Cf. Filipenses 4: 7.
[107]
Salmo 118 (119): 71.
[108]
Cf. Salmo 103 (104): 18.
[109]
Cf. Salmo 81 (82): 6.
[110]
Cf. Salmo 103 (104): 18.
[111]
Cf. II Coríntios 10: 5.
[112]
Cf. II Efésios 4: 13.
[113]
Cf. I Timóteo 4: 8.
[114]
Cf. II Coríntios 4: 11.
[115]
CF. Êxodo 3: 8.
[116]
Cf. Gênesis 3: 19.
[117]
Cf. Deuteronômio 32: 13; Salmo 80 (81): 17.
[118]
João 14: 31.
[119]
Cf. Atos 1: 13.
[120]
Salmo 118 (119): 18.
[121]
Cf. I Corintios 2: 9.
[122]
Cf. Salmo 83 (84): 6.
[123]
Cf. I Coríntios 2: 10.
[124]
Cf. Isaías 11: 2-3.
[125]
Provérbios 1: 7.
[126]
Cf. Salmo 18 (19): 10.
[127]
Cf. Salmo 103 (104): 15.
[128]
Salmo 22 (23): 5.
[129]
Cf. II Coríntios 3: 6.
[130]
Salmo 22 (23): 5.
[131]
Ibid. 5-6.
[132]
O pão ousios do Pai Nosso.
[133]
Cf. Mateus 6: 10-11.
[134]
Cf. Marcos 14: 25.
[135]
Cf. Salmo 76 (77): 11; Romanos 12: 2.
[136]
Cf. João 1: 14.
[137]
Cf. Hebreus 4: 14.
[138]
Cf. Lucas 24: 16.
[139]
Cf. Salmo 79 (80): 6.
[140]
Cf. Lucas 24: 25.
[141]
Lucas 24: 25.
[142]
Mateus 25: 9 e 12.
[143]
Cf. João 11: 17.
[144]
Cf. João 11: 33.
[145]
Cf. Timóteo 4: 8.
[146]
Cf. Lucas 10: 42.
[147]
Cf. Mateus 13: 46.
[148]
Cf. Lucas 10: 42.
[149]
Cf. II Timóteo 2: 5.
[150]
Cf. Efésios 4: 13.
[151]
Cf. Lucas 10: 42.
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