1.
A hesíquia como método de cura
Um dos métodos de cura fundamentais consiste no repouso no pleno
sentido do termo. Creio que já esclarecemos esse ponto. O homem contemporâneo
está buscando a cura para sua vida, especialmente para sua condição interior,
precisamente porque ele está hipertenso. Por isso uma das mensagens que a
Ortodoxia pode oferecer o cansaço moderno, para o mundo desencorajado e que se
debate, é a mensagem do silêncio. Penso que a tradição Ortodoxa tem muito a
oferecer nessa área. Portanto, a seguir tentarei explicar mais a fundo o valor
da hesíquia e do Hesiquiasmo na cura da alma, do nous, do coração e da inteligência. Acreditamos que a hesíquia e o
Hesiquiasmo estão entre as medicinas mais básicas para obter a saúde interior.
E uma vez que a falta de silêncio é o que cria os problemas, a pressão, a
ansiedade e a insegurança, bem como as doenças psicológicas, psíquicas e
físicas, tentaremos buscar as causas dessas coisas, que constituem o
anti-hesiquiasmo. O vento desértico do
anti-hesiquiasmo que está soprando e queimando tudo prevalece por toda parte, e
é a causa dominante dessas situações anormais. Vamos então estudar a hesíquia
como uma método de cura da alma, e a anti-hesíquia como a causa das doenças
físicas e psíquicas.
1.1. A
hesíquia
Antes de definir a hesíquia, ou repouso, veremos o grande valor que
ela tem para a alma.
Os santos Padres, que viveram a plenitude da tradição ortodoxa,
enfatizaram a grande importância da hesíquia Ortodoxa. São Gregório o Teólogo
considerava a hesíquia como essencial para atingir a comunhão com Deus. “É
necessário estar em paz para poder ter uma conversa clara com Deus e
gradualmente trazer o nous de volta
de suas divagações”. Com a paz e o repouso o homem purifica seus sentidos e seu
coração. Então ele conhece a Deus, e esse conhecimento de Deus constitui sua
salvação.
São Thalassius, que adere totalmente a essa linha, declara: “A
hesíquia e a oração são as maiores armas da virtude, porque elas purificam o nous e dão a ele uma percepção
espiritual”. Por intermédio da hesíquia o nous
é purificado e se torna um instrumento adequado para ver a Deus. Conforme
sabemos pelos ensinamentos patrísticos, o nous
é diferente da inteligência. Quando o nous é oculto pelas paixões e cessa de
contemplar os mistérios de Deus ele está morto, enquanto que quando ele se
liberta das paixões e percebe com clareza, ele vê a Deus como luz, e essa luz é
a vida do homem. Como dissemos, essa purificação do nous acontece por meio da hesíquia.
É bem conhecido por quem estuda as obras dos Padres e por quem tenta
viver essa vida de quietude, que existem uma hesíquia do corpo e uma hesíquia
da alma. A primeira se refere às coisas exteriores e a segunda às coisas
interiores. A hesíquia do corpo usualmente se refere à postura hesiquiasta e ao
esforço para minimizar as representações exteriores, as imagens recebidas e
trazidas à alma pelos sentidos. A hesíquia da alma significa que o nous atingiu a capacidade e o poder para
não aceitar nenhuma tentação ou ilusão. Nesse estado o nous, possuindo atenção e compunção, está centrado no coração. O nous (energia) está concentrado no lugar
do coração (essência), unido a ele, e se torna capaz de alcançar um
conhecimento parcial ou maior de Deus.
O repouso do corpo é uma restrição do corpo. “O começo da hesíquia é
um repouso divino”. O estágio intermediário é o de “um poder e uma visão
iluminantes; e o final é o êxtase ou o arrebatamento do nous em direção a Deus”. São João Clímaco, referindo-se ao repouso
exterior e corporal, escreve: “Quem ama o repouso mantém sua boca fechada”.
Mas não são apenas os chamados Padres népticos que mencionam e
descreve a santa atmosfera da hesíquia, mas também aqueles conhecidos como
“sociais”. Na verdade, na tradição Ortodoxa não existe uma oposição direta
entre theoria e praxis, nem entre os Padres népticos e os sociais. Os népticos são
eminentemente sociais e os que vivem em comunidade são inimaginavelmente
népticos.
Gostaria de me referir a São Basílio o Grande como um exemplo da santa
hesíquia. Numa carta ao seu amigo São Gregório ele escreve sobre a hesíquia
como sendo o início da pureza da alma, e sobre a hesíquia do corpo, como o
controle da língua, do olhar, do ouvido e das palavras. Por exemplo, ele diz:
“O verdadeiro começo da purgação da alma é a tranquilidade, na qual a língua
não tem permissão para discutir os negócios dos homens, nem os olhos para
contemplar as faces rosadas ou os corpos bonitos, nem os ouvidos para rebaixar
o tônus da alma escutando canções cujo único objetivo seja o de divertir, nem
para as palavras espirituosas ou aquelas ditas por bufões – uma prática que,
acima de todas as coisas, promove o relaxamento do tônus da alma”.
Isso expressa o estado de quietude que o santo Padre desfrutava no
deserto quando buscava adquirir o conhecimento de Deus na universidade do deserto,
depois do tempo que passara nas escolas dos homens adquirindo o conhecimento
humano. Como resultado, esse luminar da Cesareia nos brindou com uma passagem
clássica que mostra que ele possuía um excelente conhecimento da vida na
hesíquia. Ele escreve: “Quando a mente não se encontra dissipada por coisas
estranhas a ela, nem divagando pelo mundo através dos sentidos, ela se retira
para dentro de si mesma, e por sua própria vontade ascende até a visão de Deus.
Então ela se vê iluminada por dentro e por fora por essa glória, e se esquece
até de sua própria natureza. Ela já não arrasta a alma para pensamentos sobre o
sustento ou as necessidades do corpo, mas desfruta de um desligamento dos
cuidados mundanos, e transfere todo o seu interesse para a aquisição dos bens
eternos...”.
A hesíquia do corpo ajuda a atingir o repouso interno da alma. Nos
ensinamentos patrísticos ela aparece como sendo, embora não inteiramente
necessária, bastante útil na aquisição da vida divina. “O repouso do corpo é o
conhecimento e a administração dos sentimentos e das percepções de uma pessoa”.
Em outra parte São João Clímaco fala dessa hesíquia, que ele recomenda
especialmente aos que “habitam solitários”.
Certamente, como já dissemos, o deserto, e em geral a hesíquia do corpo,
são coisas úteis para atingir a hesíquia espiritual interior. Mas os Padres
entenderam o Hesiquiasmo “não como uma vida reclusa, nem como o isolamento no
deserto, mas como a morada ininterrupta em Deus”. Apesar do grande valor do
deserto, na medida em que ele limita as imagens e as representações
provenientes do mundo exterior, esse valor não é absoluto. Nicetas Stethatos é
característico a respeito. Ele aponta que a virtude não está limitada a um
local em particular e que a finalidade do homem é de “restaurar os poderes da
alma e concentrar as virtudes gerais em um ponto, para agir conforme a
natureza”. Afirmando que essas coisas não provêm do exterior mas que “nos foram
concedidas pela criação”, ele conclui: “O deserto não é necessário pois podemos
alcançar o Reino dos Céus sem ele, por meio do arrependimento e a guarda de
todos os mandamentos de Deus”. É típico que Nicetas, ao formular o problema
sobre o qual muitos disseram ser impossível adquirir o hábito da virtude sem o
retiro e a fuga para o deserto, escreva: “Eu ficaria surpreso em saber que
aquilo que não conhece limites só possa nos ser trazido num espaço delimitado”.
De qualquer modo, o deserto e a hesíquia do corpo em geral ajudam a
pessoa a adquirir a hesíquia do espírito, cujo santo conteúdo vamos agora
descrever.
São João Clímaco, escrevendo sucintamente em sua famosa obra, diz que
o repouso da alma consiste num “conhecimento acurado e na organização dos
pensamentos”. “O repouso da alma é a ciência dos pensamentos e de uma mente
inviolável. Um pensamento corajoso e determinado é um amigo do repouso. Ele
mantém uma vigília constante às portas do coração, e mata ou repele os
pensamentos que chegam”.
São Simeão o Novo Teólogo, falando do repouso interior e descrevendo
sua santa atmosfera, diz: “A hesíquia consiste num estado imperturbável do nous, na calma de uma alma livre e
jubilosa, num coração sem perturbações e solidamente plantado, na visão da luz,
no conhecimento dos mistérios de Deus, na palavra de sabedoria, num mergulho
nas imagens conceituais de Deus, no arrebatamento do nous, numa conversa pura com Deus, no olho vigilante, na prece
interior, na união com Deus, no contato com Ele, na completa deificação, e num
repouso indolor nos grandes trabalhos ascéticos”.
Também outros Padres falam desse santo estado da alma, uma vez que a
vida em Cristo é uma experiência comum a todos os santos. De acordo com São
Gregório Sinaíta, “a hesíquia significa cortar todos os pensamentos, exceto o
mais divino de todos, que provém do Espírito, para evitar que, aceitando
aqueles como bons, percamos o que é maior”.
Essa rejeição das imagens conceituais é parte da tentativa do homem de
purificar a parte inteligente de sua alma. O atleta da vida espiritual luta
para afastar os pensamentos que o maligno nos apresenta com o único propósito
de quebras a unidade interior das potências da alma e tornar o coração do homem
doente. É um fato, que a Ortodoxia constitui uma ciência terapêutica. Como
podemos ler nas obras dos santos Padres que se referem a essas coisas, vemos
claramente que o Cristianismo cura a alma enferma e, dentre os meios de cura, o
principal consiste na guarda do nous,
repelindo os pensamentos intrusos e tentando expulsá-los antes que eles passem
os portais do coração.
“O que é a hesíquia, senão manter o coração longe de dar e receber e
agradar as pessoas, e coisas assim? Quando o Senhor falou ao escriba sobre o
homem que caiu nas mãos dos ladrões e lhe perguntou então quem agira como seu
próximo, Ele mesmo disse: “Aquele que mostrou misericórdia para com ele”. Em
outra parte, Ele disse: “Eu desejo a misericórdia, não o sacrifício”. Se você
simplesmente tiver misericórdia, isso vale mais do que o sacrifício. Incline
seu coração para a misericórdia; porque o pretexto da hesíquia inclina a pessoa
à arrogância antes que ela vença a si mesma e obtenha a perfeição: a hesíquia
consiste em suportar a cruz. Se você for compassivo você encontrará ajuda. Mas
se você força a si mesmo para ir além da medida, aprenda isso, você perderá até
mesmo o que tem: não vá para o interior, nem para exterior, mas caminhe entre
os dois, consciente da vontade de Deus, porque os dias são maus”.
Pois a hesíquia é, acima de tudo, a guarda do nous, a vigilância sobre os pensamentos, como São Thalassius
expressou: “Lacre seus sentidos com o repouso e estabeleça o juízo sobre os
pensamentos que atacam seu coração”.
São Gregório Palamas, por seu turno, é o principal defensor da
hesíquia, como veremos. Com a graça de Cristo ele lutou por salvaguardar esse
modo de purificar o coração e os pensamentos, que é um pré-requisito
indispensável para o conhecimento de Deus e a comunhão com Ele. Em seu sermão
da Apresentação da Virgem ele fala da vida hesiquiasta. É típico que este santo
Athonita, falando de sua experiência, veja a Virgem como um modelo da hesíquia
noética, uma vez que ela entrou em comunhão com a Santa Trindade no Santo dos
Santos e m sua paz. Ele escreve que não podemos encontrar Deus nem comungar com
Ele, a menos que nos tenhamos purificado e a menos que tenhamos abandonado as
coisas sensoriais e os sentidos, e a menos que nos elevemos acima de todos os
pensamentos e raciocínios do conhecimento humano e de todos os pensamentos em
geral. É isso que fez a Virgem. Buscando essa comunhão com Deus, “a Virgem
encontrou na santa hesíquia seu guia: silenciando a mente, deixando em paz o
mundo, esquecendo as coisas externas, participando dos segredos do alto,
deixando de lado as imagens conceituais e preferindo o melhor. Essa prática
consiste na entrada na theoria da
visão de Deus – ou melhor, no único exemplo de uma alma pura e saudável”. São
Gregório descreve as virtudes como medicinas para as doenças da alma e as
paixões; mas a theoria, diz ele, “é o
fruto da remissão, cuja forma e finalidade é a deificação”. A alma, em outras
palavras, é curada por meio das virtudes, mas quando se encontra curada ela se
une a Deus pela theoria, à qual ela
chega pela via do silêncio. “Por meio dessa theoria
o homem é deificado, não refletindo sobre palavras ou sobre as coisas visíveis,
mas ensinado pelo silêncio”.
Por intermédio de hesíquia e dos ensinamentos da Ortodoxia somos
curados, “resgatados das coisas inferiores e retornados a Deus”. Através de
constantes súplicas e orações “tocamos de algum modo a intocável e bendita
essência. E assim, aqueles que foram purificados no coração por meio da santa
hesíquia, depois de inefavelmente penetrados pela luz que está acima dos
sentidos e do nous, veem a Deus
dentro de si mesmos como num espelho”.
O principal ponto desse sermão é de que por meio do método Ortodoxo,
que é essencialmente um método de hesíquia noética, nós purificamos nosso
coração e nosso nous, e assim nos
unimos a Deus. Esse é o único método de contato com Deus e de comunhão com Ele.
Os santos Padres chamam a isso de paz da alma e descanso do Sábado. O nous do homem, purificado pelo método de
treinamento e pelo santo repouso, observa o Sábado e descansa em Deus. Palamas,
falando do repouso divino, do descanso de Deus “quando ele descansou de seus
trabalhos”, e do descanso de Cristo quando da descida de Sua alma com sua
divindade aos infernos e da estada de Seu corpo com sua divindade no túmulo,
escreve que também nós devemos buscar o descanso divino, ou seja, devemos
concentrar nosso nous com atenção
perseverante e uma prece ininterrupta. Esse descanso no divino Sábado é a
hesíquia noética. “Se você retirar seu nous
de todo pensamento, mesmo dos bons pensamentos, e se voltar por completo para
si mesmo com uma atenção perseverante e uma prece ininterrupta, também você
alcançará o descanso divino e a bênção das sete beatitudes, enxergará a si
mesmo e, através de si mesmo, será elevado até a visão de Deus”. É digno de
nota que o santo diz essas coisas ao rebanho de sua diocese em Tessalônica.
Isso significa que todos, em diferentes graus, podem alcançar a experiência do
descanso divino. Eu acredito que este é o ensinamento que foi perdido em nosso
tempo.
A partir do que dissemos sobre a hesíquia noética, podemos ver porque
a pessoa que a pratica é chamada de hesiquiasta. O hesiquiasta é alguém que
segue o caminho do repouso, que, na verdade, é o caminho da tradição Ortodoxa.
Seu objetivo é o de nos conduzir a Deus e nos unirmos a Ele. Podemos lembrar
São João Clímaco: “Por estranho que pareça, o hesiquiasta é um homem que luta
para manter seu eu incorpóreo em silêncio dentro da morada de seu corpo (...)
Um hesiquiasta é como um anjo sobre a terra. Com o papel do amor e as letras do
zelo, ele libertou sua prece da preguiça e da negligência. O hesiquiasta é
alguém que clama: ‘Senhor, meu coração está pronto’. Ele diz: ‘Eu durmo, mas
meu coração vigia’.”
De fato, como já apontamos, o Hesiquiasmo é o método mais adequado
para a concentração e a subida da alma para Deus e sua comunhão com Ele. Ela é
completamente necessária para a comunhão com Deus. São Gregório Palamas, depois
de explicar extensamente que o nous
do homem (energia) deve se voltar para o coração e que é no coração, que é o
“reservatório da inteligência e o primeiro órgão inteligente do corpo”, o
“reservatório dos pensamentos”, onde a graça de Deus se encontra, escreve:
“Você pode ver, assim, o quão essencial é para aqueles que se determinaram a
prestar atenção em si mesmos na quietude interior, que reúnam o nous e o encerrem no corpo,
especialmente neste “corpo” mais interior, a que chamamos coração”.
Mas devemos enfatizar e sublinhar que o treinamento na hesíquia não
consiste simplesmente numa tentativa humana de trazer o nous de volta a si mesmo, e que a união com o coração não se resume
apenas a um método técnico. Esse treinamento na hesíquia é inspirado e dirigido
pelo Espírito Santo e se expressa no arrependimento e na tristeza. Não se trata
apenas de um método artificial, que em certa profundidade e largura pode ser
encontrado também em sistemas antropocêntricos. “O Hesiquiasmo do monge
Ortodoxo brota organicamente do arrependimento profundo e de seu anseio em
cumprir o s mandamentos de Cristo. Não se trata de uma aplicação artificial à
vida artificial da teologia Areopagita. O ensinamento teológico ‘areopagita’
não contradiz os resultados da quietude mental, e nesse sentido se aproxima e
até recai no Hesiquiasmo. Mas existe uma diferença essencial: a ascese Ortodoxa
não chega à quietude mental através da filosofia abstrata da teologia
apofática, mas através do arrependimento e da luta contra a “lei do pecado[1]”
que age na natureza humana”.
Todos os Padres fazem essa conexão entre a hesíquia noética e o
arrependimento. São Gregório Sinaíta escreve: “Sem a prática constante das
lágrimas, é impossível carregar o caldeirão fervente do repouso”. Aquele que
pranteia as coisas que antecedem e sucedem à morte deve ter paciência e
humildade, que são as duas pedras fundamentais da hesíquia. Sem o
arrependimento e esses dois alicerces o hesiquiasta cairá “na presunção e na
negligência”.
Por isso o método de treinamento na hesíquia – e isto deve ser
fortemente enfatizado – está conectado com o arrependimento, com as lágrimas, a
tristeza e a compunção. Sem essas coisas, ele será falso e inútil. Pois o
objetivo da hesíquia é a purificação do coração e do nous. E isso não é concebível sem as lágrimas e a tristeza. Por
isso, para o atleta da prece noética, as lágrimas são um modo de vida. Ao
concentrar seu nous em seu coração
ele se torna capaz de ver sua fraqueza, e então seus olhos e seu coração
derramam lágrimas de arrependimento. Conforme o arrependimento cresce, ele se
purifica e adquire o conhecimento de Deus.
Mas a hesíquia também está estreitamente conectada com a observância
dos mandamentos de Cristo. As maiores armas para quem se esforça por levar uma
vida de repouso interior com paciência são “o autocontrole, o amor, a atenção e
as leituras espirituais”. De acordo com São Gregório do Sinai, qualquer um que
pratique o Hesiquiasmo deve ter como base as virtudes “do silêncio, do
autocontrole, das vigílias, da humildade e da paciência”. Da mesma forma,
devemos ter três atividades agradáveis a Deus, ou seja, “a salmódia, a prece e
a leitura, além do trabalho manual”. Em outra parte o mesmo santo enfatiza que
“os primeiros requisitos da hesíquia são a fé e a paciência, e amar e esperar
com todo coração, toda força e toda energia”. Em outra parte ainda ele enfatiza
outras virtudes como o autocontrole, o silêncio e a auto reprovação, “ou seja,
a humildade. Pois essas coisas sustentam e protegem umas às outras; delas nasce
a prece, e cresce para sempre”. Claro que é preciso dar atenção ao alimento,
exercitando sua restrição para que o nous
não seja entorpecido pela comida: “quem pratica a hesíquia deve estar sempre
insatisfeito, nunca saciado. Pois com o estômago pesado e a mente entorpecida
dessa maneira, ninguém é capaz de orar com pureza e firmeza”. O excesso de
comida leva ao sono, e inúmeros sonhos enchem a mente.
Essas coisas mostram que o modo de vida hesiquiasta pressupõe guardar
os mandamentos de Cristo, uma vez que é deles que nascem as virtudes. Por sua
vez, as virtudes não são independentes do repouso, nem este é independente da
observância dos mandamentos de Deus, de seus “regulamentos”.
Ao contrário, não manter os mandamentos e encher-se de paixões não
constitui a hesíquia Ortodoxa, e se por acaso a hesíquia nascer ela será logo
devorada e desaparecerá. “Nada tem mais poder para perturbar o estado de
repouso e despojá-lo do auxílio de Deus do que seguir as paixões: a presunção,
a gula, a tagarelice e as vãs preocupações, a arrogância, e a mestra de todas
as paixões: a vanglória”.
Todas essas coisas mostram que a santa hesíquia noética é necessária
para manter a alma pura das paixões e em comunhão com Deus. Ela não é um luxo
na vida, não é um treinamento para poucas pessoas, nem um método exclusivo para
monges, mas existe para todo mundo. Ela é indispensável para atingir a
contemplação de Deus e para a deificação, que é a finalidade do homem.
Entretanto, existem graus diferentes de hesíquia.
Muitas vezes nos Evangelhos o Senhor aparece ensinando como purificar
o coração das paixões, ou falando sobre a prece interior, sobre a libertação do
jugo dos pensamentos, etc. Ele próprio demonstrou aos seus discípulos o valor
do deserto, que ajuda a conquistar o inimigo. Assim é que também os Apóstolos
incluíram diversos tópicos népticos nos seus próprios ensinamentos.
Não é este o lugar para desenvolvermos esses temas. Vamos apenas
mencionar alguns.
É um fato conhecido que depois de Seu batismo, o Senhor “foi conduzido
pelo Espírito a um lugar ermo para ser tentado pelo demônio[2]”.
Foi ali que ele venceu o demônio, que apresentou a ele as três famosas
tentações. Muitas vezes vemos o Senhor se retirar para lugares ermos para
descansar, e também para deste modo mostrar aos seus discípulos o valor do
deserto. “Ele partiu dali num barco e se dirigiu sozinho a um local deserto[3]”.
E depois do milagre da multiplicação dos cinco pães, “depois de despedir as
multidões, ele foi sozinho à montanha para orar; e quando veio a manhã
seguinte, ele ainda estava lá a sós[4]”.
É significativo que quando os discípulos se juntaram “e Lhe disseram
tudo o que tinha feito e falado”, o Senhor lhes tenha dito: “Vamos sozinhos
para um lugar deserto para que vocês descansem um pouco[5]”.
O Senhor passava muitas noites em oração. Lucas o Evangelista
conservou essa informação: “Ele ia para a montanha para rezar, e continuava por
toda a noite a orar a Deus[6]”.
Ao ensinar o caminho da prece verdadeira, Ele disse: “Quando vocês
rezarem vão para o seu quarto, e depois de fechar a porta, rezem ao seu Pai que
está no secreto[7]”.
Interpretando essa exortação do Senhor, São Gregório Palamas escreve: “A câmara
da alma é o corpo; as portas são os cinco sentidos corporais. A alma entra em
sua câmara quando a mente não divaga aqui e ali, vagando entre as coisas e os
assuntos do mundo, mas permanece dentro, em nosso coração. Nossos sentidos se
fecham e permanecem fechados quando não os deixamos se ligar às coisas
sensoriais externas, e dessa forma nosso nous
permanece livre de toda ligação mundana, e por meio de um prece mental secreta
se une com Deus seu Pai. ‘E seu Pai, que vê tudo de um local secreto
recompensará você’, completa o Senhor. Deus conhece todas as coisas secretas,
vê a prece spiritual e a recompensa com grandes dons. Pois essa prece é
verdadeira e perfeita quando enche a alma com a graça divina e os dons
espirituais. Assim como o óleo sacramental perfuma mais o jarro quanto mais bem
fechado ele está, também a oração, quanto mais rápida for aprisionada no
coração, mais dispensará a graça divina”.
O Senhor disse aos seus discípulos que dormiam no Jardim das Oliveiras:
“Vigiem e orem para não cair em tentação[8]”.
Mais adiante ele nos adverte para mantermos nosso nous, e especialmente nosso coração, puro das paixões de dos
pensamentos: “Quando Jesus percebeu seus pensamentos, ele os questionou e
disse: ‘Porque vocês pensam em seus corações?’[9]”.
Ao acusar os Escribas e os Fariseus, Ele disse: “Fariseu cego, primeiro limpe o
interior da taça e do prato, e assim o exterior poderá ficar limpo também[10]”.
As epístolas dos Apóstolos também apontam o grande valor do deserto,
da hesíquia noética, da purificação interior e da vigilância. Vamos relembrar
algumas passagens relevantes.
Depois de se converter a Cristo, o Apóstolo Paulo viajou pelo deserto
da Arábia, e ali se arrependeu de seu comportamento anterior[11].
O Apóstolo, que conhecia o repouso interior do nous, aconselhava muito seus discípulos. Percebendo que os Cristãos
que estavam unidos a Cristo possuíam também o nous de Cristo, ele escreveu: “Mas nós temos o nous de Cristo[12]”.
Em outro trecho, ele exorta: “Deem morte aos seus membros que estão no mundo”.
Pela graça de Deus o Apóstolo viu a lei interior de seus membros guerreando
contra a lei do nous[13].
Nos ensinamentos dos Apóstolos é dada muita importância à atenção,
vale dizer, à vigilância espiritual para evitar que a pessoa seja capturada por
um poder maligno exterior. “Por isso não durmamos como os demais, mas vigiemos
e estejamos sóbrios (...) nós que somos do dia sejamos sóbrios[14]”.
Ele exorta o Apóstolo Timóteo: “Esteja atento a todas as coisas[15]”.
E a respeito da prece ele é claríssimo. A prece deve prosseguir
incessantemente nos corações dos Cristãos. “Continuem confiantemente a orar,
sejam vigilantes e deem graças[16]”.
“Orem sem cessar[17]”.
O Apóstolo Pedro dá os mesmos
mandamentos, mostrando que os membros da Igreja possuem uma vida em comum.
“Sejam sóbrios, sejam vigilantes, porque seu adversário o demônio ronda como
uma leão que ruge, procurando a quem devorar[18]”.
Todas essas coisas mostram que praticamente todos os Cristãos podem
alcançar o repouso e também a visão de Deus. A esse respeito os Padres são
absolutos e expressivos.
Pedro Damasceno escreve: “Pois todos os homens precisam dessa devoção
e dessa calma, total ou parcial, e sem isso é impossível alcançar a humildade e
o conhecimento espiritual”.
Nesse ensinamento de Pedro Damasceno devemos notar as palavras “todos
os homens necessitam de devoção e calma”. Se ele se refere assim a todos os
homens, mais necessária ainda será essa condição para os monges. É inconcebível
que exista um monge que não devote seu tempo em participar da santa hesíquia.
Dizemos isso porque sempre existiram ideias diferentes em alguns círculos,
especialmente entre aqueles que ao verem monges lutando para adquirir a divina
hesíquia, os chamavam de iludidos. Por essa razão aproveitamos a oportunidade
para apresentar outras ideias na próxima seção. Outro ponto que deve ser
enfatizado é que “sem isso, é impossível alcançar a humildade e o conhecimento
espiritual”. Esse é o único métodos e o único caminho para conhecer a Deus,
como já mencionamos, de acordo com o ensinamento de São Gregório Palamas.
Algumas pessoas sustentam que a hesíquia, tal como descrita pelos Padres,
é inação e que ela não é ação. Na realidade, acontece exatamente o oposto. A
hesíquia é uma ação imensa feita na invisibilidade e no silêncio. A pessoa está
em repouso e em paz para poder falar com Deus, de modo a obter sua própria
liberdade e para receber o próprio Deus. E se considerarmos o fato de que os
maiores problemas que nos atormentam são psíquicos e internos, e se pensarmos
que a maior parte das moléstias (psicológicas e físicas) se originam da
elaboração dos pensamentos, ou seja, da impureza do nous e do coração, poderemos entender o grande valor da hesíquia
noética. Portanto, ela é ação e vida. A hesíquia oferece as condições
indispensáveis para amar os irmãos desapaixonadamente, para adquirir um amor
não egoísta e desinteressado. “Aquele que não é atraído pelas coisas mundanas
ama a paz. Aquele que não ama a nada meramente humano ama todos os homens”, diz
São Máximo o Confessor. Como pode alguém ter um amor não egoísta, que é um dos
objetivos da vida espiritual, se estiver possuído pelas paixões?
Por isso a vida hesiquiasta é uma vida de intensa atividade, mas de
uma atividade genuína e boa. “O repouso dos santos não deve ser visto como
indolência, mas como uma forma de intensa atividade. Principalmente porque Deus
se revela de modo similar em suas relações com os homens. o movimento de Deus
em direção aos homens não é apenas um movimento de manifestação, mas também um
movimento de revelação. Ele não é apenas a revelação de uma palavra, mas também
a expressão da paz. É por isso que o homem, de modo a se aproximar de Deus, não
se satisfaz com apenas receber Suas energias reveladas, mas ele também avança
para receber em silencio o mistério de Seu desconhecido. Não é o bastante ouvir
Sua palavra, mas é preciso avançar para o inaudível de Sua paz. Essa segunda
parte conduz à perfeição, e a primeira parte é um pressuposto. De fato, como
Santo Inácio observou, apenas ‘aquele que adquiriu a palavra de Jesus pode
também ouvir Seu silêncio, de modo a se tornar perfeito’. Por isso o movimento
do homem em direção a Deus não se resume
a um movimento de ação, mas é também um movimento de ocultação; ele será não
apenas um testemunho de confissão, mas também um testemunho de silêncio e paz”.
Por isso os Padres falam de “repouso frutífero”. Quando praticado corretamente
ele oferece uma grande ajuda à pessoa, remodela sua personalidade, renova seu
ser e o une a Deus. A partir daí suas relações sociais se corrigem. Quando o
homem adquire o amor a Deus ela também adquire o amor à humanidade.
1.2. O
Hesiquiasmo
Até agora explicamos o melhor que pudemos no que consiste a hesíquia,
quais são as suas características e o quanto ela é indispensável para nossa
vida espiritual. Ela é recomendada por todos os Padres como sendo melhor método
de purificação e de retorno a Deus. Acima de tudo, conforme apontamos, a
Ortodoxia é uma ciência terapêutica que almeja curar as moléstias do homem.
Isso nunca deve ser esquecido, porque fazê-lo equivaleria a destruir toda a
essência e o conteúdo do Cristianismo. A purificação, como uma precondição
necessária à deificação, é alcançada mediante o método da devoção Ortodoxa no
qual a hesíquia desempenha um papel importantíssimo.
Todo esse método e mais seu modo de vida são chamados de hesiquiasmo.
Vale dizer que a pessoa que luta numa atmosfera de repouso é chamada de
hesiquiasta, e esse modo de viver na paz é chamada de hesiquiasmo. Certamente
conhecemos o hesiquiasmo como uma movimento teológico do século XIV,
representado especialmente por São Gregório Palamas, que emprega um método psicossomático
específico e busca, com a ajuda da divina graça, unir o nous ao coração e também viver em comunhão com Deus. São Gregório
sustenta que isso acontece no corpo da mesma forma. Ou seja, também o corpo
pode adquirir a experiência da vida em Deus. Barlaam, ao contrário, sem
conhecer o método, se tornou seu oponente, com o resultado de ter sido
finalmente condenado pela Igreja e removido da esfera Ortodoxa. O conflito
hesiquiasta, como ficou conhecido, terminou com os Concílios que tiveram lugar
em Constantinopla nos anos de 1341, 1346 e 1351. O último desses Concílios, que
“justificou” Palamas, proponente da vida hesiquiasta, foi considerado
Ecumênico: “Acreditamos que o Concílio de Constantinopla no tempo de São
Gregório Palamas em 1351, pode e deve ser contado entre os Concílios Ecumênicos
da Igreja Ortodoxa, por não ser de modo algum inferior e pelo significado
soteriológico de sua teologia. Esse Concílio constitui a prova da continuidade
conciliatória da Igreja Ortodoxa e da experiência viva e da teologia relativa à
salvação em Cristo”.
Entretanto, esse movimento hesiquiasta não fez seu primeiro
aparecimento no século XIV, mas existiu desde os primeiros séculos da vida da
Igreja. Encontramos a hesíquia na Sagrada Escritura e nos primeiros Padres da Igreja.
Já mencionamos exemplos dos Padres de todos os séculos da história da Igreja,
tais como Santo Inácio, São Basílio o Grande, São Gregório o Teólogo, São
Máximo o Confessor, São Thalassius, São João Clímaco, São Simeão o Novo Teólogo
e São Gregório Palamas. Este último não foi o introdutor do hesiquiasmo, mas
seu expoente, aquele que viveu e expressou toda essa santa viagem da alma.
Assim, o hesiquiasmo constitui a forma autêntica da vida Cristã.
Porém, o termo hesiquiasmo é utilizado também para caracterizar o
método empregado para concentrar o nous
no coração. Esse é um tema muito amplo e eu gostaria de apontar aqui apenas
alguns tópicos.
No esforço para ser purificado, o nous
“permanece orante no coração”, repetindo sem cessar a prece monológica de
Jesus. Ele não é perturbado por muitas palavras. Incessantemente, ele repete o
Nome de Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, o nous
vigia para que os pensamentos não passem pela porta do coração. Assim, conforme
diz São Máximo o Confessor, a vigilância está ligada à oração.
“Mas o nous pode penetrar
ainda mais profundamente no coração, quando, por um impulso divino, ele se une
de tal maneira ao coração que ele se despe de todas as imagens e conceitos,
enquanto o coração se fecha contra todo elemento estranho. Então a alma penetra
numa ‘escuridão’ de natureza especial, e em seguida ela é considerada digna de
permanecer diante de Deus inefavelmente, com um nous purificado”.
Muitos métodos são utilizados para atingir essa concentração e o
retorno da divagação do nous ao
coração. É essencial que o método que vamos usar esteja combinado com o
arrependimento porque de outro modo ele pode degenerar num processo apenas
mecânico.
Em seu sermão do Domingo do Fariseu e do Publicano, São Gregório
Palamas apresenta a prece do Publicano, o modo como ele reza, como o protótipo
da prece hesiquiasta. Ele se refere ao Evangelho: “O coletor de impostos,
permanecendo à distância, não podia nem erguer os olhos para os céus, e batia
no peito, dizendo: ‘Tem piedade de mim, pecador’[19]”.
Interpretando essa passagem, diz que a palavra usada aqui para “permanecer” [makroqen], indica
uma longa permanência, juntamente com uma persistência da súplica e das
palavras penitenciais. O Publicano diz: “Deus, tem piedade de mim pecador”, e
nada mais. “Nem visando nem pretendendo nada além, ele prestava atenção apenas
em si mesmo e em Deus, fazendo girar sua prece, apenas multiplicando sua
súplica simples, que é o modo mais eficaz de prece”. Podemos ver aqui valor da
prece simples “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem piedade de mim,
pecador”. O hesiquiasta, assim como o Publicano, não pensa em mais nada, mas
concentra seu nous nas palavras da
prece. Palamas interpreta as palavras de Cristo de que o Publicano “sequer
erguia seus olhos para os céus”, como se referindo à figura do hesiquiasta:
“Essa permanência era ao mesmo permanência e submissão, e simbolizava não
apenas um servo humilde, mas também um condenado”. Por suas maneiras e postura
o Publicano mostrava “a correta condenação e a autorreprovação, pois ele via a
si mesmo como indigno tanto dos céus como do templo terreno”. O fato de que ele
batia no peito também mostra a participação de seu corpo na dor e na tristeza
da alma. “Ao bater em seu peito, com extrema compunção, e se apresentando como
digno de punição, gemendo com profunda tristeza e inclinando sua cabeça como um
condenado, ele se declarava pecador e com fé pedia piedade”.
Parece claro que a parábola do Publicano e do Fariseu foi usada por
Cristo, e também por São Gregório Palamas – que interpretou a parábola
“hesiquiasticamente”- para apresentar o repouso e a prece como a melhor maneira
para receber a misericórdia de Deus. Essa é a prece mais perfeita. É a prece
monológica, que contém uma profunda penitência, na qual o corpo, que participa
da oração, também receberá a graça de Deus, enquanto a prece toda se desenvolve
numa atmosfera de autorreprovação e justa condenação.
Devido ao fato de que Barlaam ridicularizou os hesiquiastas de seu
tempo por praticarem uma inclinação de cabeça e do corpo específica para
adquirir a concentração do nous e um
desenvolvimento uniforme das potências da alma, São Gregório se referiu ao caso
do profeta Elias, que orava a Deus com sua cabeça entre os joelhos: “E esse
Elias, perfeito na visão de Deus, com sua cabeça entre os joelhos, concentrando
assiduamente seu nous sobre si mesmo e
sobre Deus, remediou a seca de muitos anos”. Assim, São Gregório recomendava um
modo de concentrar o nous: “Para que
os olhos não passeiem aqui e ali, mas, de algum modo, se deixem ficar sobre o
lado direito do peito ou sobre o umbigo, para enviar o poder do nous, que foi disperso enquanto olhava
para fora, de volta para o coração, por intermédio do corpo parado nessa
posição”.
Referindo-se ao tema de como orar, São Gregório Sinaíta recomenda:
“Pela manhã, sentado num banco baixo, force seu nous a descer da sua cabeça para o coração, e segure-o ali;
curvando-se dolorosamente, com dores no peito, ombros e pescoço, clame
incessantemente em sua alma e em seu espírito: ‘Senhor Jesus Cristo, tem
piedade de mim’”. Ele diz ainda que devemos restringir a respiração de modo a
concentrar o nous: “Limite a inalação
do hálito para não respirar livremente, porque o movimento do ar, subindo desde
o coração, obscurece o nous e ventila
a razão, afastando o nous do
coração”.
Existem muitos outros testemunhos patrísticos a esse respeito.
Em outra parte São Gregório Sinaíta descreve o método de oração que
concentra o nous e que é chamado de
hesiquiasmo. “Algumas vezes, e geralmente, por ser cansativo, sente-se num
banco; outras vezes, mais raramente, deite-se esticado para relaxar. Ao
sentar-se, adote uma postura de paciência, ‘persistindo na oração’. Não se
desencoraje com o esforço laborioso, mas trabalhe em seu coração e dirija seu
corpo, buscando o Senhor em seu coração. Por todos os meios, obrigue-se a esse
trabalho. Pois para contemplar, disse o Profeta, ‘as dores me assaltaram como
as dores da mulher em trabalho de parto’. Mas inclinando-se para baixo e
reunindo seu nous em seu coração,
desde que este já se encontre aberto, chame pelo socorro do Senhor Jesus. Mesmo
que seu ombros estejam fracos e sua cabeça doa, persevere nessas coisas com
diligência e amor, buscando o Senhor no seu coração. Pois ‘o Reino dos Céus
sofre violência, e são os violentos que o tomam à força’. Com essas palavras o
Senhor nos mostrou como devemos realmente perseverar nessa obra. Pois a
paciência e a perseverança em todas as coisas gera os trabalhos tanto do corpo
como da alma”.
Devemos enfatizar o fato de que o valor da hesíquia noética, a prece
incessante, a repetição da prece monológica de Jesus, o modo específico de
concentrar o nous e uni-lo ao
coração, a postura do corpo durante a oração e o confinamento dos sentidos, o
ensinamento de que a graça de Deus é incriada e de que a pessoa pode recebê-la
em seu coração, que a luz do Tabor está acima do conhecimento humanos e nunca
“inferior ao pensamento”, todas essas coisas definem aquilo que é chamado de
hesiquiasmo, que foi “justificado” pelo Concílio de Constantinopla;
consequentemente, quem falar contra essas coisas não apenas não estará mais
dentro da tradição Ortodoxa, como ainda estará criando as condições para ser
cortado da própria vida Ortodoxa.
1.3. O
anti-hesiquiasmo
Uma vez que falamos rapidamente sobre o que é a hesíquia, sobre o que
é o hesiquiasmo e sobre como o hesiquiasmo foi confirmado pelo Sínodo que é
corretamente chamado de Ecumênico, vamos agora lançar um breve olhar sobre os
métodos anti-hesiquiastas de conhecer a Deus e sobre o modo de vida
anti-hesiquiasta, que infelizmente prevalece em nossos dias e que nos mostra
que estes são realmente dias maus.
“A hesíquia sempre recebeu antagonismo, especialmente no Ocidente. Por
falta da necessária experiência, seus oponentes argumentam de modo abstrato e
chegam ao ponto de ver nessa prática algo puramente mecânico, um tipo de
técnica espiritual que conduz a uma visão do Divino”.
Infelizmente esse modo de vida Ocidental chegou a influenciar a
própria Grécia, de modo que temos hoje uma séria distorção da tradição
Ortodoxa. Para ser exato, muitas pessoas afirmam que nós mudamos pelo espírito
Ocidental, e elas identificam essa mudança em diversos outros aspectos, tais
como os usos e costumes. Eu creio, porém, que a maior mudança aconteceu na
questão da hesíquia e do hesiquiasmo. A hesíquia é vista como um método
antiquado, como uma vida de inatividade, inadequada para os nossos dias, para
nossa era de ação. Infelizmente, essas concepções prevalecem mesmo entre
pessoas que desejam viver dentro da tradição Ortodoxa. Nosso tempo é um tempo
de ação. “O mundo contemporâneo não é um mundo de anamnese e paz, mas um mundo
de ação e luta”. Numa época como a nossa, hedonista e autogratificante, o
hesiquiasmo não consegue encontrar eco. Está acontecendo aquilo que São João
Clímaco disse: “O peixe se desvia rapidamente do anzol; e alma passional se desvia
da solidão”. Uma época que ama o prazer é por completo anti-hesiquiasta. Uma
monja me disse que em nossos tempos sopra “um vento quente anti-hesiquiasta”
que queima tudo. Creio que essa visão é absolutamente verdadeira: esta é a
realidade contemporânea. A atmosfera que prevalece hoje é muito mais a de
Barlaam do que a de São Gregório Palamas.
Hoje em dia a teologia vem sendo desenvolvida através de elaborações
lógicas. Ela se tornou nada além de um sistema lógico. Ela não é mais fruto da
hesíquia e da participação em Deus. É por isso que apareceram tantas diferenças
no pensamento e nas perspectivas teológicas. Hoje em dia a amior parte de nós
não vive a teologia como uma ciência terapêutica, como eu disse anteriormente.
Já não reconhecemos o caminho da devoção Ortodoxa. Se lermos a Filocalia, onde
se encontram os textos mais representativos relativos ao método da teologia,
poderemos ver que a maior parte deles fala da cura das paixões. Eles não fazem
análises, nem de detêm a apresentar os estágios elevados, mas ao mesmo tempo
eles descrevem os meios que devemos empregar para sermos curados das paixões.
Acredito que existe uma falha fundamental na teologia contemporânea, que
consiste em não se interessar pela Filocalia. Talvez devesse se introduzida uma
cátedra especial para introduzir o ascetismo e o hesiquiasmo, baseada nos
textos da Filocalia.
Além dessas coisas, é preciso uma experiência pessoal do método da
teologia Ortodoxa, tal como descrito nos textos patrísticos.
O que o Arquimandrita Sofrônio diz é muito característico, quando ele
mostra a diferença entre a teologia conjectural e aquela que acontece em Deus:
“A menos que o coração tenha sido purificado é impossível atingir uma
contemplação real. Somente um coração purificado é capaz dessa veneração
especial e desse maravilhamento diante de Deus que coloca o nous num silêncio jubiloso”.
“O pensador teológico almeja a theoria
por um caminho, o monge asceta por outro. O principal objetivo do monge é o de
alcançar a paz da oração no coração, com o nous
livre de reflexões, mantendo uma serena vigilância como uma sentinela para ter
a certeza de que nada que venha de fora penetre no coração. Onde existe esse
sagrado silêncio, o coração e o nous
se nutrem do Nome de Cristo e de Seus mandamentos. Eles vivem como um,
controlando todos os acontecimentos desde dentro, não por meio de uma
investigação lógica, mas de modo intuitivo, por uma sentido espiritual
específico”.
“Assim que o nous se une ao
coração ele consegue ver todos os movimento no domínio do subconsciente
(utilizamos aqui esse termo de um modo convencional a partir da psicologia
científica contemporânea). Enquanto o nous
habita no coração ele percebe as imagens e o pensamentos que o rodeiam
provenientes da existência cósmica, que tentam capturar o nous e o coração. O ataque dos pensamentos intrusos é feroz. Para
diminuir sua investida o monge é obrigado durante todo o dia a não admitir uma
única consideração passional, nem se permitir predileção de nenhum tipo. Seu
objetivo constante é o de reduzir o número de impressões externas ao mínimo. De
outro modo, no momento da prece noética todas as impressões do dia se agitarão
desordenadamente em seu coração, causando uma enorme perturbação”.
“O propósito do monge é adquirir uma vigilância contínua do nous no coração; e quando, após longos
anos de esforço – que é a mais difícil de todas as práticas ascéticas, pior do
que qualquer outra – o coração se torna mais sensível, enquanto o nous, depois de tantas lágrimas, recebe
a força para expulsar p menor sinal de pensamento passional, então o estado de
oração da pessoa pode continuar ininterruptamente, e o sentimento de Deus,
presente e ativo, se torna poderoso e claro”.
A teologia Ortodoxa precisa estar embebida desse método hesiquiasta
para ser realmente Ortodoxa e não acadêmica. Esforços têm sido feitos nessa
área. Mas o problema permanece essencialmente. Será que a teologia
contemporânea fala em lágrimas, tristeza, humildade e autorreprovação? Ela pode
ser vista como uma caminho para o conhecimento de Deus “capaz de deter o nous e o mundo, esquecendo-se das
coisas, deixando de lado o entendimento por aquilo que é o melhor?”. Será que
ela pressupõe que para atingirmos a comunhão com Deus “devemos abandonar tudo o
que é sensorial, juntamente com as sensações, elevando-nos acima dos
pensamentos e raciocínios, do conhecimento e do próprio pensamento, totalmente
envolvidos na energia da sensação espiritual, que Salomão chamou de sentido do
divino, e em busca do desconhecido acima do conhecimento, ou seja, acima de
toda forma da assim chamada filosofia”?
Ei acredito que, ao contrário, a teologia contemporânea é conjectural,
racionalista. Ela é baseada na “riqueza”, que é a razão. O que diz o
Arquimandrita Sofrônio é característico: “Outro tipo de imaginação sobre a qual
queremos falar, é a tentativa da inteligência de penetrar o mistério da
existência e aprender o mundo Divino. Esse esforço inevitavelmente envolve a
imaginação, para a qual muitos estão inclinados a atribuir o rótulo exagerado
de inspiração divina. O asceta, que se devota ao ativo silêncio interior e à
prece pura, combate resolutamente esse impulso ‘criativo’ dentro de si mesmo
porque ele o vê num ‘processo’ contrário à verdadeira ordem da existência, em
que o homem ‘cria’ a Deus à sua própria imagem e semelhança”.
O Arquimandrita Sofrônio escreve ainda: “O teólogo que é um
intelectual constrói seu sistema como um arquiteto constrói um palácio ou uma
igreja. Conceitos empíricos e metafísicos são os materiais utilizados, e ele
está mais preocupado com a magnificência e a simetria lógica de seu edifício
ideal do que em sua conformidade com a verdadeira ordem das coisas. Por
estranho que pareça, muitos grandes homens foram incapazes de resistir a essa
vulgar tentação, cuja causa oculta é o orgulho. A pessoa se liga aos frutos da
inteligência como uma mãe ao filho. O intelectual ama a sua criação como a si
mesmo, se identifica com ela, acabando
por se encerrar nela. Quando isso acontece, nenhuma intervenção humana será
capaz de ajudá-lo – se ele não renunciar àquilo que ele acredita ser seu
tesouro, ele jamais alcançará a prece pura e a verdadeira theoria”.
Isso é uma teologia Barlaamita e não uma teologia Ortodoxa e Palamita.
Da mesma forma, existe hoje um preconceito contra a prece de Jesus e o
modo como ela deve ser dita. Certamente devemos dizer que temos um
florescimento da oração, de esforços para publicar os trabalhos dos Padres e os
escritos sobre a oração, mas ao mesmo tempo se observa que as pessoas são
ignorantes dessas coisas e são incapazes de se aproximar de uma vida de oração.
Muitas das leituras são feitas para star na moda. E ainda vemos homens que se
dizem “espirituais” ridicularizando a vida hesiquiasta, ou, o que é pior,
prevenindo as pessoas sob sua influência de se engajar nessas coisas. A visão
de que “essas coisas não são para nós”, e coisas assim, é recorrente. Muitos
pensam que para as pessoas bastam alguns minutos pela manhã e à noite para
dizer uma prece improvisada, ou que ler alguns trechos de passagens escolhidas
é suficiente. Ainda por cima, até a santa atmosfera da hesíquia, ou seja, a
compunção, a autorreprovação e a tristeza, são vistas como inadequadas para os
leigos, em contraste com o que os Padres diziam, como vimos.
Pior do que tudo é o fato de que essa atitude “mundana”, a vida
anti-hesiquiasta, está dominando mesmo os monges e invadiu os mosteiros, que se
supõe serem “escolas dedicadas a Deus”, escolas médicas onde a ciência médica
deveria ser ensinada. Uma atitude mental prevalece, no sentido que essas coisas
devem ser conhecidas, mas elas não são para nós! Eu conheço pessoalmente monges
“proeminentes”, responsáveis pela orientação de jovens monges Ortodoxos, que
descrevem os temas relacionados com a vida hesiquiasta como “fábulas”, que não
são dignas de que se fale delas, que são pura ilusão!
Isso realmente é triste. “A hesíquia desde o início foi a marca da
vida monástica Ortodoxa. O monaquismo Ortodoxo é ao mesmo tempo um hesiquiasmo”.
Afortunadamente, ainda podemos ver algumas tentativas de retorno aos
Padres. E com isso queremos dizer viver a vida dos Padres, em especial a vida
hesiquiasta. Existem muitos jovens desencantados com o clima contemporâneo de
luta e angústia, de ação sem descanso e missão sem silêncio, que se voltam para
a vida hesiquiasta e começam a ser nutridos por ela. Muitas pessoas com esse
desejo estão vindo para o monaquismo e voltando a viver das fontes dos santos
Padres, que é a tradição Ortodoxa. Mesmo no mundo, centro de vida em paz estão
sendo criados.
Essa vida deve ser desenvolvida e incentivada também nas cidades, é
assim que eu vejo a organização da Igreja e da vida paroquial. Assim poderemos
chegar a entender que a Igreja é o lugar onde as almas podem ser curadas – mas também
é o lugar de uma teofania. Dentro da purificação surge o conhecimento de Deus,
a visão de Deus. Talvez cada pessoa deva cultivar a prece de Jesus com suas melhores
habilidades, e essa prece se tornará a mestra de toda a sua vida espiritual. Ela
pode nos ensinar quando falar e quando calar, quando interromper a oração para
ajudar o irmão e quando continuá-la, quando pecamos e quando recebemos as
bênçãos de Deus. E devemos também lutar para ter e conservar um nous puro.
A exortação de São Thalassius deve se tornar uma regra de vida: “Prenda
seus sentidos na cidadela da hesíquia para que eles não envolvam o nous em seus desejos”.
As palavras de São Gregório Palamas que anotamos no começo devem ser
vistas como o objetivo básico da vida: “É necessário guardar silêncio para
entrarmos em puro contato com Deus e para minimizar qualquer ilusão da alma”.
Devemos estar conscientes de que a hesíquia “é realmente a verdadeira
e infalível maneira de se viver em Deus, conforme nos foi transmitida pelos
Padres”, conforme as palavras de Calixto e Inácio Xanthopoulos.
Eu gostaria de terminar essas palavras sobre a hesíquia com o
ensinamento de Calixto e Inácio Xanthopoulos: “Esse caminho, essa vida
espiritual em Deus, essa prática sagrada do verdadeiro Cristianismo constitui a
verdadeira e genuína vida secreta em Cristo. O dulcíssimo Jesus, o Deus-Homem,
deixou esse caminho e lhe entregou Sua misteriosa guia; os divinos Apóstolos o
percorreram, assim como todos depois deles. Desde o princípio, desde a primeira
vinda de Cristo à terra até o nosso
tempo, nossos gloriosos mestres, que o seguiram, brilharam como lâmpadas
sobre o mundo com a radiação de suas vivificantes palavras e de suas maravilhosas
ações, transmitiram uns aos outros até os nossos dias essa boa semente, essa
bebida sagrada, essa pedra preciosa, a herança divina dos Padres, esse tesouro
enterrado no campo, essas bodas do Espírito, esse símbolo real, essa fonte de
água da vida, esse fogo divino, esse sal precioso, esse dom, esse selo, essa
luz. Essa herança continuará a ser transmitida de geração em geração, desde o
nosso tempo, até a segunda vinda de Cristo. Pois é verdadeira a promessa que
Ele fez: ‘Eu estarei sempre com vocês, até o final do mundo’. Amém”.
[1]
Romanos 7: 23.
[2]
Mateus 4: 1.
[3]
Mateus 14: 13.
[4]
Mateus 14: 23.
[5] Marcos
6: 30-31.
[6]
Lucas 6: 12.
[7]
Mateus 6: 6.
[8]
Mateus 36: 41.
[9]
Lucas 5: 22.
[10]
Mateus 23: 26.
[11]
Gálatas 1: 17.
[12] I
Coríntios 2: 16.
[13]
Romanos 7: 23.
[14] I
Tessalonicenses 5: 6-8.
[15]
II Timóteo 4: 5.
[16]
Colossenses 4: 2.
[17] I
Tessalonicenses 5: 17.
[18] I
Pedro 5: 8.
[19]
Lucas 18: 13.
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