Capítulo VI
A obra do Espírito Santo
1.
Economia do Filho e economia do Espírito Santo
A obra de Cristo deve ser situada na economia geral do Verbo. Ela
representa, em relação à criação operada pelo Verbo, uma verdadeira recriação.
Mais exatamente, como o Verbo encarnado já não age ex nihilo, mas a partir da carne da história humana, devemos aqui
repetir o que dizia Santo Irineu: trata-se de uma “recapitulação”: Cristo
retoma sobre si a humanidade perdida, torna-se seu chefe, e, como tal, a recria
restaurando a natureza humana. Enfim, ele introduz no próprio seio da Trindade
essa natureza deificada, ao mesmo tempo primícias e germe da transfiguração do
cosmo.
Este, podemos dizer, passa a existir daí em diante segundo dois modos:
um, relativamente ilusório – conforme esse paradoxo da “existência da
não-existência” de que fala São Gregório de Nissa a respeito do mal[1]
– e outro, que é o único verdadeiramente real. Enquanto corpo do Primeiro Adão,
ele permanece submetido à vaidade, vale dizer, à separação e à morte. Mas
enquanto corpo do Segundo Adão, suas primícias repousam à direita do Pai, no
esplendor da divindade. Em Adão, nós somos consubstanciais ao pecado, entregues
à angústia “noturna” da existência meônica; em Cristo, somos consubstanciais a
Deus, participamos da obra da nova criação, na qual nada mais nos separa de
Deus.
O papel do Espírito Santo é justamente o de reduzir essa dualidade,
que dá à vida do cristão um caráter doloroso e às vezes dramático, com nossa
livre colaboração, pois se trata de uma “sinergia”, que deve permitir a cada um
tomar consciência de seu pertencimento ao Corpo deificado do Verbi, a fim de
que o real absorva o ilusório, e o Segundo Adão absorva o Primeiro. O tempo da
Igreja é feito dessa kenosis do
Espírito Santo em relação com a liberdade humana, dessa paciência do Criador
que ainda dispensa à humanidade a manifestação de seu amor, para que o fogo
desse amor, quando irradiar sem medida, restaure, ao invés de consumir, o maior
número de himens possível. O tempo da Igreja é, portanto, o tempo da paciência
do Espírito e da tomada de consciência do homem. Pois a história em Cristo está
terminada.
Não apenas Cristo recapitulou toda a história humana desde a queda,
como ele a realizou plenamente. A Ressurreição preenche nossa espera. A
natureza antropocósmica está deificada. A Parúsia está cumprida, pois esse
termos, não o esqueçamos, não significa só espera, mas presença.
A Igreja é ao mesmo tempo o Corpo de Cristo e o Templo do Espírito
Santo, a presença da eternidade e o tempo como tomada ou recusa de consciência
de parte dos homens. A história da Igreja, coração e sentido da história
humana, e assim eminentemente escatológica. Na Páscoa, participamos de um
evento que se produziu de uma vez por todas, mas também da restauração final
que a mesma vitória sobre a morte operará. Ora, cada domingo, cada dia, cada
instante podem comunicar ao cristão a consciência da ressurreição, a da Páscoa
e a do cosmo, que são indissociáveis.
Assim, na Igreja, o tempo e a eternidade se unem misteriosamente num
tempo deificado. É por isso que é tão difícil escrever uma verdadeira história
da Igreja (portanto, uma verdadeira história da humanidade), pois o historiador
deveria mostrar ao mesmo tempo os aspectos temporais e eternos dos
acontecimentos. O mais comum é que ele sobrecarregue com os restolhos mortos do
tempo, e negligencie a única realidade que não passa, ou seja, a santidade.
Ademais, a santidade aparente é rara e a santidade oculta escapa à
investigação. Ora, talvez toda a história do mundo tenha dependido da prece de
um santo desconhecido. E quando o historiador é descrente, ou seja, cego para a
santidade, o tempo deificado, e portanto a realidade profunda da Igreja, lhe
escapa totalmente.
A Antiguidade pré-Cristã, como ainda hoje a Índia e alguns povos
primitivos, apresentam uma concepção cíclica do tempo, como que uma repetição
perpétua: o tempo se renovaria regularmente pela representação litúrgica de um
estado paradisíaco original; e, no contexto desses conhecimentos, esse retorno
indefinido se torna o signo de uma condição ilusória e morna – “nada de novo
sob o sol”, como dirá o Eclesiastes – da qual é preciso se libertar justamente
pela reintegração a uma plenitude original. Ao contrário, nos profetas
bíblicos, afirma-se a concepção linear do tempo que tende para o futuro; aqui,
o presente não tem sentido senão em relação a um evento futuro que dará ao
tempo sua realização e seu valor.
O tempo cristão ultrapassa e integra essas duas concepções da
temporalidade. A nostalgia paradisíaca dos antigos é preenchida pela
recapitulação cristológica que reabre ao homem o paraíso, ao qual os Padres
assimilam a Igreja. Mas existe mais do que o Paraíso em Cristo (e, portanto, em
sua Igreja): ali está desde logo a deificação da natureza antropocósmica. E no
cristianismo a repetição litúrgica não constitui um impotente retorno às
origens, mas o ritmo desse tempo deificado, por meio do qual o Espírito ao
mesmo tempo vela e revela ao homem, para permitir a este uma livre assimilação,
a plenitude teândrica da Igreja. Da mesma forma, o tempo dos profetas se
reencontra na espera da Parúsia, mas essa espera já não é a tensão de um
presente vazio em direção a um futuro, mas o lento amadurecimento de um
presente por demais pesado. O tempo já não é a fé que ousa se tornar esperança,
mas a esperança que ousa se tornar consciente do amor. Depois da cruz e da
ressurreição, nada mais pode nos separar do amor de Cristo, nem os demônios,
nem os anjos: “Sim, estou certo de que nem morte nem vida, nem anjos nem
principados, nem presente nem futuro, nem poder nem altura, nem profundidade,
nem seja lá o que for de criado poderá nos arrancar do amor que Deus nos
demonstra em Cristo Jesus nosso Senhor[2]”.
o sangue de Cristo lava continuamente nossos pecados: seu sacrifício libertador
não é um evento passado, mas uma realidade eternamente atual. Nossa natureza
recapitulada pelo Filho, acolhida em sua hipóstase, recebe agora a filiação
divina. Consubstancial ao Pai pelo fogo da divindade, consubstancial a nós pelo
sangue da humanidade, o Filho único faz de nós seus irmãos e nos concede o
“Espírito de adoção”: “Vocês receberam o Espírito de adoção que nos faz clamar:
Abba, Pai! O próprio Espírito se junta ao nosso espírito para atestar que somos
filhos de Deus. Filhos, portanto, herdeiros; herdeiros de Deus e coerdeiros de
Cristo, porque sofremos com ele para sermos também glorificados com ele[3]”.
Essa herança, a divindade que não possuímos por natureza, é nossa desde a
Encarnação: nós devemos nos tornar conscientes dessa riqueza deixando o
Espírito se unir ao nosso espírito, permitindo que a graça deificante nos
confira a filiação.
Assim é que nossa santificação, que é obra do Espírito, é inseparável
da obra redentora de Cristo. Simultânea e separadamente, o Filho e o Espírito
foram enviados à terra. Já entre os profetas do Antigo Testamento, a obra do
Messias – liberar Israel de seu cativeiro – aparecia inseparável da profusão do
Espírito, de uma milagrosa extensão da profecia a todo o povo. Joel descreveu
em termos escatológicos a libertação messiânica de Israel, simultaneamente à
efusão prodigiosa do Espírito: “Eu derramarei meu Espírito sobre toda carne, e
seus filhos e filhas profetizarão, seus anciãos terão sonhos e os jovens terão
visões; mesmo sobre os servos e servas nesses dias eu derramarei meu Espírito[4]”.
A chegada do Messias, a efusão do Espírito e o final dos tempos se
tornaram entre os últimos profetas realidades complementares.
Ora, aquele no qual se cumprem os tempos disse: “Eu vim lançar fogo
sobre aterra, e como eu queria que já estivesse aceso![5]”.
E: “Aquele que crê em mim, de seu seio jorrarão rios de água viva[6]”.
E João comenta: “Ele dizia isso do Espírito que deveriam receber aqueles que
cressem nele[7]”.
De fato, no corpo da Igreja – ou seja, na humanidade resumida por Cristo – os
membros se tornam capazes de receber a graça, essa graça perdida no momento do
primeiro pecado. Esse retorno à graça, ainda mais glorioso que o estado
paradisíaco por implicar nossa incorporação ao Filho, realiza a “promessa do
Pai”: “Ele lhes prescreveu que não se afastassem de Jerusalém, mas que
aguardassem ali a promessa do Pai [...] pois [...] em poucos dias, vocês serão
batizados no Espírito Santo[8]”.
Jesus havia anunciado assim o Espírito: “É o Consolador, o Espírito Santo que
meu Pai enviará em meu Nome, que lhes ensinará todas as coisas e lhes lembrará
tudo o que eu lhes disse[9]”.
E ainda: “Quando vier o Consolador que eu lhes enviarei desde junto de meu Pai,
ele lhes dará testemunho de mim[10]”.
Assim é que o Espírito que procede do Pai é enviado pela mediação do Filho. É
por Cristo, e em seu Nome, que ele nos foi concedido. Num mesmo movimento, o
Espírito se dá e é dado pelo Pai e pelo Filho, ao mesmo tempo em que procede
exclusivamente do Pai pela diversidade absoluta da Trindade. Com efeito, uma
espécie de reciprocidade une no plano da economia o Filho e o Espírito: é pelo
Espírito que o Filho se encarna, e o Espírito não cessa de acompanhá-Lo durante
sua vida terrestre: é Ele que o leva ao deserto onde Ele encontrará o tentador,
e é por Ele que Cristo expulsa os demônios. Mas, enquanto que o Filho se encarna,
a natureza do Espírito permanece não aparente: e ao contrário, ele se manifesta
no Pentecostes, quando Cristo, tendo encerrado sua missão, envia as línguas de
fogo sobre a Igreja.
Assim, para recordarmos dois adágios patrísticos, não apenas “Deus se
fez homem para que o homem se torne deus[11]”,
como ainda “Deus se tornou portador da carne (“sarcóforo”) para que o homem se
tornasse portador do Espírito (“pneumatóforo”)[12]”.
2.
A descida do Espírito Santo e a graça do
Pentecostes
A “promessa do Pai” é o Espírito Santo. “Vocês serão batizados pelo
Espírito, diz Cristo aos Apóstolos, pois João Batista batizava na água, mas eu
batizo no Espírito Santo[13]”.
Entre a Ressurreição e a Ascensão, o próprio Cristo modelou sua Igreja
sobre a terra e, durante os dez dias misteriosos que se passaram a seguir, o
chefe da Igreja terminou no céu o sacrifício que cumprira sobre a terra. Mas
somente a descida do Espírito no Pentecostes constituiu plenamente a Igreja.
O momento pneumatológico é, de fato, tão importante quanto o momento
cristológico. A vinda do Espírito não é apenas o acabamento da Encarnação. Esta
restaurou a natureza humana, o corpo do “homem único” que a Igreja irá
constituir daí por diante. Mas a força de vida que preenche esse corpo
deificado não pode se impor automaticamente à liberdade humana; esta deve se
abrir para a vida divina por meio de uma evidência interior, por uma convicção
íntima. Cristo renovou o homem único; mas é preciso que cada hipóstase desse
corpo possa assumir livremente essa renovação. Pois a Igreja não é apenas o
Corpo de Cristo, ela é também sua esposa, consubstancial embora outra. E esse
mistério da Igreja, que veneramos eminentemente na Santa Virgem, primeira
pessoa humana integralmente santificada, é também o mistério de cada cristão, na
medida em que a vida cristã consiste em personalizar, a “enipostasiar”
livremente, poderíamos dizer, a natureza renovada da Igreja. Cada membro do
Corpo de Cristo deve receber o “fogo da transformação”, para usarmos as
palavras de Diádoco de Foticéia[14],
ou seja, a graça incriada como princípio da deificação pessoal. Esse mistério
pessoal e nupcial da Igreja, não em seu corpo cristificado, mas em seu rosto, vale
dizer, no rosto único de cada cristão: este é o significado do Pentecostes. É
esse significado pneumático do Pentecostes que o catolicismo romano esqueceu em
grande parte. Ele vê na descida do Espírito Santo sobretudo o milagre das
línguas, símbolo da expansão missionária do Corpo de Cristo. Mas o sentido
integral do Pentecostes é a restituição na pessoa humana da graça que Adão não
conseguiu conservar. O próprio Espírito vem habitar no homem, e a Crisma
completa o Batismo, como a obra do Espírito completa necessariamente a de
Cristo.
Quando falamos da Igreja, estamos evocando, não a unidade abstrata de
uma coletividade, mas a unidade viva de um corpo. O membro de uma coletividade
é um indivíduo, mas um corpo se exprime num rosto: aqui na diversidade absoluta
dos rostos, na plenitude de cada destino pessoal. A pessoa não pode, portanto,
ser apenas membro do corpo de Cristo, coisa que arriscaria abolir sua
unicidade; ela deve ser também sua livre hipóstase, ela deve, pela unção do
Espírito, tornar a si mesma um “cristo”, unir também ela as duas naturezas – ou
antes, a natureza humana com a energia da natureza divina – mas dessa vez na
unidade de uma pessoa criada. Na Igreja, assim como na Trindade, a natureza una
não pode se manifestar senão na diversidade das pessoas, pois a Igreja, como
não cessam de repetir os Padres, é uma imagem da Trindade, uma revelação da
vida divina. Essa vida é uma vida de amor, e a Igreja não conhece, ao contrário
das sociedades humanas, oposição entre individual e coletivo.
A pessoa se realiza pelo dom: ela não possui uma fração da natureza,
mas, entregando tudo o que ela tem aos outros e recebendo dos outros tudo o que
eles têm, ela finalmente é a totalidade da natureza. O homem renuncia a
tudo e recebe tudo. A unidade do “homem único” não é uma fusão, mas a livre
comunhão das pessoas. Eu descubro que existe um único homem, um só corpo, não
me deixando absorver pelo outro, nem tentando absorvê-lo, tampouco começando
por abolir a ambos numa essência transindividual, mas na graça do abandono e do
acolhimento, na transparência dos únicos. E, como essa comunhão não existe
senão por e para aquele que se assimila a Deus, a unidade da Igreja não possui
outro fim do que a deificação de cada um. Por conseguinte, dentro de uma
perspectiva ortodoxa, ninguém deve servir de instrumento à Igreja. Nenhum
benefício para a Igreja pode ser adquirido em detrimento de uma alma; a
comunhão se manifesta externamente, se objetiva, a partir do instante em que
ela se serve de alguém, que ela se impõe a alguém, que ela não consegue ser
unânime pela livre convicção de cada um.
A unidade se realiza, portanto, no Corpo de Cristo, a unicidade na
graça do Espírito Santo. A Igreja, enquanto Corpo de Cristo, constitui uma
única natureza humana “enipostatizada” por uma pessoa divina. A Igreja,
enquanto esposa de Cristo, é uma diversidade absoluta de pessoas humanas
enipostatizando a graça do Espírito. Nisso consiste a harmonia de uma unidade
diversa: eu recebo pessoalmente o dom do Espírito, mas devo vivê-lo por todos,
transfigurar por meio dele a natureza antropocósmica; e o Espírito Santo não
pode ser comunicado a mim a menos que eu seja membro do Corpo. Inversamente, a
unidade da natureza antropocósmica em Cristo não pode se completar senão pela
descida do Espírito Santo sobre cada pessoa: pelo Espírito, cada pessoa recebe
a verdade, não de fora, mas como uma convicção interior. A vida espiritual,
para a Ortodoxia, não é a do espírito humano, mas a vida do Espírito em nós e a
nossa vida no Espírito Santo. Ora, o Espírito Santo não pode fazer outra coisa
do que tornar evidente para nós a divindade de Cristo e, nos “afiliando” ao Pai
por intermédio do Filho, nos fazer clamar: “Abba, Pai”. A unidade da Igreja se
reporta à da Trindade.
É por isso que, no Pentecostes, não existe uma só chama, mas muitas,
uma para cada pessoa. A multiplicidade maligna é abolida na unidade de Cristo,
e esta se derrama numa diversidade comunicante, na irradiação, cada vez única,
dos “pneumatóforos”: “E eles viram aparecer línguas separadas, semelhantes ao
fogo, que se colocaram sobre cada um deles[15]”.
Deus não conhece coletividade sem rosto. No Reino, escreve São Simeão, Cristo é
tudo em cada um, o acolhe, fala com ele e ao mesmo tempo olha e recebe milhares
de eleitos[16].
O objetivo da vida cristã, dizia São serafim de Sarov, é a aquisição
do Espírito Santo[17].
Adquirir o Espírito consiste em se abrir para a energia divina que ele nos
comunica. A graça não é um habitus a
preservar, um estado produzido na alma por uma causa exterior à pessoa: é a
vida divina que brota do mais íntimo de nós mesmos. O Espírito Santo está
sempre presente em nós, mas nós podemos nos desviar de sua irradiação: “Pois
jamais Te furtaste a ninguém, lhe diz São Simeão o Novo Teólogo, mas somos nós
que nos escondemos de Ti, tentando não caminhar contigo[18]”.
Devemos assim procurar pela graça sempre presente, pois está escrito:
“Procurem, e acharão[19]”.
Com o Espírito, é toda a Trindade que faz sua morada em nós, pois o
Pai e o Filho são inseparáveis da divindade do Espírito Santo. “Nós recebemos o
fogo da divindade, que não somos capazes de suportar, diz o Novo Teólogo, o fogo
do qual o Senhor disse: ‘Eu vim lançar fogo sobre a terra[20]’.
Que outro fogo, senão o do Espírito, consubstancial ao Filho por sua divindade,
do Espírito Santo junto com o qual o Pai e o Filho penetram em nós e podem ser
contemplados?[21]”.
Mas é o Espírito que nos comunica a divindade, é por ele que brilha a energia
divina: por Ele recebemos a força, a vida, a alegria – pois a raça não é outra
coisa do que a alegria –, a emanação perpétua e luminosa da natureza divina.
É preciso, assim, distinguir em ter o doador, o Espírito, e o dom, que
é a graça. A força incriada da divindade procede do Pai pelo Filho e nos é dada
pelo Espírito. Este é verdadeiramente pura generosidade, pessoa secreta que se
oculta no próprio gesto do dom, porque não o podemos identificar nem na origem,
nem no uso daquilo que ele dá. Pois ele dá a vida comum às três pessoas que se
originam no Pai, e o faz de tal maneira que nos permite apropriarmo-nos dela
inteiramente. O doador permanece invisível para nós, imperceptível: essa é a kenosis do Espírito. Se o doador fosse
indelicado e se colocasse em evidência, o homem não se sentiria possuidor de
sua graça, e a vontade de Deus permaneceria externa a ele. A exinanição do
Espírito Santo faz brotar a graça no mais íntimo de nosso ser, no modo mais
livre de nossa liberdade: tal como um raio que se lança do sol para se tornar
nossa própria luz, ao mesmo tempo em que continua a iluminar o universo. Por
meio desse mistério, da apropriação da graça, o oceano da divindade se torna
verdadeiramente presente em nós. Recebemos então como “herança de filhos” tudo
o que Deus possui por natureza. Sabemos que essa natureza não é nossa, mas que
nos foi dada plenamente; ela me pertence, mas já não sou eu, eu devo primeiro
me abrir para essa minha realidade que me ultrapassa, me afogar alegremente
nesse oceano do qual jamais alcançarei os limites.
O Filho, em sua kenosis, se
revelou pessoa, mas dissimulando sob a “figura de um escravo” sua natureza
divina. Dessa forma ele pôde recapitular a natureza humana decaída e
resgatá-la. O Espírito, por uma economia complementar, manifesta sua natureza
divina, mas dissimula sua pessoa. Assim ele pode fazer com que as pessoas
humanas se apropriem dessa divindade atrás da qual ele se esconde. Sua obra
está centrada sobre cada pessoa, como se ele não quisesse ter outra hipóstase
além dela, como se ele quisesse que cada um emprestasse seu próprio rosto à
divindade que recebe. Pois a graça do Espírito Santo, diz São Macário em suas
homilias, está de tal modo próxima de nós, que ela se parece ao fermento na
massa, e parece não se distinguir de nossa própria natureza[22].
[1]
Gregório de Nissa, Discurso catequético
VII, 40.
[2]
Romanos 8: 38-39.
[3]
Romanos 8: 16-17.
[4]
Joel 3: 1-2.
[5]
Lucas 12: 49.
[6]
João 7: 38.
[7]
João 7: 39.
[8]
Atos 1: 4-5.
[9]
João 14: 26.
[10]
João 15: 26.
[11]
Irineu de Lyon, Contra as heresias V,
Prefácio; Atanásio de Alexandria, Sobre a
Encarnação do Verbo, 54, 3; Gregório de Nazianze, Poemas dogmáticos, 10; Gregório de Nissa, Discurso catequético XXV; Agostinho de Hipona, De doctrina christiana I, 34, 38.
[12]
Pseudo-Atanásio (Marcel de Ancira), De
incarnatione et contra arianos.
[13]
Atos 1: 5.
[14]
Diádoco de Foticéia, Obras espirituais,
67.
[15]
Atos 2: 3.
[16]
Simeão o Novo Teólogo, Tratado ético
III, 326-332.
[17]
Serafim de Sarov, Entrevista com
Motovilov, 2.
[18]
Simeão o Novo Teólogo, Prece Mística,
Introdução aos Hinos.
[19]
Lucas 11: 9.
[20]
Lucas 12: 49.
[21]
Simeão o Novo Teólogo, Tratado ético
I, 10, 46-51.
[22]
Pseudo-Macário, Homilias espirituais
8, 2.
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