NICETAS STETHATOS
TRÊS CENTÚRIAS
PRÁTICA, FÍSICA E GNÓSTICA
Nicetas Stethatos
Nosso bem-aventurado padre
Nicetas, do mosteiro de Studion, viveu ao redor do ano 1030. Ele foi um fiel
discípulo de Simeão o Novo Teólogo. Iniciado por este nos numerosos
ensinamentos da filosofia espiritual, ele remodelou em si mesmo de tal maneira
as virtudes de seu mestre que parece ser uma segunda imagem daquele, com a alma
radiante dos reflexos luminosos de seus carismas e de seus ensinamentos. Sem
jamais deixar de trabalhar por si mesmo na meditação das Sagradas Escrituras
ele colocou por escrito e reuniu um grande número de belos pensamentos. Por
meio das Escrituras, não apenas lhe foi concedido tudo aprender, como ainda
experimentar todas as coisas, por experiência ou por bem-aventurada paixão.
Graças a elas, ele levou seu próprio intelecto a engendrar os frutos
sobrenaturais da inteligência divina, em obras de altura e sabedoria imensas.
Quem quiser pode julgar sua obra a partir das três centúrias que apresentamos
aqui. Se dissermos que elas são uma regra exata da ascese, um guia seguro para
o conhecimento, um cumprimento de vida semelhante a Deus, numa palavra, o mais
rico tesouro da visão ética e alegórica, teremos dito toda a verdade. Os
pensamentos são de tal modo elevados, o fraseado tão sublime e belo, que nos
perguntamos de qual das duas, se da inteligência inerente à obra ou se da
elegância das palavras, provém tamanha graça nas almas dos leitores.
*
Nos primeiros anos do século XI, Nicetas – apelidado Stethatos, o
corajoso – entrou para o mosteiro de Studion em Constantinopla com a idade de
quatorze anos. Ali ele passou toda a sua vida, e foi sem dúvida higoumeno na
velhice, por volta de 1080, tendo morrido cerca de 1090.
Ele pertence assim a estas gerações de monges que, tendo vivido em
grandes comunidades organizadas, e misturando-se aos eventos da história (ele
próprio chegou a participar da controvérsia que precedeu os anátemas de 1054)
foram, durante séculos a consciência e a profecia da civilização bizantina em
Constantinopla. Aqui estamos longe dos Padres do deserto. E, no entanto... A
apologia da vida comunitária, em Nicetas, jamais será outra coisa do que uma
apologia da interioridade. O deserto consiste finalmente na renúncia à própria
vontade. Só uma coisa importa: encontrar o pai espiritual e fazer por ele a
vontade do Pai das luzes. O evento crucial da vida de Stethatos foi assim seu
breve encontro com Simeão o Novo Teólogo, de quem ele se tornou um jovem
discípulo até a morte do santo (em 1022), antes de se tornar mais tarde seu
biógrafo e testemunho.
Prolongando, ampliando e refinando os ensinamentos da escola do Sinai,
a doutrina de Studion assumiu daí por diante a “gestão” desta herança. Mas
doutrina “inspirada”, traduzindo sempre e com mais e mais precisão onde se
encontrava a única necessária, ela conduziu a tradição monástica pelas
profundezas – e os cumes – onde seria preparado o novo hesiquiasmo dos séculos
XIII e XIV, antes do final da história do mundo bizantino.
As lentas elaborações dos Padres do primeiro milênio, que irrigaram a
obra de Nicetas, desembocavam na certeza (confirmada por Simeão) de que no
coração de toda consagração somente conta a vida do Espírito Santo em nós: não
vivemos em Deus senão por intermédio dos dons do Espírito Santo. Simeão e
Nicetas são aqui como que as duas faces de um mesmo “signo”. Se é verdade que à
inspiração de Simeão Nicetas faz suceder uma síntese intelectual, o Padre
Stanisloae está bem fundamentado ao afirmar que mestre e discípulos são
indissociáveis. Um e outro são testemunhos de uma experiência pessoal
fundamental ( a luz do Tabor, para Simeão, e o encontro do Transfigurado, para
Nicetas). E ambos são levados pela mesma necessidade de ensinar e partilhar.
Nicetas chega mesmo a colocar em paralelo esta necessidade e a hierarquia
celeste de Denis o Areopagita. Assim como as ordens angélicas que se aproximam
de Deus recebem e transmitem a luz, também Nicetas transmite o testemunho de
Simeão. Entre o Sinai do século VII e o Athos do século XIV, suas obras
conjugadas significam um mesmo progresso da tradição filocálica.
As três Centúrias prática, física e teológica são exemplares sob este
aspecto. Nicetas as modelou dentro da antiga trilogia evagriana, que apresenta
os três graus da vida espiritual: a ascese do corpo (a ação ou prática), a ascese
do intelecto (a contemplação natural ou física) e o arrebatamento da
inteligência (o conhecimento místico de Deus, ou teologia). Mas a obra não é
linear, e a novidade aflora. Os temas dos capítulos estão repartidos livremente
pelas três Centúrias. Entre a ascese e o arrebatamento, o movimento é circular.
A alma não descobre no alto a luz, não descobre a beleza, senão para mergulhar
no mais fundo da ascese, que lhe permite sentir sempre mais alto uma prévia da
luz, uma prévia da beleza. Existe aí uma pequena suma daquilo que é a vida
monástica, que consiste sempre num duplo retorno: o retorno do arrependimento
por meio da ascese e o retorno da transfiguração pelo arrebatamento.
Ao longo de trezentos capítulos Nicetas se dedica a mostrar que os
estados não são fechados e que a osmose é contínua. Qualquer que seja o grau de
avanço espiritual, as provas e as tentações permanecem sendo a sorte comum. Os
graus não existem para definir ou amarrar o ser, mas simbolizam o modo como
reagimos às provações. Nada é feito em virtude de uma ordem imanente. Não nos
elevamos senão na medida em que nos abaixamos: é o Evangelho. A humildade é
fundamental. Os carismas do Espírito Santo não podem ser em nós bens de que
possamos nos prevalecer. Nicetas denuncia fortemente todas as dissimulações: as
marcas da verdade não estão “nos rostos, nas formas, nas palavras” ou em
qualquer coisa que possa ser mascarada, falsificada, mas “nos corações
quebrantados, nos espíritos humilhados, nas almas iluminadas”.
Paradoxalmente, as lições de vida comunitária conduzem sempre Nicetas
à espiritualidade dos Padres do deserto, e esta o reenvia à experiência de
Simeão, à sua própria experiência. Não que a hesíquia seja deslocada: ela
permanece sendo a pedra angular. Mas ela abre para três estados tangíveis,
partilhados e transmissíveis da edificação: a dilatação do fervor, a katanyxis – a compunção ou a ternura
dolorosa – e, enfim, a presença do Consolador, a luz incriada. A deificação se
transmite assim de homem para homem desde Cristo, “até que todos, unidos no Um,
recolhidos juntos na unidade do amor, se unam infinitamente ao único Deus”. Um
milênio de transmissão evangélica encontra aqui a afirmação inicial e última do
sentido da vida: “ver ao próprio Deus na glória”.
Mas um testemunho tão extremo – que relembra o Tabor e anuncia
Gregório Palamas – nem sempre foi recebido, Nicetas deplora a incredulidade, a
inveja, as calúnias. Pois a luz de Deus, o esplendor do Reino dos céus, não são
palavras, mas realidades, tão tangíveis quanto o sol. Alguns a viram, outros
não. Os que a viram ficaram deslumbrados, mas transmitiram seu testemunho. Os
que não a viram e ouviram falar são chamados a crer, a comungar na humildade e
no amor. É o que fez Nicetas e o que ele nos convida a fazer. Não é preciso insistir
sobre a atualidade de seu ensinamento.
PRIMEIRA CENTÚRIA
CAPÍTULOS PRÁTICOS
1. Existem, penso eu, na tríade perfeita das virtudes[1],
quatro causas que levam a quem já ultrapassou a metade do noviciado e que
chegou à tríade da teologia mística, a escrever o que é bom. A primeira é a
liberdade, ou seja, a impassibilidade da alma que, pelas penas da ação conduz à
contemplação natural da criação e daí penetra nas trevas da teologia. A
segunda, que provém das lágrimas e da oração, é a pureza do intelecto, da qual
nasce a palavra da graça e brotam as ondas dos pensamentos. A terceira é a
habitação da Santa Trindade em nós. A partir dela, as efusões luminosas do
Espírito se espalham para seu bem em cada um dos purificados, manifestando os
mistérios do Reino dos céus e revelando os tesouros de Deus escondidos na alma.
A quarta, em todo homem que recebeu o t alento da palavra do conhecimento, é a
opressiva necessidade criada pela ameaça de Deus, quando disse: “Servidor mau e
preguiçoso, você devia entregar meu dinheiro aos investidores, e no meu retorno
eu teria retomado o que é meu com lucro[2]”. É esta
necessidade que fez com que Davi dissesse, cheio de temor: “Eu não fecharei
meus lábios, Senhor, você bem o sabe. Eu não escondi sua justiça em meu
coração. Eu disse a verdade sobre a sua salvação. Eu não escondi seu amor e sua
verdade diante da grande assembleia[3]”.
2. O começo da vida conforme a Deus consiste em fugir completamente do
mundo. Esta fuga é a renúncia da alma às vontades e a superação dos cuidados
terrestres, por meio da qual, apressando-nos em retornar aos cuidados de Deus,
de carnais que somos nos tornamos espirituais. Assim morremos para a carne e
para o mundo. Mas nossa alma é conduzida à vida, em Cristo e no Espírito.
3. A verdadeira crença da alma em relação a Deus, a fé interior aliada
ao desprezo pelas coisas visíveis, a prática da virtude desembaraçada de todo
egoísmo, são os três fios da corda de que fala Salomão[4]. Para
rompê-la, os espíritos de malícia precisam de muito tempo.
4. Pela fé esperamos receber as recompensas por nossos esforços. É por
isso que suportamos com facilidade as penas das virtudes. Cheios de certezas do
Espírito divino, sobre as asas do amor nos elevamos para Deus.
5. Não é a partir do momento em que somos perturbados pelos espíritos
impuros que fazemos parte daqueles que fazem o mal. É quando a alma relaxa sua
tensão, quando, devido a uma vida irresponsável e desordenada o intelecto se
enche de imaginações vis e sombrias, quando, por causa da negligência no estudo
e na oração falham os esforços pela virtude, é então, mesmo que não o façamos
por mal, que nos fixamos no país daqueles que se espojam nos prazeres.
6. Quando são rompidos os freios dos sentidos mais aptos a nos
conduzir, logo as paixões se sublevam e a energia dos sentidos mais servis se
põe em movimento. Quando a sua irracionalidade rompe os laços da temperança esta
energia costuma se lançar sobre as causas das paixões, pastar de certo modo
nestas ervas de morte, e tanto mais quanto mais se prolongar o desleixo. Pois,
uma vez que ela não tiver mais freios, não mais suportará ser privada das
coisas pelas quais sente um desejo natural.
7. Dentre os sentidos, dois – a vista e a audição – são dotados de
razão, e mais aptos do que os demais a nos levar à sabedoria e a nos conduzir.
Os outros – o paladar, o olfato e o tato – instintivos e selvagens, estão a
serviço dos primeiros. De fato, começamos por ver e ouvir. Depois, levados pela
razão, tocamos o que está diante de nós, cheiramos e provamos. Os três últimos
estão assim mais próximos do animal do que os primeiros: eles são mais
grosseiros e servis. São eles que manifestam em primeiro lugar os mais vorazes
e impetuosos animais domésticos e feras. Com efeito, noite e dia, ou jamais
estão saciados, ou estão à busca de saciar-se.
8. Quem volta para os sentidos internos a energia dos sentidos
externos, que torna a visão para o intelecto contemplando a luz da vida, que
vira o ouvido para a compreensão da alma, o paladar para o discernimento da
razão, o olfato para a reflexão do intelecto, o tato para a sobriedade e a
vigilância do coração, leva uma vida angélica sobre a terra. Este é um homem
visível entre os homens, e um anjo inteligível entre os anjos.
9. Através do intelecto que enxerga a luz da vida divina, recebemos o
conhecimento dos mistérios ocultos de Deus. Por meio da compreensão da alma,
colocamos com todo conhecimento no coração os graus dos raciocínios[5],
discernindo o melhor e o pior. Por meio do discernimento da razão, saboreamos
as formas dos pensamentos. Alguns nascem de uma raiz amarga: ou nós os
transformamos em doce alimento para a alma, ou os rejeitamos totalmente. Outros
provêm de uma planta sã e fresca: nós os tomamos, levando todo pensamento
cativo à obediência de Cristo[6].
Por meio da reflexão do intelecto sentimos o perfume espiritual da graça do
Espírito, enchemos nossos corações de alegria e bem-aventurança. Por meio do
coração sóbrio e vigilante nós percebemos com facilidade o Espírito cobrindo de
orvalho do alto a chama de nosso desejo de bens, ou aquecendo nossas forças transidas
pelo frio das paixões.
10. Assim como o corpo tem cinco sentidos – a visão, a audição, o
paladar, o olfato, o tato – também a alma possui o mesmo número: a
inteligência, a razão, o sentido intelectual, o conhecimento e a ciência, os
quais se ligam na alma a três energias: ao intelecto, à razão e aos sentidos.
Por meio do intelecto, recebemos as ideias; por meio da razão, as explicações;
e por meio dos sentidos, as visões da ciência e do conhecimento de Deus.
11. Aquele cujo intelecto discerne bem o sentido dos pensamentos e
acolhe com toda pureza os desígnios de Deus; aquele cuja razão explica os
movimentos naturais de toda a criação visível, ou seja, que ilumina as razões
dos seres; aquele cujo sentido intelectual recebe a ciência da sabedoria e do
conhecimento celestes; este, ultrapassando toda sensação do flamejamento do Sol
de justiça[7],
alcança o que está acima dos sentidos e usufrui das delícias do invisível.
12. O intelecto possui quatro potências fundamentais: a percepção, a
perspicácia, a compreensão e a diligência. Quem une a estas quatro potências as
virtudes fundamentais da alma, unindo a castidade da alma à percepção do
intelecto, a reflexão à perspicácia, a justiça à compreensão e a coragem à
diligência, constrói para si um carro de fogo de dupla atrelagem que atravessa
o céu para combater os três princípios fundamentais que comandam o exército das
paixões: o amor pelo dinheiro, o amor pelos prazeres e o amor à vanglória.
13. Quem se afasta do amor ao dinheiro pela compreensão da justiça que
a lei ordena, ou seja, pela compaixão misericordiosa para com o semelhante;
quem represa o amor aos prazeres pela castidade lúcida, ou seja, pela
temperança total; quem combate o amor à vanglória e descobre a fraqueza subjacente
a ela pela perspicácia e a reflexão, ou seja, pelo discernimento transparente
das coisas divinas e humanas; quem considera que esta glória está ligada à
terra, que ela nada vale, e assim a pisoteia com desenvoltura; este homem
venceu os cuidados terrestres da carne, a ponto de transformá-la em lei do
Espírito da vida. Que trabalhe então para se libertar da lei da carne tirânica,
e que diga: “Graças sejam dadas a Deus. A lei do Espírito da vida me libertou
da lei e da escravidão da morte[8]”.
14. Quem se arroga a glória dos homens como se ela fosse grande coisa,
enquanto ela nada é; quem, por um desejo insaciável da alma, abraça o amor aos
prazeres; quem, por avidez, se atira no amor ao dinheiro; este homem se torna
demoníaco por presunção e orgulho, ou se torna semelhante aos animais por causa
dos prazeres do ventre e do baixo ventre, ou se torna feroz para com seus
semelhantes em seu amor ávido e desumano pelo dinheiro. Recebendo a glória dos
homens, como diz a Escritura[9],
ele perde a fé em Deus. Queimando de desejo insaciável no baixo ventre e
cedendo à desordem dos impulsos ele se afasta da castidade e da pureza. Não
pensando senão em si próprio e nada dando aos seus próximos que são
necessitados, ele se exclui da caridade. Assim é que semelhante monstro cujas
múltiplas formas se opõem entre si, ele se proíbe de qualquer reconciliação com
Deus, com os homens e com os animais.
15. Se o ardor, o desejo e a razão do intelecto se mantêm e se movem
por si sós segundo a natureza, eles tornam todo o homem divino e semelhante a
Deus, caminhando saudavelmente e nunca se desviando de sua caminhada natural.
Mas se, indo contra a natureza, eles se afastam daquilo que deve ser o homem,
eles se distanciam de sua própria natureza e fazem dele, como dissemos, um ser
multiforme, composto de numerosos elementos opostos entre si.
16. O ardor é intermediário entre o desejo e a razão da alma. É uma
espécie de arma que cada qual utiliza em seus movimentos, contra ou a favor da
natureza. Quando o desejo e a razão se movem segundo a natureza em direção ao
divino, o ardor é para cada um uma arma de justiça[10]
contra a serpente única que lhes assopra e lhes propõe tomarem parte dos
prazeres da carne e de usufruir da glória dos homens. Mas quando eles se
desviam de seu movimento natural, quando desnaturalizam sua potência, quando se
afastam do estudo das coisas divinas e se dirigem às coisas humanas, o ardor se
torna uma arma de injustiça que serve ao pecado. Por meio dele o desejo e a
razão combatem e atacam a quem tenta deter seus impulsos e suas
concupiscências. Assim, ou bem o homem se mostra no centro da Igreja dos fiéis
como ativo, contemplativo e teólogo eminente – se age de acordo com a natureza
– ou se transforma num animal feroz e demoníaco, se se desnaturaliza.
17. Para começar, é preciso, por meio das penas do arrependimento e da
tensão da ascese, modificar as potências da alma e torná-las tais como Deus
no-las concedeu no princípio, quando criou Adão e nele insuflou o sopro da vida[11].
Caso contrário será impossível que conheçamos a nós mesmos e que adquiramos
este pensamento que por si só domina as paixões, modesto, sem curiosidade nem
malícia, simples, humilde, isento de inveja e de maledicência, e que conduz
toda reflexão cativa à obediência de Cristo[12].
Nem poderemos descobrir nossa própria alma abrasada e inflamada pelo amor a
Deus, jamais ultrapassando as fronteiras da temperança, contentando-se com o
que lhe é dado e buscando o repouso dos santos. Sem adquirir estas coisas
tampouco poderemos possuir um coração doce, manso, calmo, afável, descansado,
cheio de compaixão e de alegria. A alma se rebelará contra si mesma e, na
confusão de suas potências não guardará em si os raios do Espírito.
18. Quem não se reveste da beleza da antiga nobreza e não retoca
continuamente os traços da imagem d’Aquele que o criou do alto à sua semelhança[13],
como poderá se unir Àquele de quem se separou por causa da dissemelhança dos
traços? Como poderá se unir Àquele que é Luz? Ao extinguir a luz, o homem atrai
o contrário sobre si. Ora, se ele não está unido Àquele de quem recebeu o
princípio da hipóstase, por meio da qual proveio do não-ser, por meio da qual
dominava os demais seres, não será ele rejeitado, dividido que se encontra por
não ser semelhante ao Criador? Para os que são capazes de ver isto é claro,
ainda que eu me cale.
19. Enquanto trouxermos conosco a matéria das paixões, enquanto
cultivarmos em nós suas causas, enquanto não estivermos resolvidos a
derrubá-las, sua força nos dominará, e será de nós mesmos que a receberão. Mas
quando as rejeitamos de nós, quando purificamos o coração por meio das lágrimas
do arrependimento, quando desprezamos a ilusão das coisas visíveis, então
participamos da descida do Consolador, vemos a Deus na luz eterna e somos
vistos por ele.
20. Aqueles que romperam os laços da sensação de todas as coisas do
mundo estão livres da escravidão dos sentidos. Vivendo só para o Espírito,
dialogando exclusivamente com ele, dirigidos por ele, graças a ele desenvolvem
o costume de se unir apenas ao Pai e ao Verbo consubstanciais, para se tornar
um só espírito segundo as palavras de Paulo[14].
Não apenas eles já não se submetem aos demônios, como ainda são temidos por
eles. Pois ele comungam do fogo divino e se tornam realmente fogo.
21. O tato não é algo parcial no corpo, tendo sua energia num único
local como os demais sentidos. Ele é total e se estende a todo o corpo. Assim,
quando tocamos algo sem que seja necessário, apreciando sua maciez, levamos o
intelecto a sofrer com a perturbação dos pensamentos passionais. Mas quando
renunciamos a toda e qualquer suavidade nas coisas da natureza e ultrapassamos
a sensação, perdemos o costume de acariciar os sentidos da alma.
22. Quando o intelecto alcança as coisas sobrenaturais, os sentidos se
mantêm conforme a natureza. Eles se abrem para as causas fora de qualquer
paixão, e não buscam senão suas razões e suas naturezas, discernindo sem erro
suas energias e suas qualidades. Eles não são afetados por elas, nem são
levados por elas contra a natureza.
23. Os combates e as penas espirituais engendram a alegria na alma. A
paz se sobrepõe às paixões. Tudo o que é difícil aos que estão sob o império
das paixões se torna fácil e doce quando a alma pena, quando ela adquire o
desejo por Deus a partir de seus santos suores, quando ela é ferida pelo amor
do conhecimento divino. Pois para quem está ligado ao conforto do corpo e à
fruição dos prazeres, as penas e os combates das virtudes são penosos e parecem
muito duros. Eles jamais tentaram dissolver a salmoura dos prazeres com o jorro
das lágrimas. Mas as penas e os combates são desejados e abraçados pela alma
quando esta rejeitou os prazeres que provocam a dor e quando derrubou toda
fruição e todo amor ao corpo por si mesmo. A partir daí somente uma coisa
entristece a alma: o relaxamento das penas e a ausência de combates. Aquilo que
nos demais homens leva à alegria do corpo se torna causa de tristeza para a
alma que aponta seu desejo para o divino. E aquilo que para ela é a fonte da
alegria espiritual suscita neles gemidos de dor.
24. A todos os que se engajam nos suores e nos combates espirituais,
os esforços parecem em princípio engendrar a dor. Mas aos que se dedicam a
progredir na virtude e que alcançaram o meio de sua ascese, os mesmos esforços
parecem provocar um certo prazer e uma paradoxal facilidade. E quando os
cuidados mortais da carne são engolidos pela vida eterna[15],
que traz consigo a chegada do Espírito naqueles que mais e mais tendem
verdadeiramente para as virtudes finais através das penas, estes últimos ficam
cheios de alegria e de regozijo inefáveis. Neles se abre a fonte pura das
lágrimas e cai do alto como chuva a doce água da compunção.
25. Se você pretende avançar até as fronteiras da virtude e encontrar
aquele que infalivelmente abre para Deus, não conceda sono aos seus olhos, nem
alívio às suas pálpebras, nem repouso às têmporas[16],
até que você encontre, depois de muitas penas e lágrimas, um lugar de
impassibilidade para sua alma esgotada, até que você penetre no santuário do
conhecimento de Deus, até que por sua sabedoria anipostática você veja com toda
consciência o fim profundo das coisas humanas, e até que, rejeitando as coisas
de baixo, você se lance como os cervos, com grande sede, para as altas
montanhas[17]
da contemplação.
26. Uma maneira rápida de início para adquirir a virtude consiste em
manter o silêncio dos lábios, fechar os olhos e tornar surdos os ouvidos. Uma
vez que o intelecto encontra este repouso dos sentidos, interditando a entrada
a tudo o que vem de fora, ele começa a perceber a si mesmo e a compreender seus
próprios movimentos. Logo ele procura conhecer quais reflexões nada no mar
inteligível dos pensamentos e quais ideias caem no cadinho de sua meditação,
aqueles que provêm do anjo de luz, puras de toda semente amarga, ou as que são
enviadas pelos inimigos, misturadas de joio e palha. Ele se instala assim como
um rei soberano em meio aos pensamentos, discernindo e separando o melhor e o
pior. Aos primeiros, que constituem experiência e cujo movimento os faz entrar,
ele os recebe nos celeiros inteligíveis, passados pelo fogo do Espírito e
cheios de águas divinas: deles ele se nutre e fica cheio de força e de luz. Aos
outros, rejeitando seu amargor, ele os envia para as profundezas do
esquecimento. Esta é em espírito a obra de quem descobriu o caminho que leva
infalivelmente aos céus e a Deus, de quem se despiu da túnica do luto: a
vestimenta das paixões tenebrosas.
27. Logo que a alma se desfizer da malícia e da presunção da maldita
arrogância, ela rejeita totalmente o egoísmo, uma vez que ela enriquecer o
coração simples e inocente com a presença única do Consolador, logo ela estará
com Deus e consigo mesma, persuadida de que aquilo que ela vê e entende é fiel
e verdadeiro. Pois ela terá superado os terríveis abismos da descrença e terá
sido conduzida para além do inferno da inveja.
28. A fé interior precede todas as virtudes. Quando a alma assume a
certeza, ela rejeita totalmente o egoísmo. Pois, pelo seu conhecimento, nada
entrava tanto a quem acaba de se despojar para os combates da obra dos
mandamentos como este mal imenso que é o egoísmo. É ele que impede o progresso
daqueles que buscam a virtude. É ele que lhes inflige as enfermidades e os
sofrimentos do corpo tão difíceis de curar. Por meio deles o egoísmo esfria o
ardor da alma e a convence a abandonar no meio do caminho sua dura ascese, a
fim de reencontrar a vida fácil. O egoísmo é o amor insensato do corpo[18].
Ele leva o monge a amar a si mesmo, a amar sua alma, a amar seu corpo. Ele o
afasta de Deus e de seu Reino, conforme diz a palavra: “Quem ama sua alma a
perderá[19]”.
29. Quem começa a se esforçar para trabalhar nos mandamentos de Deus
e, por amor ardente, coloca seu pescoço sob o jugo leve da ascese[20],
não economiza a saúde do corpo, não vacila diante do amargor das obras da
virtude, não recua diante das penas, não olha a displicência ou a negligência
dos demais nos combates. No fervor de seu desejo ele se esforça por traçar a
sulco das virtudes e não olha senão para si próprio e para os mandamentos de
Deus. A cada dia, entre lágrimas, ele lança as sementes[21]
no campo dos vivos[22]
até que brote a erva da impassibilidade, que se erga o caule do conhecimento
divino, que nasça a espiga carregada de grãos da palavra e que assim surjam os
frutos de sua justiça.
30. Nada, penso eu, faz a alma avançar tão depressa e em tão pouco
tempo como a simples fé. Não esta fé que temos em Deus e em seu Filho único,
mas a fé interior por meio da qual cremos que são verdadeiras as promessas de
Cristo (aquilo que ele anunciou e preparou para os que o amam[23])
e as ameaças e castigos do inferno preparadas pelo diabo e seus operários[24].
Esta fé concede à alma dedicada ao combate a certeza da esperança: obter a
condição dos santos, sua bem-aventurada impassibilidade, elevar-se até as
alturas de sua santidade, com eles herdar o Reino de Deus. Assim coberta de
certeza, sem jamais duvidar, a alma se torna cada vez mais ardente em cumprir
os mandamentos, ela imita as penas dos santos e, por meio dos mesmos combates,
procura alcançar a sua perfeição.
31. O estado exterior do rosto se modifica normalmente conforme o
estado interior da alma. O aspecto do rosto revela aos que o contemplam a
maneira pela qual o movimento intelectual se faz na alma. Tudo o que o
pensamento suscita o modela e modifica. Quando o coração se regozija com as
boas inspirações que sobem a ele provenientes da meditação em Deus, o rosto
aparece alegre; quando a loucura dos pensamentos o cobre de amargura ele se
torna morno e sombrio. Não é possível que a fonte deste movimento permaneça
oculta aos que assumem os sentidos experimentados da alma. Pois, ou a mudança
provém da direita do Altíssimo[25],
e isto lhes é evidente por que eles o conhecem e o amam e por ele o Espírito os
fez renascer do alto e os tornou luz e sal para seus próximos; ou a mudança
provém da revolta das potências e da perturbação dos pensamentos, e eles
percebem isto claramente, pois rejeitam estas coisas e trazem sobre si mesmos a
marca da imagem do Filho de Deus na mais alta luz dos carismas divinos.
32. A obra interior ou bem coroa a alma ou bem lhe traz penas e
tormentos. Se ela se dedica às coisas divinas e trabalha nos campos da
humildade, ela recebe do alto uma chuva de lágrimas e cultiva o amor a Deus, a
fé no Criador e a compaixão para com o próximo. A partir daí a alma reencontra a
beleza da imagem de Cristo. Ela se torna luz para os homens. Pela irradiação
das virtudes ela atrai para si seus olhares e conduz todos a glorificar a Deus.
Mas se ela agita as coisas inferiores, a decadência, se ela remói o pecado, ela
recebe de baixo o mau odor e a obscuridade, cultiva o ódio e a aversão ao bem.
Retornando assim à imagem terrestre e informe do homem velho, ela se torna
também treva para os que se aproximam. Fazendo e dizendo o mal, ela corrompe as
almas simples e frágeis e as leva a blasfemar a Deus. A partir de então ela é
presa da morte e encontrará o que tem a receber.
33. Quem cultiva maus pensamentos adquire um rosto triste e sombrio.
Sua língua é incapaz de dizer os hinos divinos e ele tem dificuldade em
responder aos que o abordam. Mas em quem cultiva as plantas do coração, boas e
imortais, a alegria ilumina o rosto. Sua língua canta as orações e ele está
cheio de doçura quando fala. Logo fica evidente que um é escravo de paixões
impuras e dedicado aos cuidados terrestres sob a necessidade da lei, enquanto
que o outro, sob a lei do Espírito, é liberto de tal servidão, como disse
Salomão em sua sabedoria: “Quando o coração se regozija o semblante é sereno.
Quando coração se entristece, o semblante se torna sombrio[26]”.
34. As paixões que afetam as ações são curadas pela ação. Da mesma
forma como a intemperança, o prazer, a gula, a vida negligente e dissipada
criam na alma o estado passional e a conduzem a ações tolas e inconsequentes, a
pobreza, a temperança, as penas e os combates do intelecto suscitam nela a
impassibilidade, e a conduzem do estado passional ao estado impassível.
35. Quando, depois de uma ascese intensa e contínua, alguém recebe
grandes dons de Deus por causa de sua humildade, mas depois, atraído para
baixo, atirou-se às paixões e aos castigos dos demônios, saiba ele que elevou a
si próprio, presunçoso de si, e que assim se revoltou contra os demais. Este
homem não encontrará a cura e a libertação das paixões e dos demônios que
seguram sua vida senão retornando, pelo arrependimento, ao seu primeiro estado
e se ligando a um bom mediador, à humildade e ao conhecimento de suas próprias
limitações, por meio das quais todo homem bem estabelecido sobre o fundamento
das virtudes se coloca acima de toda a criação.
36. Diante de Deus e dos homens que vivem em Cristo, consiste no mesmo
mal ser passional das ações por causa da desordem dos pensamentos ou ser inflado
nas virtudes pelo espírito de presunção. Assim como é vergonhoso dizer o que o
primeiro faz em segredo[27],
também o orgulho do coração do segundo é uma abominação diante de Deus[28].
Assim como um se afasta de Deus por desfrutar da carne que o constitui[29],
com forme a Escritura, também o outro está impuro aos olhos do Senhor por ser
orgulhoso[30].
37. A paixão não é em si mesma o pecado ativo. Uma coisa é a paixão,
outra o pecado. A paixão é aquilo que é elaborado na alma. A ação pecadora se
traduz no corpo. Assim, o amor pelos prazeres, pelo dinheiro, pela vanglória
são paixões más da alma. Já a prostituição, a cupidez, a injustiça são ações
pecadoras do corpo. A concupiscência, a cólera, o orgulho são paixões da alma,
suscitadas pelas potências que vão contra a natureza. O adultério, o
assassinato, o roubo, a embriaguez e tudo o que se pode fazer com o corpo,
constituem ações pecadoras da carne.
38. Três paixões fundamentais engendram todas as demais, e três ordens
se engajam contra elas, combatendo-as e derrubando-as. O noviço, o médio e o
perfeito enfrentam assim o dragão de três cabeças: o amor pelos prazeres, pelo
dinheiro e pela vanglória.
39. Não é um só e mesmo combate que as três ordens sustentam contra os
três poderes e as potências do espírito dominador. Cada qual conduz um combate
diferente. Pois cada poder faz guerra a quem se dispõe a lutar contra ele e que
se arma naturalmente com o justo valor.
40. Quem se despoja para sustentar os combates da piedade, aquele que
assesta suas primeiras armas contra as paixões, coloca todo o peso de sua luta
contra o espírito do amor pelos prazeres. Fortalecido por todas as penas que
encara, é contra este espírito que ele se engaja no combate. Ele esgota a carne
por meio do jejum, o sono sobre a terra, as vigílias, as preces noturnas. Ele
parte sua alma com a lembrança dos sofrimentos do inferno e a meditação da
morte. E, com as lágrimas do arrependimento ele purifica o coração das manchas
das uniões e dos consentimentos culpáveis.
41. Quem conduziu sua ação até a metade do caminho dos noviços e
enxugou com a esponja da primeira impassibilidade os suores de seu combate
contra o espírito do amor aos prazeres, acaba de abrir os olhos. Este começa a
ver a natureza dos seres. Ele recebe as lágrimas da fé para combater o espírito
do pérfido amor ao dinheiro. Ele eleva seu intelecto pela meditação das coisas
divinas. Ele afina sua razão sob as razões da criação. Ele expõe à luz a
natureza dos seres. Por meio da fé ele conduz sua alma do visível até as
alturas do invisível. Ele está convencido de que o Deus que trouxe tudo do nada
para a vida supervisiona suas obras, e coloca assim na vida futura todas as
suas esperanças.
42. Aquele que por meio da contemplação e da impassibilidade completou
mais da metade do caminho e dominou a ilusão da sensação do mundo inteiro,
acaba de penetrar nas trevas da teologia, com a razão do conhecimento e a sabedoria[31]
anipostática de Deus. Por meio do poder da humildade ele recebe as armas para
combater o espírito do amor à vanglória. Nas santas revelações ele penetra a
alma de compunção e versa lágrimas fora de toda dor. Ele rebaixa seu pensamento
pela lembrança da fraqueza humana e o eleva com as meditações do conhecimento
divino.
43. Por meio dos jejuns, das vigílias e das orações, pelo dormir sobre
a terra, as penas do corpo e o recolhimento das vontades, na humildade da alma,
impedimos a ação do espírito do amor aos prazeres. Submetamo-lo com as lágrimas
do arrependimento, levemo-lo à prisão da temperança, imobilizando-o e
impedindo-o de agir. Então estaremos no nível dos que se esforçam e combatem.
44. Por meio das lágrimas da fé e do glaivo do Espírito, que é a
palavra de Deus[32],
cacemos e imolemos o espírito do amor ao dinheiro. Por meio da sabedoria,
lancemo-nos imediatamente à contemplação dos seres. Por meio do conhecimento
superemos a baixeza das coisas visíveis e, com os tesouros bem-aventurados da esperança
em Deus, busquemos o repouso nos domínios da caridade.
45. Sobre as asas da impassibilidade e da humildade vogamos pelo
espaço da teologia mística. Com o Espírito divino penetramos nos abismos do
alto, o abismo do conhecimento dos mistérios de Deus. Com os raios da doutrina
e dos pensamentos divinos, consumimos o espírito do amor pela vanglória. Por
meio de chuvas de lágrimas e dos rios da compunção contemplamos o fim das
coisas humanas, engolimos os três demônios que nos combatem por meio da presunção,
da vanglória e do orgulho.
46. Quem detesta de todo coração a concupiscência da carne e a
concupiscência dos olhos, o orgulho da vida[33],
este mundo de injustiça[34]
que amá-lo nos torna inimigos de Deus[35],
quem se desligou dessas coisas crucificou o mundo em si e a si mesmo crucificou
para o mundo[36].
Ele rompeu na própria carne a inimizade entre Deus e a alma, fazendo a paz
entre eles[37].
Morto para as paixões e despojado de todo cuidado para com a carne, ele está de
fato conciliado com Deus. Morrendo para os prazeres através de sua vida
crucificada para o mundo, ele destrói o ódio do mundo e abraça o amor de Jesus.
Este homem já não é inimigo de Deus por amar o mundo, mas ama a Deus por se ter
crucificado para o mundo, e assim ele pode dizer: “O mundo está crucificado em
mim, e eu para o mundo[38]”.
47. Nos que combatem, todo abandono da parte de Deus procede
normalmente da vanglória, da condenação do próximo e da autossuficiência nas
virtudes. Se uma destas coisas se aproxima de suas almas, provoca logo o abandono
da parte de Deus. Estes não escaparão ao justo julgamento de sua falta, a menos
que, rejeitando a causa que precedeu ao abandono, se refugiem nas alturas da
humildade.
48. A impureza do coração e a sujeira da alma não procedem apenas do
fato de não nos termos mantido puros de todo pensamento passional. Elas provêm
ainda da autossuficiência à qual nos conduzem tanto as ações direitas, como o
orgulho que extraímos das virtudes, a presunção a que somos levados pela
sabedoria e o conhecimento de Deus, as reprimendas que fazemos aos irmãos que
são negligentes ou irresponsáveis. É o que diz claramente a parábola do Fariseu
e do Publicano.
49. Não imagine que você pode se libertar das paixões e escapar da
sujeira dos pensamentos passionais que se lhes seguem, se você ainda trouxer em
si a arrogância e o ufanismo por causa das virtudes. Pois você não verá a
moradia da paz na bondade dos pensamentos nem entrará com alegria no templo do
amor com toda simplicidade e serenidade de coração, enquanto confiar em si
mesmo e nas suas próprias obras.
50. Se sua alma está afetada até a paixão pelas belas cores dos
corpos, se está atormentada por pensamentos passionais que parecem provir daí,
não creia que estas belezas sejam a causa da perturbação e do movimento passional
que surgiu em você. Pense que a causa está oculta no interior de sua alma, como
um ímã que atrai para si, como o ferro, pelo poder do estado passional e pelo
mau hábito, aquilo que o leva a se perder quando você contempla os rostos. Pois
todas as criaturas de Deus são belas[39]
em si mesmas. Não há nelas nada que acuse a criação de Deus.
51. Assim como pessoas que viajam por mar e se encontram doentes não
sofrem por causa do mar, mas são afetadas pela natureza da causa que reside
nelas – seus humores decompostos – também não é por causa dos rostos, mas do
estado do mal onde ele ainda se encontra, que a alma traz em si o tumulto e a
perturbação das paixões.
52. A própria natureza das coisas se altera conforme a disposição
interior da alma. Quando os sentidos intelectuais estão de acordo com a
natureza, quando o intelecto caminha sem erro nas razões das coisas criadas com
sua própria razão iluminando suas naturezas e seus movimentos, então as coisas,
os rostos, todos os corpos materiais se revelam à alma conformes à natureza,
isentos de toda causa oculta de condenação ou de mal. Mas quando estas mesmas
potências vão contra a natureza e se revoltam contra si próprias, todas as
coisas aparecem à alma como desnaturadas. Elas já não a elevam por sua beleza
natural para a compreensão do Criador, mas a fazem descer por seu estado
passional até o abismo da perdição.
53. Se você está caído, abandonado, na queda de sua carne, de sua
língua e de seu pensamento, se você leva uma existência dolorosa e rude, nada
disto deve lhe parecer estranho ou paradoxal. Pois esta queda é sua, e a causa
dela está em você. Se você não tivesse primeiro sido presunçoso buscando
novidades e cheio de si, se com o coração arrogante você não tivesse se
levantado contra um outro, se não o tivesse julgado em sua fraqueza da natureza
humana, você não teria sido abandonado ao justo julgamento de Deus por conhecer
sua própria fraqueza. Conheça-a agora, para aprender a não mais julgar[40],
a não raciocinar mais do que deve[41],
a não se levantar contra ninguém[42].
54. Se você caiu no abismo dos vícios, não se desespere por sua
conversão, mesmo que você tenha descido até o último grau do inferno do mal.
Pois se anteriormente, por meio das virtudes ativas, você edificou com fervor
em si mesmo o fundamento da piedade, ainda que a moradia que esta construiu em
você com as diferentes pedras da virtude tenha desabado sob o choque até cair
sobre a terra passional dos vícios, Deus não esquecerá suas penas e seus suores
de antes, desde que na sua queda seu coração se tenha quebrantado[43],
que ele se lembre dos dias de então[44]
e que, gemendo, ele evoque sua falta diante do Criador. Seu olhar logo se
voltará para você que treme às suas palavras[45],
ele tocará invisivelmente os olhos do seu coração doloroso, restabelecerá o fundamento
da virtude tão penosamente esmagada em você e, no calor do Espírito de fogo,
ele lhe concederá um poder mais forte e mais eficaz do que o primeiro, para
reconstruir com paciência as obras da virtude derrubadas pela inveja do maligno
e refazer com um espírito de humildade sua moradia ainda mais bela do que
antes, com vistas ao seu repouso eterno, conforme está escrito.
55. Tudo que nos chega vindo dos homens ou dos demônios e que nos
desonra, só nos vem por causa de um justo julgamento de Deus, segundo sua
economia, para humilhar o vão ufanismo de nossas almas. Pois para Deus, que
dirige nossas vidas, o objetivo é que sejamos sempre humildes, que não
raciocinemos além da conta e que tenhamos pensamentos modestos[46]:
não sermos presunçosos a nosso respeito, mas voltarmos os olhos para ele e,
tanto quanto possível, imitarmos a sua humildade. Pois ele era manso e humilde
de coração[47].
É isto que deseja para nós Aquele que por nós sofreu uma morte injusta e
infamante. Pois nada é tão caro a ele, nada nos une tanto a ele em virtude,
nada nos resgata da névoa das paixões como a mansidão, a humildade e o amor ao
próximo. Se não tivermos em nós estas coisas quando trabalhamos pelas virtudes,
toda nossa obra será em vão. Todas as penas da ascese serão inúteis, e Deus não
nos receberá.
56. Naqueles que dão seus primeiros passos na vida virtuosa o temor do
castigo ajuda a cumprir os mandamentos e a fugir dos vícios. Mas naqueles a
quem a virtude conduziu à contemplação da glória de Deus, este temor é seguido
de outro, ligado ao seu progresso e tanto mais forte na medida em que este
provém do amor: este é o temor puro[48].
Este os ajuda a perseverar no amor a Deus evitando as perturbações, tão
temerosos ficam de ser rejeitados por ele. Os que se desviam do objetivo que
tinham em mãos, mas logo se arrependem e se corrigem, encontram a boa esperança
no primeiro temor. Aqueles a quem a inveja do adversário empurrou ao pecado e
quem caem das alturas da contemplação de Deus não reencontram logo o segundo
temor. Com o primeiro temor, o dos castigos, neles se sucedem brumas e trevas
espessas, cheias de desencorajamento, dores e amarguras. Se o Senhor dos
Exércitos não lhes abreviasse esses dias de sofrimento insuportável, nenhum dos
caídos se salvaria[49].
57. Quando a alma se liberta do tormento espiritual dos pensamentos
passionais, quando se extingue a chama tirânica da carne, saiba que neste
momento o Espírito Santo virá a nós anunciando o perdão das faltas passadas e
nos concedendo a impassibilidade. Mas enquanto sentimos ainda o odor daquelas
faltas vindo do tormento contínuo, enquanto o baixo ventre ainda abrasa a
carne, saiba que o perdão do Espírito ainda se acha longe, retido pelos laços
das paixões e dos sentidos que somo incapazes de desmanchar.
58. Vi sob o sol, disse o sábio, um homem que pensava tudo saber por
si só[50].
Eu o vi durante sua vida mortal confiar em suas próprias obras e se orgulhar da
sabedoria humana, terrestre e material[51].
Não apenas, por causa desta sabedoria, ele se insurgia contra os anjos, mas
ainda ria e debochava dos eleitos divinos que espalhavam o ensinamento de
Cristo, devido ao modo especial como estes se exprimem. Ele os reprovava por
não utilizar as firulas do conhecimento profano e por não se aplicarem às
cadências rítmicas na composição das palavras na composição de suas obras
escritas. Ele ignorava que não é o rebuscamento das palavras nem a harmonia dos
sons que Deus prefere e se agrada, mas a clareza das ideias. Eu me lembrei do
provérbio: “Mais vale cachorro vivo do que leão morto[52]”.
E: “Mais vale uma criança pobre e sábio da que um rei velho e insensato que já
não consegue estar atento[53]”.
59. A paixão da blasfêmia é perigosa e difícil de combater. Ela tem
suas raízes no pensamento orgulhoso de Satanás. Ela perturba os que vivem em
Deus pela virtude, e em primeiro lugar os que progridem na oração e na
contemplação das coisas divinas. É por causa dela que devemos vigiar os
sentidos com toda sobriedade e vigilância, reverenciar todos os mistérios
terríveis de Deus, todas as imagens e palavras sagradas, evitando a irrupção
desse espírito. Ele nos espicaça quando oramos e cantamos e, se não estivermos
atentos, vomita sobre nós maldições por nossos lábios e sobre Deus Altíssimo
blasfêmias infames que Satanás introduz nos versos dos salmos e nas palavras da
prece. Quando ele leva tais coisas aos nossos lábios, quando as semeia em
nossos corações, devemos voltar contra ele as palavras de Cristo, dizendo:
“Afaste-se de mim, Satanás[54],
cheio de mau odor e passível do fogo eterno. Que sua blasfêmia recaia sobre sua
cabeça”. No cativeiro em que nos encontramos, apliquemos logo nosso intelecto a
outra coisa qualquer, divina ou humana, que naquele instante esteja diante de
nós, elevando-a entre lágrimas aos céus e a Deus. Assim, com a ajuda de Deus,
poderemos nos livrar do fardo da blasfêmia.
60. A tristeza da alma e do corpo é uma paixão que corrompe. Ela
penetra até a medula. A tristeza do mundo, a tristeza que vem das coisas
passageiras, afunda os homens chegando mesmo a leva-los à morte. Mas a tristeza
segundo Deus é salutar e de grande auxílio[55].
Ela suscita a paciência nas penas e nas tentações. A quem combate, a quem tem
sede da justiça de Deus[56],
ela abre a fonte da compunção. Ela nutre o coração com lágrimas. Nela se cumpre
a palavra de Davi: “Você nos deu de comer um pão de lágrimas, e em lágrimas
plenas nos deu de beber o vinho da compunção[57]”.
61. As partes da alma decaídas pela ação dos vícios são restauradas por
meio da tristeza segundo Deus, que as chama de volta à ordem natural. Com
efeito, através das lágrimas ela dissipa de tal modo o inverno das paixões e as
nuvens do pecado, a tal ponto os afasta do espaço inteligível da alma, que ela
logo se torna como um céu claro nos pensamentos de nossa inteligência, como uma
calmaria no oceano de nossas reflexões, como uma alegria em nossos corações,
como uma mudança na aparência de nosso rosto. Os que percebem esta mudança e
fazem repousar sobre si de certo modo sua aparência e seu estado interior,
podem repetir o que disse Davi: “Esta é a mudança operada pela destra do
Altíssimo[58]”.
62. Não receba aqueles cujas insinuações semeiam pensamentos contra o
próximo em você: estes são mentirosos que enganam e arruínam, saiba-o. É assim
que o demônio tenta empurrar para o abismo da perdição as almas daqueles que já
avançaram nas virtudes. Pois eles não conseguem mandar para o abismo da danação
e do pecado ativo nenhum dos que combatem, senão lhes fazendo suspeitar
maldosamente da conduta exterior e do estado da alma do próximo. Assim, eles os
expõem ao julgamento e à queda pelo pecado e os tornam condenados com o mundo,
conforme as palavras: “Se não julgarmos, não seremos julgados. Mas, se formos
julgados, seremos castigados pelo Senhor, a fim de não sermos condenados com o
mundo[59]”.
63. Quando, por negligência, damos espaço para os demônios para que
murmurem em nosso ouvido suspeitas contra os irmãos, por que manifestamente não
vigiamos os movimentos dos nossos olhos, podemos acabar condenando aqueles que
são perfeitos em virtudes. De fato, se a alegria de um rosto sorridente e a
afabilidade lhe parecem concessões aos prazeres e às paixões, da mesma forma
todo rosto sombrio o morno deve significar para você que transpira cólera e que
está cheio de orgulho. Mas não devemos prestar atenção aos traços humanos: é perigoso
para qualquer um julgar estas coisas. Na verdade, existem nos homens numerosas
diferenças de naturezas, de estados, de situações corporais, que só podem ser
observadas e julgadas corretamente por aqueles cujo olhar espiritual da alma
foi purificado por muita compunção e que trazem em si a luz infinita da vida
divina. Somente a este é dado conhecer os mistérios do Reino de Deus[60].
64. Se nos tornamos como aqueles que cumprem as más obras da carne,
servimos ao desejo contra a natureza e o ardor da alma. De um lado, sujamos a
carne[61]
sob os influxos impuros do pecado e, de outro, cobrimos a alma de trevas sob a
amargura do ardor e nos tornamos estranhos ao Filho de Deus. Será preciso
então, por meio de um fluxo de lágrimas vindo de todo nosso ser, purificar as
manchas do fluxo do ser que sai do corpo. Pelo escoamento natural, o prazer
manchou o corpo; pelo escoamento natural das lágrimas, o sofrimento da tristeza
deve purifica-lo novamente. Por meio da luz da compunção e da doçura do amor
conforme a Deus devemos expulsar as trevas debaixo das quais a amargura do
ardor cobrira a alma, e nos unirmos outra vez Àquele de quem havíamos sido
separados.
65. Assim como a sujeira que provém do prazer precede o amor satânico
no cumprimento do vício, também a purificação que provém da tristeza dolorosa
aquece o coração para que o luto e as lágrimas o preencham. Tal é a economia da
bondade de Deus para conosco. Rejeitando e purificando as penas do prazer pelas
penas da dor e o fluxo vergonhoso da carne pelo fluxo das lágrimas, apagamos do
intelecto as imagens dos vícios e da alma as imagens informes. Assim tornamos a
alma mais luminosa em sua beleza natural.
66. Assim como aquele que prostitui seu corpo sob a ação do espírito
maligno que colhe o prazer da carne – e assim seus vícios culminam na imundície
– também aquele que é animado desde o alto pelo Espírito Santo colhe a alegria
da alma, e sua beleza culmina na purificação das lágrimas, num novo nascimento,
na união que conduz a Deus.
67. Os dois fluxos naturais presentes em nós – a semente e as lágrimas
– provêm do mesmo ser. Mas com o primeiro sujamos a túnica da alma, com o
segundo a purificamos. Devemos lavar a sujeira de nosso ser com as lágrimas,
que escorrem deste mesmo ser. É impossível de outro modo obter a purificação do
lamaçal da natureza.
68. Toda disposição da alma faltosa, assim que esta é levada pelo
vício, destrói seu esforço por um breve prazer. Mas toda alma que se purifica
do mau hábito e de sua disposição para o mal acrescenta aos seus esforços um
longo prazer de alegria. Este é o milagre. O prazer que impede o prazer torna
doce a dor que engendra o prazer.
69. O fluxo das lágrimas se traduz no sentido intelectual do coração,
tanto pela amargura e a pena como pela alegria e o regozijo. Quando nos purificamos
pelo arrependimento do veneno e da imundície do pecado, as lágrimas abrasadoras
como fogo divino nos vêm naturalmente sob o calor do fogo. Nosso pensamento é
como que golpeado por rudes marteladas. Nos gemidos que sobem do fundo do
coração sentimos em espírito e realmente a amargura e as penas. Mas quando,
suficientemente purificados pelas lágrimas, chegamos a nos liberar das paixões,
então o Espírito divino nos consola, nosso coração se torna sereno e puro,
somos cumulados de prazer e de doçura inefável pelas lágrimas de alegria, as
lágrimas da compunção.
70. Umas são as lágrimas do arrependimento, outras as da divina
compunção. As primeiras são como um rio que transborda e arrebenta os diques do
pecado. As segundas estão na alma como a chuva sobre a erva dos campos, como
uma tempestade sobre as plantas[62]:
elas nutrem a espiga do conhecimento, fecundam-na e a fazem frutificar.
71. As lágrimas e a compunção não são a mesma coisa: entre elas existe
uma grande distância. As lágrimas provêm da conversão dos hábitos e da
lembrança das antigas faltas da alma: elas são como o fogo e a água fervente
que purificam o coração. A compunção vem do alto, do orvalho divino do
Espírito: ela consola e alivia a alma que acaba de entrar com fervor no abismo
da humildade, que recebeu a contemplação da luz inacessível, e que, como Davi,
diz a Deus em sua alegria: “Nós passamos pelo fogo e pela água, e você nos
tirou de lá para nos aliviar[63]”.
72. Ouvi alguns dizer que não é possível alcançar o estado de virtude
sem partir para longe, sem fugir para o deserto. Fiquei espantado de que o
ilimitado pareça ter que se limitar a um lugar. Pois se o estado de virtude
consiste na restauração das potências da alma em sua nobreza primitiva e na
conjunção das virtudes fundamentais reunidas na energia conforme a natureza,
isto não vem a nós do exterior como uma coisa estrangeira, mas nos é dado pela
criação, segundo um sentido divino e espiritual. Levados por estas potências e
com elas é que entramos no Reino dos céus. Ora, este Reino está em nós[64],
disse o Senhor. Portanto, o deserto é supérfluo, uma vez que sem ele entramos
no Reino por meio do arrependimento e observando totalmente os mandamentos de
Deus. O Reino pode estar em qualquer lugar aonde reine o Senhor. É o que disse
o divino Davi: “Bendiga minha alma ao Senhor, em todos os lugares de sua
soberania[65]”.
73. Se alguém em pleno campo real é protegido e cercado por generais e
capitães, mas na batalha não consegue manifestar sua fúria e seu ardor diante
dos adversários, nem colocar nenhum deles em fuga, como combaterá sozinho em
meio a tantos inimigos, como conduzirá o combate, ele que é tão ignorante a
respeito da guerra? Ora, o que é impossível nas coisas humanas é muito mais
impossível nas coisas divinas. Quem, fugindo para o deserto, conhecerá as
incursões dos demônios, os ataques secretos ou declarados das paixões? Quem lá
irá combatê-los, sem ter antes se exercitado em destruir em si as vontades
próprias no meio da assembleia dos irmãos, sob a condução de um padre
experiente nessa guerra invisível e espiritual? Se não for assim, é totalmente
impossível a tal homem combater por outros ou ensinar aos outros como vencer os
inimigos invisíveis.
74. Despoje-se da vergonha da negligência e do reproche dos
mandamentos de Deus. Rejeite o egoísmo. Afronte a carne sem dó. Procure as
ordens de Deus[66] e
os seus testemunhos. Despreze tanto a
glória como a desonra. Deteste a concupiscência e os prazeres do corpo. Fuja da
saciedade, que inflama o baixo ventre. Abrace a pobreza e a vida rude. Erga-se
contra as paixões. Volte seus sentidos para o interior da alma. Incline seu
coração para que faça a obra mais alta. Mantenha-se surdo para as coisas
humanas. Esgote toda sua força no cumprimento dos mandamentos. Chore, durma
sobre o chão duro, jejue, se esforce ao máximo, viva na hesíquia, enfim, ignore
o que no rodeia, mas conheça a si mesmo. Eleve-se acima da baixeza das coisas
visíveis. Abra para a contemplação de Deus os olhos de seu intelecto. Veja na
beleza das criaturas as delícias do Senhor[67].
Depois desça de lá, para contar aos seus irmãos as coisas da vida eterna, os
mistérios do Reino de Deus. Esta é a obra da fuga em relação aos homens, por
meio de uma ascese extrema, e o cumprimento da vida no deserto.
75. Se você quiser ver os bens que Deus preparou para aqueles que o
amam[68],
dirija-se ao deserto da renúncia à sua própria vontade e fuja do mundo. De qual
mundo? Da concupiscência dos olhos, da carne[69],
da presunção dos pensamentos, da ilusão do visível. Se você fugir deste mundo,
logo a luz se levantará sobre você, logo você verá a vida divina, e os remédios
de sua alma – as lágrimas – brotarão rapidamente[70].
Você será transformado pela mudança da direita do Altíssimo[71],
e a inundação das paixões já não se aproximará de sua tenda[72].
Passando sua vida em pleno mundo e no meio das pessoas, você estará como no deserto
e não mais verá os homens. Mas se você não fugir assim deste mundo, a simples
fuga do mundo visível não lhe trará nada que o possa levar à perfeição das
virtudes e à união com Deus.
76. Tornar-se monge não implica viver fora dos homens e do mundo, mas
sim colocar-se fora das vontades da carne e partir para o deserto das paixões.
É neste sentido que foi dito a um grande monge: “Fuja dos homens e será salvo[73]”.
E depois de sua fuga ele permaneceu no meio dos homens e vivia em lugares
habitados com seus discípulos. Em sua fuga sensível ele buscara ardentemente a
fuga inteligível, e a companhia dos homens não lhe fazia mal algum. Outro
grande monge disse a mesma coisa ao sair da assembleia: “Fujam, irmãos”. Mas quando
lhe perguntaram do que falava, ele apontou a boca[74].
77. Viver junto em comunidades é mais seguro do que a solidão. A vida
comunitária é necessária. A santa palavra de Jesus nosso Deus testemunha isto: “Onde
dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles[75]”.
Quanto ao perigo da solidão, disse Salomão: “Infeliz do homem só. Quando ele
cai não há ninguém para levantá-lo[76]”.
Davi chama de bem-aventurados os que celebram no amor e na concórdia, quando
diz: “Bem-aventurado o povo que conhece a aclamação[77]”.
Ele também louva a vida em comum: “Eis que é bom e doce para os irmãos viver
juntos[78]”.
Também os discípulos do Senhor eram uma só alma e um só coração[79].
E a descida de Deus não se fez no deserto, mas numa cidade, no meio de homens
pecadores. A concórdia da vida em comum é necessária. A solidão é precária e
perigosa.
78. “É preciso que haja escândalo, mas ai daquele por cujas mãos vier
o escândalo[80]”.
Aquele que perdeu a piedade e vive no meio da assembleia dos irmãos sem amar
nem temer a Deus é um escândalo para muitos dentre os mais simples, seja por seus
atos, sua atitude, sua conduta perversa, seja por suas palavras, sua
conversação depravada. Ele corrompe as almas, as disposições boas e virtuosas[81].
79. Quem mantém os mandamentos de Deus jamais se torna pedra de
escândalo[82]
para os homens, pois não é através dele que vem o escândalo. “Grande é a paz
daqueles que amam a lei, neles não existe escândalo[83]”.
Estes são luz, sal e vida, como disse o Senhor: “Vocês são a luz do mundo e o
sal da terra[84]”.
Eles são luz, pois suas vidas são virtuosas, suas palavras claras e sábia sua
inteligência. São sal, pois grande é seu conhecimento divino e poderosa neles é
a sabedoria de Deus. São vida, pois através de suas palavras eles reanimam os
que estavam mortos nas paixões e os levantam do inferno do desespero. Pela luz
das obras de sua justiça, aqueles que guardam os mandamentos brilham diante dos
homens e os iluminam. Pela doçura e a precisão de suas palavras, eles os afirmam
longe da vaidade e os afastam da podridão das paixões. Tudo o que dizem é tão
vivo que eles trazem para a vida as almas mortas sob o pecado.
80. A paixão da vanglória é um tridente – a vanglória, a presunção e o
orgulho – passada ao fogo e forjada pelos demônios. Mas os que permanecem sob a
proteção do Deus do céu a reconhecem com facilidade e quebram suas pontas. Eles
voam acima dela com sua humildade, e repousam sobre a Árvore da vida.
81. Quando este demônio impuro e hábil se atirar sobre você logo que
você começar a progredir na virtude, quando ele predisser a altura dos tronos,
quando, através de suas insinuações, ele refrescar sua memória e gabar suas
obras acima das obras de outros, quando ele o fizer ouvir que você é capaz de
conduzir as almas, detenha-o em espírito e não o deixe fugir, se você recebeu
do alto o poder de fazê-lo. Conduza-o consigo em imaginação até o pecado que
você cometeu outrora, coloque-o a nu diante de si e diga-lhe: “Aqueles que
fizeram tais coisas são dignos de se elevar à altura dos primeiros lugares? Parecem-lhe
capazes de conduzir as almas e leva-las a salvo até Cristo? Diga o que tem a
dizer. Eu me calo”. E o demônio não poderá responder-lhe, e se esvairá de
vergonha como fumaça. Ele já não terá
força para perturbá-lo. E mesmo que você jamais tenha feito ou dito coisa que
descaracterize sua vida sobrenatural, compare-se com os mandamentos e os
sofrimentos do Senhor. Você descobrirá que está tão distante da perfeição
quanto uma bacia d’água está do mar. Pois a justiça dos homens está tão longe
da justiça de Deus quanto está do céu a grandeza da terra, ou o mosquito do
leão.
82. Naquele que já foi ferido em profundidade pelo amor de Deus, as
forças do corpo estão aquém do desejo. Pois seu desejo não se satisfaz com as
penas e os suores da ascese. Ele é como quem tem muita sede: o fogo do desejo é
insaciável. Dia e noite ele tem sede de penar, mas quanto às forças do corpo
ele é vencido. É assim, penso eu, que os mártires de Cristo, investido desta paixão
sobrenatural, não sentiam os tormentos nem tinham preguiça de a tudo enfrentar.
Eles dominavam a si próprios sob o amor abrasador que sentiam por Deus, e se
consideravam sempre aquém do desejo ardente que sentiam por sofrer.
83.Quem, de um modo ou de outro, se compara aos irmãos que praticam a
ascese e que com ele vivem, se ilude sem sabê-lo[85].
Ele caminha por um caminho que não é de Deus. Pois ou bem este homem não
conhece a si mesmo, ou se desviou do caminho que conduz aos céus, esta via que
é seguida por aqueles que, recusando o orgulho, buscam de todo coração, e por
meio da qual, superando as armadilhas do inimigo, conquistam o espaço
inteligível sobre as asas da impassibilidade, e, vestidos de modéstia, passam
sua vida numa primavera nos lugares luminosos.
84. Quem possui um coração inflado e enganado pela presunção não
obterá jamais a graça da humildade à luz da compunção, que concede aos corações
quebrantados a luz do conhecimento de Deus, conforme está escrito: “Na sua luz
vemos a luz[86]”.
Mas a noite das paixões o encobrirá, ali onde rondam os animais da floresta[87]
da natureza humana, onde os leõezinhos, os filhos da presunção – falo do
demônio da vanglória e da prostituição – procuram rugindo ao quê devorar e
engolir em seu ventre de desespero.
85. Quando alguém vive segundo os homens, quando é levado pelo
espírito da presunção, sua conduta e sua vida presente se tornam um oceano de
males, submergindo sob as ondas salgadas dos prazeres a reflexão de sua alma, e
batendo com as vagas selvagens das paixões, desencadeadas pelos espíritos de
malícia, suas três potências. Seu navio e o leme da alma são destruídos pelos
prazeres da carne, e o intelecto que os conduz desaparece no abismo do pecado e
da morte espiritual. A dura ansiedade de um imenso desencorajamento se estende
sobre ele, até que este oceano de males acalme suas ondas e se torne nele um
abismo de humildade, uma calmaria, e que a maré salgada dos prazeres transforme
suas águas em chuvas de lágrimas e o conduza ao prazer da compunção luminosa.
86. Aquele que se sujeitou até a saciedade aos prazeres e às obras do
corpo, que se atire agora até a saciedade às penas da ascese e aos supres da
vida dura. Esta saciedade reverterá em você a outra saciedade, a dor reverterá
o prazer, as fadigas do corpo reverterão o conforto. Você encontrará o repouso
na saciedade da alegria e do regozijo. Assim você desfrutará do bom odor da
castidade e da pureza, provará do inefável prazer dos frutos imortais do
Espírito. Pois devemos lavar na medida de sua sujeira as vestes que queremos
purificar, quando a sujeira se torna tão espessa que elas se ficam
inutilizadas.
87. As enfermidades são úteis àqueles que dão seus primeiros passos na
vida virtuosa. Elas os ajudam a esgotar e humilhar a carne ardente. Elas
diminuem o vigor da carne e depuram o sentido terrestre da alma. Eles tornam
sua energia mais intensa e mais forte, segundo as palavras do Apóstolo divino: “Quando
eu sou fraco, é aí que sou forte[88]”.
Mas na mesma medida em que são úteis aos noviços, elas são nocivas aos que já
avançaram nas penas e nas virtude, aos que já superaram os sentidos e se elevaram
até as contemplações celestes. De fato, elas os impedem de se dedicar às coisas
de Deus, elas dobram sob as dores e as aflições as reflexões de sua alma, elas
a perturbam sob nuvens de desencorajamento, elas esgotam a compunção sob a
aridez das penas. Paulo sabia disto, tanto a lei do discernimento o tornara
atento a si mesmo, e dizia: “Eu tratei duramente meu corpo e o sujeitei, por
medo de que, depois de haver pregado aos outros, eu mesmo seja rejeitado[89]”.
88. A maior parte cai doente devido a uma alimentação irregular e
desigual, ou então pelo jejum extremo e as penas das virtudes que tentam sem
medida nem discernimento aqueles que buscam a Deus. Às vezes o inimigo natural –
a gula e a saciedade – os arrastam. Assim, a temperança é necessária aos que se
engajam no caminho da virtude, tanto quanto aos que já ultrapassaram o meio da
ascese e levam os combates até os mais altos graus da contemplação. Pois a
temperança é a mãe da saúde, a amiga da castidade, a boa esposa da humildade.
89. Saiba que a impassibilidade é dupla e que ela vem sobretudo de
duas maneiras para os que buscam a Deus. A primeira impassibilidade lhes é
concedida quando neles se completa a filosofia ativa. Num combate regular[90],
esta progride por meio de numerosos caminhos de penas. Ela começa por destruir
as paixões e deter os impulsos da carne. Ela dá às potências da alma seu
movimento natural. Ela restabelece o intelecto no estudo consciente das coisas
divinas. É então, a partir das primícias da contemplação natural, que a segunda
impassibilidade, mais perfeita, se segue com naturalidade. Elevada da hesíquia
intelectual dos pensamentos ao estado apaziguado do intelecto, ela a transporta
ao mais alto discernimento, à mais alta vidência profética: ao mais alto
discernimento das coisas divinas, nas visões do melhor, nas revelações dos
mistérios de Deus; à mais alta vidência profética, nas coisas humanas que vêm
de longe e que devem acontecer. Em tudo, um só e mesmo Espírito age[91],
dominando e retendo na primeira impassibilidade, mas libertando na segunda a
liberdade da vida eterna, como disse Paulo[92].
90. Quem se aproxima das fronteiras da impassibilidade, que possui uma
visão correta de Deus e da natureza dos seres, que, da beleza das criaturas se
eleva na medida de sua pureza até o Criador, este recebe as efusões luminosas
do Espírito. Ele possui uma boa opinião a respeito de todos, ele pensa sempre
no bem de todos, em todos ele vê a santidade e a pureza, e seu juízo é sempre
correto a respeito das coisas, tanto divinas como humanas. Ele não deseja nada
do que buscam os homens na matéria do mundo. Com o intelecto despojado da
sensação do mundo inteiro, ele se eleva para os céus e para Deus, puro de toda
mancha, livre de toda servidão. Ele está inteiramente votado para os bens
espirituais de Deus no único Espírito, ele contempla a beleza divina, ama
permanecer nos lugares divinos da glória bem-aventurada de Deus, no silêncio e
na alegria inefáveis. Com todos os sentidos transfigurados, como um anjo num
corpo de terra, ele conduz os homens a uma vida desembaraçada da matéria.
91. A razão sabe que a ascese possui também cinco sentidos: a vigília,
o estudo, a prece, a temperança e a hesíquia. Quem os une a seus próprios sentidos – unindo a vista à
vigília, o ouvido ao estudo, o olfato à prece, o paladar à temperança e o tato
à hesíquia – purifica rapidamente a inteligência de sua alma, e refinando-a por
meio deles, alcança a impassibilidade e o discernimento.
92. O intelecto impassível é aquele que dominou suas paixões e que
está acima da tristeza e da alegria. Ele não é mais ensombrecido pelas
tristezas advindas das infelicidades, nem relaxa quando o coração está feliz.
Ele conduz a alma a se regozijar nas aflições e a ser temperante no regozijo,
jamais ultrapassando as medidas.
93. Grande é o furor dos demônios contra os que progridem na contemplação.
Noite e dia eles lhe deitam armadilhas. Por meio daqueles que os cercam, eles lhes
suscitam duras tentações. Eles os cobrem de ruídos para assustá-los e os atacam
durante o sono, por que invejam seu repouso. Eles os afligem de todas as
maneiras, embora sejam incapazes de prejudicar aqueles que se consagraram a
Deus. Se o Anjo do Senhor que domina o universo não estivesse lá para guarda-los,
eles não escapariam aos seus embustes e às armadilhas da morte.
94. Quando você combate para possuir em si a filosofia ativa da
virtude, tome muito cuidado com os embustes fatais dos demônios. Quanto mais você
se elevar nas altas virtudes, mais crescerá em você durante a oração a luz
divina, mais você descobrirá as revelações e as visões inefáveis que o Espírito
concede, e mais os demônios, vendo-o subir aos céus, rilharão os dentes e se
apressarão a estucar no espaço inteligível as redes retorcidas de sua malícia.
Não apenas soprarão sobre você os demônios selvagens do desejo e do ardor que
amam a carne, mas também, em sua inveja amarga, se levantarão contra você os
demônios da blasfêmia. Depois, manifestos ou ocultos, os demônios que, em seu
voo, circulam pelo espaço, as potestades e os poderes, se dirigirão à sua
imaginação despojada, assumindo formas estranhas, terríveis, para confundi-lo
tanto quanto puderem, Mas, aplicado à obra intelectual da prece sob o olhar
vigilante do intelecto, e, exercitando-se nos pensamentos da contemplação
natural das criaturas de Deus, você não temerá suas flechas que voam de dia. Pois
eles não poderão se aproximar de sua tenda[93],
expulsos como as trevas pela luz que existe em você, e consumidos pelo fogo
divino.
95. A graça do Espírito divino amedronta os espírito de malícia,
sobretudo quando nos é dada em abundância ou quando somos purificados pela
meditação e a prece pura. Não ousando se aproximar da moradia dos que são assim
iluminados, os espíritos de malícia tentam assustá-los e perturbá-los com
imaginações, ruídos terrificantes, vozes confusas, para roubá-los à obra da
vigília e da prece. E quando os monges dormem sobre o chão duro, eles não
poupam nenhum artifício. Invejando o monge que repousa de suas penas, eles lhe
deitam armadilhas, o agitam, roubam o sono de suas pálpebras. Por meio de tais
manobras eles tornam sua vida mais difícil e cheia de dor.
96. Os espíritos das trevas se encarnam, ao que parece, de maneira
muito sutil, como a experiência permite à razão supor. Ou bem eles criam esta
ilusão quando a sensação dissimula, ou foram condenados a isto por causa da
queda original. Eles assaltam a alma que combate, quando o corpo que lhe está
sujeito se volta para o sono. Disto, penso eu, a alma possui alguma experiência,
caso tenha dominado a baixeza do corpo. Seu ardor e sua coragem se revelam pela
maneira como ela se opõe àqueles que, em sua cólera e grande furor, a ameaçam
com coisas terríveis. A alma, ferida pelo amor de Deus, e armada com as
virtudes fundamentais, não apenas opõe a eles uma justa cólera, como ainda os
fustiga, se é que neles existe, ao que parece, alguma sensação, a partir do
momento em que tornaram inexoravelmente terrestres, decaídos da luz primeira, a
luz divina.
97. Antes de agredir e vencer, os demônios perturbam os sentidos da
alma e roubam o sono das pálpebras. Mas a alma a quem o Espírito Santo encheu
de resolução e coragem considera como nada seus ataques e sua fúria amarga, e,
apenas com o sinal da cruz vivificante e a invocação de Jesus Deus, dissipa seus
fantasmas e os coloca em fuga.
98. Se você deixar a filosofia ativa para recolher os despojos dos
espíritos contrários, olhe ao redor de si e vigie para trazer consigo as armas
do Espírito. Pois você conhece aqueles cujas armas se dispõe a buscar. Trata-se
de inimigos, mas inteligíveis e incorpóreos, enquanto você permanece sempre num
corpo para combater por Deus, pelo Rei dos espíritos. Saiba que são eles que o
atacarão primeiro e mais fortemente, e serão numerosos a lhe deitar suas armadilhas.
Se você se descuidar ao buscar seus despojos eles se servirão deles para
prendê-lo e encherão sua alma de amargura. Ou então o submeterão a vícios e
tentações dolorosas que representarão o espinho e o mal em sua carne[94].
99. Uma boa fonte não pode jorrar águas turvas e nauseabundas exalando
a matéria do mundo. E um coração fora do Reino dos céus não poderá jamais fazer
brotar de si as ondas da vida divina exalando o bom odor da mirra inteligível.
Como foi dito, pode uma fonte fazer jorrar da mesma abertura o doce e o amargo?
Uma moita de espinhos pode dar azeitonas, e uma oliveira pode dar figos[95]?
Assim é que a mesma fonte do coração não pode produzir ao mesmo tempo um mau
pensamento e um bom pensamento. Mas o homem bom extrai do bom tesouro de seu
coração aquilo que é bom. O homem falso extrai do mau tesouro de seu coração o
que é mau[96],
disse o Senhor.
100. Assim como sem azeite nem fogo a lâmpada não se acende nem
ilumina os que estão na casa[97],
sem o Espírito e o fogo divino é impossível à alma exprimir claramente as coisas
de Deus e iluminar os homens. Pois todo dom perfeito vem do alto, do Pai das
luzes, derramando-se sobre toda alma que ama a Deus. Nele, diz a Escritura, não
existe nenhuma mudança, nenhuma sombra de variação[98].
[1] As
virtudes teologais: fé, esperança e caridade.
[2] Mateus 25: 27.
[3] Salmo 39 (40): 10-11.
[4]
Cf. Eclesiastes 4: 12.
[5]
Cf. Salmo 83 (84): 6.
[6]
Cf. II Coríntios 10: 5.
[7]
Cf. Mateus 3: 20.
[8] Romanos 8: 2.
[9]
Cf. João 5: 44.
[10]
Cf. Romanos 6: 13; II Coríntios 6: 7.
[11]
Cf. Gênesis 2: 7.
[12]
Cf. II Coríntios 10: 5.
[13]
Cf. Gênesis 1: 26.
[14]
Cf. I Coríntios 6: 17.
[15]
Cf. II Coríntios 5: 4.
[16]
Cf. Salmo 131 (132): 4.
[17]
Cf. Salmo 103 (104): 18.
[18]
Cf. Máximo o Confessor, Centúria sobre o
Amor, II, 8.
[19] João 12: 25.
[20]
Cf. Mateus 11: 30.
[21]
Cf. Salmo 125 (126): 5.
[22]
Cf. Salmos 26 (27): 3; 141 (142): 6.
[23]
Cf. I Coríntios 2: 9.
[24]
Cf. Mateus 25: 41.
[25]
Cf. Salmo 76 )77): 11.
[26] Provérbios 15: 13.
[27]
Cf. Efésios 5: 12.
[28]
Cf. Provérbios 16: 5.
[29]
Cf. Gênesis 6: 3.
[30]
Cf. Provérbios 16: 5.
[31]
Cf. I Coríntios 12: 8.
[32] Efésios 6: 17.
[33]
Cf. I João 2: 16.
[34]
Cf. Tiago 3: 6.
[35]
Cf. Tiago 4: 4.
[36]
Cf. Gálatas 6: 14.
[37]
Cf. Efésios 2: 15-16.
[38] Gálatas 6: 14.
[39]
Cf. Gênesis 1: 31.
[40]
Cf. Mateus 7: 1.
[41]
Cf. Romanos 12: 3.
[42]
Cf. I Coríntios 4: 6.
[43]
Cf. Salmo 50 (51): 19.
[44]
Cf. Salmo 142 (143): 5.
[45]
Cf. Isaías 66: 2.
[46]
Cf. Romanos 12: 3.
[47]
Cf. Mateus 11: 29.
[48]
Cf. Salmo 18 (19): 10.
[49]
Cf. Mateus 24: 22.
[50] Provérbios 26: 12.
[51]
Cf. Tiago 3: 15.
[52] Eclesiastes 9: 4.
[53] Eclesiastes 4: 13.
[54] Lucas 4: 8.
[55]
Cf. II Coríntios 7: 10.
[56]
Cf. Mateus 5: 6.
[57] Salmo 79 (80): 6.
[58]
Cf. Salmo 76 (77): 11.
[59]
II Coríntios 11: 31-32.
[60]
Cf. Mateus 13: 11.
[61]
Cf. Judas, 8.
[62]
Cf. Deuteronômio 32: 2.
[63] Salmo 65 (66): 12.
[64]
Cf. Lucas 17: 21.
[65] Salmo 102 (103): 22.
[66]
Cf. Salmo 118 (119): 56.
[67]
Cf. Salmo 26 (27): 4.
[68]
Cf. I Coríntios 2: 9.
[69] Cf.
I João 2: 16.
[70] Cf.
Isaías 58: 8.
[71] Cf.
Salmo 76 (77): 11.
[72] Cf.
Salmo 90 (91): 10.
[73] Sentenças dos Padres do deserto. Arsênio
1.
[74] Idem, Macário 16.
[75] Mateus 18: 20.
[76] Eclesiastes 4: 10.
[77] Salmo 88 (89): 16.
[78] Salmo 132 (133): 1.
[79] Cf.
Atos 4: 32.
[80] Mateus 18: 7.
[81]
Cf. I Coríntios 15: 13.
[82]
Cf. I Romanos 9: 33.
[83] Salmo 118 (119): 165.
[84] Mateus 5: 13-14.
[85] Cf.
Gálatas 6: 3.
[86] Salmo 35 (36): 10.
[87] Cf.
Salmo 103 (104): 20.
[88] II
Coríntios 12: 10.
[89] I
Coríntios 9: 27.
[90]
Cf. II Timóteo 2: 5.
[91]
Cf. I Coríntios 12: 11.
[92] Cf.
Romanos 8: 21.
[93] Cf. Salmo 90 (91): 5.
[94]
Cf. II Coríntios 12: 7.
[95] Cf.
Tiago 3: 11-12.
[96] Lucas 6: 45.
[97]
Cf. Mateus 5: 15.
[98]
Cf. Tiago 1: 17.
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