A transfiguração
de Cristo aconteceu diante de apenas três testemunhas, três apóstolos “capazes
de receber” essa revelação, e mesmo eles não viram essa “aurora da luz divina”
senão na medida em que podiam (ou seja, na medida de sua participação interior
nessa revelação). Conhecemos algumas coisas análogas nas vidas dos santos.
Assim, quando são Serafim de Sarov se transfigurou diante de Motovilov, ele lhe
explicou que ele só podia ver essa transfiguração porque participava dela numa
certa medida; ele não teria conseguido ver a luz da graça se já não estivesse
iluminado por ela. Isso explica porque a Tradição afirma que o evangelista são
Lucas pintou os ícones da Virgem depois do Pentecostes. Sem essa “luz do
conhecimento” de que fala são Simeão o Novo Teólogo, sem uma participação
direta à santificação e um testemunho concreto, nenhuma ciência, nenhuma
perfeição técnica, nenhum talento bastarão. Os próprios apóstolos (que,
entretanto, viam a Cristo todo o tempo e criam Nele) não haviam tido, antes da
descida do Espírito Santo sobre eles, a experiência direta da santificação por
meio Dele e consequentemente não podiam traduzi-la, nem pela palavra, nem pela
imagem. É por isso que tanto a santa Escritura quanto a imagem sagrada só
poderiam surgir depois do Pentecostes. Na criação de um ícone, nada pode
substituir a experiência pessoal e concreta da graça. Quando não possuímos essa
experiência pessoal, só podemos pintar os ícones transmitindo a experiência
daqueles que a tiveram. Eis porque, pela voz de seus Concílios e de seus
hierarcas, a Igreja prescreveu que os ícones fossem pintados os pintavam
outrora os santos iconógrafos: “Representada pelas cores conforme a Tradição,
diz são Simeão de Tessalônica, assim é a pintura verdadeira, como a Escritura
nos livros, e a graça divina repousa sobre ela porque o que está ali
representado é santo[1]”.
“Representada conforme e Tradição”, porque na Tradição participamos da
experiência dos santos iconógrafos, a experiência viva da Igreja.
Essas palavras,
assim como as do Sétimo Concílio Ecumênico, sublinham a participação da imagem
na santidade e na glória de seu protótipo: “A graça de Deus repousa” sobre a
imagem porque “os santos, no decurso de suas vidas, estavam cheios do Espírito
Santo. Da mesma forma, depois de sua morte, diz são João Damasceno, a graça do
Espírito Santo repousa em suas almas inesgotavelmente, e também nos seus corpos
que estão nas sepulturas, nos seus traços e nas suas santas imagens, e isso não
devido à sua natureza, mas como resultado da graça e da ação divina[2]”.
É a graça do Espírito Santo que permanece na imagem, que “santifica os olhos
dos fiéis”, segundo a expressão do sinodykon
do Triunfo da Ortodoxia, e que cura as enfermidades espirituais e corporais.
“Veneramos Tua santa imagem, por meio da qual nos salvaste da servidão do
inimigo”; ou ainda: “Por intermédio da representação, curaste nosso mal[3]”.
Os meios
empregados pelo ícone para transmitir essa qualidade espiritual correspondem
perfeitamente ao estado que eles devem comunicar e que é verbalmente descrito
pelos santos Padres ascetas. É evidente que a graça divina não é exprimível por
nenhum meio humano. Na vida, se nos acontece encontrarmos um santo, não somos
capazes de ver sua santidade. “O mundo não vê os santos, do mesmo modo como um
cego não vê a luz[4]”.
Essa santidade que não vemos, também não somos capazes de a representar; ela
não pode ser colocada em palavras, nem em imagens, nem por meio algum que seja
humano. No ícone ela pode apenas ser representada com o auxílio de formas,
cores e linhas simbólicas, por meio de uma linguagem pictórica instituída pela
Igreja e suportada pelo estrito realismo histórico. É por isso que o ícone não
é apenas uma imagem representativa de um dado tema religioso, pois esse mesmo
tema poderia ser representado de diferentes maneiras. O caráter específico do
ícone consiste mais precisamente em como é feita essa representação, ou seja,
nos meios com os quais se indica o estado santificado da pessoa representada.
A liturgia nos
diz que no caso do ícone da Santa Face nós nos prosternamos diante do rosto do
Salvador que “resplandece mais do que o sol”, e que pedimos para ser
“iluminados” pela imagem de Cristo (ver as stíchias
de 16 de agosto). Nesse caso, é preciso levar em conta que, quando a santa
Escritura ou a liturgia, para nos instruir no domínio espiritual, empregam
comparações com o mundo sensível, isso não passa de imagens, e não de
descrições adequadas. Assim, falando do relato da Transfiguração de Cristo
pelos evangelistas, são João Damasceno justifica a comparação – inevitavelmente
insuficiente – da luz divina com a luz do sol, sublinhando que é impossível
representar aquilo que é incriado pelos meios da criatura[5].
Dito de outra forma, a luz material do sol não pode ser senão uma imagem da luz
divina, incriada, uma imagem e nada além.
Por outro lado,
entretanto, o ícone devem corresponder aos textos sagrados que são
absolutamente explícitos: não se trata de uma imagem poética, nem de uma
alegoria, mas de uma realidade concreta. Essa realidade deve ser traduzida. Mas
como traduzir pictoricamente essa iluminação, essa luz “que resplandece mais do
que o sol”, e que, por conseguinte, ultrapassa todos os nossos meios de
representação? Por meio de cores? Mas elas não são suficientes sequer para
mostrar a luz natural do sol. Então, como poderiam elas traduzir a luz que
ultrapassa a luz do sol?
Tanto nos
escritos dos Padres quanto nas vidas dos santos nós encontramos muitos
testemunhos de uma certa luz que faz resplandecer desde o interior o rosto dos
santos no momento de sua glorificação suprema, assim como resplandecia o rosto
de Moisés quando ele desceu da montanha, a tal ponto que era preciso cobri-lo
com um véu, pois o povo não podia suportar seu brilho[6].
O ícone traduz esse fenômeno de luz por meio da auréola, atributo exterior que
pe uma indicação exata de um fato bem definido do mundo espiritual. A luz com a
qual resplandecem os rostos dos santos, e que envolve suas cabeças – na medida
em que essa representam a parte superior do corpo – tem naturalmente uma forma
esférica. “Imaginem, diz Motovilov ao falar da transfiguração de são Serafim de
Sarov, no meio do sol, no brilho mais intenso de seus raios do meio dia, o
rosto de um homem que lhes fala[7]”.
Como é evidentemente impossível representar essa luz como tal, o único meio de
traduzi-la numa pintura consiste em figurar um disco, como se fosse um corte,
por assim dizer, dessa esfera luminosa. Não se trata de colocar uma coroa sobre
a cabeça de um santo, como nas imagens romanas nas quais essa coroa permanece
de certo modo exterior; trata-se de indicar a irradiação do rosto. A auréola
não é uma alegoria, mas a representação simbólica de uma realidade autêntica e
concreta. É um atributo indispensável do ícone; indispensável, mas não
suficiente. Com efeito, ela também serve para expressar coisas diferentes da
santidade cristã. Os pagão também representavam seus deuses com auréolas, assim
como seus imperadores, sem dúvida para sublinhar a origem divina destes[8].
Portanto, não é apenas a auréola que distingue o ícone das outras imagens: ela
não passa de um atributo iconográfico, uma expressão exterior da santidade, um
testemunho da luz[9]. Mas,
mesmo que aconteça de que a auréola esteja apagada, ou que não a vejamos em
absoluto, o ícone continua sendo o ícone e se distingue claramente de quaisquer
outras imagens: por todas as suas formas, por todas as suas cores, ele nos
mostra, de modo simbólico naturalmente, o estado interior do homem cujo rosto
“resplandece mais do que o sol”. Esse estado de perfeição interior é
inexprimível, a tal ponto que os Padres e os autores ascéticos o caracterizavam
simplesmente por meio de um silêncio absoluto. Porém, a ação dessa iluminação
sobre a natureza humana e, em particular, sobre o corpo, pode, em certa medida,
ser descrita e representada indiretamente. São Simeão o Novo Teólogo recorreu à
imagem do fogo que se une ao ferro. Outros ascetas nos deixaram descrições mais
concretas. “Quando a prece é santificada pela graça divina (...) toda a alma é
atraída para Deus por uma força desconhecida, que arrasta com ela o corpo (...).
No homem nascido para a vida nova, não é apenas a alma, nem somente o coração,
mas a própria carne também que se enche de uma consolação e de uma felicidade
espirituais: a alegria do Deus vivo[10]”.
Ou ainda: “A prece incessante e o ensinamento pela Escritura divina abrem os
olhos espirituais do coração que veem o Rei dos exércitos e daí surge uma
grande alegria e o desejo por Deus se inflama com força na alma; então, mesmo a
carne é transportada pela ação do Espírito e o homem inteiro se torna
espiritual[11]”.
Dito de outra
maneira, quando o estado habitual de dispersão, caracterizados pelos
“pensamentos e as sensações provenientes da natureza decaída”, é substituído no
homem por uma prece concentrada, e o homem se vê iluminado pela graça do
Espírito Santo, o ser humano inteiro como que se funde num impulso único em
direção a Deus. Toda a natureza humana se eleva espiritualmente e então,
segundo a expressão de são Denis o Areopagita, “tudo aquilo que nele era
desordem se organiza e se ordena; o que era informe, ganha forma, e sua vida
(...) se irradia cheia de luz[12]”.
É então que “a paz de Deus que ultrapassa toda inteligência[13]”
se estabelece no homem, essa paz que caracteriza a própria presença do Senhor.
“No tempo de Moisés e Elias, diz são Macário o Grande, quando Deus lhes
aparecia, uma multidão de trombetas e de exércitos o precediam e serviam à
majestade do Senhor; mas a própria vinda do Senhor se distinguia e se
manifestava (...) pela paz, o silêncio e a calma. Pois está dito: ‘Eis uma leve
brisa, e é aí que está o Senhor’. Isso mostra que a presença do Senhor consiste
na paz e na harmonia[14]”.
Continuando na sua condição de criatura, o home se torna deus segundo a graça.
O corpo do homem, assim como sua alma, participa assim da vida divina. Essa
participação não o altera fisicamente: “Aquilo que vemos não se altera, diz são
Gregório de Nisse; um velho não se torna um adolescente, as rugas não se
apagam. O que se renova, é o ser interior manchado pelo pecado e envelhecido
pelos maus hábitos. Este ser retorna à inocência infantil[15]”.
Dito de outro modo, o corpo mantém sua estrutura e suas propriedades
biológicas, bem como os traços do aspecto exterior de todo homem. Nada se
perde, mas tudo se transforma, e o corpo inteiramente unido à graça é iluminado
por sua união com Deus. “O Espírito (Santo), ao se unir ao intelecto, diz santo
Antônio o Grande (...) o ensina a manter o corpo em ordem, todo o corpo, da
cabeça aos pés: os olhos, para que vejam com pureza; os ouvidos, para que
escutem em paz (...); a língua a fim de que ela só diga o bem; as mãos, para
que elas só se movam para se erguem em prece e para cumprir as obras da
caridade (...); o ventre para que ele se guarde nos limites do uso de alimentos
e bebidas (...); os pés, para que eles caminhem direitos na vontade de Deus
(...). Desse modo todo o corpo se habitua ao bem e se transforma, submetendo-se
ao poder do espírito Santo, de tal sorte que ele acaba por participar em certa
medida das propriedades do corpo espiritual que ele deverá receber quando da
ressurreição dos justos[16]”.
As passagens
patrísticas citadas são como ícones verbais, até mesmo nos detalhes do
ensinamento que santo Antônio nos dá a conhecer. Por isso elas têm uma
importância capital para o nosso tema. A ação da graça divina sobre o corpo
humano, em especial sobre os órgãos dos sentidos, tal como santo Antônio
descreve com palavras, nos é mostrada pelo ícone. A analogia entre a descrição
verbal e a imagem é a tal ponto evidente que nos conduz a uma clara conclusão:
estamos aqui diante da unidade ontológica da experiência ascética entre a
ortodoxia e o ícone ortodoxo. É precisamente essa experiência e seu resultado,
descritos pelos ascetas ortodoxos, que nos são mostrados nos ícones e nos são
transmitidos por eles. Com a ajuda de cores, formas e linhas, com o auxílio do
realismo simbólico, linguagem pictórica única em seu gênero, nos é revelado o
mundo espiritual do homem que se tornou templo de Deus. A ordem e a paz
espiritual de que dão testemunho os santos Padres são transmitidos pelo ícone
através da paz e da harmonia exteriores: todo o corpo do santo, todos os seus
detalhes, mesmo os cabelos e as rugas, mesmo a veste e tudo o que o cerca, tudo
está unificado, conduzido a uma harmonia suprema. Trata-se aí de uma
manifestação visível da vitória sobre a divisão e o caos presentes na
humanidade e no mundo.
Esses detalhes de
aspecto inabitual, em particular os órgãos dos sentidos que vemos no ícone,
seus olhos sem brilho, as orelhas de formas às vezes bizarras, tudo isso não é
representado de maneira naturalista, e isso não porque o iconógrafo não tenha
conseguido representá-los tais como os vemos na natureza, mas porque tais como
os vemos na natureza eles não fariam aqui nenhum sentido e não corresponderiam
a nada. Seu papel no ícone não é o de nos aproximar daquilo que vemos na
natureza, mas o de nos mostrar que estamos em face de um corpo que capta o que
escapa à percepção habitual do homem: acima da percepção do mundo físico, a do
mundo espiritual. Isso é bem ilustrado pelas questões colocadas com insistência
por são Serafim de Sarov a Motovilov ao se transfigurar diante dele: “O que
você vê?”, “O que você sente?”, etc. Ora, a luz que Motovilov via, o perfume
que ele respirava, o calor que sentia, não eram de ordem física. Seus sentidos
percebiam naquele momento a ação da graça sobre o mundo físico que o rodeava.
Esse modo não naturalista de representar nos ícones os órgãos dos sentidos
traduz a surdez e a ausência de reação diante das manifestações do mundo, a
impassibilidade, o desligamento de toda excitação e, por outro lado, a
receptividade ao mundo espiritual, que são coisas alcançadas com a santidade. O
ícone ortodoxo é a expressão por meio de uma imagem desse canto do Sábado
Santo: “Que toda carne humana faça silêncio (...) e que se afaste todo pensamento
terrestre...”. Tudo isso está submetido à harmonia geral que exprime,
repetimos, a paz e a ordem, a harmonia exterior. Pois não existe desordem no
Reino de Deus. “Deus é o Deus da paz e da ordem”, diz, parafraseando são Paulo,
uma catequese atribuída a são Simeão o Novo Teólogo.
Assim é que o
ícone nos mostra o estado glorificado do santo, seu rosto transfigurado,
eterno. Mas ele é feito para nós: ele deve então ser evidente para nós,
conforme o que foi dito, que na sua linguagem cifrada o ícone se dirige a
todos, assim como as passagens citadas dos santos Padres não dizem respeito
unicamente à prática ascética dos monges, mas a todos os fiéis, pois a
aquisição da graça do Espírito Santo é a tarefa assinalada a todo membro da
Igreja. Enquanto manifestação pictórica da experiência ascética da ortodoxia, o
ícone tem uma importância educativa capital e é nisso que reside o objetivo
essencial da arte sacra. Sua função construtiva não consiste somente no
ensinamento das verdades da fé cristã, mas na formação do homem como um todo.
O conteúdo do
ícone constitui assim uma verdadeira direção espiritual da vida cristã e em
particular da prece: o ícone nos mostra a atitude que devemos ter em nossa
oração, de um lado em relação a Deus e, de outro, perante o mundo que nos
cerca. A prece é uma conversa com Deus; é por isso que ela demanda a ausência
de paixões, a surdez e a não aceitação das excitações exteriores do mundo.
“Assim, irmãos, diz são Gregório o Teólogo, não façamos de modo impuro aquilo
que pé santo, de modo vil o que é sublime, de modo desonroso o que honorável,
e, em resumo, de modo terrestre o que é espiritual (...). Entre nós, tudo é
espiritual: a ação, o movimento, o desejo, as palavras, mesmo o caminhar e as
vestes, mesmo o gesto, porque o intelecto (nous)
se estende a tudo e em tudo forma o homem segundo Deus; e é assim que mesmo
nossa alegria também espiritual e solene[17]”.
É precisamente isso que nos mostra o ícone. Uma direção racional de nossos
sentidos é indispensável, pois é através deles que os escândalos penetram na
alma humana: “A pureza do coração do homem se turva em razão do movimento
desordenado das imagens que entram e saem pelos sentidos: a vista, a audição, o
tato, o paladar, o olfato, e também pela palavra”, diz santo Antônio o Grande[18].
Os Padres consideram os cinco sentidos como as portas da alma, por assim dizer:
“Feche todas as portas de sua alma, ou seja, os sentidos, ensinou santo Isaías,
e vigie-as com cuidado, a fim de que a alma não venha a devanear pelo exterior,
ou que os negócios e as palavras do mundo não inundem a alma”. Ao orar diante
de um ícone, ou simplesmente ao olhar para ele, temos diante dos olhos uma
lembrança constante do que disse santo Isaías: “Aquele que crê que seu corpo
ressuscitará no dia do Juízo, deve mantê-lo sem mácula e puro de toda mancha e
de todo vício[19]”.
Isso para que, pelo menos em nossa oração, fechemos as portas de nossa alma e
nos esforcemos para ensinar ao nosso corpo (como o santo no ícone ensinou ao
seu) a se manter em ordem na e pela graça do Espírito Santo; que nossos olhos
“vejam com pureza”, que nossos ouvidos “escutem em paz”, etc., e que nosso
coração “não alimente pensamentos malignos”. Assim, por intermédio da imagem, a
Igreja se esforça por nos ajudar a recriar nossa natureza viciada pelo pecado.
No domínio
ascético, o da prece, os Padres caracterizam a experiência espiritual ortodoxa
pela imagem da “porta estreita que conduz à vida[20]”.
É como se o homem se detivesse à entrada de uma via que, ao invés de se perder
no espaço, se abrisse sobre um infinito de plenitude. Uma porta que dá para a
vida divina se abre assim diante do cristão. São Macário o Grande, como muitos
outros autores ascéticos, fala assim da progressão espiritual: “Portas se
abrem, diz ele (...), e o homem penetra no interior de muitas moradas; na
medida em que ele entra, outras portas se abrem diante dele (...) e ele se
enriquece; e na medida em que ele se enriquece,
novas maravilhas lhe são mostradas[21]”.
Uma vez engajado na via à qual leva a porta estreita, o homem vê abrirem-se
diante de si possibilidades e perspectivas sem fim, e seu caminho, longe de se
estreitar, se torna cada vez mais amplo. Mas de início ele é um simples ponto
no nosso coração, esse ponto a partir do qual toda nossa perspectiva deve se
inverter. Esse é o sentido do termo metanoia.
O ícone é assim
ao mesmo tempo um caminho a ser seguido e um meio; ele próprio é a prece. Ele
nos revela direta e visivelmente essa liberdade em relação às paixões de que
nos falam os Padres; ele nos ensina a “jejuar com os olhos”, segundo a
expressão de são Doroteu[22].
E, com efeito, é impossível “jejuar com os olhos” diante de qualquer outra
imagem, seja temática ou não figurativa. Somente o ícone pode indicar o que
significa “jejuar com os olhos”, e o que nos permite alcançar essa condição.
O objetivo do
ícone não é o de provocar ou exaltar em nós um sentimento humano natural. Ele
não é “tocante”, sentimental. Seu objetivo é orientar para a transfiguração
todos os nossos sentimentos, assim como nosso intelecto e todos os demais
aspectos de nossa natureza, despojando-os de toda exaltação que não poderia ser
senão malsã e nociva. Assim como a deificação que ele traduz, ele nada suprime
daquilo que é humano: nem o elemento psicológico, nem as diversas
características do homem no mundo. Assim, o ícone do santo não deixa de indicar
sua atividade terrestre, da qual ele soube fazer uma ação espiritual, quer
tenha esta sido uma atividade eclesial, como a de um bispo ou de um monge, ou
uma atividade mundana, como a de um príncipe, um soldado ou um médico. Mas,
como no Evangelho, toda essa carga de ações, pensamentos, conhecimentos e de
sentimentos humanos é representada em seu contato com o mundo divino, e esse
contato purifica tudo e consome o que não pode ser purificado. Cada manifestação
da natureza humana, cada fenômeno de nossa vida se ilumina, se aclara, adquire
seu verdadeiro sentido e seu lugar.
Da mesma forma
como representamos o Deus Homem semelhante em tudo, salvo no pecado, também
representamos o santo como uma pessoa liberta do pecado. Segundo são Máximo o
Confessor, “como a carne de Cristo, também nossa carne se liberta da corrupção
do pecado. Pois, assim como Cristo era sem pecado por Sua carne e por Sua alma
enquanto Homem, também nós, que cremos Nele e que nos revestimos Dele pelo
Espírito, podemos, por nossa vontade, estar Nele sem pecado[23]”.
É justamente o corpo de um homem santo, “conforme o corpo glorioso de Cristo[24]”,
que nos mostra o ícone, um corpo liberto da corrupção do pecado e que
“participa em certa medida das propriedades do corpo espiritual que ele
receberá na ressurreição dos justos”.
A arte sacra
ortodoxa é uma expressão visível do dogma da transfiguração. A transfiguração
do homem é compreendida e transmitida aqui como uma realidade objetiva bem definida,
em acordo com o ensinamento ortodoxo; o que nos é mostrado não é uma
interpretação individual, nem uma concepção abstrata ou mais ou menos
deteriorada, mas uma verdade ensinada pela Igreja.
As cores do ícone
traduzem a cor do corpo humano, mas não a carnação natural da carne, que, como
vimos, simplesmente não corresponderia ao sentido do ícone ortodoxo. Trata-se,
aqui também, de muito mais do que apenas mostrar a beleza física do corpo
humano. A beleza aqui é a pureza espiritual, a beleza interior, segundo as
palavras de são Pedro: “A vestimenta interior e oculta no coração, a pureza
incorruptível de um espírito doce e pacífico que vale um grande preço diante do
Senhor[25]”.
É a beleza do da comunhão entre o terrestre e o celeste. É essa
beleza-santidade cuja fonte é o Espírito Santo, a semelhança divina adquirida
pelo homem, é isso que o ícone mostra. Em sua linguagem própria ele traduz o
trabalho da graça que, segundo a
expressão de são Gregório Palamas, “pinta por assim dizer em nós, sobre o que é
a imagem de Deus, aquilo que é a semelhança divina, de sorte que (...) nós nos
transformamos na Sua semelhança[26]”.
A razão de ser do
ícone e seu valor não residem, portanto, na sua beleza enquanto objeto, mas
naquilo que ele representa: uma imagem da beleza-semelhança divina.
Compreende-se
assim também que a luz do ícone que nos ilumina não é a claridade natural dos
rostos obtida com as cores; é a graça divina, a luz da carne purificada e sem
pecado. Essa luz da carne santificada deve ser entendida não somente como um
fenômeno espiritual, nem como um fenômeno unicamente físico, mas como os dois
juntos, como uma revelação da carne por vir[27].
As vestes, ao
mesmo tempo em que mantêm suas particularidades e envolvem o corpo de uma
maneira perfeitamente lógica, são representadas de modo a não dissimular o
estado glorificado do santo; elas sublinham a obra do homem e se tornam, de
certa forma, a imagem de sua vestimenta de glória, da “veste de
incorruptibilidade”. A experiência ascética, ou melhor, seu resultado, encontra
aí sua expressão exterior na severidade das formas quase geométricas, nas luzes
e nas linhas das dobras. Elas deixam de ser desordenadas, mudam de aspecto,
adquirem um ritmo e uma ordem submetida à harmonia geral da imagem. Sabemos que
o fato de tocar as vestes de Cristo, da Virgem, dos apóstolos e dos santos
trazia a cura aos crentes. Basta lembrar a história evangélica da mulher que
sangrava, ou ainda as curas operadas pelas vestes de são Paulo[28].
A ordem interior
do homem representada sobre o ícone se reflete naturalmente na sua atitude e em
seus movimentos: os santos não gesticulam: eles se mantêm diante da face de
Deus em prece, e cada um de seus movimentos e a própria atitude de seus corpos
se revestem de um caráter sacramental, hierático. Geralmente eles têm seu rosto
votado para o espectador, ou de três quartos. Esse traço caracteriza a arte
cristã desde seu nascimento. O santo está presente aí, diante de nós, e não em
qualquer lugar no espaço: ao lhe dirigirmos nossa prece estamos vendo-o face a
face. Essa é sem dúvida a razão pela qual quase nunca se representam os santos
de perfil, salvo raríssimamente, em composições complicadas em que eles estão
voltados para o centro. O perfil de certo modo interrompe o contato direto: é
como o começo de uma ausência. Só são representadas de perfil as pessoas que
não adquiriram a santidade, como, por exemplo, os magos e os pastores no ícone
da Natividade.
É típico da
santidade santificar tudo o que a cerca; a deificação do homem se comunica ao
seu ambiente. São as primícias da transfiguração do mundo. É no homem e pelo
homem que se realiza e se manifesta a participação da criatura na vida divina
eterna. Do mesmo modo como a criatura caiu com a queda do homem, é pela
deificação do homem que ela é salva, pois “a criação está submetida à vaidade
não por sua vontade, mas por causa daquele que a submeteu – com a esperança de
que também será liberta da servidão da corrupção por tomar parte da liberdade
da glória dos filhos de Deus[29]”.
Temos uma indicação que marca o início do restabelecimento da unidade na
criatura decaída; é na estada de Jesus no deserto: “Ele estava com os animais
selvagens, e os anjos o serviam[30]”.
No Deus Homem Jesus Cristo se reúnem as criaturas celestes e as criaturas
terrestres destinadas a se tornarem a nova criação. Esse pensamento de
unificação na paz da criação inteira atravessa, bem aparente, toda a
iconografia ortodoxa[31].
A união em Deus de todas as criaturas, começando pelos anjos e chegando até as
criaturas inferiores, é nisso que consiste o universo renovado futuro, que, no
ícone se opõe à discórdia geral, ao reinado do príncipe deste mundo. A harmonia
e a paz restabelecidas, a Igreja abraçando o mundo inteiro – este é o
pensamento da arte sacra ortodoxa, pensamento que domina tanto a arquitetura
como a pintura[32].
Eis porque vemos no ícone que tudo o que cerca um santo muda de aspecto. O
mundo que rodeia o homem – portador e anunciador da revelação divina – se torna
assim uma imagem do mundo futuro, transfigurado, renovado: tudo perde seu aspecto
habitual de desordem e adquire uma ordem harmoniosa: os homens, a paisagem, os
animais, a arquitetura. Tudo o que envolve o santo se dobra com ele a uma ordem
rítmica, tudo reflete a presença divina, aproximando-se – e nos aproximando –
de Deus. A terra, o mundo vegetal, o mundo animal, são representados no ícone
não para nos aproximar daquilo que vemos todos os dias ao nosso redor, ou seja,
o mundo decaído em seu estado corruptível, mas para nos mostrar a participação
deste mundo na deificação do homem. A ação da santidade sobre a totalidade do
mundo criado, em especial sobre os animais selvagens, é um traço que
frequentemente caracteriza a vida dos santos[33].
Epifânio, discípulo e biógrafo de são Sérgio de Radonege, comenta da seguinte
maneira a atitude dos animais ferozes para com o santo: “Que ninguém se admire,
sabendo que quando Deus habita num homem e o Espírito Santo repousa nele, que
tudo se submeta a ele como a Adão antes de sua queda, quando Adão vivia só no
deserto”. O relato da vida de santo Isaac o Sírio nos diz que os animais que
vinham a ele sentiam o odor que exalava Adão antes da queda. É por isso que,
quando são representados no ícone, os animais adquirem um aspecto inabitual:
mesmo mantendo os traços característicos de cada espécie, eles perdem seu
aspecto costumeiro. Isso poderia parecer bizarro ou deslocado, a menos que
compreendamos a linguagem dos iconógrafos que fazem assim alusão ao mistério
paradisíaco, inacessível agora para nós.
Quanto à
arquitetura representada no ícone, ao mesmo tempo em que ela se submete à
harmonia geral, ela desempenha um papel à parte. Tal como a paisagem, ela
especifica o local onde se desenrola o evento: uma igreja, uma casa, uma
cidade. Mas o edifício (bem como a gruta da Natividade ou a da Ressurreição)
jamais encerra a cena: ele serve apenas de fundo, de modo a que esta não se
passa dentro do edifício, mas diante dele. É que o próprio sentido dos eventos
mostrados nos ícones não se limita ao seu lugar histórico, da mesma forma como,
manifestados no tempo, eles ultrapassam o momento em que aconteceram. Somente
depois do século XVII os iconógrafos, sob a influência da arte ocidental,
começaram a representar cenas que se passavam no interior de um edifício. A
arquitetura se lega às figuras humanas pelo sentido geral da imagem e pela
composição, mas a ligação lógica fica faltando. Se compararmos o modo de
representar o corpo humano no ícone com o modo de representar a arquitetura,
veremos uma grande diferença: o corpo humano, ainda que figurado de um modo não
naturalista, é, com raras exceções, lógico: tudo está no lugar. O mesmo
acontece com as vestimentas: o modo como são tratadas, o caimento das dobras,
tudo é perfeitamente lógico. Mas a arquitetura, no mais das vezes, desafia toda
lógica humana, tanto nas suas formas como nos seus detalhes. Se, de um lado, o
ponto de partida são as formas arquitetônicas reais, por outro as proporções
são absolutamente negligenciadas; as portas e janelas não estão nos seus
lugares e, aliás, são perfeitamente inúteis por causa de suas dimensões em
relação aos personagens, etc. A opinião corrente vê na arquitetura do ícone uma
mistura de formas bizantinas e antigas, devido a um apego cego dos iconógrafos
a essas formas que são agora incompreensíveis. Mas o verdadeiro sentido desse
fenômeno é que a ação representada transcende a lógica racional dos homens, as
leis da vida terrestre. A arquitetura, seja ela antiga, bizantina ou russa, é o
elemento do ícone que permite melhor ilustrar isso. Ela é decorada com uma
certa “loucura em Cristo” pictórica, em contradição total com o “espírito de
pesandez”. Essa fantasia arquitetônica desconcerta sistematicamente a razão,
remetendo-a ao seu lugar e sublinhando o caráter metalógico da fé[34].
O caráter
estranho e inabitual do ícone é o mesmo do Evangelho. Pois o Evangelho é uma
verdadeira provocação perante toda orde3m, toda sabedoria do mundo. “Eu
destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos
inteligentes”, diz o Senhor pela boca de Seus profetas citados por são Paulo[35].
O Evangelho nos chama para a vida em Cristo, e o ícone a representa. É por isso
que ele utiliza às vezes formas anormais e chocantes, assim como a santidade
exige por vezes formas extremas que parecem loucura aos olhos do mundo, como a
santidade dos louco de Cristo. “Dizem que sou louco, dizia um destes, mas sem a
loucura não se entra no Reino de Deus (...). Para viver segundo o Evangelho é
preciso ser louco. Enquanto os homens forem racionais e razoáveis, o Reino de
Deus não descerá à terra[36]”. A loucura em Cristo e as formas às vezes
provocantes dos ícones exprimem a mesma realidade evangélica. Essa perspectiva
evangélica inverte a perspectiva do mundo. E o universo que o ícone nos mostra
é aquele onde reinam, não as categorias racionais, não a moral humana, mas a
graça divina. Daí o hieratismo do ícone, sua simplicidade, sua majestade, sua
calma; daí o ritmo de suas linhas, a alegria de suas cores. Ele reflete o
esforço da ascese e a alegria da vitória. A pena se transforma em “alegria do
Deus vivo”. É a ordem nova na nova criação.
O mundo que vemos
no ícone não se assemelha à banalidade da vida cotidiana. A luz divina penetra
tudo, e é por isso que os personagens e os objetos não são iluminados por este
ou aquele lado por um foco de luz; eles não projetam sombras – estas não existem
no Reino de Deus, onde tudo está banhado em luz. Na linguagem técnica da
iconografia o próprio fundo do ícone é denominado “luz”.
***
Tentamos mostrar
em nossa exposição que, assim como o simbolismo dos primeiros séculos cristãos
era uma linguagem comum a toda a Igreja, também o ícone constitui uma linguagem
comum ao conjunto da Igreja, porque ele expressa o ensinamento ortodoxo comum,
a experiência ascética ortodoxa comum e a liturgia ortodoxa comum. A imagem
sagrada sempre expressou a revelação da Igreja, trazendo-a numa forma visível
ao povo fiel; colocando-a diante de seus olhos como uma resposta às suas
questões, um ensinamento e uma direção, como uma tarefa a cumprir, como uma
prefiguração e como as primícias do Reino de Deus. A revelação divina e sua
aceitação pelo homem são uma mesma ação em dois sentidos, por assim dizer. O apocalipse
e a gnose – a via da revelação e a do conhecimento - correspondem
Uma à outra: Deus
Se abaixa e Se revela ao homem; o homem responde a Deus, elevando-se e
conformando sua vida à revelação recebida. Na imagem ele recebe a revelação e
pela imagem ele responde a essa revelação na medida em que dela participa. Dito
de outra forma, o ícone é o testemunho visível, tanto do abaixamento de Deus
para o homem, quanto do impulso do homem em direção a Deus. Se as palavras e os
cantos da Igreja santificam nossa alma por meio do ouvido, a imagem a santifica
por meio da vista, primeira dentre os sentidos, segundo os Padres. “O olho é a
lâmpada do corpo, diz nosso Senhor; se seu olho estiver em bom estado, todo seu
corpo será iluminado[37]”.
Pela palavra e pela imagem a liturgia santifica os sentidos. Expressão da
imagem e da semelhança divina restabelecidas no homem, o ícone é um elemento
dinâmico e construtivo do culto, longe de ser simplesmente conservador e de
desempenhar um papel passivo, como pensam alguns observadores do exterior. É por
isso que a Igreja, por decisão do Sétimo Concílio Ecumênico, ordenou colocar os
ícones “no nível das imagens da preciosa cruz, fonte de vida, em todas as
igrejas de Deus, sobre os vasos e as vestes sagradas, sobre as paredes, sobre
os quadros, nas casas e nas vias públicas”. É porque a Igreja viu no ícone um
dos meios que podem e devem nos permitir realizar nossa vocação, ou seja,
adquirir a semelhança com nosso Protótipo divino, cumprir em nossa vida aquilo
que nos foi revelado e transmitido pelo Deus Homem. Os santos são pouco numerosos,
mas a santidade é uma tarefa assinalada a todos os homens, e os ícones estão
colocados por toda parte como um modelo dessa santidade, como uma revelação da
santidade do mundo por vir, um plano e um projeto da transfiguração cósmica. Por
outro lado, como a graça adquirida pelos santos no curso de suas vidas
permanece inesgotável em suas imagens[38],
essas imagens são colocadas por todo lugar, para santificar o mundo com a graça
que lhes é própria. Os ícones são como marcos sobre nosso caminho em direção à
nova criação, a fim de que, segundo a expressão de são Paulo, contemplando a glória
do Senhor, nós nos transformemos na mesma imagem[39].
Os homens que
conheceram por experiência a santificação criaram as imagens que lhe correspondem
e que constituem realmente uma “revelação e uma demonstração do que está oculto”,
segundo as palavras de são João Damasceno, assim como outrora o tabernáculo
construído segundo as indicações de Moisés revelou aquilo que lhe foi mostrado
sobre a montanha. Não apenas essas imagens revelam ao homem um universo
transfigurado, como elas permitem a ele participar desse universo. Podemos dizer
que o ícone é pintado segundo a natureza, mas com a auxílio de símbolos, pois a
natureza que ele representa não pode ser representada diretamente. É o mundo
que não será plenamente revelado senão quando da segunda vinda do Senhor.
Assim expressamos
aqui o conteúdo do ícone, como expressão do dogma e como fruto da experiência
espiritual ortodoxa durante o período cristológico na história da Igreja, conteúdo
que foi trazido à luz pelos Padres e os Concílios, e, em particular, pelo dogma
da veneração dos ícones.
[1]
Diálogo contra as heresias, capítulo XXIII, PG 155, 113D.
[2] 1º
Tratado em Defesa dos Santos Ícones, 19, PG 94, I, 1249CD.
[3]
Festa da Santa Face, glorificação e ode 7 do cânon.
[4]
Philarete, metropolita de Moscou, Sermões, III, 57, Moscou 1874.
[5]
Sermão da Transfiguração, PG 94, III, 545-546.
[6]
Êxodo 34: 30; II Coríntios 3: 7-8.
[7] I.
Gorainoff, Serafim de Sarov.
[8]
Não podemos dizer de que ordem seria essa luz entre os pagãos. De uma parte a
Igreja reconhece uma revelação parcial fora dela, e podemos concluir que o mistério
da luz incriada poderia ter sido, numa certa medida, revelado aos pagãos. Em
todo caso, eles sabiam que a Divindade estava ligada à luz. De outro lado, os
escritos dos Padres nos revelam que o fenômeno da luz poderia ter também uma
origem demoníaca, pois o próprio demônio é capaz de se travestir em anjo de
luz.
[9] O
caso é outro quando vemos em certas imagens um tipo de auréola quadrada. É
assim que outrora se indicava que a pessoa havia sido retratada quando ainda
estava viva.
[10]
Bispo Inácio Brianchaninov, Ensaio Ascético, Tomo I.
[11]
Relato muito útil sobre o Abade Filemon, 3, Filocalia, Tomo III, Moscou 1888.
[12] A
Hierarquia Eclesiástica, cap. II, III, Paris, 1943.
[13]
Filipenses 4: 7.
[14]
Filocalia, tomo I, Moscou, 1877.
[15]
Cf. G. Florovsky, Os Padres dos séculos IV e V, Westmead, 1972.
[16]
Filocalia, tomo I, Moscou, 1877.
[17]
Or. X endereçada a São Gregório de Nisse, PG 35, 840A.
[18]
Filocalia, Tomo I.
[19]
Abbas Isaías, 15ª catequese, Filocalia, Tomo I, versão russa.
[20]
Mateus 5: 14.
[21]
Filocalia, Tomo I, versão russa.
[22]
Ensinamentos e mensagens úteis à alma, Optina Poustyn, 1895, versão russa.
[23]
Capítulos ativos e contemplativos, cap. LXVII, Filocalia, Tomo III.
[24]
Filipenses 3: 21.
[25] I
Pedro 3: 4.
[26]
Filocalia, tomo V – Carta à monja Xenia sobre as virtudes e as paixões”,
Moscou, 1889.
[27] É
assim que o problema da representação do corpo humano jamais se colocou na
ortodoxia do modo como ele é colocado no catolicismo romano desde a decisão do
Concílio de Trento em 1546 (25ª sessão): “O santo Concílio determina que se evite
toda impureza, que não se dê às imagens traços provocantes...”. Essa “impureza”
que se deve evitar era o corpo humano. A primeira coisa que fizeram as
autoridades eclesiásticas romanas foi proibir a representação do corpo humano
nu na arte religiosa. Começou uma verdadeira caça à nudez. Por ordem do papa
Paulo IV, os personagens do Juízo final de Miguel Ângelo receberam véus. O papa
Clemente VIII, abandonando meias medidas, quis apagar todo o afresco e só foi
detido por súplica da Academia de São Lucas. Carlos Borromeu, em quem se
encarnou o espírito do Concílio de Trento, fez desaparecer os nus onde quer que
os encontrasse; foram destruídos quadros e estátuas que pareciam pouco pudicos.
Alguns pintores queimaram suas próprias obras. Na Igreja ortodoxa, o próprio
caráter de sua arte exclui semelhante situação.
[28]
Atos 19: 12.
[29]
Romanos 8: 20-23.
[30]
Marcos 1: 13.
[31]
Ela se vê particularmente sublinhada em certos ícones que revelam o sentido
cósmico da imagem sagrada, como, por exemplo, “Que todo sopro louve o
Senhor...”, ou ainda “Ó cheia de graça, em Ti se regozija toda a criação...”, e
outros ainda.
[32]
E. Troubetskoy, o Sentido da Vida, Berlim, 1922.
[33]
Por exemplo, as vidas de santo Isaac o Sírio, de santa Maria Egipcíaca, de são
Sabas o Consagrado, de são Sérgio de Radonege, de são Serafim de Sarov, de são
Paulo de Obnorsk e de muitos outros.
[34] O
caráter alógico da arquitetura persistiu até a decadência (fim do século XVI e
início do século XVII) quando a compreensão da linguagem iconográfica começou a
ser perder. A partir desse momento, a arquitetura se tornou lógica e
proporcional. E, o que é curioso, é nesse momento que encontramos misturas
realmente fantásticas de formas arquitetônicas.
[35] I
Colossenses 1: 19.
[36] Arquimandrita
Spiridon, Minhas Missões na Sibéria, Paris, 1950.
[37]
Mateus 6: 22.
[38]
São João Damasceno, Primeiro Tratado em Defesa dos Ícones, cap. XIX, PG 94, I,
1249 CD.
[39]
II Coríntios 3: 18.
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