INTRODUÇÃO
A fé em
Cristo, a teologia e os dogmas sobre Cristo e suas relações com o Pai e o
Espírito Santo, se propõem essencialmente a conduzir a humanidade:
1.
À purificação e à iluminação do coração, ou
seja, à cura do próprio centro da personalidade do homem; e
2.
À glorificação ou theosis (deificação), que é a perfeição da personalidade na visão
de glória e do reino (basileia)
incriado de Cristo com os santos do Senhor, membros de seu Corpo que é a
Igreja.
A fé, a prece,
a teologia e o dogma são métodos terapêuticos e como que sinais indicadores
sobre o caminho da iluminação e até da perfeição, a qual, uma vez atingida,
abole a fé, a prece, a teologia e os dogmas, pois seu objetivo é precisamente
em sua própria abolição, na glorificação e no amor desinteressado[1].
É pelo fato de que este tema, “Cristo, vida do mundo”, é centrado sobre o que
contribui para curar e aperfeiçoar autenticamente, que ele é eclesiológico: com
efeito, somente os iluminados e os glorificados são membros do Corpo de Cristo
e templos do Espírito Santo.
Desse ponto
de vista, podemos discernir um certo paralelismo entre a purificação e a
iluminação e as ciências da medicina, notadamente a psiquiatria, mas a
glorificação ou theosis é conhecida e
preservada apenas no coração da tradição cristã, assim como, talvez, no
Judaísmo. A ligação com as ciências humanas não se refere aqui aos princípios
éticos ou morais comuns, mas na ascese terapêutica. Assim como não se pode
separar, na psiquiatria, o saber teórico da prática médica, também a fé, a
prece, a teologia e os dogmas são inseparáveis de sua aplicação terapêutica. Do
mesmo modo como não podemos transformar o conhecimento psiquiátrico em um
sistema abstrato e metafísico, também a tradição ortodoxa não se deixa reduzir.
Assim, a relação entre conhecimento e a terapia nas ciências médicas é idêntico
ao que encontramos na teologia patrística. A verdade aí é medida pelo sucesso
da terapia e o sucesso da terapia permite por sua vez estabelecer a análise descritiva
dos meios que a tornaram e que continuam a torná-la possível.
A.
CRISTO NO ANTIGO TESTAMENTO E NOS CONCÍLIOS
ECUMÊNICOS
Um aspecto
essencial dos pressupostos teológicos que todos os Concílios Ecumênicos
sustentaram sobre a pessoa de Cristo acha-se, seja ausente, seja completamente
rejeitado por todos os seguidores de Agostinho. Esta constatação nos leva a
perguntar se estes últimos aceitam realmente os Concílios.
Com efeito, à
exceção do próprio Agostinho, todos os Padres afirmam que Jesus Cristo, antes
de seu nascimento da Virgem e Mãe de Deus, é, em Sua Pessoa incriada de Anjo de
Deus, de Anjo do Grande Conselho, de Senhor da Glória, Aquele que revelou a
Deus em si próprio aos patriarcas e aos profetas do Antigo Testamento. Da mesma
forma, tanto os arianos como os eunomistas concordam com os ortodoxos na ideia
de que Cristo, que na sua pessoa ou hipóstase existia antes da criação dos
tempos, revelou a Deus, mas aqueles sustentam, ao contrário dos ortodoxos, que
Cristo teria sido criado a partir do não-ser e que, desde então, ele não teria
mais a mesma natureza de Deus, que seria o único verdadeiramente Deus por
natureza; assim, ele não lhe seria nem consubstancial nem coessencial.
Na tentativa
de demonstrar isso, os arianos e os eunomistas pretendia, como fizera o judeu
Tryphon diante de Justino o Mártir, que não teria sido o Anjo do Senhor que
dissera a Moisés na sarça ardente: “Eu sou Aquele que é[2]”,
mas o próprio Deus por intermédio do Anjo, o logos criado. Os Padres, ao
contrário, afirmam que essa revelação do Logos-anjo se referia igualmente a Si
mesmo, e não somente a Deus Pai. O Anjo pode assim dizer de si mesmo a Moisés:
“Eu sou o Deus de seu pai, o Deus de Abrahão e o Deus de Isaac e de Jacó[3]”.
Contra os
arianos, Santo Atanásio afirma que o nome de Anjo aplica-se tanto ao Logos
incriado como a um anjo criado. Ele insiste sobre o fato de que é impossível
confundir a visão de um anjo criado com a do Filho incriado de Deus, que a
Escritura chama eventualmente de “Anjo”. Ele diz claramente que “quando o Filho
é visto, o Pai também é visto, pois o Filho é a luz do Pai; e assim Pai e Filho
são um. Aquilo que Deus disse, é claro e evidente que disse por intermédio do
Logos e por nenhum outro. E aquele que viu o Filho sabia bem que vendo-o não
havia visto nem um anjo, nem o maior dentre os anjos, nem, numa palavra,
qualquer ser criado, mas o próprio Pai. E aquele que escuta o Logos sabe que
escuta o Pai, assim como quem é inundado pela luz sensível, sabe estar
recebendo essa luz do sol[4]”.
Santo Atanásio fornece assim a chave para a compreensão do Antigo e do Novo
Testamento, pois “nada existe que o Pai não faça senão pelo Filho[5]”.
Isto implica
que o Antigo Testamento é cristocêntrico, pois Cristo é, antes da Encarnação,
Anjo do Senhor, Anjo do Grande Conselho, Senhor da Glória e Senhor de Sabaó, em
quem os patriarcas e os profetas viram e ouviram a Deus e por meio de quem
receberam a graça, o socorro e a misericórdia.
Se quisermos
encontrar a chave para a compreensão do Primeiro Concílio Ecumênico e de todos
os que o seguiram, é preciso levar muito a sério o fato de que ortodoxos e
arianos concordaram em dizer que o Anjo e o Verbo (Logos) que apareceram aos
profetas e que lhes revelou Deus é a mesma pessoa que se tornou homem e Cristo.
É preciso compreender aqui que tanto ortodoxos como arianos não argumentaram
especulativamente sobre uma Segunda Pessoa da Trindade concebida abstratamente
e cuja identidade e natureza teriam que ser decifradas por uma ruminação de
textos escriturários apoiados sobre a filosofia helenística e sustentada pelo
Espírito Santo. É a experiência espiritual dos profetas e dos Apóstolos que era
objeto de sua discussão, e em especial o fato de saber se foi um Logos criado
ou incriado que apareceu em glória aos profetas e aos Apóstolos e que revelou
em Si ser a Imagem, Deus Pai que é o Modelo arquetipal.
Mas como os
eunomistas defendiam as mesmas posições que os arianos sobre as manifestações
aos profetas do pretenso Logos-Anjo criado, a mesma discussão ressurgiu no
Segundo Concílio Ecumênico. São Basílio o Grande, perdendo um pouco a
paciência, dirigiu-se a Eunomo nos seguintes termos: “Você que é
verdadeiramente ateu, não irá parar de tratar Aquele que É verdadeiramente –
Ele que é a fonte da vida e que dá a existência a tudo o que existe – como um
não-ser? Pois foi ele próprio, quando veio voluntariamente ao encontro de seu
servidor Moisés, que lhe forneceu Seu próprio e justo título para Sua
eternidade, e nomeou a si mesmo como ‘Aquele que É’. Pois ele disse: ‘Eu sou
Aquele que É’. E que isso tenha sido dito pela própria pessoa do Senhor,
ninguém o contestará, quero dizer, nenhum que tenha um véu judaico cobrindo seu
coração ao ler Moisés[6].
Pois está escrito que um Anjo do Senhor apareceu a Moisés no fogo da chama que
brotava da sarça[7]. E
onde a Escritura apresenta um anjo em seu relato, a voz de Deus continua: “Ele
disse a Moisés: ‘Eu sou o Deus de seu pai Abrahão’[8]”,
e acrescentou adiante: ‘Eu sou Aquele que É’. E quem é Aquele que ao mesmo
tempo é Anjo e Deus? Não é Aquele do qual aprendemos ser chamado de ‘Anjo do
Grande Conselho’?[9]”.
Da mesma
forma, depois de haver resumido observações similares que se encontram em Santo
Atanásio e nos Padres anteriores, a propósito do encontro entre o Anjo-Logos e
Jacó, São Basílio coloca claramente o mesmo princípio hermenêutico que
encontramos no Bispo de Alexandria: “É evidente a todos, que, onde a mesma
pessoa é chamada a um tempo de Anjo e de Deus, trata-se do Filho único que
manifesta a si mesmo aos seres humanos de geração em geração e que anuncia a
vontade do Pai aos seus santos. Da mesma forma aquele que, falando a Moisés,
deu a si próprio o nome de “Aquele que É”, deve ser identificado apenas a Deus
e nenhum outro[10]”.
Eunomo
respondeu a esses argumentos de Basílio afirmando que o Filho é o anjo “Daquele
que É”, mas não “Aquele que É” em si. Este anjo é chamado de Deus apenas para
indicar sua superioridade sobre as outras coisas criadas por ele, mas isso não
quer dizer que ele seja “Aquele que É”. Eunomo ainda afirmava que “Aquele que enviou
a Moisés era o próprio ‘Aquele que É’, mas aquele por meio de quem ele
encontrou a Moisés e lhe falou era o ‘Anjo Daquele que É’, e o Deus de todas as
coisas[11]”.
Podemos achar
estranho esse argumento sofístico, mas ele é importante como testemunho do fato
de que a identidade entre o Anjo chamado de Deus no Antigo Testamento e Cristo,
o Filho único de Deus e Criador, estava tão enraizada na tradição que Eunomo
não podia sequer imaginar rejeitá-la, como, aliás, apressou-se a fazê-lo seu
jovem contemporâneo Agostinho na África do Norte – e isso apesar de que seu
suposto mestre, Ambrósio, bem como os outros Padres latinos, concordassem
perfeitamente com a tradição que acabamos de descrever.
Como São
Basílio deixou esta vida antes de replicar as respostas de Eunomo com sua
própria refutação, foi seu irmão Gregório de Nisse que se encarregou disso em
seus doze livros Contra Eunomo, que
ele comunicou a São Jerônimo durante o Segundo Concílio Ecumênico de 381.
São Gregório
de Nisse respondeu dentre outras coisas que “se Moisés pediu que o povo não
fosse conduzido por um anjo[12],
pois Deus havia lhe anunciado que enviaria um para conduzir seu povo à
liberdade[13],
e se Aquele que falou com ele aceitou se tornar seu companheiro de viagem e
guia de seu exército[14],
fica aqui demonstrado que Aquele que se fez conhecer pelo nome de “Aquele que
É” é o Filho único de Deus. Se alguém contradisser esse fato, estará se
declarando defensor da crença judaica que também não associa o Filho à
libertação do povo. Pois se, de um lado, está dito que não foi um anjo que
avançou com o povo, e que, de outro, como sustentava Eunomo, aquele que se
manifestou como “Aquele que É” não é o Filho Único, isto equivale pura e
simplesmente a importar para a Igreja de Deus a doutrina da Sinagoga. Por
conseguinte, eles devem necessariamente admitir uma das seguintes hipóteses: ou
bem o Deus Monogeno (o Filho Único) jamais apareceu a Moisés, ou então o Filho
é o próprio “Aquele que É”, de quem proveio estas palavras dirigidas ao seu
servidor. Mas ele rejeita o que dissemos acima, alegando que a própria
Escritura[15]
que nos ensina que a voz de um anjo se interpôs e que foi assim que as palavras
“Aquele que é” foram transmitidas. Mas essa citação, longe de contradizer nossa
opinião, a confirma. Pois nós ensinamos sem desvios que o profeta, em seu
desejo de manifestar aos homens o mistério de Cristo , deu o nome de “Anjo” a
“Aquele que É”, para que o significado dessas palavras não se referisse ao Pai,
como poderia ter acontecido, se o nome de “Aquele que É” estivesse isolado ao
longo do discurso[16]”.
Esses
extratos dos principais Padres dos dois primeiros Concílios Ecumênicos indicam
de forma mais do que suficiente que para os padres conciliares a doutrina da
Santa Trindade se identificava exatamente com as manifestações de Cristo, que
aparecera como Logos sem carne aos Profetas e em sua natureza humana aos
Apóstolos.
Ninguém, na
Tradição, salvo Agostinho, jamais duvidou que o Logos não fosse idêntico a esse
indivíduo concreto que revelou a si mesmo como o Deus Invisível do Antigo
Testamento aos Profetas e que se tornou homem e continuou essa mesma revelação
da glória de Deus na e pela sua própria natureza humana tomada da Virgem.
A
controvérsia entre os ortodoxos e os arianos e eunomistas não recaía sobre a questão
de saber quem era o Logos no Antigo e Novo Testamentos, mas sobre o que é o
Logos em sua relação com Deus Pai. Os ortodoxos sustentaram que o Logos é
incriado e imutável, tendo sempre existido em essência ou hipóstase do Pai que,
por natureza, causou a existência do Filho antes de todos os tempos. Os arianos
e os eunomistas insistiam sobre o fato de que esse mesmo Anjo-Logos era uma
criação mutável de Deus que veio à existência antes de todos os tempos pela
vontade de Deus e não por sua natureza.
A partir daí,
a questão fundamental é a seguinte: os Profetas e os Apóstolos viram na glória
incriada de Deus (posição dos ortodoxos e dos arianos) ou numa energia criada
(posição dos eunomistas), um Logos incriado ou um Logos criado? Um Logos que é
Deus por natureza e que possui, por isso, todas as energias e os poderes de
Deus por natureza, ou antes, um Deus pela graça, que teria algumas das energias
de Deus Pai, mas não todas, e que, a partir daí, seria um Logos pela graça, mas
não por natureza? Tanto os ortodoxos como os arianos e eunomistas estavam de
acordo com que se o Logos possui por natureza todas as forças e energias do
Pai, então ele é incriado; e que, do contrário, ele será uma criatura.
O ponto de
discussão recaía assim sobre as experiências de revelação ou de glorificação ou
de theosis que Deus concede em Seu
Espírito por seu Logos-Anjo-Cristo aos Profetas, Apóstolos e Santos. Essas
experiências ou essas vidas de santos são reportada em primeiro lugar na
Bíblia, mas também na continuação pós-bíblica do Pentecostes, no Corpo de
Cristo, a Igreja. Por isso os dois lados apelavam para os Padres dos tempos
antigos, tanto quanto aos modernos, desde as vidas reportadas no Genesis até
seus contemporâneos. É claro que não poderia haver um acordo sobre os
testemunhos contemporâneos, mas havia uma base comum de discussão, tanto no
Antigo como no Novo Testamento, e na tradição patrística anterior.
Dessa forma,
tanto ortodoxos como heréticos se serviam tanto do Antigo como do Novo
Testamento para determinar se os Profetas e os Apóstolos haviam visto uma
hipóstase ou pessoa divina de Cristo criada ou incriada. A argumentação era
simples. Cada campo efetuava uma lista de todas as forças ou energias de Deus
mencionadas na Bíblia, e depois faziam o mesmo com o Logos-Anjo-Filho Único.
Depois, comparavam as duas listas para ver se elas eram idêntica ou não. Elas
não deveriam ser semelhantes, mas rigorosamente idênticas.
Os ortodoxos
e os arianos concordavam plenamente com a tradição herdada do Antigo Testamento
e confirmada pelo testemunho dos Apóstolos e dos santos aos quais Deus revelou
sua glória no Filho encarnado, tradição segundo a qual a criatura não pode
conhecer a essência incriada de Deus; eles concordavam também sobre o fato de
que entre o incriado e o criado ex nihilo,
não existe semelhança de espécie alguma.
Ademais, com
o objetivo de provar que o Logos era uma criatura, os arianos afirmavam que ele
não conhecia a essência de Deus nem sua própria essência, e que ele não era
totalmente semelhante a Deus.
Os ortodoxos
diziam ao contrário que o Logos conhecia a essência do Pai e que ele é em tudo
semelhante ao Pai, tendo por natureza tudo o que o Pai possui, salvo a
Paternidade ou o fato de ser causa de existência do Filho e do Espírito Santo.
Os ortodoxos
e os arianos concordavam sobre a distinção daquilo que Deus é em si mesmo por
natureza e daquilo que ele é ou faz por sua vontade; mas eles divergiam
claramente na repartição dos elementos dessa distinção entre a essência divina
e a vontade ou energia. Também os ortodoxos afirmavam que Deus causou a
existência do Logos por natureza e a existência das criaturas por vontade,
enquanto que os arianos sustentavam que tanto o Logos como todas as outras
criaturas eram produto da vontade divina.
Contra essas
posições, os eunomistas sustentavam que a essência e a energia incriada de Deus
são idênticas, que o Logos é um produto da energia criada de Deus, que o
Espírito Santo é um produto da energia criada do Logos e que cada espécie
criada é o produto de uma energia criada específica do Espírito Santo. Para
Eunomo, portanto, se cada espécie não tivesse sua energia individual, uma
energia do Espírito Santo, não existiriam muitas espécies criadas, mas apenas
uma.
Na realidade,
Eunomo mistura aqui à sua maneira o testemunho bíblico e patrístico sobre a
glorificação, na qual cada criatura participa, cada santo comunga o logos que
se faz presente a cada um multiplicando de modo visível sua glória incriada:
ela está presente em sua totalidade e em cada um, mas não como uma parte para
cada um. É isso que Cristo ensinou[17]
e que foi experienciado no dia de Pentecostes[18].
Esta é a glória que o Pai e o Espírito aportam ao Logos. Isso significa que não
existem universais em Deus e que ele sustenta não apenas as espécies, mas cada porção
singular da existência, em todas as suas múltiplas formas. Assim, o indivíduo
jamais é sacrificado por Cristo para um pretenso bem comum, mas, ao mesmo
tempo, o bem comum é o bem de cada qual em particular.
A
consequência do mistério da ascensão de Cristo em sua própria Glória e de seu
retorno para junto de seus discípulos no Espírito de glória, no dia de
Pentecostes, consiste em que daí por diante ele está plenamente presente em
cada etapa da iluminação e da glorificação (theosis).
Assim, ao partilhar o pão eucarístico que é um, e o cálice que é um, cada
membro do Corpo de Cristo recebe não uma parte de Cristo, mas Cristo por
inteiro, e se torna aquilo que ele já é, uma templo (Naos) ou uma morada (Monê)
do Pai e do Espírito Santo no Logos encarnado, em comum com os demais membros
do Corpo de Cristo
B. INICIAÇÃO À VIDA E À PLENITUDE DA VERDADE DE CRISTO PELO ESPÍRITO DE VERDADE NO DIA DE PENTECOSTES
Todas as
distinções que foram desenvolvidas e especificadas durante as discussões que se
desenrolaram em torno do Primeiro e Segundo Concílios Ecumênicos se encontram
repetidas nos Concílios Ecumênicos seguintes, os quais, na realidade, foram
apenas extensões do primeiro.
As expressões
terminológicas dessas distinções não devem ser separadas de seus pressupostos
terminológicos. Pode haver aí diversidade na expressão, mas não nos
pressupostos da terminologia em questão.
Os
pressupostos terminológicos da expressão da
teologia se encontram nos estados espirituais de purificação do coração,
iluminação do coração e glorificação (ou theosis)
do coração e de todo o ser daquele a quem o Logos aparece em Seu Espírito e
revela o Pai em Si mesmo. Aquele que, no Espírito, vê a Cristo em glória, este
vê o Pai. Essa experiência é a pedra angular das formulações doutrinais da
tradição patrística.
Nós citamos
alguns textos patrísticos que mostram claramente que os Padres do Primeiro e do
Segundo Concílios Ecumênicos se serviram da tradição transmitida para mostrar
que os Profetas, os Apóstolos e os Santos, em suas experiências de
glorificação, tinham uma verdadeira visão de Deus em seu Anjo-Logos incriado,
tanto antes como depois de sua Encarnação.
Quando Cristo
revelou a glória incriada e o reino do Pai como sua própria glória natural
quando de sua Transfiguração, ele repetiu em sua natureza humana a mesma
manifestação que foi sua enquanto Senhor de glória no Antigo Testamento. A
proposta de Pedro, de erguer tendas no local nessa ocasião – uma para Cristo,
uma para Elias e uma para Moisés – por imitação da tenda do Testemunho dentro
da qual Moisés participava da glória de Deus, constituiu um erro pelo fato de
que a própria natureza humana de Cristo substituía a Tenda do testemunho de
Moisés, do mesmo modo como o Templo de Salomão a havia tornado supérflua: o
próprio Cristo revelava daqui para frente Sua glória recebida por natureza do
Pai.
Segundo os
Padres da Igreja, o sermão e a prece reportadas por João, e que contêm a
promessa segundo a qual, quando vier o Espírito da Verdade “ele vos guiará à
plenitude da verdade”, cumpriu-se no dia de Pentecostes e continuou como
experiência de todos os que desfrutam da comunhão dos glorificados.
Isso não quer
dizer que os Profetas não foram conduzidos à verdade, nem que os Apóstolos não
tenham sido também conduzidos até ela, uns pela iluminação, outros pela
glorificação; mas que os Apóstolos estava no ponto para serem conduzidos à
plenitude da verdade na revelação do dia de Pentecostes.
A
glorificação pentecostal seguiu as etapas da purificação e da iluminação dos
discípulos de Cristo, como está claramente exposto nas tradições dos Evangelhos
sinóticos e joanita. O estado de iluminação é aquele no qual o amor interessado
se transforma em amor desinteressado, e esse estado prepara os discípulos para
que vejam em Cristo a divindade da Santa Trindade como glória e não como fogo
consumidor.
A aquisição
do dom do amor desinteressado é a condição prévia para ser conduzido em toda
verdade pelo espírito de Cristo. Isso quer dizer que doutrina e espiritualidade
estão inseparavelmente unidas nos estágios de purificação e de iluminação. No
estágio de glorificação, entretanto, a
doutrina ou o conhecimento sobre Deus são substituídos pela realidade
incriada que podemos designar, mas de modo algum expressar.
São Gregório
o Teólogo, que apela para sua própria experiência de glorificação quando refuta
a afirmação de Eunômio segundo a qual o homem pode conceber a essência de Deus[19],
coloca esse ponto claramente em evidência. Eunômio insiste sobre o fato de que
Platão afirma ser difícil conceber a Deus, e que exprimir por palavras é
impossível. Gregório desaprova vivamente essa opinião e especifica que, se de
fato é impossível exprimir a Deus, concebê-lo é ainda mais impossível: “Pois o
que pode ser concebido pode também ser declarado pela linguagem, senão
adequadamente, ao menos imperfeitamente[20]”.
Isso quer dizer que conceber e exprimir a Deus constitui uma impossibilidade
não apenas para os não crentes, mas inclusive para os amigos de Deus que tenham
atingido, seja a iluminação, seja a glorificação. Deus, mesmo quando visto,
permanece um mistério.
Entretanto,
aqueles que alcançaram a iluminação e a glorificação se servem de conceitos e
de palavras, quando falam de Deus. Com efeito, essas palavras e esses conceitos
são inspirados pela experiência da glorificação. Os Padres espirituais utilizam
palavras e conceitos para conduzir os demais pela via da purificação até a
iluminação, como o fizeram os Profetas, os Apóstolos e o próprio Cristo.
Mas se servir
dessas palavras e conceitos como meios para especular filosoficamente sobre
Deus, equivale a enganar uns aos outros e caminhar diretamente para o erro que
corta toda possibilidade de purificar o coração e alcançar a iluminação. Essa
má utilização dos conceitos e das palavras sobre Deus é a fonte de todas as
heresias.
A meditação
pietista e filosófica a respeito da Bíblia, assim como a crítica bíblica
conduzida dentro de tais quadros de referência constituem vias sem saída, que
não conduzem às realidades designadas por Cristo, tanto no Novo como no Antigo
Testamento. A Bíblia não é a Revelação, ela não é a Palavra de Deus; mas ela
trata dessas realidades. A Revelação e a Palavra de Deus são comunicadas aos
humanos unicamente pela aquisição, por meio da purificação, do estado de
iluminação e, a partir daí, do estado de glorificação ou theosis, que perpetua, de geração em geração, o Pentecostes, como
fundamento e pivô da tradição e da sucessão apostólicas.
No Antigo
Testamento se encontram as manifestações de Deus aos Profetas, através de seu
Anjo-Logos, o qual continuou, em sua Encarnação, a aparecer em glória aos Seus
Apóstolos, como no momento de Sua Transfiguração. Ele explicou aos Seus
discípulos que em pouco tempo eles já não o veriam, pois ele deveria ir para o
Pai, mas que pouco adiante eles O veriam novamente[21].
Essa promessa se cumpriu em primeiro lugar quando das aparições de Cristos aos
Seus discípulos no tempo logo após a
Ressurreição, aparições às quais o conjunto do mundo não pôde participar. Em
seguida aconteceu Sua desaparição final no instante de Sua Ascensão e de Sua
reaparição no dia de Pentecostes por intermédio do Espírito Santo, que, desde
então, formou a plenitude de Cristo em cada um dos discípulos e dos fiéis que vieram e se tornaram reconciliados com
Cristo e amigos de Deus[22],
depois de haverem ultrapassado o estado de servidores e escravos[23].
A designação
paulina da Igreja como Corpo de Cristo é o resultado da nova maneira como a
natureza humana de Cristo comunica, no mistério da presença de Deus em seu
Anjo-Logos, sua glória aos iluminados e aos glorificados, multiplicando a Si
mesmo indivisivelmente nesta glória. Assim, desde o Pentecostes, a natureza
humana de Cristo também se multiplicou indivisivelmente, de tal sorte que ela
existe em sua totalidade em cada um dos reconciliados, dos amigos de Deus, e
isso é exatamente aquilo cuja realização predisse Cristo em são João 14: 23.
Assim é que
cada amigo de Deus traz em si o Corpo total de Cristo e, ao mesmo tempo, todos
os amigos de Deus são um só Corpo de Cristo, reunidos num só lugar (epi to auto), dividindo um mesmo pão e
um mesmo cálice. Esse é o mistério da Igreja estabelecida no dia de Pentecostes
e toda a Verdade na qual Cristo havia prometido que o Espírito Santo conduziria
Seus amigos. E ainda o Corpo de Cristo está em construção, erguido pela adição
dos iluminados e os glorificados de cada geração, até sua culminação última no
final dos tempos.
Antes da
Morte e Ressurreição de Cristo, mesmo os glorificados, como os patriarcas e os
profetas, estavam mortos tanto física como espiritualmente, aguardando sua
ressurreição espiritual e física – aquilo que os Padres chamam de primeira e
segunda ressurreição. A morte espiritual consiste, seja em não ver a glória de
Deus, seja em ver esta mesma glória como um fogo devorador e como as trevas
exteriores do inferno. A primeira ressurreição consiste em obter de modo
permanente e ininterrupto a visão da criação na glória de Deus em Cristo, como
outrora possuíram, desde a morte e ressurreição de Cristo, aqueles que se
encontraram na comunhão dos santos do outro lado da morte. Eles realizaram seu
casamento com Cristo, e esse casamento será completado pela ressurreição
universal e a restauração de tudo.
Do lado de cá
da morte, os fieis podem se unir de modo permanente à glória de Cristo. Eles
possuem a arrabona tou Pneumatos, o
penhor do Espírito Santo em seus corações[24].
Não pode
existir nenhum tipo de reconciliação fora do Mistério da Cruz, que, por sua
vez, é idêntico à glorificação. Ninguém pode se tornar amigo de Deus se não
tomar voluntariamente sua própria cruz e não seguir a Cristo. Ser glorificado
implica ser crucificado, o que significa, por outro lado, ter o poder em
Deus de transformar o amor próprio
interessado num amor semelhante ao amor de Deus, que não busca seu próprio
interesse. Essa reconciliação do homem
com Deus agia nos Patriarcas, os Profetas, nos Apóstolos antes da crucificação,
porque eles participavam antecipadamente do Mistério da Cruz. Por essa razão
eles se tornaram amigos de Deus e receberam o dom da audácia para discutir com
Deus a salvação dos outros.
O Mistério da
Cruz é o poder de reconciliação incriado que provém de Deus e que cura as
enfermidades daqueles que aceitam fazer essa cura obedecendo, até a morte, a
vontade de Deus o Verbo, aquele que deu a Lei a Moisés e as Beatitudes aos
Apóstolos.
A
crucificação voluntária do Senhor de Glória é a perfeita manifestação na
História do poder do Mistério da Cruz, mas não a única. Cada glorificação de
uma amigo de Deus, tanto antes como depois da crucificação de Cristo, constitui
também uma manifestação do poder desse Mistério
C. DIAGNÓSTICO E TERAPIA
A tradição
patrística foi obrigada a utilizar a linguagem filosófica de seu tempo para
poder ser compreendida e para poder combater as distorções heréticas da
tradição da Igreja. É claro que isto não quer dizer que a filosofia foi usada
para entender os ensinamentos de Cristo.
Definitivamente,
os Padres rejeitaram as especulações abstratas a respeito de Deus e de sua
relação com a criação, e insistiram numa perspectiva empírica da união com Deus
por meio da purificação e da iluminação do coração.
É dentro
deste contexto que seus termos praxis
(ação, feito) e theoria (visão),
devem ser entendidos. Não se trata aí da distinção medieval ocidental entre a
vida ativa e a vida contemplativa. Praxis
é a purificação do coração e theoria
é a visão da glória que o coração recebe tanto pela iluminação interna pela fé
como pela glorificação ou theosis. A theosis é a visão da glória de Deus em
Cristo. A theosis não é a iluminação,
nem simplesmente a participação na Sagrada Eucaristia, como alguns Ortodoxos de
hoje pensam.
Essas
distinções pressupõem o fato de que é o coração e não o intelecto o centro da
espiritualidade e o lugar onde se forma o teólogo, e também do fato de que o
coração normalmente não funciona como deveria.
Aqueles em
quem o coração apenas bombeia o sangue pensam naturalmente que o cérebro e o
sistema nervoso constituem o centro da consciência do homem e da sua capacidade
de analisar as suas relações internas e externas com as diferentes realidades,
de tal modo que quando eles leem o modo como no Velho e no Novo Testamento o
coração é visto e considerado como um centro assim, concluem naturalmente que
isto se deve a um entendimento primitivo e pouco acurado.
Todavia, a
tradição Ortodoxa está cônscia de que o coração, além de bombear o sangue,
constitui, desde que seja adequadamente condicionado, o lugar de comunhão com
Deus por intermédio de uma prece incessante, ou seja, da incessante lembrança
de Deus. As palavras de Cristo, “Bem-aventurados os puros de coração porque
estes verão a Deus[25]”,
são tomadas muito a sério porque elas se realizaram em todos aqueles que foram
agraciados com a glorificação, tanto antes como depois da Encarnação.
As teologias
pastoral e dogmática são para os Padres uma só realidade e seu justo
aprendizado se faz quando o intelecto ou razão observa as ações do Espírito
Santo no coração e trabalha pela expulsão dos pensamentos, sejam eles bons ou
ruins, que não pertencem a ele, e os substituem apenas pelo único
pensamento-prece-lembrança de Deus (monologistos
euchê, prece monológica)..
Os Padres
deram o nome de nous à faculdade da
alma que opera dentro do coração quando este é restaurado à sua normalidade, e
reservaram os nomes de Logos e dianoia
para o intelecto e a razão, ou para aquilo que hoje em dia seria chamado de
cérebro e seu sistema nervoso. Outros Padres incluíram a função orante do
coração dentro do termo nous,
incluindo também neste as funções intelectuais e racionais da alma centradas no
cérebro. Para evitar confusões, usaremos os termos “faculdade noética” e “prece
noética” para designar a atividade do nous
no coração, denominada noera euxé .
A prece do
coração pode se tornar contínua, na medida em que a prece abrigada no intelecto
ou cérebro passa a operar por decisão daquele que ora, e nos momentos
escolhidos por ele. Quem possui o dom da prece incessante no coração ora também
em sua mente ou intelecto quando ora com outros e para outros, em sua presença
e por sua edificação. Nestes momentos, ele literalmente ora por si próprio com
seu intelecto e ao mesmo tempo ora em seu coração com o Espírito, com a língua
ou a palavra Pentecostal dada a ele por Deus em Cristo. Uma é a prece do homem
para Deus, a outra é a prece do Espírito Santo em Cristo, a Deus, nele. São
Paulo considera esta dupla oração como tendo sido concedida à Igreja de Corinto
como um fenômeno natural, mas repreende os Coríntios que receberam esse dom por
não rezarem também em benefício de outros presentes, que não eram capazes de
orar senão com a mente[26].
Paulo
inclusive nos diz que quando o fiel alcança a filiação ou a adoção em Cristo,
isso significa que “Deus enviou o Espírito de seu Filho ao coração, clamando:
Abba, Pai, de modo que você já não é mais escravo, mas filho; e como filho,
também é herdeiro de Deus através de Cristo[27]”.
Ao falar dessa prece pelo Espírito ou com a língua (glossei), são Paulo não está se referindo à prece que é audível
pelos outros. “Pois aquele que ora com a língua não está falando com os homens,
mas com Deus. Pois ninguém o entende, uma vez que ele fala mistérios pelo
Espírito[28]”.
“Se eu for a vocês falando em línguas, que benefício poderei trazer a vocês, se
não levar a vocês nem revelação, nem ciência, nem profecia, nem ensinamento[29]”.
Isto não deve ser confundido com o milagre das línguas, o fato de que os Apóstolos,
no dia de Pentecostes, eram entendidos por todos, cada qual no seu dialeto. São
Paulo estava se referindo àqueles que, sem a prece do Espírito Santo em seus
corações, não sabem o que está sendo rezado, porque não conseguem ouvir nada.
São Paulo
considera esta prece pelo Espírito ou por línguas no coração como um
pressuposto do dom da profecia. Ele insiste em que aqueles que foram agraciados
por Deus com esta forma de oração estão realmente obrigados a profetizar. “Eu
quero que vocês falem em línguas, mas que também profetizem. Porque aquele que
profetiza é superior ao que fala por línguas, a menos que ele mesmo as interprete,
para a edificação da Igreja[30]”.
Esse dom da prece pelo Espírito equivale à chegada de Deus em Cristo no
coração, e ao erguimento do véu que obscurecia a leitura de Moisés[31].
Porém, esse dom da profecia já não prognosticava para Paulo a chegada do Anjo
do Grande Conselho, mas interpretava a profecia do Velho Testamento como tendo
sido realizada no Senhor da Glória, feito Cristo ao nascer como homem da
Virgem, e cuja obra foi levada à perfeição por Sua morte, ressurreição,
ascensão e retorno no Espírito Santo no Pentecostes. Isso é assim porque aquele
que reza por línguas ou pelo Espírito conhece a Cristo ressuscitado
pessoalmente, porque este habita em seu coração junto com o Pai[32],
por ter ele se tornado o templo de Deus, e não apenas por ter lido a respeito
de Cristo na Escritura.
A prece no
Espírito – ou “prece noética” – também é chamada de lembrança incessante de
Deus. É isto que foi esquecido depois da queda, causando o escurecimento da
faculdade noética e o endurecimento do coração.
Atualmente
existem dois sistemas de memória conhecidos nos seres vivos: uma memória
celular que determina o desenvolvimento e o funcionamento do indivíduo em
relação a si mesmo e uma memória cervical que determina as funções e relações
do indivíduo consigo mesmo e com o meio em que está inserido. Adicionalmente,
existe nos humanos uma memória de Deus, não funcional ou subfuncional, que
reside no coração e que quando é restaurada no seu funcionamento resulta na
normalização de todas as outras relações ao transformar o egoísmo e o amor
próprio baseados no medo, num amor desinteressado e livre de ansiedade[33].
A queda do
homem ou a condição do pecado herdado constituiu, seja a falência da faculdade
noética em funcionar adequadamente (ou simplesmente funcionar), seja sua
confusão com as funções do cérebro e do corpo em geral, seja a escravidão
resultante da ansiedade e o meio. Cada indivíduo experimenta a queda de sua
própria faculdade noética em vários níveis, na medida em que vai sendo exposto
a um meio cheio de disfunções e de não funcionamento das faculdades noéticas. O
inverso normalmente ocorre quando o meio é dominado pela iluminação em Cristo,
também em graus variados.
O resultado
do mau funcionamento das faculdades noéticas são as relações anormais entre
Deus e o homem, bem como entre os homens, e a utilização prática tanto de Deus
como do homem caído para obter aquilo que cada um entende ser sua segurança e
felicidade. O deus ou os deuses que o homem imagina que existem fora da
iluminação não passam de projeções psicológicas de sua necessidade de
segurança. Devido ao medo e à ansiedade, suas relações com os outros e com Deus
são sempre utilitárias.
Apesar disso,
todo indivíduo é sustentado pela glória, a luz, o poder, a graça, etc.,
incriadas, criativas e que o suportam a partir de Deus, mesmo que ele não seja
membro do Corpo de Cristo por não ter sido conduzido à iluminação pela
purificação da faculdade noética em seu coração. A reação contrária a essa
relação direta ou comunhão com Deus vai do endurecimento do coração – isto é, o
sopro que apaga a centelha da graça – à experiência da glorificação dos santos.
Isso significa que todos os homens são iguais em possuir a faculdade noética,
mas não na qualidade ou grau de seu funcionamento.
É importante
notar a clara distinção que existe entre a espiritualidade, que está enraizada
basicamente na faculdade noética do coração, e a intelectualidade, que está
enraizada no cérebro. Assim sendo, teremos as seguintes quatro categorias de
pessoas: aquelas com poucas aquisições intelectuais e que chegam ao mais alto
nível da perfeição noética, as com as mais altas aquisições intelectuais e que
caem aos mais baixos níveis da imperfeição noética, as que conseguem as maiores
aquisições intelectuais e também a perfeição noética, e finalmente as que
possuem parcas habilidades e aquisições intelectuais e que também têm um
coração endurecido.
Esses fatores
são a chave para o entendimento da doutrina patrística e bíblica, e da
formulação dos dogmas dos Concílios Ecumênicos. Elas não têm nada a ver com a
filosofia ou a metafísica e estão mais próximas do campo da psiquiatria. O
homem tem um mau funcionamento da faculdade noética que deveria funcionar em
seu coração. A cura para esta moléstia, também chamada de “pecado original”, consiste
na incessante lembrança de Deus, também chamada de prece perpétua ou
iluminação, e que não tem nada a ver com o entendimento platônico ou
agostiniano da iluminação por via da intuição ou do conhecimento dos
universais.
A correta
preparação para a visão de Deus em Sua glória comum a Cristo consiste em se
tornar um templo para o Espírito Santo por meio da transformação do egoísmo e
do amor utilitário num amor desprendido e não utilitário. Esta transformação
ocorre durante o mais alto nível do estado de iluminação chamado theoria, que significa literalmente
visão, e que neste caso se refere à visão das razões ou energias de Deus tais
como existem na criação, visão adquirida por meio da prece perpétua e da
ininterrupta lembrança de Deus. A faculdade noética é libertada de sua
escravidão ao intelecto, às paixões, ao meio, e passa a ser influenciada apenas
pela lembrança de Deus que funciona simultaneamente às atividades normais da
vida cotidiana. Quando a faculdade noética se encontra neste estágio, o homem
se transforma no templo de Deus em Cristo pelo Espírito Santo.
São Basílio o
Grande escreveu a Gregório o Teólogo que “a moradia de Deus em nós é isto: ter
a Deus estabelecido em nosso interior por intermédio da lembrança. Então nos
tornamos templos de Deus, quando a continuidade da lembrança não é interrompida
pelos assuntos terrenos, nem a faculdade noética é sacudida por sofrimentos
inesperados, mas, escapando a todas essas coisas, esta faculdade amiga de Deus
se retira para Deus, expulsando as paixões que a tentavam com a incontinência,
e se atendo às práticas que conduzem às virtudes”. São Basílio não diz aqui que
uma pessoa se torna o templo de Deus deixando de se ocupar com assuntos
terrestres (dos problemas materiais) e pensando ininterruptamente apenas a
respeito de Deus, mas que a lembrança de Deus prossegue simultaneamente com as
ocupações dos assuntos diários e, em especial, quando alguém fica exposto a
sofrimentos.
São Gregório
o Teólogo, destinatário desta correspondência, observa que “devemos nos lembrar
de Deus mais ainda do que caminhamos ou respiramos; numa palavra, não há outra
coisa para se fazer (...). Ou, para usarmos as palavras de Moisés[34],
quando um homem se deita para dormir, quando ele se levanta, quando caminha
pelas estradas, ou seja lá o que faça, ele deve ter isto impresso na lembrança
para se purificar[35]”.
São Gregório
insiste que filosofar sobre Deus só é permitido àqueles que passaram nas provas
“e que alcançaram a theoria, e que
foram previamente purificados em suas almas e corpos, ou, no mínimo, que estão
sendo purificados[36]”.
Esse estado
da theoria possui dois estágios que
já mencionamos: a relação da pessoa com seu meio, pela incessante lembrança de
Deus no coração, e a visão do meio e de si mesmo saturados tanto com a glória
de Deus como com a presença em si da natureza humana de Cristo. A glorificação
ou deificação é um dom de Deus que não se busca, mas que Deus concede a Seus
amigos de acordo com as necessidades de cada qual e com as necessidades dos
outros.
Durante esse
último estágio de glória, a prece incessante, a profecia e o conhecimento de
Deus (theologia) terminam, pois são
substituídos pela visão da glória de Deus em Cristo, quando só permanece o
amor.
“Os profetas
serão abolidos (...) as línguas cessarão (...) o conhecimento será abolido
(...) quando aquilo que é perfeito chegar[37]”.
Mas “o amor
não passará jamais[38]”.
“Pois vemos agora por meio de um espelho, de um modo obscuro, mas então veremos
face a face; presentemente, eu conheço em parte, mas então eu serei conhecido como fui conhecido[39]”.
São Paulo
fala aqui de uma experiência futura que ele já teve: “como fui conhecido”.
Quando, por
sua vez, a glorificação em Cristo por meio desse encontro face a face termina,
então a prece noética, a profecia e o conhecimento sobre Deus retornam. Assim,
embora eles tenham sido abolidos em Paulo durante sua theosis, ele retornou à prece pelo Espírito, recomeçou a profetizar
e a conhecer, esperando que se repetisse sua experiência, seja em sua forma
intermediária, seja em sua forma final, quando da aparição universal de Cristo
em glória.
Antes do
Pentecostes, a glorificação era de natureza transitória e não prosseguia depois
da morte. Agora, no Corpo de Cristo, a theosis
é ainda uma experiência transitória deste lado da morte, mas é uma experiência
permanente dos santos de Cristo depois da morte de seus corpos. Agora, no Corpo
de Cristo, a glorificação não está limitada ao coração e manifestada apenas no
rosto, como acontecia com os profetas, cuja glória foi abolida[40],
mas ela se estende no presente, nos glorificados, a todo o corpo. Assim, os próprios
corpos dos santos manifestam a glorificação permanente de seus proprietários,
porque eles permanecem, de maneira indefectível, impregnados por essa
glorificação (theosis) permanente e
se tornam relíquias santas.
Durante a
glorificação, as funções normais do corpo, como dormir, comer, beber, mesmo a
digestão, são suspensas. A outros respeitos a mente e o corpo funcionam
normalmente, na medida em que a pessoa vai se aclimatando para ver a si mesma e
o seu entorno saturados pela glória de Cristo, que é tanto escuridão, como luz,
como nenhuma das duas coisas, porque não existe nada assim criado.
Diferentemente da iluminação, a theosis
não constitui um conhecimento, porque ela está acima do conhecimento[41].
A primeira glorificação que a pessoa recebe se realiza com uma perda de
orientação porque inicialmente ela vê apenas o incriado, mas com a aclimatação
ela começa a ver de outro modo seu entorno criado nesta luz, que é o dia do
Senhor e que não tem fim. Então, apesar de que a prece incessante e o conhecimento
relativo sobre Deus tenha terminado, o conhecimento e a percepção consciente do
entorno da pessoa não findam aí.
A
justificação apenas pela fé é o ensinamento da Bíblia. Mas essa fé salvadora
consiste num estado de iluminação do coração, bastante descrita e às vezes
chamada de fé interior. “Porque todos vocês são filhos de Deus pela fé em Jesus
Cristo. Pois vocês foram batizados em Cristo e de Cristo se revestiram[42]”.
“Porque vocês são filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho aos seus
corações, clamando: Abba, Pai. De tal modo que vocês já não são escravos, mas
filhos, e herdeiros através de Cristo[43]”.
Filiação, justificação e a prece no Espírito Santo no coração são uma, a mesma
e idêntica realidade. Não existe justificação pela lei ou pelas obras, mas
apenas em Cristo que dá a lei. A lei não dá a vida, somente Cristo dá a vida.
“Pois se uma lei tivesse sido dada, capaz de criar a vida, então também a
justiça viria desta lei[44]”.
É a fé que se forma naqueles que receberam o dom da prece no Espírito em seus
corações, que dá a segurança do amor de Deus em Cristo, e que resulta num amor
que não busca o seu próprio interesse[45].
Essa terapia
e a transformação da personalidade humana em sua relação com a humanidade torna
clara a diferença que existe entre aqueles que estão em processo de cura e os
que não estão. A fé em Cristo, sem suportar a cura em Cristo, não é fé alguma.
A fé em um médico sem suportar a cura prescrita por ele resulta na mesma
contradição de termos.
Para
colocarmos essa terapia numa perspectiva apropriada em relação ao mundo como um
todo, devemos estabelecer que o Judaísmo profético e seu sucessor, o
Cristianismo, se tivessem aparecido neste século, deveriam ser classificados
não como religiões, mas como ciências médicas na área da psiquiatria, com um
impacto profundo sobre a sociedade, devido ao seu sucesso em curar em graus
diversos a doença do funcionamento parcial da personalidade humana. De modo
algum eles deveriam ser confundidos com religiões, que, por meio de diversas
práticas mágicas e crenças, prometem escapar de um suposto mundo material
maléfico, ou de falsas aparências, para um também suposto mundo de segurança e
felicidade.
Outra maneira
de vermos isto consiste em nos concentrarmos mais profundamente nas implicações
do entendimento bíblico e patrístico a respeito do céu e do inferno. O próprio
Deus é ao mesmo tempo céu e inferno, recompensa e punição. Todos os seres
humanos foram criados para contemplar incessantemente a Deus na glória incriada
de Cristo. Se Deus será para cada um o céu ou o inferno, a recompensa ou a
punição, isso dependerá da resposta de cada um ao amor de Deus em Cristo e da
sua aceitação da prescrição de transformar seu amor egoísta e interesseiro num
amor semelhante ao de Deus, que não busca seu próprio benefício.
Isso
significa que nenhuma religião ou igreja pode reclamar para si o poder de
decidir quem vai para o céu e quem vai para o inferno, uma vez que todos, mais
cedo ou mais tarde, verão a glória de Deus em Cristo, seja como luz, seja com
um fogo consumidor. A verdadeira vida em Cristo constitui uma preparação por
meio da purificação e da iluminação do coração, para que esta visão seja
celestial e não infernal. A responsabilidade primária daqueles que atingiram o
estado de iluminação é a de iluminar as outras pessoas, de modo a que elas
possam viver e trabalhar unidas por meio do amor desinteressado e não
utilitário, e ao mesmo tempo se preparar para a experiência eterna que todos
terão.
A partir do
momento em que a pessoa separa céu e inferno e imagina que essas condições
correspondem a lugares diferentes, ou que o inferno é uma perda da visão de
Deus, ela automaticamente introduz aspectos mágicos no entendimento bíblico da
terapia. Assim sendo, a visão de Deus se torna o céu para todos os que, de um modo
ou de outro, adquiriram esse estado. Essa magia pode tomar a forma da
predestinação, da salvação pela fé ou pelas boas obras, ou ainda pela
participação nos sacramentos e pela absolvição sacerdotal, ou por uma
combinação de todas essas coisas. Essas variações da tradição invariavelmente
transferem a necessidade de mudança, do homem para Deus, cuja atitude salvadora
em relação ao primeiro passa a ser determinada por uma obediência escrava à sua
Vontade. Esquece-se de que Deus ama a todas as suas criaturas
indiscriminadamente, incluindo o próprio demônio, com o mesmo amor, esquece-se
de que Deus foi e sempre será o amigo de todos os homens, e que é o homem, e
não Deus, que precisa da reconciliação, isto é, de uma terapia para tratar o
mau funcionamento de parte de sua personalidade.
D.
O CORPO DE CRISTO
Uma tese
fundamental de são Paulo, assim como de são João, é de que Cristo veio com o
Espírito Santo e o Pai depois de Sua Ressurreição e de Sua Ascensão, e que ele
retornou para habitar nos fiéis. Levando-se em conta a relação de Lucas e
Paulo, o acontecimento pentecostal reportado por aquele tem provavelmente como
pano de fundo uma eclesiologia paulina.
Porém, sobre
a questão capital do “falar em línguas”, é Lucas quem se torna a chave para
Paulo, e não o inverso.
Devemos notar
que as epístolas de Paulo dão dirigidas àqueles que já foram iniciados nos
mistérios da Igreja. O Evangelho de João é um catecismo pós batismal, destinado
àqueles que já possuem o Espírito. O de Lucas, ao contrário, como os de Marcos
e Mateus, são catecismos pré batismais, e os Atos se dirigem a um público não
iniciado na vida esotérica em Cristo. Porém, como Lucas foi discípulo e
companheiro de Paulo, seus escritos supõem e refletem essa vida secreta em
Cristo.
Para João, a
vinda do Espírito Santo realizou aquilo que Cristo prometeu ao dizer que ele
prepararia um lugar onde, quando regressasse, receberia Seus discípulos junto a
si, de sorte a que eles pudessem estar onde Ele estivesse[46].
Por intercessão de Cristo, o Pai enviaria a Seus discípulos um outro consolador
que eles conheciam porque ele habitava neles e estava neles[47].
Nesse dia, os discípulos saberiam que Cristo está no Pai e que eles estavam em
Cristo e Ele neles[48].
Nesse dia, eles veriam a Cristo, porque ele vive e também eles viverão[49].
Cristo aparecerá àquele que O ama[50].
Cristo e o Pai virão a ele e nele farão Sua morada[51].
Quando vier o Espírito, Ele lhes ensinará todas as coisas e lhes recordará tudo
o que Ele, Cristo, lhe dissera[52].
Quando vier o Espírito da Verdade, enviado por Cristo da parte do Pai, Ele
prestará testemunho de Cristo, e também os discípulos darão testemunho, porque
estão com Ele desde o começo[53].
Quando vier o Espírito da Verdade, ele conduzirá os discípulos com toda
verdade, pois Ele não falará por si, mas dirá tudo o que foi ouvido e lhes
anunciará as coisas por vir. Ele glorificará a Cristo, porque receberá essas
coisas de Cristo e as anunciará aos discípulos. Cristo disse isso porque tudo o
que pertence ao Pai pertence a Ele, Cristo. Por isso o Espírito da Verdade
receberá Dele essas coisas e as anunciará aos discípulos. Pois Cristo repetiu
que em pouco tempo os discípulos já não O veriam, mas que em pouco tempo O
veriam novamente[54].
Depois disso, vem essa passagem, que culmina os capítulos 14 a 17: “Pai, aqueles
que tu me deste, eu quero que eles estejam comigo onde eu estiver, para que
eles contemplem a minha glória que tu me deste, pois me amaste antes da criação
do mundo[55]”.
Para João, o
envio do Espírito Santo por Cristo pressupõe, como condição absoluta, a
Ascensão da natureza humana do Salvador. O mesmo encontramos em Lucas, e também
em são Paulo.
“Agora eu
volto para Aquele que me enviou... para vocês é bom que eu me vá. Pois se eu
não for, o Consolador não virá a vocês; mas, se eu e for, eu vo-lo enviarei[56]”.
João não
confunde as aparições de Cristo que aconteceram depois da Ressurreição com Seu
retorno no Pentecostes, em Seu Espírito, como provam claramente as palavras que
ele reportou de Cristo a Maria Madalena: “Não me toque; pois eu ainda não subi
para Meu Pai[57]”.
Mas nas
aparições que se seguem, Cristo diz a Tomé para colocar a mão em Seu lado. Tomé
crê pela visão, mais do que pelo toque: “Porque você me viu, você acreditou[58]”.
O lugar onde
habita aquele que ama o Pai em Cristo é a natureza humana de Cristo, Templo
natural do Logos e glória natural que Cristo, enquanto Verbo, recebeu do Pai e
divide por natureza com o Espírito Santo. Tornar-se membro do Corpo de Cristo
equivale a se tornar templo de Deus e, ao mesmo tempo, habitar em Deus como em seu
templo. O Pentecostes equivale ao nascimento da Igreja, porque a natureza
humana de Cristo está presente e unida pela graça a cada membro de Seu Corpo:
não que haja uma parte de Cristo em cada um, mas, ao contrário, Cristo inteiro
está presente em cada membro, pela graça. Cristo partiu a fim de poder retornar
no Espírito Santo, numa nova presença de Sua natureza humana que, assim como a
glória incriada de Deus, se divide indivisível na multidão dos fiéis, de sorte
que Cristo está presente e unido pela graça a cada um dos membros de Seu Corpo.
Ao mesmo tempo, o Corpo de Cristo permanece sendo um, de tal modo que Seus
membros estão uns com os outros, na glória e o reino da Santíssima Trindade.
Segundo os
Atos dos Apóstolos, Cristo disse a Seus discípulos antes de Sua Ascensão, que
em breve eles seriam batizados no Espírito Santo[59].
No momento do Pentecostes, “línguas de fogo apareceram e se colocaram sobre
cada um deles e todos se encheram do Espírito Santo, e se viram falando em
outras línguas, segundo o que o Espírito lhes ordenasse anunciar[60]”.
Dada a ligação que existe, como dissemos, em João, entre a vinda do Espírito
Santo e a nova aparição de Cristo a seus discípulos, e levando-se em conta Suas
aparições efetivas ocorridas depois do Pentecostes, como, por exemplo, a
Estevão[61]
e a Paulo[62],
não é sem cabimento pensar – e é até provável – que a promessa do capítulo um
dos Atos[63]
se realizou no Pentecostes no capítulo dois[64].
Durante a Ascensão de Cristo, dois homens vestidos de branco apareceram aos
Apóstolos e lhes disseram que Cristo voltaria “da mesma maneira como eles o
haviam visto no céu[65]”.
Seja como
for, o fato de falar em outras línguas não deve ser confundido com o ato de
“anunciar” (apophtheggesthai). O
“anúncio” de que se trata em Atos[66]
significa a profecia, como se deduz claramente de todo o discurso de são Pedro[67].
Cada pessoa recebia primeiro o dom da língua no coração e depois era inspirada
em seu intelecto para compreender os profetas e Cristo, a fim de profetizar.
Essas distinções são claras em Paulo, e seria inverossímil que não fossem
familiares a Lucas. Uma vez recebido o dom da língua, o Espírito poderia
eventualmente, embora não necessariamente, criar situações semelhantes àquelas
dos Atos[68].
Em todo caso,
o batismo do Espírito é idêntico ao dom das línguas e se distingue nitidamente
do batismo da água. Paulo foi primeiro glorificado ao ver Cristo em glória, e
somente depois foi batizado[69].
Ao receber o dom das línguas não fica claro que ele tinha. Os doze discípulos
de Apolo que haviam recebido o batismo de arrependimento de João, foram
“batizados em nome do Senhor Jesus, e quando Paulo lhes impôs as mãos, o
Espírito Santo desceu sobre eles e eles falaram em línguas e profetizaram[70]”.
O centurião Cornélio e seus companheiros foram primeiro batizados no Espírito,
recebendo o dom das línguas na ou pela glorificação, e depois batizados na água
quando Pedro constatou que já não poderia se opor a isso. “Enquanto Pedro ainda
pronunciava essas palavras, o Espírito Santo desceu sobre todos eles que escutaram
a palavra. Todos os fiéis circuncisos que haviam vindo com Pedro ficaram
espantados de que o dom do Espírito Santo estivesse também partilhado com os
pagãos, pois os ouviam falar em línguas e glorificar a Deus. Então Pedro disse:
Poderíamos recusar a águia do batismo a quem recebeu o Espírito Santo tanto
quanto nós?[71]”.
Pedro justificou sua ação lembrando o que Cristo havia dito antes de Sua
Ascensão a propósito da batismo no Espírito Santo[72],
e concluiu: “Se Deus lhes concedeu o mesmo dom que a nós (...) quem sou eu, e
que poder tenho eu para me opor a Deus?[73]”.
O termo grego que aqui se traduz por “mesmo” é isen, que significa também “igual”. Portanto, o dom recebido nessa
passagem não é apenas o mesmo que o do Pentecostes, mas lhe é igual. Essa noção
de igualdade é o ponto central das disputas que aconteceram em Corinto, onde
muitos fiéis que possuíam apenas o dom das línguas se consideravam iguais aos
outros, sem compreender que isso só ocorreria se as “línguas” fossem precedidas
ou seguidas da glorificação, na medida em que, durante a visão de Deus, todos
os carismas são abolidos, com exceção do amor.
Esse batismo
no Espírito que desabrocha no dom das línguas, e que normalmente é acompanhado
do carisma da profecia, está evidentemente na origem da crisma, esse mistério
que nos torna membros do Corpo de Cristo e templo de Deus.
Parece que,
para são Paulo, seria preciso no mínimo o dom das línguas para ser membro do
Corpo de Cristo. É ele que se encontra no fundamento, não apenas da profecia,
mas de todos os carismas. Abaixo dos que falavam em línguas estavam os “homens
do povo” (idiotai) e os “não fiéis” (apistoi). Esses não eram nem membros do
Corpo de Cristo, nem providos de carismas.
Os “homens do
povo” tinham seu lugar na assembleia, e diziam amém no momento requerido
durante as orações[74].
O fato de que diziam amém nas preces de ação de graças significa que eles
provavelmente haviam recebido o batismo da água e aguardavam a vida do Espírito
Santo em seu coração, ou seja, o dom das línguas; é possível que tomassem parte
na comunhão eucarística, como os Apóstolos antes do Pentecostes. Eram, com
certeza, leigos batizados da comunidade apostólica.
Os “não
fiéis”, aqueles que não tinham a fé, eram provavelmente catecúmenos de origem
pagã, a quem era impossível tratar como eram tratados os judeus. Estes eram
sempre considerados fiéis, desde que não houvessem rejeitado completamente o
Senhor de Glória encarnado.
Aqueles que
possuíam os carismas de que fala a primeira epístola aos Coríntios – carismas
que compreendem os diaconai
(ministérios) e os energêmata (operações)
enumerados nos versículos de 4 a 10, como mostram os versículos de 28 a 31 do
mesmo capítulo, e os dons citados na última passagem – eram todos membros do
clero, classificados segundo seus dons espirituais e não segundo seu papel
litúrgico estrito ou sua ordenação. Foi Deus que os chamou diretamente e lhes
deu o dom da prece em língua, depois de terem eles sido convenientemente
preparados por um pai espiritual. Paulo disse que os Coríntios podiam ter
muitos mestres em Cristo, mas não muitos pais. “Fui eu quem os gerou em Jesus
Cristo pelo Evangelho[75]”.
No entanto, Paulo dá graças a Deus por não ter batizado nenhum deles, com raras
exceções[76].
Isso
significa que Paulo os fez nascer para o reinos dos carismas, dos quais a
palavra em língua ou a prece em língua era o primeiro fundamento. Em outros
termos, os carismas são o produto do batismo do Espírito Santo e o sinal do
pertencimento ao Corpo de Cristo. “Fomos todos, com efeito, batizados no mesmo
Espírito[77]”.
Trata-se claramente aqui do batismo do Espírito. Toda a sequência mostra que o
Corpo de Cristo não compreende senão aqueles que receberam este batismo.
Assim como
nos Atos, o fato de falar em línguas é, para Paulo, um signo fundamental do
batismo no Espírito. Mas em duas passagens[78]
os “gêneros de línguas” parecem à primeira vista separadas dos carismas mais
elevados, o que dá a impressão de que a Igreja poderia passar sem elas. Porém,
a afirmação de que “nem todos falam em línguas[79]”
não quer dizer que aqueles que possuem carismas mais elevados não o fazem, mas
sim que os “homens do povo” e os “não fiéis” não falam em línguas, como fica
claro em I Coríntios 14: 16, 23, 24. Quando Paulo enumera aqueles que Deus estabeleceu na Igreja, ele
começa pelos Apóstolos, que ele coloca em primeiro lugar, e acaba pelos “gêneros
de línguas”, que ele deixa por último[80].
Os “homens do povo” (idiotai) não são
contados, nem aqui nem na explicação da organização da assembleia em I
Coríntios 14: 26 e ss. A razão disto é que eles ainda não possuíam o dom do
Espírito Santo clamando incessantemente neles em não foram assim colocados por
Deus no Corpo de Cristo.
Fica claro, a
partir do que são Paulo diz de si mesmo, que os carismas mais elevados implicam
os inferiores, mas não o inverso. “Eu dou graças a Deus por falar em línguas
mais do que todos vocês; mas, na igreja, eu prefiro dizer cinco palavras com a
minha inteligência, a fim de instruir também os outros, do que dez mil palavras
em línguas[81]”.
Isso não quer dizer que são Paulo, quando estava na igreja, não orasse em
língua, ou seja, no Espírito; mas que na igreja ele se considerava igualmente
obrigado a orar também com sua inteligência para a edificação dos demais. “Eu
rezarei pelo espírito, mas também rezarei com a inteligência[82]”.
Por “gêneros
de línguas”, são Paulo entende evidentemente a oração, a recitação dos salmos e
o canto dos hinos e das odes espirituais[83].
Assim, alguns possuem os “gêneros de línguas” e outros possuem ademais a
“interpretação das línguas[84]”.
“Aspirem aos dons espirituais, mas sobretudo ao da profecia(...) eu gostaria de
falar a todos em línguas, mas mais ainda que vocês profetizassem, pois aquele
que profetiza é maior do que o que fala em línguas, a menos que este último
interprete, para que a Igreja receba dele a edificação[85]”.
Tal como nos Atos, a existência da profecia resulta aqui do dom da língua, mas
nem sempre este conduz à profecia. Em parte alguma se diz que Cornélio e seus
companheiros profetizavam, embora eles falassem em língua, porque haviam sido
glorificados. Porém, o falar em língua poderia desabrochar na interpretação,
mais do que na profecia, e esses dois carismas são iguais.
Entretanto,
apesar dessa igualdade, os profetas têm maior importância. Além de que seu
carisma se encontra no último lugar da lista, os que falavam ou oravam
simplesmente em línguas se viam, para Paulo, praticamente reduzidos, na Igreja,
a um silêncio mais apropriado aos “homens do povo”. Os que apenas falavam em
línguas deviam guardar silêncio e ter intérpretes como porta-vozes, que
falassem por dois ou três dentre eles a cada turno. “Se não houver intérprete,
que ele se cale na Igreja, e somente fale a si mesmo e a Deus[86]”.
Em outros termos, ele deve continuar a orar em língua inaudivelmente, e deixar
que os outros dirijam o culto de todo o corpo dos fiéis e dispensar a instrução
para o benefício que possam obter de sua inteligência, a qual, nesse caso,
transmite seus pensamentos pelas palavras da boca e da língua criadas.
O grupo
desses fiéis cuja formação espiritual não havia ultrapassado o carisma da prece
em línguas, também chamada de “prece pelo Espírito”, parece ter sido a
principal fonte das desordens da Igreja de Corinto. Eles deviam formar uma
maioria, que impusera, de modo democrático, a prática da prece inaudível em
língua como prece coletiva na igreja, a fim de demonstrar sua igualdade em
relação a todos. Se eles não interpretavam nem profetizavam era, provavelmente,
em função de sua incultura, que os tornava incapazes de expor sua experiência –
autêntica, é verdade – de modo coerente, conciso e ordenado. Tratava-se, sem
dúvida, de pagãos convertidos na maior parte dos casos, que não estavam nem a
par dos costumes da sinagoga, nem familiarizados com o mundo do Antigo
Testamento. O mais alto grau que eles poderiam atingir era, para muitos deles,
a interpretação ou o ensino da oração aos outros. Dentre eles, naturalmente,
muitos eram mulheres: e isso deu ocasião a Paulo para aplicar um princípio já
testado da velha sabedoria rabínica. O carisma da interpretação era
evidentemente necessário para manter esse grupo silencioso na Igreja. O
destaque para “se não houver intérprete” parece indicar que estes só seriam
designados quando esse grupo tivesse sido conduzido à obediência.
A sensível
irritação de são Paulo provém de que um grupo de carismáticos coríntios teria,
sem dúvida, convencido os outros fiéis ricos nessa graça, a conduzir o culto
coletivo sem dar expressão sonora à prece que o Espírito Santo dizia em seus
corações. Para Paulo, essa prece era, em si, uma coisa boa. “É verdade que você
presta excelentes ações de graças, mas o outro não fica edificado por isso[87]”.
“Se você abençoa pelo Espírito, como poderá o homem do povo responder “Amém” à
sua ação de graças, pois ele não sabe o que você disse?[88]”.
Fica claro que “orar em língua” e “orar pelo Espírito” eram termos
intercambiáveis.
São Paulo
trata dos diferentes tipos de sons que existem no mundo, tanto aqueles das
coisas sem vida, como flautas, harpas e trompetes, quanto os produzidos pelo
homem. Que Paulo está falando aqui de sons de fato, em suas ressonâncias, e não
de sons confusos e incompreensíveis, deduz-se claramente da expressão adelos phoné que ele emprega em I
Coríntios 14: 8, e que significa “som oculto” ou “som não manifestado”. No
versículo 9 do mesmo capítulo 14, Paulo fala da impossibilidade de compreender
um discurso que não é transmitido por palavras formadas pela língua. Ele
prossegue dizendo: “Tais são, e outros existem ainda, os diversos tipos de sons
que encontramos no mundo, e nenhum é mudo. Assim, se eu não conheço o valor do
som, eu serei um bárbaro para aquele que fala, e ele o será para mim[89]”.
O próprio
fato de que alguns Coríntios falavam em línguas, mas sem explicar nem
profetizar, prova de modo definitivo que essa palavra em línguas não constituía
o anúncio (apophtheggesthai) de que
se trata em Atos 2: 1 e ss. Por outro lado, Paulo não fornece a menor indicação
que permita supor que os que haviam recebido o dom das línguas sentissem
dificuldades em compreender uns aos outros. Parece que somente os “homens do
povo” e os “não fiéis” não podiam participar daquilo que se passava então.
Entretanto, quando todo o grupo de carismáticos se pôs a profetizar, então,
tanto os “homens do povo” como os “não fiéis” viram que eles mesmos e os
segredos de seus corações eram revelados por um exame atento[90].
Trata-se do diagnóstico de que falamos acima. Eles adquiriram a certeza de que
os profetas de fato possuíam a Deus em si mesmos. Aa confiança que eles
passaram a depositar neles e sua submissão à terapia desses pais espirituais os
conduziu à adoção no Espírito e à união com o Corpo de Cristo, ou seja, o dom
das línguas.
Assim, um
diagnóstico da doença espiritual de que sofre o coração, efetuada pelos
terapeutas que possuem o discernimento dos espíritos[91]
constitui, para cada um, no ponto de partida indispensável para receber a
terapia da prece do Espírito Santo no coração, a única que permite compreender as
coisas que se referem a Cristo e a Seu Corpo, a Igreja. Eis porque “as línguas
são um sinal, não para aqueles que têm a fé, mas para os que não a têm,
enquanto que a profecia é um signo, não para os que não têm fé, mas para os que
a têm[92]”.
Dito de outro modo, as línguas não são um sinal para os que possuem o dom da fé
interior no coração, pois estes têm, eles próprios, o dom das línguas[93],
mas para aqueles que são desprovidos dela. Ao contrário, a profecia, é um signo
não para aqueles que não possuem essa fé, porque eles também não possuem o dom
das línguas que os tornaria capazes de profetizar e de compreender a profecia,
mas é um signo para os que têm fé, por que estes, possuindo o dom das línguas,
compreendem a profecia. É preciso assim começar pela fé exterior, aceitando a
autoridade ou a competência do terapeuta. Quanto a permanecer no estado daquele
que ora e recita os salmos de cor sem progredir ao menos até a interpretação
que edifica os demais, isso equivale a sufocar todo crescimento espiritual, e
essa atitude não pode conduzir ao amor que não busca seu próprio interesse. “É
por isso que existem muitos dentre vocês que são fracos e doentes e um grande
número que estão adormecidos[94]”.
O fato de
falar em línguas não é um fenômeno específico de Corinto. São Paulo fala aos
romanos do culto no intelecto (logiken
latreian) e da transformação que provém da renovação do intelecto[95].
Como é possível essa renovação? Pela libertação do intelecto que se liberta da
lei que reside em nossos membros, a qual luta contra aquela que o intelecto
aceita e nos retém cativos da lei do pecado[96].
“É assim que eu me torno, pelo intelecto, escravo da lei de Deus, e pela carne
escravo da lei do pecado. Não há assim condenação alguma para aqueles que estão
em Jesus Cristo, porque a lei do Espírito de vida em jesus Cristo me libertou
da lei do pecado e da morte[97]”.
“Mas se Cristo está em vocês, o corpo, é verdade, está morto por causa do
pecado, mas o Espírito está vivo por causa da justiça[98]”.
“Pois todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus,
pois vocês não receberam um espírito de servidão para ainda viverem no temor:
mas receberam um Espírito de adoção, no qual podemos clamar: Abba! Pai! O
próprio Espírito dá testemunho ao nosso espírito de que somos filhos de Deus[99]”.
Em outros termos, cada um sabe se foi justificado e adotado em Cristo pelo Espírito,
quando escuta a prece do Espírito falar incessantemente em seu coração.
Que essa lei
do Espírito de vida em Cristo constitui exatamente o dom das línguas mencionado
na primeira epístola aos Coríntios e nos Atos, fica claro no principal ponto da
exposição paulina: “Pois nós não sabemos o que pedir em nossas preces, mas o
próprio Espírito intercede por nós com gemidos silenciosos (stenagmois alaletois). Mas Aquele que
sonda os corações conhece qual é o pensamento do Espírito, pois é segundo Deus
que ele intercede em favor dos santos[100]”.
Dito de outra maneira, ser membro do Corpo de Cristo é possuir esse dom das
línguas. “Se alguém não possui o Espírito de Cristo, este não Lhe pertence[101]”.
Vemos assim porque são João chama o Espírito Santo de “outro paráclito[102]”,
palavra que significa literalmente “advogado” ou “intercessor”.
Uma das
passagens mais marcantes sobre os gêneros de línguas (gene glosson) é talvez este: “Mas estejam cheios do Espírito,
falando em vocês mesmos[103]
nos salmos, nos hinos e nas odes espirituais, cantando e salmodiando em seus
corações ao Senhor, rendendo continuamente graças a Deus Pai por todas as
coisas, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo[104]”.
Esta passagem representa, sem dúvida, uma ampliação da frase: “Eu salmodiarei
pelo Espírito[105]”,
recitação que devemos distinguir de outra: “Eu salmodiarei com o intelecto[106]”.
Enfim, esse texto reflete claramente o que Paulo nos diz de si mesmo[107]
e testemunha ainda do caráter incessante dos gêneros de línguas.
À luz de tudo
o que lemos, ficam claras as palavras da epístola aos Tessalonicenses:
“Alegrem-se, orem sem cessar, rendam graças a todo instante. Pois essa é a
vontade de Deus para vocês em Jesus Cristo. Não apaguem o Espírito, não
desdenhem dos profetas, mas experimentem tudo, retenham o que é bom e
abstenham-se de toda espécie de mal[108]”.
Este trecho resume tudo o que vimos até aqui.
Portanto, é a
lei do Espírito de vida em Cristo que, longe de se opor à Torah criada, torna
possível sua realização. Entendemos assim porque os Padres não restringiram o
Antigo Testamento à Lei, nem conceberam o Novo simplesmente como a graça. Para
Paulo, a fé não se reduz à aceitação dos dogmas, mas inclui também o dom das
línguas no coração. As mesmas noções estão subentendidas, sem dúvida, na
epístola de Paulo aos Gálatas.
“A lei foi
nosso pedagogo para nos conduzir a Cristo quando éramos crianças, a fim de que
fôssemos justificados pela fé. Depois que chegou a fé, já não estamos sob a
tutela de um pedagogo como estão as crianças[109]”.
Paulo não opõe aqui, como sendo momentos históricos, o Velho e o Novo
Testamentos, em termos de uma lei supostamente abolida pela graça depois da
vinda de Cristo. Não, ele fala de coisas contemporâneas, e distingue os
catecúmenos, que estão sob a pedagogia da lei, daqueles que receberam o batismo
no Espírito. Os Gálatas, enquanto crianças espirituais, estavam sob a pedagogia
da Torah; mas agira que receberam o batismo do Espírito, já não são mais
“homens do povo” nem “não fiéis”, por terem em seus corações da lei incriada do
Espírito Santo de Cristo. A fé não é aqui uma simples crença ou confiança em
Cristo, mas fé interior, que se manifesta como dom de línguas. “Pois vocês são
todos filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, porque todos os que foram
batizados em Cristo, de Cristo se revestiram (...) E porque são filhos, Deus
enviou ao seus corações o Espírito de Seu Filho, que clama: Abba, Pai, de tal
modo que vocês já não são escravos, mas filhos; e se são filhos, são também
herdeiros por Cristo[110]”.
Justificação pela fé, dom das línguas, batismo em Cristo, reconciliação e
adoção: diferentes palavras para um só e mesma realidade.
É no interior
deste reino de vida em Cristo que não existem mais “Grego ou Judeu, escravo ou
homem livre, homem ou mulher, pois vocês estarão todos em Jesus Cristo[111]”.
Ao atingir o nível da prece em línguas e o da profecia, todos são um em Cristo.
É por isso que lemos: “todo home que ora ou que profetiza” e “toda mulher que
ora ou que profetiza” em I Coríntios 11: 4-5.
Entretanto,
os homens devem orar com a cabeça descoberta e as mulheres com a cabeça
coberta, porque “a cabeça do homem é Cristo, mas a da mulher é o homem, e a de
Cristo é Deus[112]”.
Dado que se profetiza para a edificação dos demais[113]
e da Igreja[114],
é de se esperar que as mulheres profetizem dentro da igreja também. “Pois vocês
todos podem profetizar sucessivamente, a fim de que todos sejam instruídos e
que todos sejam reconfortados[115]”.
Porém Paulo proíbe às mulheres tomar a palavra na Igreja. Por outro lado,
quando ele diz que as mulheres devem profetizar com a cabeça coberta, ele
parece se referir às suas funções durante as assembleias eclesiais.
A igualdade
entre homens e mulheres na profecia realiza estritamente a predição do Velho
Testamento, reportado por Pedro em seu discurso do dia de Pentecostes[116].
O profetas
mencionados em Efésios 2: 20 evidentemente não são os do Antigo testamento, mas
os profetas da Igreja, como em Efésios 3: 5. Cristo “não foi manifestado aos
filhos dos homens para outras gerações, do mesmo modo como foi revelado agora
pelo Espírito aos Seus santos apóstolos e profetas”. Essas palavras lembram
claramente, ao que parece, que os profetas que ocupavam o segundo posto na
Igreja, logo depois dos Apóstolos[117],
deviam seu lugar ao fato de que Cristo se revelara a eles em glória, assim como
se revelou aos Apóstolos. Dito de outro modo, não era apenas em virtude do dom
das línguas que eles profetizavam, mas porque, além disso, haviam sido
glorificados em Cristo pelo Espírito. Expondo a ideia de que os membros do
Corpo de Cristo não são todos um único e mesmo membro, Paulo conclui com essas
palavras: “Se um membro é glorificado, todos os membros se regozijam com ele,
pois vocês são o Corpo de Cristo e Seus membros, cada qual à sua maneira. E
Deus estabeleceu na Igreja primeiramente os apóstolos, depois os profetas e
depois os doutores...[118]”.
À luz da passagem da epístola aos Efésios 3: 5, isso significa que os profetas
eram chamados do mesmo modo como os Apóstolos.
É
evidentemente nesse contexto que se deve entender os versículos a seguir: “Assim,
portanto, vocês não são mais estrangeiros, nem gente de fora; mas são
concidadãos dos santos, pessoas da cada de Deus. Vocês foram edificados sobre o
fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo o próprio Jesus Cristo a pedra
angular[119]”.
Diante de
nossos olhos se desenha assim uma escala de perfeição, que culmina no amor que
não busca seu próprio interesse[120],
o único que não perece jamais[121],
no tempo em que todos os carismas serão abolidos pela vinda do perfeito, ou
seja, da glorificação, ou visão de Deus no encontro face a face com Cristo em
Glória[122].
Porém, quando esse tempo houver passado, o amor subsistirá com a fé, a
esperança e os carismas que os acompanham.
Aquilo que
hoje em dia chamamos de “eclesiologia eucarística” é um fenômeno de estrutura
que nasceu no contexto da realidade do Corpo de Cristo tal como Paulo a encara.
No coração dessa estrutura se encontra o diagnóstico da enfermidade do coração
e seu tratamento por meio dos carismas dos quais a prece do Espírito Santo no
coração era a condição necessária, a glorificação e o fundamento último.
Enquanto a comunidade local foi o Corpo de Cristo, no sentido que atribui são
Paulo, a “eclesiologia eucarística” não era outra coisa que a expressão
estrutural normal e natural. Porém, esse coração da assembleia local se
enfraqueceu gradualmente e, por conseguinte, a estrutura da Igreja evoluiu,
segundo a vontade diretora daqueles que, geração após geração, transmitiram a
tradição da prece do Espírito Santo no coração, pois é ela que constitui o
coração da tradição dos Apóstolos e da sucessão apostólica.
Supõe-se que
o clero é eleito dentre os fiéis, ou seja, que seus membros são extraídos de
entre pessoas em estado de glorificação ou de iluminação. A eleição constitui
um reconhecimento da qualidade de mestre espiritual atingido pelo fiel. O
processo histórico que tornou possível que certos patriarcas e metropolitas
tenham ordenado bispos que não haviam alcançado a experiência espiritual
indicada pelos dogmas, e cujos mistérios eles não eram capazes de expressar,
este processo foi descrito por são Simeão o Novo Teólogo († 1042),
que é reconhecido como um dos grandes entre os Padres. Isso significa que sua
análise histórica faz parte integrante da consciência da Igreja, tal como ela
entende a si mesma.
Numa obra
consagrada à confissão e outrora atribuída a são João Damasceno, são Simeão
explica de que modo as pessoas que, num período anterior, eram leigos na
Igreja, começaram a se fazer ordenar ao episcopado, simulando uma iluminação
que não possuíam. Essas pessoas não iluminadas foram a causa da aparição das
heresias no interior da Igreja. Isso não quer dizer que se deixa de ser
ortodoxo por introduzir novos dogmas, mas por que não se é iluminado. Incapazes
de encontrar candidatos iluminados, ou preferindo os indignos, alguns
patriarcas e metropolitas ordenaram bispos que não possuíam o estado de
iluminação. Em lugar desse estado, ele “se contentaram com exigir deles a
recitação escrita do Credo da fé e se deram por satisfeitos que eles nem
zelassem pelo bem, nem tivessem querelas com ninguém pelo mal, mas que
preservassem dentro desses limites a paz da Igreja, coisa que foi, no entanto,
pior do que toda raiva e uma desordem imensa[123]”.
Para quem é
capaz de ver, em são Simeão revela o conflito secular que opõe, de um lado, a
tradição apostólica do diagnóstico e da terapia e, de outro, aqueles que
pretenderam reduzir a salvação à confiança e à fé nos dogmas, aos méritos das
boas obras e à moral.
Quaisquer que
tenham sido as razões reais da ascensão do monaquismo, foi a prece do Espírito
Santo no coração que se tornou seu coração e sua alma. Desde o começo de sua
Vida de Antônio, santo Atanásio nos ensina que “ele estava constantemente em
oração, sabendo que o homem deve orar secretamente sem cessar[124]”.
São João Cassiano nos ensina que a prece permanente é a prática usual de “todo
monge que progride para alcançar a lembrança perpétua de Deus[125]”.
Essa tradição
estava ainda bastante viva nos reinos merovíngios. Entretanto, o episcopado
foi, nessa época, transformado numa corrente de transmissão administrativa a
serviço dos reis francos. Assim embora Gregório de Tours tenha sido um grande
admirador de Cassiano, de Basílio o Grande e de seus descendentes espirituais
da Gália, ele não compreendeu a verdadeira natureza da ocupação à qual eles se
dedicavam. Ao descrever a vida de Pátroclo o Recluso, Gregório escreveu que
“seu regime se compunha de pão misturado com água e levemente salgado. Durante
o sono, seus olhos não se fechavam. Ele orava sem cessar, ou, se se detinha por
alguns momentos, passava o tempo em leituras ou com as escrituras[126]”.
Gregório pensava que, para orar sem cessar, era preciso de algum modo estar
sempre desperto. Da mesma forma, como ele sabia que Pátroclo ocupava algum
tempo a ler e escrever, Gregório concluiu que ele devia parar de rezar nesses
momentos. Sua afirmação de que os olhos de Pátroclo não se fechavam durante o
sono é perfeitamente inverossímil. Somente no estado de glorificação Pátroclo
não dormia. Mas então ele tampouco comia pão ou bebia água, e, mais notável
ainda, parava de orar quando se encontrava nesse estado (“as línguas cessam”,
diz Paulo em I Coríntios 13: 8). Fora desses momentos em que se encontrava em
estado de glória, ele o0rava sem cessar, dormindo ou acordado, e também quando
estava a ler ou a escrever.
E. PROFECIA E TEOLOGIA
As
observações que fizemos até agora nos inclinam fortemente a pensar que aquilo
que em Paulo se chama “profetizar” e “tornar-se profeta” é análogo, senão
idêntico, ao que encontramos na tradição patrística sob o nome de “teologia” e
“teólogo”. A desaparição dos termos “profeta” e “profecia” se deve talvez à
fiação do cânon do Novo Testamento, à predominância dos termos padre e bispo, e
ao fato de que a experiência da glorificação se tornou mais rara, diminuindo o
número de profetas e tornando igualmente mais raro o dom das línguas.
Entretanto, a realidade dos dons das línguas e da glorificação não desapareceu;
eles foram preservados em especial no seio do movimento monástico, que se
tornou o centro principal dessa tradição e forneceu à Igreja seus metropolitas,
seus arcebispos e, finalmente, até seus bispos.
A primeira
epístola aos Coríntios, em seus capítulos de doze a catorze – e sobretudo 14:
26 ss – nos introduz na escola teológica da Igreja dos Apóstolos. Foi ela que
formou os Padres da Igreja. Lembremo-nos do principal argumento que são
Gregório o Teólogo opõe aos adeptos de Eunomo: que teologizar ou filosofar
sobre Deus não é permitido senão aos que atingiram a theoria, com a qual ele entende a prece do Espírito Santo no
coração, ou seja, a lembrança de Deus, interrompida de tempos em tempos pela
glorificação. Assim profetizar ou teologizar consiste em interpretar a
Escritura sob a direção do dom das línguas, e se torna profeta ou teólogo aquele
que atinge a glorificação.
No entanto,
essa teologia é pura terapia e signo de santidade. Elevar-se em direção à
glorificação com as asas da prece noética, tal é o tratamento, e alcançar a
glorificação dá o gosto pela saúde e pela perfeição que começam a aparecer. Ao
mesmo tempo, essa glorificação é a revelação de toda a verdade pelo Espírito
Santo.
De acordo com
os Padres, os profetas também tiveram a prece perpétua, seu caminho normal para
a glorificação. No entanto, sua experiência não implicava nem participação no
Corpo de Cristo, nem vitória duradoura sobre a morte. O dom das línguas do
Pentecostes ainda não acontecera. Assim é que o segundo dom inclui o primeiro,
mas o inverso não é verdadeiro. Por conseguinte, aquele que possui o dom das
línguas conhece o espírito daquele que não possui mais do que o dom da prece.
Quem tem o dom das línguas ou a prece noética, mas sem a glorificação, pode
progredir na inteligência do espírito dos Profetas. Mas quem não possui o dom
das línguas é incapaz disso. “Nós recebemos o Espírito que provém de Deus, a
fim de que conheçamos as coisas que Deus nos concedeu gratuitamente[127]”.
É nesse
contexto que no interior das assembleias cada Coríntio carismático – dotado do
dom das línguas – expunha, seja um salmo, seja um ponto de instrução, uma
experiência de revelação ou ainda algo que tinha a dizer, a interpretar ou a
ensinar sobre o dom das línguas[128].
“Quanto aos profetas, que falem dois ou três, e que os demais julguem; e se a
algum outro, que esteja sentado, [um significado mais exato] vier a ser
revelado, que o primeiro [o que falava] se cale. Pois todos vocês podem
profetizar sucessivamente, a fim de que sejam todos instruídos e exortados os
espíritos dos profetas estão submetidos aos profetas; pois Deus não é um Deus
de desordem, mas de paz[129]”.
Dito de outra forma, os profetas sabem como se deve profetizar, de modo que
toda instrução e toda troca entre os que profetizam (mas que ainda não são
profetas propriamente falando) deve ser submetidas ao seu controle. São os
glorificados em Cristo que julgam todos os outros e não são julgados por
ninguém. “Mas aquele que possui o Espírito, certamente, julga sobre tudo, e ele
próprio não é julgado por ninguém. Pois quem conhece o pensamento do Senhor,
para instruí-lo? Ora, nós possuímos o pensamento de Cristo[130]”.
Em outros termos, o pensamento ou a inteligência dos Apóstolos e dos profetas
se torna igual à de Cristo por causa da glorificação; daí resulta que eles já
não vivem, porque foram crucificados e morreram para o pecado, e é Cristo que
vive neles[131].
Estes são os verdadeiros “amigos de Deus”.
Então, o que
está descrito nessa passagem de I Coríntios 14: 26-33? Uma mudança que se
refere à experiência que cada um teve do Espírito Santo, e que aconteceu sob a
direção dos profetas, para a edificação e o crescimento na inteligência e na
perfeição. É a forma apostólica da confissão comunitária, conforme aparece na
leitura de I Coríntios 14: 24, onde a profecia conduz ao exame preciso dos idiotai e apistoi e à manifestação das coisas ocultas em seus corações. É
quase certo que a profecia de que fala Paulo e a teologia tal como os Padres a
compreendem são a mesma coisa. Tanto o profeta como o teólogo se formam pela
purificação, a iluminação e a glorificação do coração, no qual a operação do Espírito
satura e sobrepuja a inteligência e as paixões, transformando assim o amor
próprio interessado em amor desinteressado pelo próximo.
Traço
notável, o Cristo que os carismáticos experimentam no interior de si mesmos, e
que eles veem de tempos em tempos pelo Espírito na glória de Deus é idêntico
àquele que eles encontravam no Antigo Testamento na glorificação dos profetas.
São Paulo, numa observação feita de passagem, revela toda a estrutura
fundamental do culto e da fé das comunidades apostólicas. “Pois, se eles
houvessem conhecido, não teriam crucificado o Senhor de Glória[132]”.
O próprio modo como essa sentença aparece, jogada no meio do desenvolvimento de
um raciocínio, e seu caráter único nas cartas de Paulo testemunham que seus
leitores a consideravam evidente. Não temos dúvidas sobre o sentido da
expressão, porque um pouco adiante Paulo explica que foi Cristo quem conduziu
os Hebreus para fora do Egito e os sustentou durante sua estada no deserto,
“pois eles bebiam em um rochedo espiritual que os seguia, e esse rochedo era
Cristo[133]”.
Os Gálatas receberam Paulo “como um Anjo de Deus, como Jesus Cristo[134]”
– alusão provável à hospitalidade oferecida por Abrahão ao Anjo de Glória.
Paulo não via absolutamente a Cristo no Antigo Testamento como um Messias qualquer
terrestre ou celeste, mas como o próprio Senhor de Glória, que se tornaria
Messias por Seu nascimento da Virgem.
O significado
preciso do nome de “profeta” em são Paulo é, portanto, o seguinte: aquele que
viu o mesmo Senhor de Glória que os profetas do Velho Testamento. É nisso que
constitui a chave da experiência do dom da profecia e o centro do culto e do
estudo da assembleia paulina dos carismáticos. A Escritura que eles utilizavam
era o Antigo Testamento, no qual, pelo testemunho de sua própria experiência de
línguas, eles viam Cristo em toda parte nas vidas dos profetas, como Senhor e
Anjo de Glória. Se eles houvessem lido o Antigo Testamento a partir dos
pressupostos de Agostinho e de seus herdeiros em teologia, não teriam existido arianos,
nem eunominianos, nem os Concílios Ecumênicos da História, não porque não
teriam existido heréticos, mas porque não teriam existido arianos, nem
eunominianos, nem ortodoxos. Fazer teologia a partir de um monoteísmo abstrato
que se imagina existir no Velho Testamento, ou sobre uma ideia filosófica de
Deus, equivale a praticar a astronomia com a ajuda da imaginação ao invés de
utilizar telescópios sob a orientação de especialistas. A esse respeito,
arianos e eunominianos pertenciam à tradição patrística e bíblica da teologia
empírica, enquanto que Agostinho divaga nas esferas do misticismo neoplatônico e
do monoteísmo abstrato.
O que nos
mostra claramente que são Paulo acredita que Deus, em Cristo, revelou por Seu
Espírito toda a verdade na experiência da glorificação, é aquilo que ele diz
quando opõe a criança e o adulto. “Quando eu era criança, falava como criança,
pensava como criança, raciocinava como criança. Quando me tornei homem, aboli o
que era infantil. Pois atualmente vemos por meio de um espelho, de uma maneira
obscura, mas então veremos face a face. Presentemente, eu conheço em parte, mas
então eu serei conhecido como um dia fui conhecido[135]”.
Passa-se assim da infância submetida à lei[136]
para a idade adulta nutrida pela fé, onde temos o dom das línguas e onde a lei
criada é substituída pela lei incriada dentro do coração. Durante esse período,
vemos por intermédio de um espelho, de modo obscuro, e conhecemos e
profetizamos parcialmente[137].
Paulo fala aqui daqueles que profetizavam simplesmente em virtude do dom das
línguas. “Quando vier o que é perfeito, o que é parcial desaparecerá (...) então
eu serei conhecido como um dia fui conhecido[138]”.
O que Paulo quer dizer aqui? Que ninguém se torna profeta simplesmente por
profetizar em virtude do dom das línguas[139].
Acima da profecia se encontra a abolição da profecia na glorificação, que
equivale à vinda do perfeito, onde o glorificado se torna conhecido como Paulo foi
conhecido por Deus. Essa é a experiência que faz o apóstolo e o profeta.
São Paulo
teria considerado inteiramente incongruente a ideia de que a Igreja pudesse ser,
seja conduzida em toda a Verdade, seja levada a uma melhor inteligência de toda
a Verdade, como dão testemunho essas palavras: “E, como está escrito, as coisas
que o olho não viu, que o ouvido não escutou e que não foram mostradas ao
coração do homem – todas essas coisas que Deus preparou para aqueles que O amam
– Deus nos revelou pelo Espírito[140]”.
Segundo Paulo, Deus revela a cada glorificado “todas as coisas” “que Deus
preparou para aqueles que O amam”. Em outros termos, “toda a Verdade[141]”,
da qual aqueles que amam a Deus são chamados a participar.
Parece ser
bem certo que não encontramos em parte alguma, no Novo Testamento, a menção a
uma revelação de toda a Verdade que seria feita à Igreja, ou a ideia que ela
seria conduzida à compreensão de toda a Verdade. Toda a verdade, a Toda-Verdade,
é Cristo. Ela é revelada por Seu Espírito, também chamado de Espírito de
Verdade, àqueles que são glorificados em Seu Corpo. Os outros membros do Corpo
de Cristo, que possuem essa qualidade de membros por terem o dom da prece
incessante do Espírito Santo no coração, não conhecem senão em parte e não
profetizam ou teologizam senão em parte. São aqueles que “veem por intermédio
de um espelho, de modo obscuro, que não conhecem nem profetizam senão
parcialmente[142]”.
Todos os outros fiéis de Cristo são crianças submetidas à Lei. A ideia de que
eles pudessem profetizar ou teologizar teria parecido a Paulo tão absurda quanto
o foi aos olhos dos Padres serem confrontados por leigos e heréticos que se diziam
teólogos.
Uma vez que
podemos, sem risco de erro, afirmar que o profeta representa, no pensamento de
Paulo, um elemento indispensável à estrutura do Corpo de Cristo[143],
do qual ele constitui um dos principais fundamentos, juntamente com os
Apóstolos, é forçoso concluir que sem profetas não existe Igreja. Isso é
perfeitamente exato, desde que se compreenda que o profeta é aquele que
experimentou a glorificação igual à dos Apóstolos. Que eles sejam chamados
profetas ou Padres da Igreja, tanto faz. O essencial é que os seres que,
possuindo a prece contínua, atingiram a glorificação, constituem o verdadeiro
coração da Santa Tradição, pois sem eles o Corpo de Cristo não pode existir.
Que esses Padres estejam presentes no seio das comunidades locais ou se
encontrem apenas nos mosteiros não muda em nada o fato de que são eles os
únicos especialistas capazes de produzir os membros do Corpo de Cristo. Sem eles,
os mistérios (os “sacramentos”) da Igreja se transformam num sistema de pura
magia. Em parte alguma são Paul diz que o Corpo de Cristo pode ser edificado
por meio do batismo, da crisma, da eucaristia ou de coisas desta ordem, mas
apenas por meio dos Apóstolos e dos profetas. O que ele quer dizer é que esses
apóstolos, esses padres, dão nascimento a outros seres em Cristo, preparando-os
para receber a prece do Espírito Santo no coração. Somente nesse contexto os
sacramentos, batismo, crisma, eucaristia, ordenação, confissão, penitência e todos
os demais, não são prestidigitação.
Se admitimos
a hipótese que apresentamos, podemos ver perfeitamente porque, deixando de lado
Agostinho, nenhum dos Padres da Igreja jamais imaginou desempenhar um papel no
esforço supostamente cumprido pela Igreja no sentido de melhorar com a passagem
do tempo sua inteligência do mistério de Deus e da encarnação. A formulação do dogma não tem rigorosamente
nada a ver com uma tentativa qualquer de compreender esses mistérios. Todos os
Padres concordam com Gregório de Nazianze, que chamamos “o Teólogo”
precisamente porque ele atingiu a glorificação, no dizer que é impossível
exprimir a Deus e mais impossível ainda concebê-Lo. A teologia não consiste em
conceber a Deus, e o dogma não consiste em expressar a Deus. Teologizar
consiste em conhecer a Deus pela prece ininterrupta e pelo estudo da Escritura:
o dogma é o guia que conduz a Ele em meio ao oceano das superstições e das
falsas ideias sobre Deus. Teologia e dogma são abolidos no momento da visão de
Cristo na glória de Seu Pai, pelo Espírito Santo, experiência que transcende
todo conceito ou expressão relativos a Ele, ao mesmo tempo em torna capaz de
encontrar os conceitos e as expressões que conduzirão outros até Ele.
Isso
significa que é preciso fazer uma distinção radical entre a doutrina sobre Deus
e o mistério de Deus. Agostinho confundiu as duas coisas e pensou que aceitando
a doutrina ele poderia, por meio da fé, compreender o mistério, mas o objetivo
da doutrina não é ser compreendida, mas ser abolida na glorificação, esta que
está acima da compreensão, pois Deus é um mistério e permanece um mistério
mesmo para aquele que O veem em Cristo. Podemos, é verdade, dizer que a
doutrina se dá a conhecer, mas apenas a quem conhece seu objetivo e não a
confunde com o próprio Deus.
A formulação
do dogma no Credo e nas definições dos Concílios locais e ecumênicos da
tradição ortodoxa foi, em cada caso particular, uma resposta à heresia, e
jamais o momento de um pretenso desenvolvimento dogmático devido à especulação,
nem uma etapa da famosa, mas ilusória transformação
dos teologumenos, dos discursos teológicos, em dogmas.
Para os
Padres, teologizar consiste em raciocinar em conformidade com a prece contínua,
com a Escritura lida dentro da tradição de seus próprios Pais espirituais e
ainda a partir de sua própria glorificação – caso tenham atingido esse estado –
ou a de outros, mas jamais por especulação.
Para
encerrarmos esse capítulo, lembraremos que Orígenes (185-255) identifica o falar
em línguas de I Coríntios com a prece ininterrupta do Espírito Santo no
coração, e vê essa tradição operando desde o Antigo testamento, pois é essa
prece que faz os profetas. Os Padres capadócios não mostram a menor marca de
desacordo com Orígenes sobre esse ponto, até onde pude verificar. Na época de
são João Crisóstomo (344-407), porém, em Antioquia, uma tradição interpretativa
diferente prevaleceu, segundo a qual a palavra em línguas seria o dom com o
qual os Apóstolos falavam na língua dos povos a quem evangelizavam. Não obstante,
pensava-se que esse dom das linguagens acompanhava o da prece incessante, ao
qual, segundo são João Crisóstomo, se refere são Paulo em sua primeira epístola
aos Coríntios, 14: 14-16. São Cirilo de Alexandria (374-444) parece seguir uma
linha intermediária na interpretação do falar em línguas paulino, porque ele
sublinha, como também o fizemos, que “ninguém entende[144]”.
Ele não parece tão certo como João Crisóstomo que isso significa: “ninguém o compreende”.
O que é
evidente é que as ideias relativas aos apóstolos haviam progredido de tal
maneira que eles eram vistos então como formando, por si próprios, uma classe à
parte, de modo que, comparados aos carismas que eles receberam, os dons do
Espírito Santo que sobreviviam na Igreja seriam de ordem inferior. O que conta,
na presente discussão, é que o próprio dom da prece incessante no coração, bem
como a glorificação ou theosis,
jamais deixaram de ser considerados como o centro da tradição, desde os tempos
dos profetas do Antigo Testamento.
F.
CONSEQUÊNCIAS E CONCLUSÕES
1.
Parece que, para ser coerente e se conformar com
a maneira como são Paulo, o cristianismo primitivo e os Padres compreenderam
Jesus Cristo como a Vida do Mundo, é preciso abordar o tema por meio da
teologia empírica ou experimental, cujo domínio se sobrepõe parcialmente aos
das ciências da medicina.
Talvez seja um
bom método separar a experiência da prece do Espírito Santo no coração da questão
da vida após a morte, a fim de tratar esse fenômeno em relação com as outras
ciências terapêuticas. A própria existência da faculdade noética e o fato de
que ela funciona ou não, não é um problema exclusivo apenas dos teólogos. Certamente,
a cura dessa faculdade faz da tradição que sabe operá-la uma ciência mais exata
do que a psiquiatria em sua forma atual. Em todo caso, esse deveria ser um meio
de auxiliar na causa da reunião dos cristãos, mais do que de convidar
cientistas a se debruçar sobre esse tipo de problema. Convém notar que nem a Bíblia
nem os Padres consideram a glorificação como uma experiência que só seria
possível numa existência post mortem.
Os médicos normativos são aqueles que não apenas possuem a prece incessante do
Espírito Santo no coração, mas que ainda experimentaram a glorificação nesta
vida. São eles os principais portadores dessa tradição de cura da faculdade
noética.
2.
Isso quer dizer que a tradição para os Profetas,
os Apóstolos e os Padres, não é diferente da tradição moderna das sociedades
científicas. Hipóteses e teorias não podem ser separadas da tradição da
verificação empírica. A medicina não pode ser separada do diagnóstico e da
terapia. O diagnóstico e a terapia não podem ser reduzidos a atos cerimoniais
que não produzem nenhuma restauração constatável da saúde. Da mesma forma, os
sacramentos e a liturgia não podem ser separados da purificação e da iluminação
da faculdade noética, tanto quanto a fé, a prece, a teologia e o dogma não
podem ser pensados independentemente da verificação empírica da prece
incessante do Espírito Santo no coração e da glorificação.
3.
Porém, tanto a fé, a prece, a teologia e o dogma
de uma parte, e os sacramentos e a liturgia de outra, foram separados do
diagnóstico e da terapia das enfermidades da faculdade noética. Isso aconteceu
não apenas fora da Tradição ortodoxa, mas muitas vezes no interior mesmo dessa
tradição. Certamente, em alguns casos, esse fenômeno atingiu proporções
consideráveis nas Igrejas sinodais, por grandes períodos de tempo, quando o
monaquismo tradicional e patrístico foi suprimido por alguns períodos, ou
reduzido a quase nada.
4.
Podemos ver perfeitamente, se considerarmos a relação
que existe entre a iluminação e a glorificação, ou entre o dogma e o mistério,
a enorme avenida que se abre ao desenvolvimento dos meios conceituais e linguísticos
que permitirão ajudar o próximo a se preparar para receber o dom da prece
incessante e da fé interior, a fim de se tornar templo do Espírito Santo e
membros do Corpo de Cristo. Porém, esse desenvolvimento conceitual e linguístico
não é sinal de uma compreensão mais profunda. A mais alta compreensão é a participação
da glorificação que transcende a compreensão. O Pentecostes jamais foi superado
e não cessa de operar, através da iluminação e da glorificação. Nem a iluminação
nem a glorificação são suscetíveis de se tornar institucionais. A identidade
dessa experiência de iluminação e de glorificação naqueles que possuem esses
dons não implica necessariamente a identidade na expressão doutrinal, sobretudo
quando os carismas estão separados espacialmente por um tempo muito longo. Entretanto,
quando eles se encontram, ele concordam instantaneamente sobre a uniformidade da expressão doutrinal
de sua experiência idêntica. O grande impulso para uma expressão doutrinal
idêntica foi dado na época em que o Cristianismo de tornou a religião oficial
do Império Romano e satisfez a necessidade que o Estado tinha de poder
distinguir os médicos autênticos dos charlatões, da mesma maneira como ele pôde
incumbir organismos que ele reconhecia, para proteger os cidadãos e os membros
autênticos do corpo médico dos feiticeiros e dos charlatões. Acreditava-se que
a espiritualidade ortodoxa era um fenômeno identificável e verificável, coisa
que, na verdade, ela é.
5.
A tradição bíblica preservada pelos Padres não
pode ser identificada nem reduzida a um sistema de preceitos de moral ou a uma
ética cristã. Ela constitui antes um ascetismo terapêutico, ao qual nenhum grau
de doença do coração ou da faculdade noética desencoraja, exceto seu completo
endurecimento. Adotar a forma exterior desse ascetismo, sem seu coração e seu
centro, e aplicar a ele um sistema de preceitos morais com vistas a fundamentar
uma ética pessoal e social, equivale a fabricar uma sociedade de hipócritas
puritanos, que imaginam possuir direitos especiais ao amor de Deus por causa de
sua moral, ou de sua predestinação, ou dos dois. Os mandamentos de Cristo não
podem ser cumpridos apenas com a decisão de se conformar a eles, nem por uma
certeza de haver sido eleito. Um homem que tem as pernas amarradas não pode
correr cem metros, qualquer que seja seu desejo de fazê-lo. Ele só poderá com a
condição de que suas pernas sejam liberadas e restabelecidas com força
suficiente. Da mesma maneira, ninguém pode cumprir os mandamentos se não passar
pela purificação e pela iluminação de sua faculdade noética, e atingir os
umbrais da glorificação.
6.
A perspectiva patrística do tema da assembleia
do Conselho Mundial das Igrejas que aconteceu em Vancouver em 1983, tal como a
esboçamos neste artigo, indica claramente que devemos consagrar nossa atenção
em examinar cuidadosamente o Antigo e o Novo testamento, tanto do ponto de
vista de seu ascetismo terapêutico como de seu cristocentrismo. Essa pode ser a
chave para um diálogo com o judaísmo. O Cristo do Antigo Testamento não é o
Messias, mas o Anjo do Senhor, o Anjo do Grande Conselho, o Senhor de Glória. Ele
não é um Messias elevado à divindade pelo cristianismo primitivo. Ao contrário,
é o Senhor de Glória que se fez homem por meio de Seu Nascimento da Virgem
Maria, tornando-se assim o Messias.
7.
Em momento algum de sua história a tradição
ortodoxa considerou os crentes como uma sociedade esotérica que não estendia
seu cuidado a todo o conjunto da sociedade. Bem ao contrário, o cristianismo
ortodoxo penetrou todos os aspectos da sociedade, graças principalmente à sua
ascese terapêutica, que praticavam imperadores, oficiais civis, militares,
intelectuais, negociantes, populares, agricultores, jovens e velhos, na mesma
medida também em que todos viam no monaquismo o centro de treinamento por
excelência de seus médicos.
8.
O interesse da tradição ortodoxa por todos os
aspectos da sociedade, da cultura e da civilização provém igualmente da consideração
que todos os seres humanos têm em relação não apenas à faculdade noética, como
também em relação à graça, à glória e ao reino incriado de Deus nelas, ainda
que sob uma forma em que essas coisas pouco ou quase nada operam, por causa das
enfermidades dessa faculdade, de sua escravidão relativamente ao intelecto, às
paixões e ao seu meio, coisas estas que a tornam sujeita ao medo, à ansiedade e
a crenças que nada têm a ver com a realidade. Os ortodoxos agem também
admitindo que o próprio Deus opera diretamente em todo ser humano, independente
de suas crenças falsas e de seu estado de santidade, que Deus ama todas as suas
criaturas com o mesmo amor e que todos veremos a glória incirada de Cristo, alguns como luz, outras como fogo e
trevas exteriores, em função do estado do coração de cada um, seja ele
iluminado ou endurecido.
9.
Não existe outra unidade em Cristo senão aquela
realizada pela purificação, a iluminação e a glorificação, alcançada nesta
vida. A estrutura visível da Igreja é ao mesmo tempo uma expressão dessa
unidade, e aquilo que garante a todos os que desejam a possibilidade de
alcançar essa terapia oferecida por Cristo por intermédio de Seus santos.
10.
Os critérios que devem ser empregados para a reunião
dos cristãos divididos não podem ser diferentes dos que seriam empregados para
reunir as associações de cientistas. Astrônomos ficariam chocados se tivessem
que se reunir com astrólogos. Esses últimos devem primeiramente se tornar
astrônomos para poderem ser recebidos. Membros de uma associação médica moderna
ficariam igualmente chocados se fosse proposta uma união com charlatões ou com feiticeiros
de uma tribo primitiva. Da mesma forma, os Padres ficariam chocados com a ideia
de uma união de sua tradição com igrejas
que não possuem mais do que fracas luzes, ou mesmo nenhuma luz, a respeito
da terapia da purificação, da iluminação e da glorificação, e que colocaram a
autoridade institucional nas mãos de médicos impostores. A questão da reunião
remete à do sucesso das Igrejas em produzir efeitos em função dos quais se
supões que elas existam, “Bem-aventurados os corações puros, porque eles verão
a Deus”.
[1] I
Coríntios 13: 8-10.
[2]
Êxodo 3: 14.
[3]
Êxodo 3: 6.
[4]
Contra os arianos III, 12, 14.
[5]
Ibid. III, 12.
[6] II
Coríntios 3: 15.
[7]
Êxodo 3: 2.
[8]
Êxodo 3: 6.
[9]
Isaías 9: 6.
[10]
João 1: 1-2. Refutação da Apologia de Eunomo
2, 18.
[11]
Gregório de Nisse, Contra Eunomo XI,
3.
[12]
Êxodo 33: 15; 34: 9.
[13]
Êxodo 32: 34; 33: 2.
[14]
Êxodo 33: 17.
[15]
Êxodo 3: 2.
[16] Contra Eunomo XV, 3.
[17]
João 14: 2-23.
[18]
Atos 2: 3-4.
[19]
Discursos Teológicos, 2, 3.
[20]
Discursos Teológicos, 2, 4.
[21]
João, 16:11, 16-33.
[22]
João 16: 27.
[23]
João 15: 14-15.
[24]
II Coríntios 1: 22; 5: 5; Efésios 1: 14.
[25]
Mateus 5: 8.
[26] I
Coríntios 14: 14 ss.
[27]
Gálatas 4: 6-7.
[28] I
Coríntios 14: 2.
[29] I
Coríntios 14: 6.
[30] I
Coríntios 14: 1, 5.
[31]
II Coríntios 3: 15.
[32]
João 14: 23.
[33] I
João 4: 18.
[34]
Deuteronômio 6: 7.
[35]
Discurso Teológico, 1, 5.
[36]
Ibid.
[37] I
Coríntios 13: 8-9.
[38]
Ibid.
[39] I
Coríntios 13: 12.
[40]
II Coríntios 3: 7 ss.
[41] I
Coríntios 13: 8.
[42]
Gálatas 3: 26-27.
[43]
Gálatas 4: 6-7.
[44]
Gálatas 3: 21.
[45] I
Coríntios 13: 5.
[46]
João 14: 2-3.
[47]
João 14: 16-17.
[48]
João 14: 20.
[49]
João 14: 19.
[50]
João 14: 21.
[51]
João 14: 23.
[52]
João 14: 26.
[53]
João 15: 26-27.
[54]
João 16: 13-16.
[55]
João 17: 24.
[56]
João 16: 5-7.
[57]
João 20: 17.
[58]
João 20: 29.
[59]
Atos 1: 5; cf. Mateus 3: 12.
[60]
Atos 2: 1.
[61]
Atos 7: 55-56.
[62]
Atos 9: 3 e ss.; 6 e ss.; 17 e ss.
[63]
Atos 1: 11.
[64]
Atos 2: 1 e ss.
[65]
Atos 1: 11.
[66]
Atos 2: 4.
[67]
Atos 2: 14 e ss.
[68]
Atos 2: 6-13.
[69]
Atos 9: 18; 22: 16.
[70]
Atos 19: 5-6.
[71]
Atos 10: 44-47.
[72]
Atos 1: 5.
[73]
Atos 11: 17.
[74] I
Coríntios 14: 16.
[75] I
Coríntios 4: 15-15.
[76] I
Coríntios 1: 14, 16.
[77] I
Coríntios 12: 13.
[78] I
Coríntios 12: 10; 12: 28-30.
[79] I
Coríntios 12: 30.
[80] I
Coríntios 12: 28.
[81] I
Coríntios 14: 18-19.
[82] I
Coríntios 14: 15.
[83]
Efésios 5: 18-20.
[84] I
Coríntios 12: 10, 29.
[85] I
Coríntios 14: 1, 5.
[86] I
Coríntios 14: 27-28.
[87] I
Coríntios 14: 17.
[88] I
Coríntios 14: 16.
[89] I
Coríntios 14: 10-11.
[90] I
Coríntios 14: 20.
[91] I
Coríntios 12: 10.
[92] I
Coríntios 14: 22.
[93] Ceux
qui ont dépassé toutes les formes particulières et sont parvenus à
l’universalité, et qui « savent » ainsi ce que les autres ne font que « croire
» simplement, sont nécessairement « orthodoxes » au regard de toute tradition
régulière ; et, en même temps, ils sont les seuls qui puissent se dire
pleinement et effectivement « catholiques », au sens rigoureusement
étymologique de ce mot, tandis que les autres ne peuvent jamais l’être que
virtuellement, par une sorte d’aspiration qui n’a pas encore réalisé son objet,
ou de mouvement qui, tout en étant dirigé vers le centre, n’est pas parvenu à
l’atteindre réellement. (René Guénon – Aperçus sur l’initiation, XXXVII)
[94] I
Corintios 11: 30.
[95]
Romanos 12: 1-2.
[96]
Romanos 7: 23.
[97]
Romanos 7: 25 – 8: 1-2.
[98]
Romanos 8: 10.
[99]
Romanos 8: 14-16.
[100]
Romanos 8: 28-27.
[101]
Romanos 8: 9.
[102]
João 14:16, 26; 15:26; 16:7; 1 João 2:1.
[103]
A expressão laloutes eautois é
equivalente ao eauto dé laleito to Theô,
“que fala a si mesmo e a Deus” (I Coríntios 14: 28).
[104]
Efésios 5: 18-20.
[105]
I Coríntios 14: 15.
[106]
Ibid.
[107]
I Coríntios 14: 18.
[108]
Tessalonicenses 5: 16-21.
[109]
Gálatas 3: 24.
[110]
Gálatas 3: 26-27; 4: 6-7.
[111]
Gálatas 3: 28.
[112]
I Coríntios 11: 3.
[113]
I Coríntios 14: 3.
[114]
I Coríntios 14: 4.
[115]
I Coríntios 14: 31.
[116]
Atos 2: 17.
[117]
I Coríntios 12: 28.
[118]
I Coríntios 12: 26-28.
[119]
Efésios 2: 12 ss.
[120]
I Coríntios 13: 5.
[121]
I Coríntios 13: 8.
[122]
I Coríntios 13: 10-12.
[123]
Migne, PG 95, 300.
[124]
Capítulo 3.
[125]
Conferências X, 10.
[126]
História dos Francos, V, 10.
[127]
I Coríntios 2: 12.
[128]
I Coríntios 14: 26.
[129]
I Coríntios 14: 29-33.
[130]
I Coríntios 2: 15-16.
[131]
Gálatas 2: 18-20.
[132]
I Coríntios 2: 8.
[133]
I Coríntios 10: 1-5.
[134]
Gálatas 4: 14.
[135]
I Coríntios 13: 11-12.
[136]
Gálatas 3: 24.
[137]
I Coríntios 13: 9, 12.
[138]
I Coríntios 13: 10, 12.
[139]
I Coríntios 12: 29.
[140]
I Coríntios 2: 9-10.
[141]
João 16: 13.
[142]
I Coríntios 13: 12.
[143]
Efésios 2: 19-22; 3: 5-6; 4: 11-13; I Coríntios 12: 28.
[144]
I Coríntios 14: 2.
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